Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
97/24.8T8STR.E1
Relator: ISABEL DE MATOS PEIXOTO IMAGINÁRIO
Descritores: PETIÇÃO INICIAL
REJEIÇÃO
SECRETARIA JUDICIAL
TAXA DE JUSTIÇA INICIAL
Data do Acordão: 06/06/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: - a petição inicial deve ser rejeitada pela secretaria caso não tenha sido comprovado o prévio pagamento da taxa de justiça ou a concessão de apoio judiciário, exceto nos casos em que seja requerida a citação urgente;
- a apreciação do (des)acerto da decisão de rejeição pela secretaria há de ser apreciada, quer em sede de reclamação em 1.ª Instância, quer em sede de recurso, à luz dos condicionalismos que se verificavam no momento em que teve lugar a mencionada rejeição.
(Sumário da Relatora)
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Évora


I – As Partes e o Litígio

Recorrente / Autora: (…)
Recorridos / Réus: (…) e outro

A 11/01/2024, foi intentada a presente ação declarativa de condenação com vista à cessação do contrato de arrendamento para habitação, e subsequente despejo dos Réus do locado, fazendo-se menção de a p.i. estar instruída com o comprovativo do pedido de dispensa do pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo junto do Instituto da Segurança Social, I.P..
Foi junto documento comprovativo de tal requerimento ter sido apresentado nos serviços da Segurança Social a 04/01/2024.
A secretaria do Tribunal, a 15/01/2024, recusou a petição inicial nos seguintes termos:
«Nos termos do artigo 17.º da Portaria n.º 280/2013, de 26 de agosto, com as alterações introduzidas pela Portaria n.º 170/2017, de 13 de março, fica notificado, na qualidade de Mandatário, e relativamente ao processo supra identificado, da recusa da petição inicial apresentada (artigo 558.º, n.º 1, alínea f), do CPC.
Do ato de recusa da petição inicial poderá apresentar reclamação, nos termos do n.º 1 do artigo 559.º do CPC. Decorrido o prazo para a reclamação da recusa, ou, havendo reclamação, após o trânsito em julgado da decisão que confirme o não recebimento, considera-se a peça recusada, dando-se a respetiva baixa na distribuição.»
A 25/01/2024, a Autora juntou aos autos documento emanado da Segurança Social do qual resulta que, nessa data, estava em análise a resposta à audiência prévia relativa à decisão de pagamento faseado de € 80,00, mensais.

II – O Objeto do Recurso
A Autora apresentou-se a reclamar de tal ato, pugnando pelo prosseguimento dos autos, invocando que sempre procedeu do mesmo modo, ao longo de quase 40 anos, sem nunca ter visto recusada petição inicial, que a recusa da p.i. pela Secretaria é ilícita e ilegal porque violadora do artigo 20.º, n.º 1, da C.R.P., que, após a notificação da recusa, a Autora foi notificada do Despacho da Segurança Social que concedeu a proteção jurídica modalidade requerida, mediante pagamento faseado da Taxa de Justiça, de Euros: 80,00, mensais, junto DUC comprovativo do respetivo pagamento.
Foi proferido despacho julgando a reclamação totalmente improcedente, confirmando-se o ato de recusa da petição inicial praticado pela secretaria judicial.

Inconformada, a Autora apresentou-se a recorrer, pugnando pela revogação da decisão recorrida, a substituir por outra que decrete a prossecução do processo. As conclusões da alegação do recurso são as seguintes:
«1.ª – O Tribunal a quo decidiu mal e ilegalmente quando julgou totalmente improcedente a Reclamação da aqui Recorrente e, decorrentemente, confirmou o ato de recusa da Petição Inicial (P.I.), praticado pela Secretaria Judicial. Com efeito,
2.ª – Aquando da apresentação da Reclamação toda a situação tributável/tributária estava integralmente regularizada atento a que foi junto aos autos Despacho da Segurança Social (expedição de 17/01/2024) que tinha recaído sobre o Pedido de Apoio Judiciário feito em 04/01/2024, este por sua vez feito 7 dias antes da entrada da P.I. (a P.I. entrou em juízo em 11/01/2024). Do que decorre que,
3.ª – Uma vez que, a situação tributária/tributável estava integralmente regularizada aquando da apresentação da Reclamação; o Tribunal “a quo” praticou um ato inútil (artigo 130.º do C.P.C.) ao Decidir da forma e modo que Decidiu mantendo a rejeição da P.I.. Com efeito,
4.ª – Os atos inúteis são proibidos no processo (artigo 130.º do C.P.C.).
5.ª – Com a sua Decisão o Tribunal a quo violou o artigo 20.º, n.º 1, da C.R.P., artigo 9.º do Código Civil e artigos 130.º e 560.º, ambos do C.P.C., pretendendo a “multiplicação” de processos por razões alegadamente adjetivas e sem qualquer fundamento substantivo plausível e inteligível, que o justificasse.
6.ª – A solução injusta no resultado não pode ser entendida como vontade da Lei (artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil).
7.ª – A Decisão do Tribunal a quo, agora e aqui “atacada”, desagua necessariamente num ato inútil, pois, antevê a multiplicação de processos quando, de facto, tal não é necessário, atento que o presente processo absorve/integra todos os requisitos Legais necessários e suficientes para o processo prosseguir até final. Porque assim é,
8.ª – O Venerando Tribunal da Relação de Évora deverá proferir douto Acórdão, o que se requer, que revogue o Despacho/Decisão proferido pelo Tribunal a quo em 31/01/2024 que julgou totalmente improcedente a Reclamação efetuada pela aqui Recorrente e que, decorrentemente, confirmou o ato de recusa da Petição Inicial praticado pela Secretaria Judicial; e, consequentemente, o substitua por douto Acórdão que determine o recebimento da Petição Inicial com as respetivas consequências legais daí decorrentes e advenientes, nomeadamente, o prosseguimento dos autos até final; o que igualmente se requer.

Cumpre apreciar o desacerto da decisão de recusa da petição inicial pela secretaria do Tribunal.

III – Fundamentos
A – Dados a considerar: os acima referidos.

B – A questão do Recurso
Nos termos do disposto no artigo 552.º/7, do CPC, o autor deve, com a apresentação da petição inicial, comprovar o prévio pagamento da taxa de justiça devida ou a concessão do benefício do apoio judiciário, na modalidade de dispensa do mesmo, nos termos definidos na portaria prevista no n.º 2 do artigo 132.º.
Já o artigo 558.º, alínea f), do CPC estabelece que é fundamento de rejeição da petição inicial a não comprovação do prévio pagamento da taxa de justiça devida ou a concessão de apoio judiciário, exceto no caso previsto no n.º 9[1] do artigo 552.º.
Este é o regime que foi instituído pelo DL n.º 183/200, passando a exigir-se o pagamento da taxa de justiça antes da propositura da ação e a junção do comprovativo do pagamento, salvo os casos em que haja lugar ao benefício do apoio judiciário, cuja concessão há de ser comprovada com a apresentação da petição inicial, sob pena de recusa do recebimento do articulado pela secretaria, nos termos estabelecidos pelo artigo 558.º, alínea f), do CPC.[2]
No regime pretérito, a petição devia ser instruída com o comprovativo do requerimento do benefício do apoio judiciário, tal como procedeu a Autora na presente ação.
Uma vez que a ação foi proposta antes que tivesse decorrido o prazo de 30 dias sobre a data do pedido de concessão do apoio judiciário (relevante para efeitos de deferimento tácito, caso tivesse sido invocado), o regime legal aplicável não permite outra atuação à secretaria que não seja o ato de recusa, que nenhuma censura merece.
Não há como acolher a alegação da Recorrente no sentido de ser atendido o facto superveniente da concessão do apoio judiciário na modalidade de pagamento faseado da taxa de justiça, à razão mensal de € 80,00.
Na verdade, quer o despacho que apreciou a reclamação do ato da secretaria quer o presente recurso há de reapreciar a questão – a questão de saber se havia fundamento para a rejeição da petição inicial – dentro dos mesmos condicionalismos em que se encontrava a secretaria no momento da prolação da decisão de rejeição.
Neste sentido, entre muitos outros, cfr. Ac. TRL de 13/04/2010 (Ana Grácio):
«A secretaria do Tribunal deve recursar o recebimento da petição inicial, se o autor – não sendo caso de urgência previsto no artigo 467.º[3], n.º 4, do CPC – a não acompanhar do documento comprovativo do prévio pagamento da taxa de justiça inicial ou da concessão do benefício do apoio judiciário exigidos (…)»
Ac. TRE de 23/04/2024 (Tomé de Carvalho):
«A falta de apresentação do documento comprovativo da concessão do apoio judiciário ou do comprovativo do pagamento da taxa de justiça tem por consequência a possibilidade de a secretaria recursar a petição inicial e de a ação não ser admitida à distribuição.»
O regime legal aqui citado, e que implica na decisão tomada pela secretaria do Tribunal, não é afastado por considerações atinentes à (in)utilidade da prática de atos processuais ou à garantia constitucional do acesso dos cidadãos à justiça.
É que, por um lado, o mesmo regime legal prevê e regula as situações em que o elemento que estava em falta é supervenientemente obtido, avançando dever ser apresentada outra petição inicial – cfr. artigo 560.º do CPC, que concede benefício ali mencionado caso se verifiquem os pressupostos ali previstos.
Por outro lado, o acesso dos cidadãos à justiça opera-se segundo regras processuais estabelecidas, designadamente as aqui citadas, não havendo notícia de que se trate de regime desconforme ao ordenamento constitucional.

É manifesto que improcedem as conclusões da alegação do presente recurso, inexistindo fundamento para revogação da decisão recorrida.

As custas recaem sobre a Recorrente – artigo 527.º, n.º 1, do CPC.

Sumário: (…)

IV – DECISÃO
Nestes termos, decide-se pela total improcedência do recurso, em consequência do que se confirma a decisão recorrida.

Custas pela Recorrente.
*
Évora, 6 de junho de 2024
Isabel de Matos Peixoto Imaginário
José Manuel Tomé de Carvalho
Mário João Canelas Brás


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[1] Requerimento de citação urgente prevista no artigo 561.º do CPC.
[2] Cfr. Lebre de Freitas, CPC Anotado, vol. 2.º, 2001, pág. 227 e Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa, CPC Anotado, Vol. I, 2.ª edição, pág. 634.
[3] Corresponde ao atual artigo 552.º do CPC.