Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
48/23.7PBPTM-S.E2
Relator: FERNANDO PINA
Descritores: REEXAME DOS PRESSUPOSTOS DA PRISÃO PREVENTIVA
AUDIÇÃO DO ARGUIDO
Data do Acordão: 09/16/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Sumário: I - O direito que o arguido tem de ser ouvido, nos termos do disposto no artigo 61º, nº 1, al. b), do C. P. Penal, não é absoluto, e uma das exceções a tal direito é a prevista no artigo 213º, nº 3, do C. P. Penal, onde se estabelece que a audição do arguido deverá suceder «sempre que necessário».
II - Só nos casos em que exista uma alteração de circunstâncias, que justifiquem uma alteração da medida de coação de prisão preventiva, é que tem de ser possibilitada ao arguido, ao abrigo do princípio do contraditório, a pronúncia sobre a decisão que vier a ser tomada.
III - No caso em apreço, e até à data em que o reexame dos pressupostos da prisão preventiva foi efetuado, o arguido não invocou quaisquer razões que justificassem a alteração da medida de coação de prisão preventiva que lhe foi imposta, e, por isso, não ocorreu qualquer motivo para se proceder à sua audição, até porque tal audição teve lugar em sede de primeiro interrogatório judicial, onde foi proferido despacho a aplicar a prisão preventiva e onde o arguido foi previamente ouvido acerca das razões que, na sua perspetiva, afastariam essa aplicação.
Decisão Texto Integral:

ACORDAM OS JUÍZES, NA SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA:


I. RELATÓRIO

A –
Nos autos de Inquérito que, com o nº 48/23.7PBPTM, correm termos no Tribunal Judicial da Comarca de Faro, Juízo Central Criminal de Portimão – Juiz 3, no despacho de pronúncia proferido datado de 23-04-2025, foi decidido manter a medida de coacção de prisão preventiva ao arguido G, melhor identificado nos autos.
Inconformado com esta decisão de manutenção da sua sujeição à medida de coacção de prisão preventiva, dela recorreu, o arguido G, extraindo da respectiva motivação de recurso as seguintes (transcritas) conclusões:

1. Da tempestividade do recurso: Como os autos dão conta, o arguido solicitou atempadamente a sua comparência para comparecer no debate instrutório, presença essa que lhe foi s indeferida por despacho judicial prolatado nesse mesmo dia (28-03-2025)
2. Tal pretensão viria a ser negada pelo Tribunal. E, uma vez efectuado o Debate Instrutório, veio a ser proferida decisão instrutória, notificada ao Mandatário de arguido no dia de ontem (26 Maio 2025). (referência Citius 136590519).
3. Por isso o arguido está em tempo e detém legitimidade para a interposição deste recurso. (art. 399º e 411º nº 1 alínea a) do CPP)
4. Da violação do art. 61º nº 1 alínea b) do CPP.O arguido foi impedido de comparecer ao debate. Pese embora o disposto no art. 307º nº 4 do CPP, e porque foi impedido de comparecer, não pôde, no âmbito desse mesmo debate, pronunciar-se sobre o seu estatuto coactivo.
5. Sendo, como se sabe - que a decisão instrutória inclui decisão sobre o estatuto coactivo dos arguidos “apud” o disposto no art. 213º nº 1 alínea b) do CPP.
6. O arguido deve sempre ser ouvido pelo M. Juiz antes de este tomar uma decisão que pessoalmente o afecte.
7. A decisão de manutenção do regime de prisão preventiva é, sem sombra de dúvida, uma decisão que pessoalmente afecta o arguido.
8. Pelo que o citado preceito – art. 61º nº 1 al. b) do CPP mostra-se ter sido violado por erro de interpretação.
9. Da violação do princípio do contraditório – e da violação do princípio da “igualdade de armas”: Uma vez que o M. JIC, em cumprimento do disposto no citado art. 307º nº 4 CPP deve retirar da instrução as consequências legalmente impostas a todos os arguidos e sobre todos se pronunciar sobre a manutenção – ou não – da medida de coacção imposta (art. 213º nº 1 alínea b) do CPP), o certo é que por não se encontrar no Debate Instrutório nem o arguido nem o seu Mandatário, (que para o mesmo não foram convocados), tiveram a possibilidade de exercer o contraditório quanto à manutenção ou não da medida coactiva contrariamente à possibilidade conferida ao Digno MP, para o mesmo efeito.
10. Pelo que o douto Tribunal violou neste ínterim, “hoc et nunc” o disposto no art. 327º do CPP e art. 32º nº 5 da Lei Fundamental.
Decidindo como peticionado, e anulando o referido Debate Instrutório, assim exercerão V. Exas. a melhor e mais lidima Justiça.

Notificado nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 413º, do Código de Processo Penal, o Ministério Público, pronunciou-se no sentido da improcedência, concluindo por seu turno (transcrição):
1. No que tange à alegação do arguido G de ter sido impedido de comparecer ao debate instrutório, essa matéria, entre outras, foi submetida a apreciação do Tribunal da Relação de Évora, através de dois outros recursos previamente interpostos pelo mesmo nos presentes autos (cfr., respectivamente, ref.ªs 13622350 de 22-04-2025 e 13633242 de 27-04-2025) e admitidos (cfr. despacho de 28-04-2025 – ref.ª 136222407), relativamente aos quais ainda não foi proferida decisão e, por conseguinte, sob pena de pode ocorrer contradição de julgados, não deverá essa matéria ser apreciada com base no presente recurso, excepto na parte em que contenda com a sua não audição relativamente ao regime coactivo a que se mostra sujeito.
2. Conforme resulta da literalidade do artigo 213º, nº 3, do Código de Processo Penal, a lei não exige a presença do arguido no acto, que é concretizado mediante despacho escrito, em que se procede ao reexame dos pressupostos da prisão preventiva (daqui que não faça sentido invocar que ao não estar presente no debate instrutório viu-se impedido de se pronunciar sobre o regime coactivo), sendo usual (embora possa ser em despacho separado) constar após o dispositivo da decisão instrutória ou da decisão final proferida no processo.
3. O direito que o arguido tem de ser ouvido, nos termos do artigo 61º, nº 1, alínea b), do C.P.P., não é absoluto e uma dessas excepções é precisamente a prevista no artigo 213º, nº 3, do C.P.P. onde se estabelece que a audição do arguido só deverá suceder «quando necessário», ou seja, nos casos em que exista uma alteração das circunstâncias que justifiquem uma alteração da medida de coacção de prisão preventiva (ou de obrigação de permanência na habitação), deve ser permitido ao arguido, ao abrigo do princípio do contraditório, pronunciar-se sobre a decisão que vier a ser tomada.
4. No caso em apreço, até à data em que o reexame dos pressupostos deveria ser efectuado, o arguido G não invocou quaisquer razões que justificassem a alteração da medida de coacção de prisão preventiva que lhe foi imposta e, por conseguinte, inexistia qualquer razão concreta para se proceder à sua audição, até porque, a sua audição ocorreu em sede de primeiro interrogatório judicial, onde foi proferido despacho a aplicar tal medida e o mesmo foi ouvido acerca das razões, que na sua perspectiva, afastariam a sua aplicação.
5. De resto, tal entendimento mostra-se sufragado pelo Tribunal Constitucional no seu Acórdão nº 96/99 de 10 de Fevereiro de 1999.
6. Termos em que, pelos fundamentos acima expostos, o despacho sob recurso não violou qualquer norma constitucional e ou legal, razões pelas quais, deve o mesmo ser mantido e, por conseguinte, improceder o recurso.
Contudo, V. Exas., farão como sempre Justiça.

Neste Tribunal da Relação de Évora, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso interposto.
Foi cumprido o disposto no artigo 417º, nº 2 do Código de Processo Penal, não tendo sido apresentada qualquer resposta.
Procedeu-se a exame preliminar.
Colhidos os vistos legais e realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.

B -
No despacho de 23-04-2025, ora recorrido e da respectiva fundamentação, consta o seguinte:

(……………………………………………………..).


II – FUNDAMENTAÇÃO

1 - Âmbito do Recurso

De acordo com o disposto no artigo 412º, do Código de Processo Penal e com a Jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça nº 7/95, de 19-10-95, publicado no D.R. I-A de 28-12-95, o objecto do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extraiu da respectiva motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, que aqui e pela própria natureza do recurso, não têm aplicação.
No caso em apreço, atendendo às conclusões, a questão que se suscita é a seguinte:

- Anulação da Decisão Instrutória no segmento referente às medidas de coacção, por o Recorrente não ter sido ouvido nos termos do art. 61º nº 1 al. b), para efeitos do disposto no art. 307º, nº 4, do Código de Processo Penal.


B. Decidindo.
Tem constituído Jurisprudência pacífica, que o despacho de reapreciação dos pressupostos de aplicação da medida de coacção de prisão preventiva, nos termos do disposto no artigo 213º do Código de Processo Penal, desde que não resultem quaisquer alterações significativas, para além do decurso do tempo, dos fundamentos do despacho antecedente que determinou a aplicação de tal medida de coacção, que a mera remissão para o mesmo constitui fundamentação suficiente para o despacho proferido.
No caso, não se verificando qualquer alteração nos fundamentos do então decidido, por não emergir qualquer alteração significativa na factualidade indiciada, desnecessário resulta o mero eco dos fundamentos de então, pois resulta expressamente da lei que o primeiro despacho constitui caso julgado “rebus sic stantibus”.
Ou seja, mantendo-se inalterados os fundamentos do despacho que decretou a medida de coacção, não poderá o arguido pretender voltar a discutir os fundamentos de tal decisão, que se mostra transitada em julgado e que já foi ou podia ter sido objecto de um recurso próprio.
Daí que a fundamentação deste despacho não terá de ser exaustiva aquando da manutenção da medida aplicada, desde que apreciadas todas as questões suscitadas e o juiz tenha constatado oficiosamente que não existem circunstâncias de atenuação das exigências cautelares, não constituindo nulidade nos termos do disposto no artigo 194º, nº 6, do Código de Processo Penal, ou do disposto nos artigos 374º, nº 2 e, 379º, nº 1, alínea a), do Código de Processo Penal, nem violando o disposto no artigo 205º da Constituição da República Portuguesa.
Por outro lado, resulta expresso do disposto no artigo 213º nº 1 e nº 3, do Código de Processo Penal, que quando do reexame dos pressupostos da prisão preventiva, sempre que necessário, o juiz ouve … o arguido.
Então, não existe qualquer obrigatoriedade de audição do arguido, nos termos do disposto no artigo 61º, nº 1, alínea b), do Código de Processo Penal, pois a norma especial constante do artigo 213º, nº 3, do mesmo diploma legal, estabelece um regime próprio para o reexame dos pressupostos da prisão preventiva, colocando no juiz a apreciação da necessidade ou não da audição do arguido: Tal não viola o princípio do contraditório ou da igualdade de armas e muito menos existiria qualquer fundamento legal e legitimo para, por tal, anular uma decisão instrutória, na qual o arguido/recorrente nem sequer foi interveniente, não tendo legitimidade para tal requerer.
Nestes termos, resultam da motivação e das conclusões do recurso apresentado apenas alegações admissíveis relativas ao reexame da medida de coacção aplicada ao arguido/recorrente, mantendo-se inalterados os fundamentos do despacho que determinou que o arguido aguardasse em prisão preventiva os ulteriores termos processuais, despacho este que se mostra transitado em julgado.
Não tendo ocorrido qualquer alteração dos pressupostos em que se fundamentou tal decisão, nem tal é pelo recorrente invocado, limitando-se apenas a invocar um direito à audição, que na situação concreta não tem qualquer suporte legal.
Tal argumentação em nada altera os fundamentos constantes do despacho que determinou a aplicação ao arguido G da medida de coacção de prisão preventiva.
Assim, considerando o já referido, que não resulta dos autos nenhuma atenuação especial dos pressupostos genéricos para a aplicação da medida de coação de prisão preventiva, mantendo-se, pois, inalterados os pressupostos gerais constantes do artigo 204º do Código de Processo Penal, bem como os pressupostos específicos cumulativos consagrados na lei:
- A existência de fortes indícios da prática de crime;
- Que o crime indiciado seja doloso;
- Que o crime indiciado seja punível com pena de prisão de máximo superior a 5 anos, ou, tratando-se de crime de terrorismo, criminalidade violenta ou altamente organizada, de máximo superior a 3 anos.
Para além destes pressupostos, a verificação das seguintes condições:
- A inadequação ou insuficiência das outras medidas de coacção, artigo 202º, nº 1, do Código de Processo Penal;
- A necessidade, adequação e proporcionalidade da medida – artigo 193º, nº 1, parte final, do mesmo Código de Processo Penal.
Em consequência, é de desatender à pretensão do recorrente G.
Concluindo, encontram-se preenchidos os pressupostos, quer os de carácter geral, quer os de carácter específico, impostos por lei, para que ao recorrente possa ser aplicada a medida de coacção de prisão preventiva, medida essa que, dentro da panóplia das medidas de coacção previstas na lei, é a única capaz de satisfazer de forma adequada e suficiente as exigências cautelares do caso concreto, pelo que bem andou o Juiz “a quo” ao ter determinado que o arguido/recorrente G continuasse a aguardar os ulteriores termos do processo em prisão preventiva, não se verificando qualquer violação do direito à audição do arguido, artigos 307º, nº 4 e 61, nº 1, alínea b) do Código de Processo Penal e, 32º, da Constituição da República Portuguesa.
Por tudo o que se deixa dito, o recurso tem forçosamente que improceder, na sua globalidade.
Em vista do decaimento total no recurso interposto pelo arguido G, ao abrigo do disposto nos artigos 513º, nº 1 e, 514º, nº 1, do Código de Processo Penal, 8º, nº 5, com referência à Tabela III anexa, do Regulamento das Custas Processuais, impõe-se a condenação do recorrente nas custas, fixando-se a taxa de justiça em 4 (quatro) unidades de conta, sem prejuízo do eventual benefício de apoio judiciário de que goze.


III - DISPOSITIVO

Face ao exposto, acordam os juízes da Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em:
Julgar totalmente improcedente o recurso interposto pelo arguido G, confirmando-se o despacho recorrido, relativamente à manutenção da medida de coação.
Custas pelo recorrente que se fixam em 4UC, sem prejuízo do eventual benefício de apoio judiciário de que goze.

Certifica-se, para os efeitos do disposto no artigo 94º, nº 2, do Código do Processo Penal, que o presente Acórdão foi pelo relator elaborado em processador de texto informático, tendo sido integralmente revisto pelos signatários.

Évora, 16-09-2025
Fernando Pina
Beatriz Marques Borges
Fátima Bernardes