Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | MÁRIO BRANCO COELHO | ||
Descritores: | CONTRATO DE TRABALHO EXTINÇÃO DO POSTO DE TRABALHO PRESUNÇÃO DE ACEITAÇÃO DO DESPEDIMENTO PELO TRABALHADOR COMPENSAÇÃO MONTANTE | ||
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Data do Acordão: | 09/23/2021 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Sumário: | 1. A questão da existência de uma presunção constitui antecedente lógico da elisão dessa presunção. 2. Constitui requisito de existência da presunção de aceitação do despedimento por extinção do posto de trabalho, a que se refere o art. 366.º n.º 4 do Código do Trabalho, o pagamento da totalidade da compensação devida. 3. Não é qualquer valor pago a título de compensação que faz funcionar essa presunção, tanto mais que está em causa um requisito de legalidade dessa forma de despedimento. 4. À trabalhadora despedida assiste o direito de impugnar o valor da compensação devida, fazendo discutir judicialmente essa questão, no âmbito do seu direito à tutela jurisdicional efectiva e como forma de obstar à aplicação dessa presunção. 5. A presunção não ocorre se for paga uma compensação correspondente a 12 dias de retribuição por cada ano de duração do contrato, quando deveriam ser 18 dias por se tratar um contrato a termo certo. 6. No cômputo do valor da compensação deve ser incluída a antiguidade relativa ao período de aviso prévio e às férias não gozadas. 7. O art. 366.º n.º 5 do Código do Trabalho não deve ser interpretado de forma excessivamente restritiva, sob pena de conduzir a resultados de duvidosa conformidade constitucional, por violação dos princípios da segurança no emprego e da tutela jurisdicional efectiva. 8. Esta norma admite a aplicação de critérios de razoabilidade e de proporcionalidade, devendo ser apreciado judicialmente se o lapso de tempo entre a data de pagamento da compensação e a data da devolução é ou não razoável, tendo em conta as circunstâncias concretas do caso. 9. É razoável que a trabalhadora apenas tenha devolvido a compensação na data da audiência de partes, se está apurado (para além do valor pago não corresponder ao legalmente devido) que auferia apenas a retribuição mínima nacional, que não lhe foi concedido o aviso prévio nem paga a correspondente retribuição, que sempre teria direito à compensação, fosse qual fosse o resultado da acção, e que é uma imigrante no nosso país, achando-se numa situação de instabilidade económica, profissional e social. (sumário do relator) | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam os Juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora: No Juízo do Trabalho de Sines, R…, patrocinada pelo Ministério Público, impugnou o despedimento por extinção do posto de trabalho comunicado pela empregadora POLIVETE – Assistência Veterinária, Lda.. A empregadora informou a trabalhadora que o contrato de trabalho cessaria no dia 31.03.2021 e o formulário de impugnação do despedimento deu entrada no dia 06.04.2021. A audiência de partes realizou-se no dia 28.04.2021, sem conciliação, e posteriormente a empregadora apresentou articulado motivador do despedimento. Nesse articulado, a empregadora alegou que procedeu ao pagamento das quantias que a trabalhadora tinha a receber por efeito da cessação do contrato de trabalho, através de transferência bancária para a conta desta ocorrida no dia 30.03.2021, facto que lhe foi comunicado logo nessa data. Entre os valores transferidos, no total de € 1.143,25, incluía-se a quantia de € 266,00 paga a título de compensação pela extinção do posto de trabalho, a qual não foi devolvida, pelo que se presume que aceitou o despedimento, nos termos do art. 366.º n.ºs 4 e 5 do Código do Trabalho. Contestando, a trabalhadora alegou que, para além de não ocorrerem os requisitos da extinção do posto de trabalho, devolveu no dia 28.04.2021 a quantia de € 266,00, alegadamente paga a título de compensação pela extinção do posto de trabalho. Ademais, esse valor não correspondia à totalidade da compensação devida, que deveria ser de € 399,00, pois estava contratada a termo certo de um ano e teria direito à compensação de 18 dias e não de 12 dias, em obediência ao disposto nos arts. 366.º n.º 6 e 344.º n.º 2 do Código do Trabalho. Entende, pois, que está afastada presunção invocada pela empregadora, tanto mais que não foram pagos outros créditos devidos em consequência da cessação do contrato, como horas de formação não prestada. E formulou reconvenção, no sentido de ser declarada a ilicitude do despedimento e paga a quantia global de € 4.708,84, correspondente às retribuições que deixou de auferir entre Abril e Agosto de 2021 (€ 3.325,00), proporcionais das férias e dos subsídios de férias e de Natal (€ 831,24), compensação pela cessação do contrato de trabalho (€ 399,00) e horas de formação não prestada (€ 153,60). No saneador foi julgada procedente a excepção peremptória de aceitação do despedimento e a Ré absolvida do pedido. Inconformada, a trabalhadora recorre e conclui: 1.º O presente recurso, foi interposto pela trabalhadora recorrente, por discordar do despacho saneador/sentença, proferido nos autos supra referenciados, com a referência 92743650 que limitou a sua apreciação aos factos invocados pela ré, relacionados com a existência de uma eventual excepção peremptória da extinção do direito da Autora a impugnar o despedimento, por força do recebimento da quantia de 266,00 € a título de indemnização e que só teria sido devolvido à Ré a 28 de Abril de 2021, fazendo valer a presunção constante do artº 366 nº 4 do Código do Trabalho e, em consequência absolveu a Empregadora Polivete – Assistência Veterinária Lda., do pedido, dispensando-se de apreciar a pretensão da recorrente no pedido reconvencional. 2.º A discordância da recorrente baseia-se em duas questões que tem a ver com nulidade da decisão recorrida por omissão de pronúncia e consequente violação do disposto no art º 368 nº1 al a) do Código do Trabalho bem como a existência de erro, na apreciação que o Tribunal ad quo efectuou, ao julgar procedente a excepção peremptória da extinção do direito da Autora à impugnação, em virtude da aceitação do despedimento, por força do recebimento da compensação , nos termos do nº 4 e 5 do art º 366º do Código de Trabalho e suas consequências. 3.º Alega a recorrente que na origem do seu despedimento estão os comportamentos ocorridos no dia 22 de Fevereiro de 2021, entre a gerente da Ré e a A. e que levaram a que a Ré não a quisesse mais nas suas instalações. 4.º A ora recorrente foi colocada na rua, impedida de continuar a trabalhar, no dia 22 de Fevereiro de 2021, após ter sido interpelada pela Entidade Empregadora, por não aceitar a cessação do contrato, que lhe havia sido comunicada, por alegada caducidade, conforme documento junto aos autos a fls 96 verso e nas circunstâncias que aquela descreveu no documento existente a fls 9 verso e 10 dos autos. 5.º E desde então por determinação da Ré, sem comunicação de qualquer nota de culpa, de que pudesse defender-se, foi a recorrente suspensa do trabalho, com a agravante que habitava numa casa que era da Entidade Empregadora e cuja restituição era exigida até ao dia 31 de Março de 2021. 6.º E foi nessas circunstâncias que surge o processo para extinção do posto de trabalho da recorrente. 7.º Circunstâncias e factos contrários aos requisitos e fundamentos para a extinção do posto de trabalho, estabelecidos no art. 368º nº 1 do Código do Trabalho e que foram alegadas pela recorrente, nos seus arts 5º a 21º, da sua resposta ao articulado da Ré e sobre os quais a M. Juiz não se pronunciou, nem se podia pronunciar por tais factos serem controvertidos e necessitarem de prova em sede de julgamento. 8.º Por se mostrarem controvertidos, os factos que estão na origem do despedimento da recorrente, deveriam os autos prosseguir para a audiência de julgamento e nela ser produzida prova acerca destes factos controvertidos, relegando-se para sentença final o conhecimento da excepção peremptória de aceitação do despedimento por parte da ora recorrente, com base na presunção estabelecida no artigo 366º nº 4 do Trabalho, invocada pela Entidade Empregadora. 9.º Não se vislumbra da sentença que apreciação fez a M. Juiz dos documentos juntos pela A. sobre o nº 8 e 9- fls 8 a 10 e documentos 12,13, 14 e 15, existentes a fls. 12 a 13 verso dos autos, nem dos documentos juntos pela Ré como documento 3 a fls 33 e documento 4 a fls 36 e 36 verso dos autos. 10.º Entende a recorrente que a aplicação da presunção estabelecida no artigo 366º nº 4 do Código Trabalho só pode ser conhecida no despacho saneador se o despedimento por extinção do posto de trabalho não tiver sido posto em causa. 11.º Ora tendo a recorrente posto em causa a integração dos factos num despedimento por extinção do posto de trabalho, não é possível a aplicação da presunção do artigo 366º nº 4 do Trabalho em sede de despacho saneador, devendo os mesmos prosseguir os seus termos para apuramento dos factos integradores do despedimento, de forma a apurar-se se estamos ou não perante um despedimento por extinção do posto de trabalho e se lhe é aplicável o disposto no art º 366 nº 4 e 5 do Código do Trabalho. 12.º Ao assim não se ter decidido, entende a recorrente que o despacho saneador/ sentença é nulo por omissão de pronúncia, sobre factos controvertidos invocados pela recorrente na sua contestação à excepção peremptória e relacionados com a verificação ou não dos fundamentos do despedimento por extinção do posto e que deveriam ter sido apreciados – conforme artº 615 al d) do Código de Processo Civil, não existindo qualquer menção no saneador / sentença quanto a estes factos, limitando -se a julgar procedente a excepção peremptória invocada pela Entidade Empregadora, baseada na presunção estabelecida no artigo 366º nº 4 do Código do Trabalho. 13.º Salvo melhor entendimento, o despacho recorrido é também nulo por ter omitido a aplicação de normas de carácter imperativo tais como o consagrado nos arts. 367º, 368º nº 1 al a) e nº 5, 363º nº 5 e 366 nº 3 e 5, e 384 nº al d), todos do Código do Trabalho, incorrendo num erro de aplicação do disposto no artigo 366º nº 4 e 5 do Código do Trabalho, a um caso de despedimento que não pode ser considerado como de extinção do posto de trabalho. 14.º Não se conforma a ora recorrente com o entendimento perfilhado no douto despacho da Meritíssima Juíza do Tribunal a quo, que decidiu julgar procedente a excepção peremptória deduzida pela Entidade Empregadora e por via de tal excepção, absolveu a Ré/Empregadora do pedido que contra ela formulara e julgou improcedente a acção, não conhecendo do pedido reconvencional deduzido. 15.º Salvo melhor entendimento, só em sede de julgamento, a questão da excepção, deveria ser ter sido apreciada já que que previamente a apreciação de tal questão deveria o Tribunal ad quo indagar se estávamos perante um caso de extinção do posto de trabalho, factos que estavam controvertidos e que não permitiam uma decisão no despacho saneador. 16.º Além de que não se vislumbra como pode a M. Juiz fazer à aplicação do disposto no artigo 366º nº 4 do Código do Trabalho quando a quantia de 266,00 € depositada à A., o foi a título de indemnização pela cessação pela cessação do contrato, já fora do prazo do aviso prévio. 17.º Além de que o valor transferido como referente a “indemnização por cessação do contrato de trabalho” não contemplava todos os créditos exigíveis em função da cessação do contrato de trabalho, nem se referia expressamente compensação. 18.º Nunca a A. aceitou o despedimento tal como foi promovido pela Entidade Empregadora, para que pudesse funcionar a presunção estabelecida no artigo 366º nº 4 do Código do Trabalho 19.º Diga-se que a não aceitação do despedimento foi muito anterior ao depósito da alegada indemnização e sempre foi do conhecimento da Entidade Empregadora, conforme documentos existentes a fls. 8 a 13. 20.º Por não aceitar tal despedimento, opôs-se a recorrente ao mesmo, recorrendo ao meio que tinha para o impugnar, através de requerimento em formulário electrónico, por si subscrito e onde consta declarada a sua oposição ao despedimento – arts. 98º-C e D do Código do Trabalho. 21.º A Recorrente, muito embora nunca tivesse aceitado o despedimento, como base na extinção do posto de trabalho, na data de audiência de partes, a 28 de Abril de 2021, após a Ilustre Mandatária da Entidade Empregadora não aceitar qualquer acordo e ter alegado que havia liquidado a indemnização devida à trabalhadora com base na extinção do posto de trabalho, devolveu nesse mesmo dia o valor transferido para a sua conta a título de indemnização. 22.º Fê-lo por mera cautela, dado que continua a entender que o seu despedimento da forma como ocorreu, não se integra no conceito de despedimento por extinção do posto de trabalho, é um despedimento ilícito, o que lhe daria direito a uma indemnização superior ao valor depositado. 23.º Despedimento ilícito, num contrato de trabalho a termo, cuja duração era de um ano e cujo termo estava previsto para 31 de Agosto de 2021, tal como consta do pedido reconvencional, de que o tribunal ad quo não conheceu, quando não estava impedido de o fazer. 24.º Salvo melhor apreciação de V. Exas., entende a recorrente que não era possível a aplicação da presunção do artigo 366º nº 4 do Trabalho em sede de despacho saneador, devendo os presentes autos prosseguir os seus termos para apuramento dos factos integradores do despedimento, de forma a apurar-se se estamos ou não perante um despedimento por extinção do posto de trabalho e se lhe é aplicável ou não o disposto no artº 366º nº 4 e 5 do Código do Trabalho. 25.º Ao assim não se ter decidido, é convicção da recorrente que o despacho saneador/ sentença é nulo por omissão de pronúncia – artigo 615º al d) do Código de Processo Civil – sobre os factos controvertidos invocados pela recorrente no seu articulado e relacionados com a verificação ou não dos fundamentos do despedimento por extinção do posto e não existindo qualquer menção no saneador / sentença quanto a estes factos, limitando-se a julgar procedente a excepção peremptória invocada pela Entidade Empregadora, baseada na presunção estabelecida no artigo 366º nº 4 do Código do Trabalho. 26.º Salvo sempre apreciação, a douta decisão recorrida incorreu em erro de apreciação e de aplicação do direito ao não ter em consideração normas de caracter imperativo tais como os artsº 367º, 368º nº 1 al a) e nº 5, 363º nº 5 e 366 nº 3 e 5, 384 nº al d), todos do Código do Trabalho e aplicou erradamente o disposto no artigo 366º nº 4 e 5 do Código do Trabalho a um caso de despedimento que não reúne os requisitos taxativos de extinção do posto de trabalho. Na resposta, a empregadora pugna pela improcedência do recurso. Dispensados os vistos, cumpre-nos decidir. A decisão recorrida fixou a matéria de facto relevante para a decisão nos seguintes termos: 1. Com data de 01.09.2020 foi assinado documento escrito pela Polivete – Assistência Veterinária, Lda. e Richelli da Cunha Parreira, denominado Contrato de Trabalho Por Tempo Certo, pelo qual esta se obrigou a prestar àquela, sob as suas ordens, direcção e fiscalização, a actividade profissional correspondente à categoria de auxiliar de veterinária. 2. Tal acordo foi celebrado pelo período de 12 meses, com início no dia 01.09.2020, caducando no dia 31.08.2021, se a primeira ou a segunda outorgante comunicassem por escrito, até 15 dias para a primeira outorgante e até 8 dias no caso da segunda outorgante, antes do prazo expirar, à contraparte, a vontade de não o renovar. 3. Por esse acordo foi fixado que a primeira outorgante pagaria à segunda outorgante o montante mensal ilíquido de € 635,00 sendo parte integrante do vencimento e como compensação pelo trabalho realizado por turnos, oferecido pela primeira outorgante o alojamento em imóvel da empresa, apenas com pagamento por parte da segunda outorgante do consumo da electricidade. 4. Com data de 11.02.2021, a empregadora comunicou por escrito à trabalhadora o seguinte: «Eu S…, representante legal da empresa Polivete, venho por este meio informar que o contrato de R… que termina a 31 de Março de 2021 não será renovado, cumprindo a obrigação legal de informar a trabalhadora com mais de 30 dias de antecedência. Mais informo que no dia 31 de Março de 2021 a trabalhadora tem de entregar a casa de habitação sita em Hortas, carpintaria, casa 1 em Santiago do Cacém e que lhe foi disponibilizada com o contrato de trabalho referido.» 5. Em 22.02.2021, a empregadora, por intermédio da sua mandatária, enviou mensagem de correio electrónico à trabalhadora, com o seguinte teor: «Serve a presente, na qualidade de instrutora e mandatária da sua entidade patronal Polivet – Assistência Veterinária, Lda., no âmbito do processo disciplinar instaurado, para lhe comunicar que se encontra suspensa preventivamente do desempenho das suas funções por se entender, tendo em conta os indícios da prática de factos que lhe são imputáveis, que a sua presença no local de trabalho é inconveniente, nomeadamente, para o apuramento de tais factos, não tenso ainda sido possível elaborar a Nota de Culpa, a qual lhe será oportunamente remetida.» 6. A trabalhadora respondeu por escrito, conforme fls. 8 e v.º que se dá por integralmente reproduzido e também por mensagem de correio electrónico enviada em 23.02.2021, conforme fls. 9 v.º e 10 que se dá por integralmente reproduzido. 7. Nesse seguimento, pela mandatária da empregadora foram prestados esclarecimentos à trabalhadora, por mensagem de correio electrónico enviada em 28.02.2021, conforme fls. 8 v.º e 9 que se dá por integralmente reproduzido. 8. Em 02.03.2021, pelas 19h:57, a empregadora, por intermédio da sua mandatária, enviou mensagem de correio electrónico à trabalhadora, comunicando-lhe a intenção de proceder ao seu despedimento, em consequência da necessidade de extinguir o seu posto de trabalho, nos termos do n.º 1 do artigo 369.º do Código do Trabalho, com os fundamentos expostos a fls. 10 v.º que se dão por integralmente reproduzidos. 9. Na mesma data, pelas 20h:25, a empregadora, por intermédio da sua mandatária, enviou mensagem de correio electrónico à trabalhadora, com o seguinte teor: «Conforme informação que já lhe tinha sido transmitida, foi iniciado o processo de despedimento por extinção do seu posto de trabalho. Caso pretenda revogar, por acordo o contrato de trabalho existente com a m/cliente, irá receber as quantias abaixo discriminadas (cujo valor é igual ao valor que receberá no final do processo de despedimento por extinção do seu posto de trabalho, caso o mesmo termine no dia 31 do corrente mês): - Salário de Março - € 665,00 - Férias não gozadas (13 dias) - € 408,07 - Subsídio de férias - € 408,07 - Subsídio de Natal (referente a Janeiro, Fevereiro e Março) - € 163,97 - Indemnização pela cessação do contrato - € 155,17 No total ilíquido de € 1.800,28 (ou seja, sujeito aos descontos legais). Assim, caso entenda ter interesse em revogar, por acordo, o contrato de trabalho agradeço que me transmita. Caso nada transmita, os processos pendentes seguirão os seus termos normais.» 10. Em 03.03.2021, pelas 22h:43, a trabalhadora enviou mensagem de correio electrónico à mandatária da empregadora como seguinte teor: «O cálculo feito abaixo, não corresponde ao contrato vigente que vencerá em 31 de Agosto de 2021. O mesmo está em anexo para vossa conferência. Após o cálculo feito sobre o contrato válido, sintam-se à vontade em propor um acordo se assim o quiserem. Ressalto que já inclua o desconto dos custos com energia do período em aberto. Aguardo.» 11. Em 04.03.2021, pelas 11h:17, a empregadora, por intermédio da sua mandatária, enviou mensagem de correio electrónico à trabalhadora, solicitando-lhe a confirmação da recepção do email de 02.03.2021. 12. Em 04.04.2021, pelas 11h:44, a trabalhadora enviou mensagem de correio electrónico à mandatária da empregadora com o seguinte teor: «Processo de despedimento por extinção do posto de trabalho já havia mexido comunicado dia 22/02/2021 verbalmente por sua cliente S… onde desde o dia do despedimento, momento em que ela pediu as chaves do hospital, a farda, e que retirasse todos os meus pertences do hospital deveria também, ter me entregue tal comunicado por escrito, na data de 22/02/2021 referente ao contrato anexo ao email. Estou aguardando data para resolução final presencial e recebimento dos valores em aberto, porém quero vos deixar ciente que está em incumprimento com lei no que refere a prazos para tais resoluções.» 13. Em 04.03.2021, pelas 17h:15, a empregadora, por intermédio da sua mandatária, enviou mensagem de correio electrónico à trabalhadora, com o seguinte teor: «Refiz as contas, contabilizando a indemnização por extinção do posto de trabalho como se o mesmo terminasse a 31/07/2021, para efeitos de acordo de revogação do contrato de trabalho: - Salário de Março - € 665,00 - Férias não gozadas (13 dias) - € 408,07 - Subsídio de férias - € 408,07 - Subsídio de Natal (referente a Janeiro, Fevereiro e Março) - € 163,97 - Indemnização pela cessação do contrato - € 266,00. No total ilíquido de € 1.911,11 (ou seja, sujeito aos descontos legais). Depois de serem efectuados os descontos previstos na lei, será deduzido o valor de € 351,45 referente ao consumo da luz (no início de Dezembro devia € 194,45 e apenas pagou € 100,00; no dia 10/02/2021 foi efectuada nova leitura, estando em dívida € 351,45.» 14. Na mesma data, pelas 17h:37, a trabalhadora enviou mensagem de correio electrónico à mandatária da empregadora com o seguinte teor: «Por favor faça as contas com base no contrato de 12 meses sem acordo e em seguida o valor que consta abaixo referente ao acordo que deseja.» 15. Na mesma data, pelas 19h:35, a empregadora, por intermédio da sua mandatária, enviou mensagem de correio electrónico à trabalhadora informando ter havido um lapso na indicação do valor da luz, pois estavam em dívida € 445,90, e não o valor referido, de acordo com a leitura efectuada em 10 de Fevereiro último. 16. Na mesma data, pelas 21h:15, a trabalhadora enviou mensagem de correio electrónico à mandatária da empregadora afirmando não lhe competir indicar os valores devidos, mas à empresa e de acordo com as leis do trabalho, aceitando por ora os valores, conforme fls. 13. 17. Em 28.03.2021, pelas 23h:21, a empregadora, por intermédio da sua mandatária, enviou mensagem de correio electrónico à trabalhadora comunicando-lhe a extinção do seu posto de trabalho, que cessaria no dia 31 de Março do corrente. 18. Em 30.03.2021, pelas 12h03, a trabalhadora enviou mensagem de correio electrónico à mandatária da empregadora, referindo, para além do mais, que «com relação ao recebimento do cheque. Todos os meses o pagamento das minhas remunerações foram por transferência bancária e gostaria que assim continuasse por favor. Não quero recebimento de cheque, por favor comunique a sua cliente que o faça por transferência bancária da conta da empresa.» 19. Na mesma data, pelas 12:32, a empregadora, por intermédio da sua mandatária, enviou mensagem de correio electrónico à trabalhadora comunicando-lhe, para além do mais, que informara a Polivet que deveria efectuar o pagamento por transferência bancária. 20. Na mesma data, pelas 12h:40, a trabalhadora enviou mensagem de correio electrónico à mandatária da empregadora, mencionando que assim que o comprovativo da transferência lhe fosse enviado, combinariam o horário da entrega da casa na data de 31 de Março. 21. Em 30.03.2021, a empregadora transferiu para a conta bancária da trabalhadora a quantia de € 1.143,25. 22. Nessa data, pelas 13h:24, a empregadora, por intermédio da sua mandatária, enviou mensagem de correio electrónico à trabalhadora, enviando-lhe o comprovativo da transferência bancária efectuada. 23. Nessa data, pelas 14h:06, a empregadora, por intermédio da sua mandatária, enviou mensagem de correio electrónico à trabalhadora, enviando-lhe o recibo referente à transferência efectuada. 24. Nessa data, pelas 14h:37, a trabalhadora enviou mensagem de correio electrónico à mandatária da empregadora agradecendo o comprovativo. 25. Com data de 31.03.2021, a trabalhadora assinou o documento de fls. 31, tendo procedido à entrega à mandatária da empregadora das chaves do imóvel desta e que habitara, consignando “em decorrência do despedimento por extinção do posto de trabalho”. 26. Em 06.04.2021, a trabalhadora apresentou o formulário com o qual instaurou a presente acção, com o patrocínio do Ministério Público. 27. No dia 28.04.2021, pelas 09:30 horas, teve lugar audiência de partes, na qual a empregadora requereu a junção aos autos de documento comprovativo de transferência bancária para pagamento de indemnização. 28. Nessa sequência, por transferência bancária, a trabalhadora devolveu à empregadora a quantia de € 266,00, nos dias 28 e 29 de Abril de 2021. 29. Em 12.05.2021, a empregadora efectuou depósito autónomo da quantia de € 266,00 referente à compensação por extinção do posto de trabalho. Nos termos do art. 662.º n.º 1 do Código de Processo Civil, dado que se trata de matéria relevante para a decisão e está demonstrada através de documento junto aos autos, pacificamente aceite pelas partes – a mensagem de correio electrónico de 28.03.2021, pelas 23h:21, pela qual a mandatária da empregadora comunicou a extinção do posto de trabalho, já mencionado no ponto 17 do elenco fáctico – procede-se à transcrição de parte do respectivo teor: “Exm.ª Senhora Venho, na qualidade de mandatária da POLIVETE (…), comunicar o seu despedimento por extinção do posto de trabalho, nos termos do art. 371.º do Código do Trabalho, pelos fundamentos seguintes: (…) A sua entidade patronal pagará a compensação de € 266,00 (duzentos e sessenta e seis euros), o correspondente a 12 dias de retribuição por um ano de duração do seu contrato de trabalho (acima do que dispõe o Código do Trabalho), sem prejuízo dos créditos emergentes da cessação do contrato. A compensação e os créditos emergentes da cessação do contrato de trabalho serão pagos, por cheque, no dia 30 do corrente mês de Março. O contrato de trabalho cessará no dia 31 do corrente mês de Março.” De igual modo, porque as partes também estão de acordo sobre essa matéria e resulta dos recibos de vencimento anexos aos autos, adita-se ao elenco fáctico, ainda, a seguinte matéria: · A partir do mês de Janeiro de 2021, a retribuição mensal da trabalhadora era de € 665,00. APLICANDO O DIREITO Da presunção de aceitação do despedimento por extinção do posto de trabalho A decisão recorrida – de resto muito bem estruturada e com desenvolvida fundamentação, reconheça-se – entendeu declarar não ilidida a presunção de aceitação do despedimento, pela circunstância da trabalhadora ter devolvido a compensação de € 266,00 entregue pela empregadora apenas em 28.04.2021 (a empregadora voltou a depositar esse valor na conta da trabalhadora e esta voltou a devolvê-la a 29 seguinte, respondendo a primeira com o depósito autónomo de 12.05.2021), argumentando que a devolução da compensação não foi simultânea com o seu recebimento, em 30.03.2021, para os fins do art. 366.º n.º 5 do Código do Trabalho, tanto mais que o formulário de impugnação do despedimento deu entrada a 06.04.2021 e a devolução só ocorreu na sequência da audiência de partes, ocorrida em 28.04.2021, às 9.30 horas. Discutindo, expressamente, a questão suscitada pela trabalhadora, do valor da compensação depositada pela empregadora não corresponder à totalidade da compensação que lhe era devida, a decisão recorrida discorreu o seguinte: «A trabalhadora esgrime que para que tal presunção operasse seria necessário que a empregadora tivesse liquidado a totalidade da compensação legal. Esta questão, como de igual sorte a da verificação dos requisitos para a extinção do posto de trabalho, não são susceptíveis de afastar a presunção vertida no citado preceito legal. Com efeito, a presunção implica o ónus para o trabalhador de entregar, ou de, por qualquer forma, colocar á disposição do empregador a quantia que lhe foi paga a título de compensação por extinção do posto de trabalho, sendo que, quaisquer questões relativas ao cálculo dessa compensação, como dos requisitos do despedimento nesta modalidade, teriam de ser discutidas na impugnação judicial do despedimento, isto é, prendem-se com o mérito da mesma. Em suma, não basta que o trabalhador instaure a acção de impugnação de despedimento alegando que não aceita o despedimento, pois consumado este, para que ficasse expressa a sua não aceitação, impunha-se que não aceitasse o pagamento da compensação e que a colocasse na disponibilidade do empregador.» Com o muito respeito que nos merece esta posição, entendemos manifestar a nossa discordância. A questão da existência de uma presunção constitui um antecedente lógico da elisão dessa presunção. Primeiro discute-se se a presunção existe, se ocorre o facto-base que permite afirmar o facto desconhecido. Depois, discute-se a natureza dessa presunção, legal ou judicial, e se a mesma permite a sua elisão. E só por último se coloca a questão de saber se a presunção foi ilidida (nos casos em que tal é admissível). No que concerne à presunção de aceitação do despedimento por extinção do posto de trabalho, a letra do art. 366.º n.º 4 do Código do Trabalho – ex vi o art. 372.º – é claramente impressiva: a presunção ocorre quando o trabalhador recebe do empregador “a totalidade da compensação” prevista nesse artigo. Claramente, não é qualquer valor pago a título de compensação que faz funcionar a presunção, tanto mais que constitui requisito de legalidade do despedimento por extinção do posto de trabalho a colocação à disposição do trabalhador despedido, até ao termo do prazo de aviso prévio, da compensação devida a que se refere o art. 366.º, por remissão do art. 372.º, e os créditos vencidos ou exigíveis em virtude da cessação do contrato de trabalho – art. 384.º al. d) do Código do Trabalho. Estando em causa uma cessação do contrato de trabalho por iniciativa do empregador, o art. 371.º n.º 2 al. d) do Código do Trabalho prevê que na decisão de despedimento este informe o trabalhador do “Montante, forma, momento e lugar do pagamento da compensação e dos créditos vencidos e dos exigíveis por efeito da cessação do contrato de trabalho”. Sendo obrigação do empregador informar o trabalhador do montante da compensação e dos demais créditos vencidos e exigíveis por efeito da cessação do contrato de trabalho, ao trabalhador não pode ser negado o direito de impugnar o valor da compensação e dos demais créditos, inclusive fazendo discutir judicialmente esta questão, no âmbito do seu direito à tutela jurisdicional efectiva, garantido pelo art. 20.º n.º 5 da Constituição. Milena Silva Rouxinol, comentando o regime do art. 366.º n.ºs 4 e 5 do Código do Trabalho[1], depois de chamar a atenção para o condicionamento de direitos fundamentais contido naquele regime, exigindo a escolha, “de entre as diversas interpretações possíveis daquelas normas, a menos irrazoável significa também optar pela menos restritiva de direitos fundamentais”, acrescenta o seguinte: «Acresce ainda que as normas em análise constituem uma fonte de não despiciendos problemas de ordem prática. Assim, quid juris, processualmente, se um trabalhador impugnar o despedimento depois de lhe ser comunicada essa decisão mas antes de lhe ser oferecida a compensação, mas, entretanto, esta lhe for oferecida e ele a aceitar? E, sendo certo que o efeito presuntivo previsto no n.º 4 só se produz se for disponibilizada ao trabalhador a totalidade da compensação devida, quid juris se ele quiser impugnar o despedimento com base, justamente, em a compensação recebida não ser a legalmente devida?»[2] Pensamos já ter fornecido a resposta adequada a esta interrogação: constitui requisito de licitude do despedimento a colocação à disposição do trabalhador, até ao termo do prazo de aviso prévio, da compensação devida e dos demais créditos vencidos ou exigíveis em virtude da cessação do contrato de trabalho, e a letra do art. 366.º n.º 4 do Código do Trabalho expressamente estabelece que apenas a entrega da “totalidade da compensação” permite estabelecer uma presunção de aceitação do despedimento. Como tal, colocada essa questão em juízo, o tribunal tem a obrigação de apurar qual o valor total da compensação devida, como requisito de existência da presunção. Na decisão de despedimento, a empregadora declarou que pagaria a compensação de € 266,00, “correspondente a 12 dias de retribuição por um ano de duração do seu contrato de trabalho (acima do que dispõe o Código do Trabalho), sem prejuízo dos créditos emergentes da cessação do contrato.” Contrapõe a trabalhadora que, estando contratada a termo certo de um ano, eram devidos 18 dias de retribuição a título de compensação, ou seja, € 399,00 (€ 665,00 : 30 x 18), nos termos das disposições conjugadas dos arts. 366.º n.º 6 e 344.º n.º 2 do Código do Trabalho. Respondendo, a empregadora, reconhecendo implicitamente que o valor pago não equivale à compensação devida por um ano de duração de um contrato de trabalho a termo certo de um ano, argumenta que, pelo menos, respeita a regra da proporcionalidade constante do art. 366.º n.º 2 al. d) do Código do Trabalho. Vejamos. Competindo à empregadora informar a trabalhadora, na decisão de despedimento, qual o “montante, forma, momento e lugar do pagamento da compensação”, necessariamente deverá indicar quais os critérios de fixação do montante adoptados e cumpri-los. Sob pena de violação do princípio da boa fé no cumprimento das suas obrigações contratuais – art. 126.º n.º 1 do Código do Trabalho – entendendo a empregadora que à trabalhadora é devida uma compensação equivalente a um ano de duração do contrato de trabalho, não pode mais tarde vir invocar que a compensação apenas deverá equivaler a sete meses de duração do contrato (de 01.09.2020 a 31.03.2021). Ademais, a empregadora parece não ter atentado que, para o cálculo da compensação devida à trabalhadora releva não apenas o prazo de aviso prévio – que não lhe foi concedido – mas também as férias não gozadas. Se o incumprimento do aviso prévio não constitui, per ser, fundamento de ilicitude do despedimento, haverá a recordar que, “não sendo observado o prazo mínimo de aviso prévio, o contrato cessa decorrido o período de aviso prévio em falta a contar da comunicação de despedimento, devendo o empregador pagar a retribuição correspondente a este período” – art. 363.º n.º 4, aplicável ex vi o art. 372.º do Código do Trabalho. Na decisão de despedimento, enviada à trabalhadora por comunicação electrónica expedida às 23.21 horas do dia 28.03.2021, não foi concedido o prazo de aviso prévio de 15 dias, exigido pelo art. 371.º n.º 3 al. a) do Código do Trabalho para o caso de despedimento de trabalhadores com antiguidade inferior a um ano. Mas se não foi concedido, uma vez que o regime legal identificado no parágrafo anterior é imperativo – art. 339.º n.º 1 do Código do Trabalho – à empregadora assistia não apenas o dever de pagar a retribuição correspondente ao período de aviso prévio em falta – que não pagou – mas também incluir esse período na contagem da antiguidade relevante para cálculo da compensação. A propósito, Pedro Furtado Martins escreve: «Como o valor da compensação varia com a antiguidade e nesta é de admitir que se contabilize o período do aviso prévio, para achar aquele valor é essencial saber qual é a data da efectiva cessação da relação laboral. Assim, na comunicação inicial, o empregador indicará o montante da compensação calculado com base na antiguidade decorrida até à data em que se espera que se esgote o prazo de aviso prévio, podendo acertar posteriormente a indicação na medida em que tal seja imposto pela correcção que vier a fazer da data indicada para a cessação do contrato de trabalho.»[3] Mais adiante, no que concerne ao reflexo das férias não gozadas na contagem da antiguidade, o mesmo autor escreve: «No regime geral das férias prevê-se que as férias vencidas e não gozadas sejam incluídas na contagem da antiguidade (art. 245.º, 2). Se as férias não forem gozadas durante o aviso prévio de que depende a eficácia da decisão final, a aplicação da solução pode repercutir-se quer na duração do pré-aviso quer no valor da compensação pela cessação.»[4] Mas a não concessão do aviso prévio à trabalhadora – e consequente não pagamento da retribuição correspondente a esse período – e a desconsideração do período de aviso prévio e das férias não gozadas na contagem da antiguidade são apenas alguns dos problemas que afectam a determinação do montante da compensação devida à trabalhadora e que a empregadora não atentou nas suas contra-alegações. A questão essencial, e que por si determina a solução do recurso, é que o critério de determinação do montante da compensação que a empregadora informou ter adoptado – a compensação seria a correspondente a um ano de duração do contrato de trabalho – conduz a um valor superior ao que foi depositado, dado estarmos perante um contrato de trabalho a termo certo de um ano (€ 399,00, em vez dos € 266,00 depositados), pelo que não ocorre o requisito de existência da presunção prevista no art. 366.º n.º 4 do Código do Trabalho. Mas diremos ainda umas quantas palavras acerca da tempestividade da devolução da compensação. Sabemos que não foi concedido o aviso prévio à trabalhadora – em bom rigor, esse período estava em curso no momento em que foi apresentado o formulário de impugnação do despedimento, em 06.04.2021 – e que não foi paga a correspondente retribuição. Sabemos igualmente que, estando em causa a cessação de um contrato de trabalho a termo certo de um ano, a trabalhadora sempre teria direito à compensação a que alude o art. 344.º n.º 2 do Código do Trabalho. Como sabemos que, nos autos, não se coloca a hipótese da reintegração da trabalhadora. Quid iuris, deveria a trabalhadora devolver uma compensação que sempre lhe pertenceria por direito? Em caso de resposta positiva, até quando? Maria do Rosário Palma Ramalho escreve que a exigência de devolução do valor da compensação como condição para a impugnação do despedimento «suscita perplexidade não só porque, na grande maioria dos casos, redunda na inutilização prática do direito de impugnar judicialmente o despedimento (o trabalhador quase nunca estará em situação económica que lhe permita prescindir do valor da indemnização, pelo que tenderá a conformar-se com o despedimento, mesmo que o considere ilícito), mas, sobretudo, porque não se vislumbra a utilidade de tal devolução, atento o facto de este despedimento conferir sempre o direito a uma compensação. É que, das duas uma: se a ilicitude do despedimento vier a ser confirmada pelo tribunal, o trabalhador terá sempre direito àquele valor; mas também se o despedimento for considerado ilícito, o trabalhador terá direito a uma indemnização, que será até, com probabilidade, de valor superior à que recebeu aquando do despedimento, a não ser que opte pela reintegração. Assim, e excepto quando, sendo o despedimento ilícito, o trabalhador opte pela reintegração, não faz sentido impor a montante a devolução de uma soma a que o trabalhador terá sempre direito, no final do processo.»[5] João Leal Amado manifesta, por seu turno, dúvidas quanto à conformidade constitucional do regime contido no art. 366.º n.º 5 do Código do Trabalho. Para este autor, «criar este dilema ao trabalhador, quase que forçando-o a recusar a oferta da “compensação de antiguidade” (ou obrigando-o a devolvê-la, na totalidade, ao empregador) a fim de conservar intacta a faculdade de contestar judicialmente a licitude do seu despedimento, mostra-se claramente irrazoável. Mais: ao privar os trabalhadores que aceitem a referida compensação de adequada tutela jurisdicional, esta norma revela-se de muito duvidosa conformidade constitucional. É que a aceitação da compensação pecuniária pelo trabalhador não transforma o despedimento numa espécie de revogação do contrato por mútuo acordo. Julga-se que nem o trabalhador pode renunciar, validamente, ao direito de impugnar judicialmente esse despedimento, nem o legislador pode, legitimamente, organizar semelhante renúncia – ou não estivessem aqui em jogo direitos tão fundamentais como o direito a não ser despedido sem causa juridicamente bastante e o direito de acesso aos tribunais.»[6] Milena Silva Rouxinol também dúvida da constitucionalidade deste regime, propondo uma interpretação restritiva do art. 366.º n.º 5 do Código do Trabalho. Escreve esta autora: «Retomemos, porém, o entendimento maioritário: aceitando a compensação e não afastando a ilação declarativa assim firmada, o trabalhador não pode impugnar o despedimento (nem beneficiar da sentença que, fruto de acção intentada por outro(s) trabalhador(es), declare a sua ilicitude). Assim sendo, está, obviamente, em causa o direito fundamental de acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva, previsto no artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa. No respeitante à impugnação do despedimento, cabe atender, aliás, não apenas ao plano constitucional, mas, outrossim, ao disposto quer no artigo 8.º da Convenção n.º 158 da Organização Internacional do Trabalho, quer do artigo 24.º-b) da Carta Social Europeia revista, de que resulta o imperativo de os Estados-Membros preverem o direito de o trabalhador visado por um despedimento possa apelar para um terceiro imparcial. Por outro lado, estará em causa, também, o princípio da estabilidade do emprego (artigo 53.º da Constituição), na medida em que bloquear o direito à impugnação do despedimento traduz-se, em rectas contas, na potencial consolidação de despedimentos ofensivos dos imperativos ínsitos naquele princípio. Não pretendemos afirmar, categoricamente e em definitivo, que o regime descrito é inconstitucional, apenas evidenciar que se encontra em rota de colisão com direitos fundamentais, os quais, evidentemente, importa ter em conta – na mais elevada conta, diríamos – no momento de definir o sentido interpretativo mais ajustado a imputar às normas em causa.»[7] Mais adiante, acrescenta: «As considerações que vimos tecendo mostram que, em nossa opinião, o regime constante dos n.ºs 4 e 5 do artigo 366.º deveria, num plano de direito a constituir, ser repensado e, porventura, simplesmente eliminado. Mas, no plano do direito constituído, e, portanto, no da interpretação do regime vertido naquelas normas, também não devem ter-se como irrelevantes. Na verdade, não pretendemos evidenciar, somente, a irrazoabilidade daquele regime, mas, igualmente, revelar que o condicionamento aos direitos fundamentais anteriormente assinalados que ele representa é, na verdade, assinalável. Assim, escolher, de entre as diversas interpretações possíveis daquelas normas, a menos irrazoável significa também optar pela menos restritiva de direitos fundamentais.»[8] Antero Veiga também entende que o regime do art. 366.º n.º 5 do Código do Trabalho, e a interpretação que a jurisprudência dele vem fazendo, contende com os princípios constitucionais da segurança no emprego e do direito de acesso à tutela jurisdicional efectiva: «O regime aqui em análise introduz uma condição para o trabalhador poder fazer valer a sua “vontade” enquanto “quid” relevado como facto no n.º 4, que aí se presume, o que dá à norma uma configuração estranha e, na interpretação que tem sido seguida, porventura algo injusta e constitucionalmente duvidosa. Se se entender a expressão “em simultâneo” como reportando-se ao acto de entrega da compensação por parte da empregadora, ou ao momento em que o trabalhador se apercebe da entrega, cria-se uma situação paradoxal. É o mesmo que significar que o trabalhador pode ilidir a presunção se ela (presunção) não chegar a existir. É que não pode presumir-se a aceitação, nos termos do n.º 4 do artigo 366.º se o trabalhador não recebe a compensação, porque de imediato a não aceita, já que o facto conhecido de que se retira a presunção não ocorre.»[9] Para autor, «apesar de todas as objecções que se possam levantar, a norma subsiste, importando, mais do que a crítica, ajuizar se não é possível uma interpretação mais conforme aos direitos constitucionais e fundamentais que afecta, uma interpretação mais equitativa e proporcional.»[10] Recentemente, o Supremo Tribunal de Justiça teve a oportunidade de interpretar a norma em causa, propondo um critério de adequação e de razoabilidade. No seu Acórdão de 23.09.2020 – subscrito, é certo, com um voto de vencido – escreveu-se o seguinte: «No entanto, à expressão utilizada “em simultâneo” que significa “ao mesmo tempo” tem de ser atribuída a maleabilidade necessária para poder abarcar um conjunto de situações que exigem uma apreciação flexível respeitante a eventuais factos que poderão ser alegados para afastar a presunção da aceitação do despedimento. Para além de outras situações de ordem prática, relacionadas com a operação da devolução do montante da compensação, o trabalhador quando confrontado com a decisão do despedimento poderá sentir necessidade de aconselhamento para poder tomar uma decisão informada no sentido de aceitar ou não o despedimento. Na verdade, o trabalhador só quando confrontado com a decisão de despedimento comunicada pelo empregador, nos termos do art.º 371.º n.º 3 do CT, é que fica ciente de todos os elementos definitivos que determinaram o seu despedimento, sendo certo que o empregador pode, desde logo, efectuar o pagamento da compensação, nos termos do n.º 4 do mesmo preceito legal. Não fará muito sentido que o trabalhador devolva o montante da compensação antes de estar devidamente habilitado a poder tomar uma decisão informada sobre se aceita ou não o despedimento. Neste contexto, é de todo pertinente, como já se referiu, atribuir à expressão “em simultâneo”, utilizada no n.º 5 do art.º 366.º do CT, a maleabilidade necessária para contemplar também esta realidade que se prende com um aspecto crucial para o trabalhador que consiste no direito de dispor de algum tempo para se poder aconselhar, com vista a poder tomar a decisão se aceita o montante da compensação e consequentemente o despedimento. Em abstracto, o lapso de tempo entre a data em que o empregador efectuou o pagamento do montante da compensação e a data em que o trabalhador procedeu à devolução terá de ser sempre apreciado judicialmente no sentido de se determinar se é ou não razoável, tendo em conta todo o contexto dinâmico do caso concreto.»[11] Acompanhamos este raciocínio. O regime do art. 366.º n.º 5 do Código do Trabalho, interpretado de forma excessivamente restritiva, conduz a resultados de duvidosa conformidade constitucional, por violação dos princípios da segurança no emprego e da tutela jurisdicional efectiva. Por um lado, porque pode levar à consolidação de despedimentos claramente ilícitos sem que o trabalhador tenha a possibilidade – real e efectiva, atenta a sua condição de dependência económica e incerteza decorrente do despedimento – de o impugnar. Pelo outro, porque estabelece um facto impeditivo do direito de acção, condicionando o trabalhador à devolução de valores que são seus por direito, em especial num momento de fragilidade económica como a que normalmente decorre de um despedimento. Bernardo da Gama Lobo Xavier[12] propõe a seguinte solução: «Em simultâneo com o quê? Será uma posição extremista exigir ao trabalhador a devolução imediata da compensação para impedir que se estabeleça a presunção. O que nos parece certo e seguro é que a devolução terá de ocorrer como requisito mínimo para afastamento da presunção da aceitação, sendo obviamente necessários outros factos. Sendo relevantes necessariamente para consolidar ou afastar a presunção o maior ou menor tempo decorrido, a devolução em simultâneo terá de ocorrer desde o momento em que judicial ou extrajudicialmente o trabalhador pretenda demonstrar que o recebimento não correspondeu a uma aceitação. Em juízo, o trabalhador poderá devolver a compensação conjuntamente com o procedimento de suspensão, com a acção de impugnação de despedimento colectivo, ou com a contestação ao articulado do empregador, no primeiro destes momentos que ocorrer. Não parece indispensável que o trabalhador devolva em simultâneo com a entrega do requerimento/formulário de impugnação, pois a iniciativa da acção será do empregador (art.º 98.º-J do CPT) e as coisas podem ficar por aí (art.º 98.º-J, 3, do CPT). E não podemos excluir que o trabalhador apenas faça a devolução no articulado a que responda à invocação pelo empregador por acção ou excepção da presunção da aceitação. De qualquer modo, a elisão da presunção é fundamentalmente judicial e a posse do quantitativo da compensação é apenas algo que obsta que o trabalhador ponha em marcha – através de articulado – os meios que permitem roubar significado à presunção de aceitação.» No caso, para além da compensação depositada não corresponder à totalidade do montante devido, de acordo com o critério definido pela empregadora – e esse é o factor decisivo do recurso – está apurado que não foi respeitado o período de aviso prévio, estando este a correr quando o formulário de impugnação foi apresentado, em 06.04.2021. O valor – insuficiente – pago a título de compensação foi devolvido no dia da audiência de partes, e certo é que este sempre será devido à trabalhadora, seja qual for o resultado da acção. É irrazoável que a trabalhadora apenas tenha devolvido o montante de € 266,00 na data de audiência de partes? Não é esse o nosso juízo. Está em causa uma trabalhadora em situação de precariedade, contratada a termo certo de um ano, que aufere apenas a retribuição mínima nacional. A sua situação de vulnerabilidade mostra-se agravada pelo despedimento e por tratar-se de uma cidadã brasileira (os dados de identificação e nacionalidade constam das peças dos autos), imigrante no nosso país, com a carga negativa que esse facto acarreta em termos de integração e conhecimento das nossas leis. Nesta situação de instabilidade – económica, profissional e social – não cremos irrazoável que a devolução tenha ocorrido na data da audiência de partes, quando a trabalhadora se apercebeu que a empregadora motivaria o despedimento e insistiria na defesa da licitude do mesmo. Exigir mais cedo que a audiência de partes a devolução de um valor que sempre pertenceria à trabalhadora, como condição de exercício do seu direito, seria algo iníquo, em especial quando nem sequer lhe foi concedido o período de aviso prévio (ainda em curso na data de entrada do formulário inicial) nem paga a retribuição correspondente. Enfim, interpretando o art. 366.º n.º 5 do Código do Trabalho com a necessária razoabilidade e proporcionalidade – como se propõe no Acórdão do Supremo de 23.09.2020 – devemos concluir que o comportamento da trabalhadora, avaliado na sua globalidade, revela a idoneidade para se julgar ilidida a presunção de aceitação do despedimento, prevista no n.º 4 do art. 366.º do Código do Trabalho. Como tal, por todos os fundamentos supra expostos, o recurso procede. DECISÃO Destarte, concede-se provimento ao recurso interposto pela trabalhadora, revoga-se a decisão recorrida que julgou procedente a excepção peremptória de aceitação do despedimento e determina-se o regular prosseguimento dos autos. As custas do recurso pela empregadora. Évora, 23 de Setembro de 2021 Mário Branco Coelho (relator) Paula do Paço Emília Ramos Costa _______________________________________________ [1] In “Nótula em Torno do Regime do art. 366.º, n.º 4 e 5, do Código do Trabalho (O Afastamento da Presunção, em Especial)”, texto publicado no Prontuário de Direito do Trabalho, 2017, 2.º Semestre, págs. 75 e segs. [2] Pág. 82. [3] In Cessação do Contrato de Trabalho, Principia, 4.ª ed., 2017, pág. 352. [4] Loc. cit., pág. 355. [5] In Tratado de Direito do Trabalho, Parte II – Situações Laborais Individuais, 6.ª ed., 2016, págs. 895/896. [6] In “Receber e Aceitar: Em Torno de Presunções Legais, Orientações Jurisprudenciais e Convicções Doutrinais”, texto publicado no Prontuário de Direito do Trabalho, 2016, 2.º Semestre, págs. 85 e segs., achando-se o texto citado na pág. 88. [7] In Nótula…, supra citada, págs. 78/79. [8] Loc. cit., págs. 81/82. [9] In “A presunção de aceitação do despedimento como consequência do recebimento da compensação (artigo 366.º do Código do Trabalho) – sua ilisão”, publicado em Julgar Online, www.julgar.pt, Março de 2019, pág. 12. [10] Loc. cit., pág. 4. [11] Acórdão proferido no Proc. 10840/19.1T8LSB.L1.S1 e publicado em www.dgsi.pt. [12] In “Compensação por despedimento”, texto publicado na Revista de Direito e de Estudos Sociais, Ano LIII – XXVI, 2.ª série – n.º 1-2, págs. 91/92. |