Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | FILIPE AVEIRO MARQUES | ||
Descritores: | CAUSA DE PEDIR FACTOS ESSENCIAIS FACTO CONSTITUTIVO ANULABILIDADE PEDIDO INEPTIDÃO DA PETIÇÃO INICIAL | ||
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Data do Acordão: | 07/10/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA A DECISÃO RECORRIDA | ||
Área Temática: | CÍVEL | ||
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Sumário: | Sumário: 1. O preenchimento da causa de pedir, independentemente da qualificação jurídica apresentada, supõe a alegação do conjunto de factos essenciais que se inserem na previsão abstracta da norma ou normas jurídicas definidores do direito substantivo cuja tutela jurisdicional se pretende. 2. Pretendendo os autores a anulabilidade de certos negócios jurídicos que, na sua versão, celebraram com o réu, não tendo fornecido qualquer facto constitutivo ou um enquadramento jurídico mínimo, tornando impossível ao Tribunal e à parte contrária tentar perceber de onde poderá vir essa anulabilidade em abstracto, falta a causa de pedir quanto a esse pedido, o que gera a ineptidão da petição inicial. | ||
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Decisão Texto Integral: | Apelação n.º 3293/23.1T8STB.E1 (1.ª Secção) Relator: Filipe Aveiro Marques 1.ª Adjunta: Susana Ferrão da Costa Cabral 2.ª Adjunta: Ana Pessoa * *** * *** * Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Évora: I. RELATÓRIO: I.A. AA e BB, autores na acção declarativa de condenação que intentaram contra MANUEL DUARTE SEROIS SILVEIRA BENAVENTE vieram recorrer dos despachos proferidos em 15/11/2024. Na petição inicial apresentada, os autores tinham terminado com o seguinte pedido: “Deve a presente ação ser considerada procedente por provada e em consequência ser o Réu. Manuel Benavente condenado a: a) pagar aos Autores quantia de € 143.397,00 (cento e quarenta e três mil trezentos e noventa e sete Euros), por enriquecimento ilegítimo à custa do património dos mesmos e incumprimento definitivo por parte do Réu, no cumprimento da obrigação de entregar ao Autor marido as viaturas automóveis negociadas, tendo por via disso os Autores, direito conforme já referido a serem devolvidas as referidas quantias pecuniárias prestadas para a compra dos veículos automóveis, quantia esta acrescida do juros moratórios legais, vencidos e vincendos até integral e efetivo pagamento, arguindo-se a anulabilidade dos negócios jurídicos celebrados entre o A. marido e o Réu, artigos 288.º 473.º, 805.º, 806.º e 808.º todos do Código Civil. b) A pagar aos Autores em sede de execução a quantia que se vier a apurar a título indemnizatório, pelos danos patrimoniais, pela perca de vários clientes e na impossibilidade de manutenção do seu negócio, deixando de poder exercer a sua atividade comercial, uma vez que deixaram de lhe conceder crédito bancário, movimentar contas à ordem ou a prazo, passando a sobreviver com a sua mulher, apenas com os rendimentos da sua reforma e com a ajuda dos seus filhos, para prover as suas necessidades mais básicas, dano patrimonial, que ora se reivindica, acrescido dos respetivos juros moratórios legais, vencidos e vincendos desde a citação do Réu até efetivo e integral pagamento. c) a pagar ao Autor marido a quantia de €30.000,00(Trinta mil euros), a título de dano não patrimonial, sofrido, como consequência direta e necessária da conduta do Réu, conforme supra descrito na presente peça processual e que aqui se volta a reproduzir para todos efeitos legais. d) Relegando-se para execução de sentença a condenação do Réu, nos danos patrimoniais, sofridos pelos Autores ainda não quantificáveis, conforme vertido no artigos 55.º e 56º da presente peça processual, correspondente a todos os danos patrimoniais que se vierem a apurar, em sede da ação executiva supra indicada, uma vez que a execução ainda corre os seus termos, sendo por ora, não quantificáveis os referidos danos. e) Ser o Réu condenado nas custas e demais encargos com o processo.” Tinham alegado na sua PI, em suma, que o autor marido era empresário em nome individual com actividade comercial de compra e venda de veículos usados. O réu tinha a mesma actividade comercial. Acordaram, em 2003, que o réu iria fornecer ao autor um conjunto de veículos e este iria emitir cheques pré-datados e livranças como forma de pagamento (que só seriam sacados após entrega dos veículos). A primeira transacção de alguns veículos correu bem, pelo que o autor solicitou ao réu que se munisse de mais veículos, o que o réu concordou fazer. O autor entregou ao réu vários cheques pré-datados que discrimina (artigo 13.º da PI) no total de 126.297,00€ e livranças no valor total de 17.100,00€. Contrariamente ao acordado, o réu não entregou ao autor as viaturas, mas apresentou os cheques e livranças a pagamento, tendo recebido o valor de 78.463,00€, enriquecendo-se e sem que tivesse cumprido o negócio que tinha celebrado. E verificando que alguns cheques não tinham provisão, apresentou execução contra o autor. Decorridos 19 anos sem que o réu tenha procedido à entrega dos veículos ocorreu por parte deste incumprimento definitivo da sua obrigação para com o autor marido (artigo 45.º da PI). É inexigível ao autor a manutenção no interesse da entrega das referidas viaturas, pelo que requer a anulabilidade dos negócios (artigo 46.º da PI). Mais dizem os autores que o réu deve ser condenado por enriquecimento ilegítimo à custa do património dos primeiros e incumprimento definitivo por parte do réu no cumprimento da obrigação de entregar as viaturas negociadas (artigo 63.º da PI). Contestou o réu invocando, além do mais, a ineptidão da petição inicial por não terem os autores concretizado a causa de pedir. Invoca, também, a excepção do caso julgado, Os autores apresentaram resposta a 22/06/2023, pronunciando-se sobre a excepção da ineptidão da PI invocada pelo réu e sobre a excepção do caso julgado. Em 16/02/2024 foi proferido o seguinte despacho: “Convido A. a explicitar quais os cheques apresentados pelo R. logo a pagamento e que perfazem a quantia de €78.463,00 e quais os que serviram de título à execução intentada e bem assim qual o montante que o R. já logrou obter no âmbito do processo executivo, devendo comprovar este facto com certidão”. O Réu apresentou requerimento em 20/02/2024 onde diz que nunca teve cheques ou livranças em branco, uma vez que os cheques, letras e livranças entregues pelo autor sempre foram preenchidos e assinados pelo autor e sempre foram devolvidos por falta de pagamento. Termina pedindo a improcedência da acção e a sua absolvição dos pedidos formulados pelo autor. Os autores, em 25/02/2024, apresentaram esclarecimentos dizendo, em suma, que: os cheques que foram apresentados a pagamento pelo réu e tiveram boa cobrança perfazem o valor de 92.714,00€ e não o valor de 78.463,00€ como, por lapso, tinham indicado na PI; os títulos que serviram de base à execução totalizam o valor de 50.583,00€. Por isso, reduzem o pedido nos seguintes termos: “os AA. vêm ao abrigo do disposto no art. 265º/2 do CPC reduzir parcialmente o pedido para o valor de 122.714,00€ , sendo 92.714,00€ a titulo de danos patrimoniais, em face da correcção supra enunciada e a titulo de danos não patrimoniais o valor de 30.000,00€, sem prejuízo dos juros comerciais, peticionados vencidos e vincendos sobre tais quantias”. Também por requerimento de 25/02/2024, os autores requerem o desentranhamento do requerimento apresentado pelo réu em 20/02/2024. Em 18/04/2024 foi proferido o seguinte despacho: “Quanto à questão dos requerimentos intempestivos, em sede de audiência prévia tomar-se-á posição. Redução do pedido: ouça o R. Em ordem à apreciação do caso julgado, convido o R. a apresentar certidão da decisão do processo invocado em seu fundamento, com nota de transito em julgado”. Por requerimento de 7/05/2024 o réu junta certidão do processo 5513/21.8... Por requerimento de 23/05/2024 os autores pronunciam-se sobre o documento e mais dizem que nessa acção não foi apreciado o pedido, pois a mesma terminou com absolvição da instância, pelo que não estão reunidos os requisitos do caso julgado. De seguida, foi convocada audiência prévia e, realizada esta diligência, foram proferidos os despachos recorridos. O primeiro é do seguinte teor: “O R. arguiu a ineptidão da petição inicial, alegando que os AA não especificam de forma clara e objetiva quais os factos que lhe imputam e que fundamentam o pedido Os AA responderam nos termos que constam do requerimento de 22.06.2023, onde alegam factos novos e tentam concretizar o que havia sido referido na p.i. A esse propósito importa referir que na resposta à nulidade a parte não pode aperfeiçoar o seu articulado. Só o poderá fazer caso o Tribunal a convide a tanto, o que apenas sucedeu, nos termos que constam do despacho de 16.02.2024.--- Pelo exposto determino o oportuno desentranhamento e devolução ao apresentante.--- Outrossim determino o desentranhamento e oportuna devolução ao R. do requerimento de 20.02.2024, porquanto no mesmo responde-se em parte ao convite ao aperfeiçoamento e o mesmo foi dirigido ao A.” E o segundo despacho, em sede de saneamento do processo, é do seguinte teor: “Da ineptidão da petição inicial O R. arguiu a ineptidão da petição inicial, alegando que os AA não especificam de forma clara e objetiva quais os factos que lhe imputam e que fundamentam o pedido.--- Os AA responderam nos termos que constam do registo fonográfico da presente diligência.--- Cumpre decidir Nos termos do disposto no artigo 186º, nº 1 do CPC «é nulo todo o processo quando for inepta a petição inicial».--- Por seu turno, o nº 2 do mesmo normativo estipula que a petição é inepta, além do mais, «quando falte ou seja ininteligível a indicação do pedido ou da causa de pedir» - at. a) e «quando se cumulem causas de pedir ou pedidos substancialmente incompatíveis».--- Já o artº 552º , nº 1, al. d), do C.P.C. dita que, na petição inicial, o autor deve expor os factos essenciais que constituem a causa de pedir e as razões de direito que servem de fundamento à ação.--- A noção de "causa de pedir" está consagrada no artº 581º nº 4, e corresponde à fonte do direito invocado, o ato ou facto jurídico em que o autor se baseia para formular o seu pedido e de que, no seu entender, o direito procede.-- Sinteticamente, pode, então, dizer-se que o pedido consiste na forma de tutela jurisdicional que é requerida para determinada situação subjetiva e que a causa de pedir é o facto concreto que serve de fundamento ao efeito jurídico pretendido: ato ou facto jurídico (simples ou complexo, mas sempre concreto), donde o autor pretende ter derivado o direito a tutelar (cfr. o .prof. Manuel de Andrade, in "Noções Elementares de Processo Civil, 1963, págs. 107 e 297", e os profs. Antunes Varela/Miguel Bezerra/Sampaio e Nora, in "Ob.. cit., pág. 245").--- No caso em análise, os AA peticionam a condenação do R.:---- a) pagar aos Autores quantia de € 143.397,00 (cento e quarenta e três mil trezentos e noventa e sete Euros), por enriquecimento ilegítimo à custa do património dos mesmos e incumprimento definitivo por parte do Réu, no cumprimento da obrigação de entregar ao Autor marido as viaturas automóveis negociadas, tendo por via disso os Autores, direito a serem devolvidas as referidas quantias pecuniárias prestadas para a compra dos veículos automóveis, quantia esta acrescida do juros moratórios legais, vencidos e vincendos até integral e efetivo pagamento, arguindo-se a anulabilidade dos negócios jurídicos celebrados entre o A. marido e o Réu, artigos 288.º, 473.º, 805.º, 806.º e 808.º todos do Código Civil.-- b)A pagar aos Autores em sede de execução a quantia que se vier a apurar a título indemnizatório, pelos danos patrimoniais, pela perda de vários clientes e na impossibilidade de manutenção do seu negócio, deixando de poder exercer a sua atividade comercial, uma vez que deixaram de lhe conceder crédito bancário, movimentar contas à ordem ou a prazo, passando a sobreviver com a sua mulher, apenas com os rendimentos da sua reforma e com a ajuda dos seus filhos, para prover as suas necessidades mais básicas, dano patrimonial, que ora se reivindica, acrescido dos respetivos juros moratórios legais, vencidos e vincendos desde a citação do Réu até efetivo e integral pagamento.--- c) a pagar ao Autor marido a quantia de mil euros), a título de dano não patrimonial, sofrido, como consequência direta e necessária da conduta do Réu, conforme supra descrito na presente peça processual e que aqui se volta a reproduzir para todos efeitos legais.--- d)Relegando-se para execução de sentença a condenação do Réu, nos danos patrimoniais, sofridos pelos Autores ainda não quantificáveis, conforme vertido no artigos 55.º e 56º da presente peça processual.--- Em fundamento da sua pretensão referem que o A. marido e o R. exercem ou exerceram a atividade de compra e venda de veículos automóveis, sendo que em Junho de 2003 o R. declarou "poder munir-se dos veículos automóveis pretendidos", e que aparentemente seriam os que constam do arto 11º da p.i. --- Ficou igualmente acordado que o A. emitiria cheques pré-datados e livranças, como forma de pagamento, os quais só seriam descontados após a entrega dos veículos. Mais, "o Autor marido, no âmbito do negócio celebrado com o Réu, logrou junto deste, adquirir uma grande quantidade de veículos, de entre dos quais, parte desses veículos destinavam-se aos clientes que tinham demonstrado esse interesse, como sempre o fazia, encetando vários negócios com o Réu de compra desses veículos".--- O R. entregou os cheques referidos no artº 13, que totalizam o montante de € 126.297,00 e as livranças discriminadas no artº 14º, num valor total de €17.100,00, ou seja, entregou-lhe € 143.397,00, valor posteriormente reduzido.--- O Réu, começou a protelar no tempo a entrega das viaturas ao Autor marido, e bem assim as respetivas declarações de compra e venda e faturas.--- O Autor marido, deslocou-se vezes sem conta, de Cidade 1 a Cidade 2, à morada do Réu, fazendo-lhe longas esperas, com a finalidade de o encontrar, uma vez que o mesmo já não atendia as suas chamadas telefónicas, o que lhe causou grande ansiedade.--- O filho solicitou os cheques ao R., mas depois disseram-lhe que ainda estava interessado no negócio. Mas o R. continuou a não dar resposta o que causou novamente grande ansiedade ao A.--- Entretanto o R. apresentou a pagamento cheques no valor de € 78.463,00, sem que tivesse cumprido o negócio, pelo que se enriqueceu à custa do património do A.--- Como alguns cheques não tinham provisão o A. apresentou execução contra o A., a que deduziu oposição, sem sucesso, o que levou a que tenha ficado em descrédito e com grandes problemas financeiros. Passados 19 anos o R. ainda não entregou os veículos, pelo que incorreu em incumprimento definitivo, já que perdeu o interesse na prestação atendendo ao tempo em que persiste a mora.-- Como consequência direta da conduta do Réu, o Autor marido para além do dano patrimonial correspondente ao pagamento das viaturas prometidas vender no valor de €143.397,00 (valor que depois reduziu), teve avultados danos patrimoniais, pela perda de vários clientes e na impossibilidade de manutenção do seu negócio, deixando de poder exercer a sua atividade comercial, uma vez que deixaram de lhe conceder crédito bancário, movimentar contas à ordem ou a prazo, passando a sobreviver com a sua mulher, apenas com os rendimentos da sua parca reforma e com a ajuda dos seus filhos, para prover as suas necessidades mais básicas, dano patrimonial, ainda não quantificável na sua totalidade pelo que se relega para execução de sentença a indemnização a reivindicar por tal dano patrimonial.--- Este introito suscita as seguintes considerações.--- O relegar para execução de sentença o montante de danos, pressupõe que na ação os mesmos tenham sido reconhecidos como verificados, pelo que o A. teria de alegar quais os danos que invoca, e porque ainda os não pode contabilizar, uma vez que parece que estão verificados.--- Tão pouco é referido o que é que foi estipulado em relação ao prazo de entrega das viaturas, sendo que só por referência ao mesmo se pode aferir da mora e incumprimento definitivo por perda de interesse, não menciona as datas das sucessivas interpelações que diz que ele e o filho fizeram ao Requerente, nem alega a data em que renovou a vontade de contratar, qual o eco do R. a tal atitude, designadamente se foi estipulada nova data para a entrega, sendo que sem esses elementos não é possível aferir do momento da mora.--- Tão pouco refere quando é que perdeu o interesse no negócio e se comunicou tal facto ao R.--- Por outra via, ao pedir-se a devolução da predita quantia "por enriquecimento ilegítimo" parece remeter-se para o instituto do enriquecimento sem causa.--- Também pedem a anulabilidade dos negócios jurídicos celebrados entre as partes, mas não dizem qual é o fundamento para a anulabilidade, além de que remetem para o art. o 288º do CC, que trata da sanação da anulabilidade.---- Ou seja, fica-se sem entender qual é instituto jurídico que realmente invocam em sustentação do pedido da al. a) e, caso seja mais do que um, qual o regime em que devem ser apreciados (cumulação/subsidiariedade/alternatividade).--- Por último, do aperfeiçoamento dos AA ainda surge maior confusão: é que na p.i. pedem o montante da al. a) acrescido, além do mais, do da al. c), mas no aperfeiçoamento pedem o montante da al. a) reduzido a 122.714,00€, indicando que 92.714,00€ é a titulo de danos patrimoniais, em face da correção e 30.000,00€, a titulo de danos não patrimoniais.--- A exigência do ar.º 552º nº 1 d) do CPC traduz-se na necessidade de articulação de “factos concretos, objetivos e individualizados que sustentem lógica, suficiente, adequada e juridicamente os pedidos formulados na mesma ação" - AC. do TRL, de 16.09.2008, po 4497/2008, disponível em www.dgsi.pt/.----- Essa concretização de facto é, assim, justificadamente considerada pela lei como essencial para que o Réu possa organizar convenientemente a sua defesa, e o tribunal tenha perceção das efetivas questões a que tem de dar resposta.--- No caso vertente, a enumeração dos factos é tão pouco clara que torna quase incompreensível a narrativa que sustenta os pedidos, incompreensibilidade que se estende ao pedido da al. a) e à sua globalidade, sendo que neste segmento a mesma resulta do aperfeiçoamento.--- E embora o tribunal tenha suscitado esclarecimentos e os AA os tenham prestado, os mesmos não atenuaram as deficiências apontadas. Pelo contrário, agravaram-nas parcialmente, conforme acima assinalado.--- Por outra via, entende-se que não seria o aperfeiçoamento de mais um ou outro facto, que colmataria tal incompreensibilidade, já que a mesma atinge toda a narrativa e também o pedido.--- Ou seja, a p.i. é inepta, por ininteligibilidade da causa de pedir e do pedido, o que dita a nulidade do processo. Decisão: Em face do exposto, vistas as já indicadas normas jurídicas e os princípios expostos, o tribunal julga inepta a petição inicial, por ininteligibilidade da causa de pedir e do pedido, considerando nulo todo o processo, o que nos termos do disposto no artº 577º, al. b) do CPC, configura exceção dilatória nominada, que obsta ao conhecimento do mérito e dá lugar à absolvição do R. da instância, o que se declara (artº 576º, nº 2 do CPC).---- Custas a cargo dos AA.--- Registe e notifique.--- Valor: o indicado na p.i.---” I.B. Os autores/apelantes vieram recorrer desses despachos e apresentaram alegações onde terminam com as seguintes conclusões: “A . O Tribunal a quo incorre em erro de julgamento sobre matéria de Direito, em concreto atento o disposto nos referidos artigos 186º nº 1 e 2 alin. a), quanto à ininteligibilidade da causa de pedir e do pedido e alínea c) quanto à cumulação de causas de pedir ou pedidos substancialmente incompatíveis e nº 3 do mesmo preceito, quanto à sanação de uma eventual ineptidão; assim como na violação do dever de gestão processual, principio da cooperação e adequação formal , atento o disposto no art. 6º, 7º , 547º e 590º todos do CPC. B. São as seguintes as questões de direito parcelares a abordar, objecto do presente recurso: I. Despacho que determinou o desentranhamento do requerimento de 22.06.2023 II. Dos factos essenciais narrados e do pedido apresentado pelos Autores. III. Da ineptidão da petição inicial : da ininteligibilidade causa de pedir e pedido IV. Da cumulação causas de pedir ou pedidos substancialmente incompatíveis; V. Da nulidade da Sentença I .Despacho prévio ao saneador sentença proferido na mesma data, que determinou desentranhamento do requerimento de 22.06.2023 , viola o principio do contraditório e da estabilidade da instância. C. O R. na sua contestação invocou duas excepções dilatórias, a da ineptidão da petição inicial e a de caso julgado, muito embora a resposta às excepções, a sua discussão e apreciação, apenas esteja prevista aquando da realização da audiência prévia, à luz do disposto no art. 591º do CPC, todavia, vem sendo comum, nos tribunais atento os princípios de economia processual e agilização processual, admitir às partes a resposta às excepções dilatórias. D. Os AA. ofereceram o seu requerimento em 22.06.2023, em resposta a tais excepções dilatórias invocadas pelo R., que aqui se dá por reproduzido para os devidos efeitos legais, todavia o Tribunal a quo , não se pronunciou sobre a sua admissão e também não o indeferiu, antes promove e requisita certidão em 30.11.2023, junto dos autos de execução nº 5256/04.7..., a que os AA. Se haviam referido nesse requerimento por forma a instruir estes autos. E. Entendemos pois, que o tribunal a quo errou, ao não ter apreciado previamente esse requerimento de resposta às excepções, ao ter mandado prosseguir os autos, sem ter o objectado, apenas o não admitindo em plena Audiência prévia, mais de um ano depois, comprometendo a estabilidade da instância, pelo que tal decisão, para além de surpresa é contraproducente e atentatória ao principio do contraditório e da cooperação das partes e gestão processual e adequação formal e, plasmado no art. 3º/3, 6º, 7º, 547º do CPC. II. Dos Factos essenciais e do pedido apresentado pelos Autores F. Os AA. que deram cumprimento ao disposto no art. 552º nº 1 do CPC, quantos aos requisitos da petição inicial, nomeadamente, indicaram os factos essenciais que constituem a causa de pedir e as razões de direito que servem de fundamento à acção e formular o pedido; G. Já que identificaram o contrato com base no qual resulta os montantes reclamados, identificando-o como contrato de compra e venda de automóveis; identificaram as viaturas automóveis objecto do mesmo; o valor que os AA. entregaram por conta da compra dessas viaturas, titulados pelos cheques pré-datados que identificaram; os valores dos cheques apresentados a pagamento e pagos à ordem do R.; a falta de entrega das viaturas pelo R., donde resultou o seu incumprimento e a perda do interesse dos AA. volvidos tantos anos; da perda dos clientes ; o estado de saúde grave desenvolvido pelo A. marido resultante do incumprimento contratual do R., da afectação da sua honra pessoal e reputação profissional, na sequência do incumprimento do R. H. Com base nos quais formularam um pedido de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais, pelo que com base na causa de pedir e nos pedidos que formularam, entendem os AA que o tribunal estava habilitado a fazer prosseguir os autos, podendo no seu Despacho Saneador ter fixado, como: - Objecto litigio, as Transacções comerciais, com base na compra e venda de veículos automóveis, realizadas entre os AA. e o R e o do incumprimento verificado; - Temas da prova, a data e local em que ocorreram as transacções comerciais/compras e vendas dos veículos entre A e R; Que veículos automóveis foram objecto dessas compras e vendas; Qual o meio e forma de pagamento oferecido pelo A. ao R; Qual o valor que o R. recebeu por conta dessas transacções comerciais; Se o R. cumpriu com a entrega das viaturas objecto da compra e venda; Se o A. em face do incumprimento e mora do R. na entrega das viaturas, começou a desenvolver surtos depressivos e veio a padecer de acidentes cardiovasculares; Se o A. em face do incumprimento por parte do R. teve perda de clientes e de negócios, objecto dessas viaturas; Se o A. viu a sua honra e reputação profissional e pessoal, na sequência do incumprimento do R. I. O Tribunal estava assim em condições de julgar por improcedentes as excepções dilatórias invocadas pelo R. e ordenasse o prosseguimento dos autos para julgamento, para discussão do objecto do litigio e dos temas da prova, em face da matéria controvertida. J. Perante a ininteligibilidade da causa de pedir ou do pedido, que se suscitasse, sempre o Tribunal a quo, deveria ter ordenado um despacho de aperfeiçoamento, em face do seu poder dever vinculado, o que não logrou fazer ( Cfr. AC. TR Coimbra, Nº 2316/12.4TBPBL.C1 de 23.02.2026 ). III. Da ineptidão petição inicial : da ininteligibilidade causa de pedir e pedido K. O Réu/Recorrido, não invocou na sua contestação a ininteligibilidade da causa de pedir e do pedido, excepção dilatória com base na qual o Tribunal a quo julgou inepta a PI, o que o R. alegou no seu art. 5º, foi a falta da causa de pedir “clara e inquestionável”, considerando a petição inepta à luz do disposto no art. 186º/2 alin a) do CPC L. Aliás, o R. ofereceu defesa por excepção e impugnação, pasme-se com 91 artigos, tendo indicado desde logo oito testemunhas, pelo que o R. compreendeu muito bem, qual era a matéria controvertida e o objecto do litigio , para centrar a sua defesa, que nada devia aos AA. com base nas invocadas transacções comerciais. M. Em face do disposto no artigo 186 nº 2 al. a) CPC, é patente que a causa de pedir e o pedido são inteligíveis para o Réu, que assume, em sede de impugnação, uma defesa especificada em face da demanda. Da Sentença recorrida em face do que se expôs: N. A sentença recorrida incorre em dois erros de interpretação e aplicação do disposto no artigo 552º/1 alin d) e 186º CPC. O. Os AA. quantificaram os danos patrimoniais, resultantes dos pagamentos que satisfizeram à ordem do R. por conta da aquisição das viaturas, sem que este tivesse cumprido com a sua contra-prestação e invocaram o valor desse prejuízo/dano no artigo 48º e 55º da sua pi, quantificando-o na quantia de 143.397,00€. P. Sendo que, a convite do Tribunal os AA. ofereceram por requerimento oferecido em 25.02.2024, concretizaram os danos e reduziram esse valor do pedido tendo esclarecido os autos em conformidade com o ordenado, tendo o Tribunal a quo inclusive admitido a redução do pedido. Q. Portanto os danos emergentes do incumprimento do R. ficaram desde logo fixados, o que é diferente dos outros danos que os AA. relegaram para execução de sentença, os quais foram alegados no art. 55º e 56º da PI, tais como os lucros cessantes, contrariamente ao entendimento do Tribunal a quo. R. Não podemos aceitar, a nulidade do processo em face da ineptidão da petição inicial, na sua pg. 6 da sentença, porquanto quanto ao prazo de entrega das viaturas, foi desde logo alegado pelos AA. no seu art. 5º da PI, que : “ após encontro entre o A. marido e Réu, em meados de Junho de 2003 ( seguramente na primeira quinzena de Junho de 2003), este, declarou àquele poder munir-se dos veículos automóveis pretendidos. S. Pelo que contrariamente ao alegado pela M. Juiz a quo, o prazo de entrega das viaturas, ficou fixado pelas partes, que iria ocorrer na primeira quinzena de Junho de 2003, pelo que será essa a data, pela qual se afere a mora e o incumprimento contratual definitivo por perda de interesse. T. Não é verdade que os AA. não tenham mencionado as datas em que fizeram as interpelações ao Réu, que foram situadas no tempo e lugar, já que alegaram no seu art. 17º, 18º, 19º, 23º, 24º e 25º da PI nesse mês de Julho e ano de 2003, em Cidade 1, Cidade 2 e residência do R. na companhia do seu filho à morada deste ! U. Também não se concorda com o Tribunal a quo quando diz que o A não alega a data em que renovou a vontade de contratar, qual o eco do R. a tal atitude, designadamente se foi estipulada nova data para a entrega, o que não corresponde à verdade, já que o fizeram nos art. 34º, 35º, 36º e 37º da PI. V. Pelo que , em face do exposto, não pode o Tribunal a quo dizer , que a Petição inicial padecia de falta de elementos donde se pudesse aferir a mora e o incumprimento contratual por perda de interesse no negócio por parte do A.. W. De igual modo, não pode o Tribunal a quo entender que “ tão pouco refere quando é que perdeu o interesse no negócio e se comunicou tal facto ao R. “, em face do explanado no art. 45º e 46º da Pi pelos AA., pelo que o incumprimento definitivo em face da mora registada, traduzido na perda de interesse objectiva por parte do A, foi alegada nesta acção. X. E ainda que assim não fosse entendido, o incumprimento definitivo em face da mora, perda do interesse objectiva dos AA., sempre terá ocorrido, com a citação do R. pela presente acção. Y. Acresce que o Tribunal quo interpretou bem, a pretensão dos AA, uma vez que estes invocaram, no limite para serem ressarcidos, subsidiariamente, o instituto autónomo do “ enriquecimento sem causa “, já que este instituto, podia ser chamado à colação pelos AA., o que pretendiam de forma subsidiária, e estavam em tempo, ( Ac. RG de 20.05.2021 no qual sedimentamos tal pedido). Z. Quanto ao peticionado pelos AA, quanto a “ anulabilidade dos negócios jurídicos” celebrados entre as partes, reconhecesse que a remessa para o art. 288º do CC tratou-se de um mero lapso, quando o que se pretendia, era para o art. 289º do CC, que tem a ver com os efeitos da nulidade e anulação dos negócios jurídicos, além do que os AA. para além dessa invocaram outras para fundamentar o momento da constituição em mora, o regime das obrigações pecuniárias e o regime da perda de interesse do credor ( arts. 805º, 806º e 808º do CC). AA. Sempre se dirá que, se os AA tivessem sido convidados ao aperfeiçoamento da PI, teriam sido sanadas todas as questões levantadas pelo Tribunal a quo, o que só em sede de Saneador, conheceu sem exercer o poder/dever do convite ao aperfeiçoamento da PI. BB. Já que, o convite dirigido por Despacho de 16.02.2024, não se trata de um despacho de aperfeiçoamento, mas sim, um convite cirúrgico, de uma questão concreta, tendo os AA. oferecido resposta por requerimento apresentado em 25.02.2024. CC. Pelo que o valor do pedido em A) os AA. corrigiram para o valor de 92.714,00€ a titulo de danos patrimoniais a que acresceram o valor de 30.000,00€ peticionado na alínea C), a titulo de danos não patrimoniais, num total de 122.714,00€, sem prejuízo dos que se relegaram para execução de sentença, peticionados na alínea B). DD. Pelo que nâo se consegue perceber, a razão pela qual a M Juiz a quo entende que após aperfeiçoamento, a confusão é maior, pois que os AA. não reduziram o valor em A) de 143.397,00€ para 122.714,00€, antes tendo indicado este último, como valor total do pedido, nele encontrando-se integrado o valor dos 30.000,00€ dos danos morais. EE. Tendo O Tribunal a quo inclusive admitido a redução do pedido, conforme consta do Despacho proferido a 15.11.2024 , aliás conforme se pode constatar da plataforma citius, respeitante a estes autos, onde também foi corrigido o valor do pedido “ Ação de Processo Comum Valor: 122714 €” FF. Por fim quanto `falta do cumprimento do disposto no art.º 552º n o 1 d) do CPC, , conforme supra, foram alegados os factos essenciais, concretos e objectivos que sustentam a lógica adequada e fundamentam os pedidos formulados, os quais se julgam compreensíveis, atenta a narrativa que os sustenta, mas caso oferecessem dúvidas para o Tribunal a quo, entende-se mais uma vez, que deveria ter ao abrigo do disposto no art. 6º, 7º, 547º e 590º, todos do CPc, solicitar o aperfeiçoamento do que lhe parecesse ininteligível, quer quanto à causa de pedir, quer quanto ao pedido. GG. Já que por Despacho de 16.02.2024, repita-se o tribunal não formulou nenhum pedido e aperfeiçoamento da PI, quanto à causa de pedir ou pedido, tendo sido cirúrgico no pedido de “ESCLARECIMENTOS” que admite que solicitou. HH. O R. interpretou bem a cuasa de pedir e do pedido, quando impugnou que nada devia aos AA, além do que ao ter invocado também a excepção caso julgado, releva desde logo que se julgou capacitado para responder à acção. pois que impugnou especificadamente todos os factos alegados pelos AA. na sua PI., pelo que a eventual nulidade de ineptidão sempre estaria sanada em face do nº 3 do art. 186º do CPC, já que é inegável que o R. compreendeu perfeitamente a causa de pedir e o pedido, ao ter apresentado uma defesa exaustiva, com cerca de uma centena de artigos e quase uma dezena de testemunhas, que invocou por terem conhecimento directo dos factos!. II. Os AA. recorrem a alguma jurisprudência, onde suportam as alegações do presente recurso e o reforçam e cujos sumários se transcreveram nas alegações supra : Ac. RE 28.09.2017 – Processo 1608/16.8T8FAR.E1; Ac.RE de 25.11.2011 – Proc. 99/10.1TBMTL-E1; Ac. RP 16.06.2009 – Proc. 4541/06.8TBVNG.P1 IV - Quanto à cumulação causas de pedir ou pedidos substancialmente incompatíveis JJ. Entendem os AA. quanto a esta questão , que se algum dos pedidos fossem incompatíveis, não estava o tribunal a quo dispensado do seu dever de gestão processual e convidar os AA. a aperfeiçoar a sua PI e a hierarquizar os seus pedidos, fazendo uma melhor indicação, daquele que pretendiam como principal e cumulativos, subsidiários e alternativos, para que em caso de incompatibilidade, determinar que os AA. que optassem por um em detrimento de outro. KK. Sedimentamos este nosso entendimento, em vária jurisprudência que consultámos e que aqui deixamos consignada e cujos sumários supta transcrevemos em sede das alegações: Ac STJ 06.05.2008; AC RG DE 31.10.2024 – PROC. 105/23.0T8FAF.G1; AC. RG 10.07.2023 – Processo 4316/19.4T8GMR.G1; AC. RG 27.05.2021 – Processo 101/20.9T8CBC.G2; Ac. RC 31.05.2016 – Processo 7033/14.8T8CBR-A.C1 V . Da nulidade da Sentença KK. Diz-nos o disposto no art. 615º alin c) que é nula a sentença quando “ os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível. LL . Ora, para além de se afigurar uma autentica surpresa, o Despacho saneador Sentença, o mesmo está ferido de ambiguidades e obscuridades, que já supra se enunciaram, mas que aqui nesta sede, se repisam, para em recta final se invocar a sua nulidade. MM. Na medida em que, a M. Juiz afinal ao ter alegado : No caso vertente, a enumeração dos factos é tão pouco clara que torna quase incompreensível a narrativa que sustenta os pedidos, incompreensibilidade que se estende ao pedido da al. a) e à sua globalidade, sendo que neste segmento a mesma resulta do aperfeiçoamento.--- E embora o tribunal tenha suscitado esclarecimentos e os AA os tenham prestado, os mesmos não atenuaram as deficiências apontadas. Pelo contrário, agravaram-nas parcialmente, conforme acima assinalado.--- Por outra via, entende-se que não seria o aperfeiçoamento de mais um ou outro facto, que colmataria tal incompreensibilidade, já que a mesma atinge toda a narrativa e também o pedido.— NN. Entendemos pois, primeiro, que o Despacho de 16.02.2024, não é nenhum despacho de aperfeiçoamento, mas um convite especifico , ao qual os AA. responderam por requerimento apresentado em 25.02.2024.: OO. Pelo que fica-se sem perceber, em que medida não foram prestados esclarecimentos, em que medida se agravaram, pelo que a sentença, nesta parte é ambígua, é obscura, a sua fundamentação não é consentânea e por conseguinte ininteligível e nessa medida padece da nulidade invocada! PP. Entendemos também, que a recusa a proferir despacho de aperfeiçoamento, entendendo o tribunal a quo, que “ não seria o aperfeiçoamento de mais um ou outro facto, que colmataria tal incompreensibilidade, já que a mesma atinge toda a narrativa e também o pedido”, ao não ter dado essa possibilidade aos AA., tendo preterido esse poder – dever vinculado, de proferir despacho de aperfeiçoamento, O saneador/sentença, fica afectado também por essa nulidade cometida. QQ. Diversamente do que acontecia na vigência do Código de Processo Civil de 1961, agora, face ao que se dispõe no artigo 590.º, n.os 2, al. b), e 4, do CPC, não há razão para controvérsia: o poder do juiz de convidar as partes a aperfeiçoar os seus articulados quando estes revelem insuficiências ou imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto alegada não é um poder discricionário, mas antes um poder-dever, um poder vinculado. RR. A falta deste despacho configura assim a omissão de um acto que a lei prescreve , o que gera uma nulidade processual. SS. Em face do exposto, deverá proceder a presente apelação, devendo o Tribunal ad quem revogar a decisão recorrida e determinar o prosseguimento do processo perante tribunal a quo, designadamente para uma melhor conclusão do saneamento dos autos, dirigindo aos Recorrentes um convite ao aperfeiçoamento da sua causa de pedir e dos pedidos. Normas violadas Art. 3º/3, 6º, 7º, 186º / 1 alin a) e c), nº 3 e 547º, 590º todos do CPC Princípios violados Principio do contraditório ( cfr. 3º/3 do CPC) Principio da gestão processual ( art. 6º e 590º do CPC) Principio da cooperação das partes ( art. 7º do CPC) Principio da adequação formal ( art. 547º do CPC)” I.C. Não houve resposta. I.D. O recurso foi devidamente recebido pelo tribunal a quo, que se pronunciou quanto às invocadas nulidades. Após os vistos, cumpre decidir. *** II. QUESTÕES A DECIDIR: As conclusões das alegações de recurso delimitam o respetivo objecto de acordo com o disposto nos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Civil, sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha, mas não haverá lugar à apreciação de questões cuja análise se torne irrelevante por força do tratamento empreendido no acórdão (artigos 608.º, n.º 2 e 663.º, n.º 2, do mesmo diploma). Assim, no caso, impõe-se apreciar: a. A eventual nulidade do despacho proferido; b. A eventual ineptidão da petição inicial, que a existir determinará a nulidade de todo o processo; c. Não ocorrendo a ineptidão, ou sendo o vício existente sanável, se, eventualmente, ocorreu erro de julgamento ao determinar o desentranhamento do requerimento de 22/06/2023. * III. FUNDAMENTAÇÃO: III.A. Fundamentação de facto: A matéria a considerar encontra-se descrita no relatório. * III.B. Fundamentação jurídica: A. Nulidade do despacho: Invoca o recorrente a nulidade do despacho recorrido, ao abrigo do artigo 615.º, alínea c), do Código de Processo Civil, por o mesmo conter “ambiguidades e obscuridades” (alíneas KK) a OO) das conclusões apresentadas). Estabelece o artigo 615.º, na sua alínea c), do Código de Processo Civil que: “É nula a sentença quando: (…) c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;”. Em face da letra e espírito da lei não pode confundir-se entre a nulidade da decisão e a discordância quanto ao resultado. E entre a falta de fundamentação e uma fundamentação insuficiente ou divergente da pretendida. Quanto à nulidade prevista na referida alínea c), do artigo 615.º do Código de Processo Civil, a mesma ocorre quando exista ininteligibilidade (ou seja, quando a decisão contém algum passo cujo sentido seja ininteligível ou ambíguo, o que, no caso, não se verifica, dada a clareza da decisão – e que o recorrente bem compreendeu) ou quando a fundamentação aponta num sentido que contradiz o resultado final (o que, evidentemente, também não ocorre – pois toda a argumentação, quer de facto, quer de direito, aponta no sentido da decisão que veio a ser tomada). Esta nulidade não se pode confundir com o eventual erro de julgamento, pelo que improcede a alegação da recorrente nesta parte. * B. Ineptidão da petição inicial: Nos termos do artigo 186.º, do Código de Processo Civil, será nulo todo o processo quando for inepta a petição inicial. E a petição será inepta quando: a) falte ou seja ininteligível a indicação do pedido ou da causa de pedir; b) o pedido esteja em contradição com a causa de pedir; c) se cumulem causas de pedir ou pedidos substancialmente incompatíveis. No caso concreto, está em apreciação a ineptidão com fundamento na alínea a), do n.º 2, do referido artigo 186.º do Código de Processo Civil: saber se, na petição inicial apresentada pelos autores e ora recorrentes, falta ou é ininteligível a indicação do pedido e da causa de pedir. Decorre dos artigos 5.º, n.º 1 e 552.º, n.º 1, alínea d), do Código de Processo Civil, que na petição inicial deve o autor expor os factos essenciais que constituem a causa de pedir. E a causa de pedir deverá ser entendida, nos termos do artigo 581.º, n.º 4, do mesmo diploma, como o facto jurídico de que procede a pretensão deduzida. Nas palavras de Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa[1], a opção legislativa pela teoria da substanciação da causa de pedir implica para o autor a necessidade de articular os factos dos quais deriva a sua pretensão, constituindo-se o objecto do processo e, por arrastamento, o caso julgado apenas sobre os factos integradores dessa concreta causa de pedir. Foi esta a opção do legislador de modo que o preenchimento da causa de pedir, independentemente da qualificação jurídica apresentada, supõe a alegação do conjunto de factos essenciais que se inserem na previsão abstracta da norma ou normas jurídicas definidores do direito substantivo cuja tutela jurisdicional se pretende. Será, por isso, inepta a petição que não contenha a alegação dos factos que constituem a causa de pedir: ou seja, dos factos que identificam ou individualizam o direito em causa (nas palavras dos autores citados: os factos essenciais nucleares). Já quando a petição apenas não contenha os factos que, não sendo individualizadores, se revelam imprescindíveis para que a acção proceda, por também serem constitutivos do direito invocado (factos essenciais complementares) será uma petição deficiente, a carecer de convite ao aperfeiçoamento (e que, se não acatado, poderá levar à improcedência da pretensão). Por outro lado, como refere Abrantes Geraldes[2], a causa de pedir deverá ser intelegível: o autor deve expor com clareza os fundamentos da sua pretensão, considerando-se inepta a petição que se apresente em termos obscuros ou ambíguos, por forma a impedir a apreensão segura da causa de pedir. Integram-se neste vício as situações em que os factos apresentados não tenham qualquer relevância jurídica ou aquelas em que se torna impossível saber a proveniência do direito invocado. Como se decidiu no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 24/04/2012 (processo n.º 2281/11.5TBGMR.G1[3]), a petição inicial é inepta por ininteligibilidade quando os factos e a conclusão são nela expostos em termos de tal modo confusos, obscuros ou ambíguos que não possa apreender-se qual é o pedido ou a causa de pedir. Como se decidiu no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 10/11/2022 (processo n.º 118395/21.4YIPRT.L1-2[4]) a ideia primordial, no que concerne à figura da ineptidão da petição inicial, é a de impedir o prosseguimento de uma acção viciada por falta ou contradição interna da matéria ou objeto do processo e que mostre, desde logo, não ser possível um correcto, coerente e unitário acto de julgamento. Por outro lado, na perspetiva das partes, o instituto da ineptidão da petição inicial existe para evitar que o réu fique impedido de exercer cabalmente o contraditório por não conhecer as razões fácticas que alicerçam o pedido do autor. No caso vertente, parece claro pela leitura da alínea a) do pedido dos autores que, além do mais, estes pretendem a anulação dos negócios jurídicos celebrados entre o autor e o réu e, simultaneamente, que estes negócios se considerem definitivamente incumpridos pelo réu (o que pressupõe, naturalmente, a validade dos mesmos). Caso o único problema da petição fosse a contradição desses pedidos, poder-se-ia ultrapassar através de um convite para que os autores optassem por um dos pedidos ou para esclarecer se os mesmos foram formulados, afinal, em cumulação alternativa (cf. artigo 553.º do Código de Processo Civil) ou subsidiária (cf. artigo 554.º do mesmo diploma). É que tem vindo a ser entendido que a incompatibilidade substancial dos pedidos só releva no âmbito da sua cumulação real (neste sentido ver Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 20/06/2024, processo n.º 6630/22.2T8FNC.L1-6[5] e toda a doutrina aí citada). O problema é que para o pedido de anulação dos negócios (que indubitavelmente foi formulado), percorrendo toda a petição inicial, não se encontra um único facto que preencha uma norma jurídica que consagre a anulabilidade. Por outras palavras, não se sabe a razão pela qual os autores pretendem que os negócios sejam anulados. Nas alegações de recurso, os autores/recorrentes invocam um lapso na identificação do artigo 288.º do Código Civil, quando pretendiam invocar o artigo 289.º do mesmo diploma (alínea Z) das suas conclusões), mas este artigo trata da consequências dessa invalidade do negócio e, por isso, sempre fica por se saber qual a razão pela qual entendem que deve essa invalidade ser decretada. Por outras palavras, os autores vêm pedir um efeito jurídico para o qual não fornecem qualquer facto constitutivo nem um enquadramento jurídico mínimo, sendo impossível ao Tribunal tentar perceber de onde poderá vir essa anulabilidade em abstracto (ver, neste sentido, o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 26/05/2022, processo n.º 384/22.0T8BRG.G1[6]). Há, assim, uma falta total de causa de pedir quanto a este pedido. Como escrevem Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa[7]: “por princípio, atenta a gravidade do vício, a ineptidão da petição inicial não é susceptível de sanação. Esta regra conhece duas excepções: uma legal e outra de cariz jurisprudencial (…). Quanto à primeira, o nº 3 prescreve que sendo oferecida contestação, a arguição pelo réu da falta ou inteligibilidade do pedido ou da causa de pedir não será procedente quando, ouvido o autor, se verificar que o demandado entendeu convenientemente a petição (RE 28-9-17, 1608/16). Quanto à segunda, o Assento nº 12/94 fixou que “a nulidade resultante da simples ininteligibilidade da causa de pedir… é sanável através de ampliação fáctica em réplica, se o processo admitir este articulado e respeitado que seja o princípio contraditório…””. Ora, estas excepções não se aplicam ao caso dos autos: percorrendo a contestação não se vislumbra que o réu tenha compreendido a razão pela qual se pretende a anulação dos negócios (e seria bem estranho que compreendesse, já que nada é invocado pelos autores, como se disse); por outro lado, o processo não admite réplica, não está em causa uma simples ininteligibilidade e os autores, no articulado que apelidaram de resposta, também não acrescentaram qualquer fundamento para que os negócios fossem declarados inválidos. A falta de causa de pedir não é suprível (assim improcedendo as restantes conclusões, que pugnavam pela necessidade de aperfeiçoamento da petição inicial) e gera a nulidade de todo o processo, tal como decidido no despacho recorrido. Sendo nulo todo o processo, por ser inepta a petição inicial, fica prejudicado o conhecimento das demais questões que foram colocadas no recurso. Consequentemente, o recurso deve ser improcedente. * As custas do presente recurso deverão ficar a cargo dos recorrentes, por lhe terem dado causa e nele terem ficado vencidos, nos termos do artigo 527.º, n.º 1, do Código de Processo Civil. *** IV. DECISÃO: Em face do exposto, decide-se julgar improcedente a apelação e, em conformidade, confirma-se a decisão recorrida. Condenam-se os autores/apelantes nas custas do recurso, sem prejuízo do benefício do apoio judiciário. Notifique. Évora, 10 de Julho de 2025 Filipe Aveiro Marques Susana Ferrão da Costa Cabral Ana Pessoa
__________________________________________ 1. Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, 2.ª Edição, pág. 26.↩︎ 2. Temas da Reforma do Processo Civil, Iº Volume, 2.ª edição. Almedina, pág. 211.↩︎ 3. Acessível em https://www.dgsi.pt/jtrg.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5bb/c1685534cd1f90ea80257a02003b744c.↩︎ 4. Acessível em https://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/bbc729684382f5b580258902004b4dbe.↩︎ 5. Acessível em https://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/9645f915dce00e3180258b4e005d937e.↩︎ 6. Acessível em https://www.dgsi.pt/jtrg.nsf/86c25a698e4e7cb7802579ec004d3832/c2689fd43a3d08f68025885c003cc00b.↩︎ 7. Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, 2.ª Edição, Almedina, págs. 234 e 235.↩︎ |