Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | PAULA DO PAÇO | ||
Descritores: | QUESTÃO NOVA NULIDADE DA DECISÃO DISCIPLINAR PRINCÍPIO DE TRABALHO IGUAL SALÁRIO IGUAL DIREITOS DO TRABALHADOR TRANSPORTE GRATUITO | ||
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Data do Acordão: | 05/24/2018 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Decisão: | CONFIRMADA | ||
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Sumário: | I – Os recursos constituem meios de impugnação e de correção de decisões judiciais. Está vedada ao tribunal de recurso a possibilidade de se pronunciar sobre questões novas, não suscitadas no tribunal recorrido e que não são de conhecimento oficioso. II – Sendo a nulidade do procedimento disciplinar invocada, pela primeira vez, em sede de recurso, e não sendo tal questão de conhecimento oficioso, o Tribunal da Relação não pode apreciar a mesma. III – O trabalhador que peticiona a condenação da empregadora a fornecer-lhe transporte no regresso a casa, tem de alegar e provar o circunstancialismo factual que originou a aquisição de tal direito, uma vez que a prova da existência do contrato de trabalho, não é suficiente para o reconhecimento da titularidade de tal direito. IV – Compete àquele que invoca o direito a aumento salarial com fundamento no princípio “trabalho igual, salário igual”, alegar e provar que produziu trabalho igual em quantidade, natureza e qualidade, ao trabalho prestado pelo(s) colega(s) que identifica como referência. (Sumário da relatora) | ||
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Decisão Texto Integral: | P.947/17.5T8PTM.E1 Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora[1] 1. Relatório BB (A.) intentou ação declarativa emergente de contrato individual de trabalho, sob a forma de processo comum, contra “CC, S.A. (R.), pedindo que: a) Seja considerada ilegítima a sanção de suspensão do trabalho por 3 dias, com perda de retribuição e de antiguidade, que lhe foi aplicada; b) A R. seja condenada a restituir à A. a antiguidade afetada pela aplicação da sanção disciplinar e a quantia de € 136,90, correspondente a 3 dias descontados na retribuição do mês de fevereiro de 2017; c) A R. seja condenada a conceder, a título definitivo, o transporte à A. de regresso à sua residência à hora de saída, nos moldes que concede aos restantes trabalhadores, colegas da A.; d) A R. seja condenada a proceder ao aumento do salário da A. no mesmo valor do atribuído aos restantes trabalhadores que detêm a mesma categoria profissional e desempenham as mesmas funções. Alegou, em breve síntese, que mantém com a R. um contrato de trabalho, exercendo as funções de pagadora de banca num casino explorado pela R.. Sucede que a empregadora lhe instaurou um procedimento disciplinar por factos que são falsos, tendo-lhe sido aplicada a sanção disciplinar impugnada. Mais refere que tem sido vítima de discriminação a nível da atribuição de transporte e de aumentos salariais. Frustrada a tentativa de conciliação realizada na audiência de partes, a R. veio contestar a ação, alegando que a trabalhadora praticou a infração disciplinar sancionada. Mais negou a acusada atitude discriminatória. Dispensada a realização da audiência preliminar, foi proferido despacho saneador tabelar. Foi igualmente dispensada a seleção dos factos assentes e controvertidos. Fixou-se o valor da ação em € 5.000,01. Após a realização da audiência final, proferiu-se a sentença que julgou a ação improcedente e, consequentemente, absolveu a R. de todos os pedidos contra si deduzidos. Inconformada com tal decisão, veio a A. interpor recurso da mesma, tendo arguido, expressa e separadamente, a sua nulidade, por contradição entre os fundamentos de facto e a decisão proferida quanto ao reclamado direito ao transporte. Finalizou as suas alegações com as seguintes conclusões: «A - Da Nulidade Do Processo Disciplinar Pela Nulidade Da Prova Aí Produzida I. Resulta de toda a sentença que o processo disciplinar teve a sua origem em imagens captadas por videovigilância instaladas no casino, analisadas à posteriori e com elaboração de relatório, onde a A. presta o seu trabalho. II. Tal facto foi confirmado por todas as testemunhas que se debruçaram sobre a temática. III. Veja-se o que a testemunha … disse, bem como a testemunha ….. IV. A douta sentença diz, e cita-se: “Recai sobre a entidade patronal o ónus da prova dos factos que constituem a infração disciplinar, sendo certo que esta é um pressuposto necessário do poder de punir do empregador”. V. Mais refere, e cita-se: “A questão do visionamento das imagens é, na verdade, apenas uma questão de prova que onera, mais severamente a ré: é esta (e não a autora) quem tem o dever de provar, em Tribunal, a existência de factos que, no seu entender, constituem uma infração disciplinar, pelo que na falta das imagens cabe à ré, se o conseguir, provar os factos por outros meios”. VI. Ora, reiterando o acima exposto verifica-se que o processo disciplinar assentou em Comunicação interna, datada de 30/09/2017, e Auto de Visionamento, datado de 30/09/2017, sendo que ambos os documentos configuraram prova no processo disciplinar e no processo laboral de cuja sentença ora se recorre. VII. Assinam estes documentos as testemunhas … e …, ambos confirmando nos seus depoimentos que visionaram o facto (erro de troco feito pela A.), posteriormente, já passados vários dias, e em virtude de realizarem esta específica funções de relatório da atividade das mesas, conforme depoimento e data dos documentos. VIII. Ou seja, muito embora a Ré não apresente as imagens em si como prova, até porque não as tinha, nem as podia ter, verdade é que toda a prova que faz assenta no visionamento e escrutínio dessas imagens. IX. E não é só um visionamento de rotina ou inocente, pois a Ré recebe relatório detalhado dos funcionários afetos ao CCTV sobre o trabalho desenvolvido pelos trabalhadores de serviço às bancas de jogo, utilizando esse relatório para iniciar um processo disciplinar e aplicar à Autora uma sanção. X. Tal conduta mais não é do que utilizar meios de videovigilância para fiscalizar o trabalho dos seus funcionários, ainda que a coberto do subterfúgio de estar a controlar a segurança do estabelecimento. XI. Ora, o artigo 20.º (Meios de vigilância a distância), do Código do Trabalho, estabelece: 1 - O empregador não pode utilizar meios de vigilância a distância no local de trabalho, mediante o emprego de equipamento tecnológico, com a finalidade de controlar o desempenho profissional do trabalhador. 2 - A utilização de equipamento referido no número anterior é lícita sempre que tenha por finalidade a proteção e segurança de pessoas e bens ou quando particulares exigências inerentes à natureza da atividade o justifiquem. XII. Mas a utilização lícita é aquela para qual se destina a autorização especificamente dada pela entidade competente, ou seja, uma utilização de proteção e segurança, e nunca uma utilização de fiscalização, ainda que a posteriori, do desempenho profissional dos trabalhadores. XIII. Aliás, assim estabelece o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 03-05-2006, assim sumariando: I - A licitude da videovigilância afere-se pela sua conformidade ao fim que a autorizou. II - Sendo o fim visado pela videovigilância exclusivamente o de prevenir ou reagir a casos de furto, vandalismo ou outros referentes à segurança de um estabelecimento, relacionados com o público - e, ainda assim, com aviso aos que se encontram no estabelecimento ou a ele se deslocam de que estão a ser filmados - só, nesta medida, a videovigilância é legítima. III - A videovigilância não só não pode ser utilizada como forma de controlar o exercício da atividade profissional do trabalhador, como não pode, por maioria de razão, ser utilizado como meio de prova em sede de procedimento disciplinar pois, nestas circunstâncias, a divulgação da cassete constitui, uma abusiva intromissão na vida privada e a violação do direito à imagem do trabalhador - art.os 79.º do Código Civil e 26.º da Constituição da República Portuguesa - criminalmente punível - art.º 199.º, n.º 1, alínea b) do Cód. Penal. IV - Embora o reconhecimento dos direitos de personalidade do trabalhador no âmbito da relação de trabalho só tenha tido consagração expressa no Código do Trabalho, já anteriormente se entendia que os direitos fundamentais consagrados na Constituição da República Portuguesa - Capítulo L Título II - e previstos no Código Civil - art.º 70.º e seguintes - tinham aplicação plena e direta aos trabalhadores no âmbito da execução do contrato de trabalho, uma vez que a celebração deste não implica a privação dos direitos que a Constituição reconhece a qualquer cidadão e o trabalhador não deixa de ser um cidadão como qualquer outro. XIV. Assim também o Acórdão do mesmo Tribunal da Relação de Lisboa, de 18-05-2005, de onde se retira: «No que concerne à videovigilância a lei é clara em não permitir a utilização desses meios com a finalidade de controlar o desempenho profissional do trabalhar (art. 20.º n.º 1 do Código do Trabalho). Há porém situações excecionais em que é permitida a utilização desse equipamento, o que sucede sempre que tenha por finalidade a proteção e segurança de pessoas e bens ou quando particulares exigências inerentes à natureza da atividade profissional o justifique - n.º 2 do art. 20.º do CT.» XV. Também o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 17-12-2014, prevê que “Não é admissível como meio de prova, em processo laboral, a captação de imagens por sistema de videovigilância; a consequência legal dessa utilização ilícita dos meios de vigilância à distância é a invalidade da prova obtida para efeitos disciplinares.”. XVI. E a verdade é que esses meios foram utilizados, embora, em diferido, controlando efetivamente e exclusivamente a prestação do trabalho efetuado pela Autora. XVII. Ora, a lei é bem clara e assim também é o seu sentido, na Lei do Jogo, artigo 52.º, n.º 4: “As gravações de imagem ou som feitas através do equipamento de vigilância e controlo previsto neste artigo destinam-se exclusivamente à fiscalização das salas de jogos, seus acessos e instalações de apoio, sendo proibida a sua utilização para fins diferentes e obrigatória a sua destruição pela concessionária no prazo de 30 dias, salvo quando, por conterem matéria em investigação ou suscetível de o ser, se devam manter por mais tempo, circunstância em que serão imediatamente entregues ao serviço de inspeção da Inspeção-Geral de Jogos, acompanhadas de relatório sucinto sobre os factos que motivaram a retenção, só podendo ser utilizadas nos termos da legislação penal e do processo penal.”. XVIII. Logo, as imagens de videovigilância não podem servir para produção de relatórios de erros dos trabalhadores, salvo em caso de matéria penal, porque tal escopo não cabe na autorização nem na lógica legal que preside à autorização da videovigilância. XIX. Tanto assim foi que as imagens foram destruídas! XX. Assim, só resta concluir, que, embora a obtenção das imagens em causa tenha sido lícita, a sua utilização no contexto do procedimento disciplinar instaurado pela Ré contra a Autora gera a nulidade da prova assim obtida, prova na qual a Ré fundou o procedimento, e a consequente sanção disciplinar, e portanto determina a ilicitude desta última. XXI. Veja-se que é a testemunha … que admite, frontalmente, o uso específico das imagens, com relatório específico, para instruir processo disciplinar XXII. Além disso a Autora não teve nunca possibilidade de as visionar para confirmar o conteúdo das mesmas, perigando assim a sua defesa, pela violação do direito ao contraditório. XXIII. Cai assim por terra todo o procedimento disciplinar, por assentar numa prova ilícita, que deixa de ter fundamento para existir, quando aquela prova é descartada. XXIV. Assim sendo, andou mal o tribunal a quo ao decidir que improcedia a ação quanto ao pedido de declaração da sanção aplicada como ilegítima, por ilícita. XXV. Aplicando incorretamente o artigo 52.º, da Lei do Jogo, o artigo 20.º, do Código do trabalho, entrando até em clara violação com o disposto no artigo 26.º, da Constituição da República Portuguesa. XXVI. Pelo que deve a sentença de que se recorre ser revogada e substituída por outra, que declare a ilicitude da sanção disciplinar, obrigue à restituição da antiguidade que lhe foi afetada na sanção disciplinar e restitua à A. a quantia de 136,90€ correspondentes a 3 dias descontados indevidamente no mês de Fevereiro de 2017. B - Da Discriminação Salarial E Aplicação Do Princípio “Para Trabalho Igual, Salário Igual” XXVII. O princípio da Igualdade, previsto no artigo 13.º, da Constituição da República Portuguesa, e mais desenvolvido no artigo 59.º, da mesma, refere-se a uma igualdade material e concretiza-se na proibição do arbítrio e da discriminação, devendo tratar-se por igual o que é essencialmente igual e desigualmente o que é essencialmente desigual. XXVIII. O princípio “para trabalho igual, salário igual”, assente naquele princípio, pressupõe a mesma retribuição para trabalho prestado em condições de igual natureza, qualidade e quantidade, com proibição da diferenciação arbitrária, materialmente infundada, existindo violação do princípio quando a diferenciação salarial assente em critérios subjetivos. XXIX. Refere o Código do Trabalho no seu artigo 25.º, n.º 1: “O empregador não pode praticar qualquer discriminação, direta ou indireta, em razão nomeadamente dos fatores referidos no n.º 1 do artigo anterior.”. XXX. E no n.º5, do mesmo artigo: “Cabe a quem alega discriminação indicar o trabalhador ou trabalhadores em relação a quem se considera discriminado, incumbindo ao empregador provar que a diferença de tratamento não assenta em qualquer fator de discriminação.”. XXXI. Ora, a Autora alegou que era vítima de discriminação, mas especificamente no respeitante ao salário e ao direito a transporte, nos artigos 23.º, 24.º, 25.º e 25.º, da sua petição inicial, mais indicando que se sente discriminada porque tem uma atitude reivindicativa dos seus direitos. XXXII. Veja-se que o motivo da discriminação o é essencialmente por uma questão de discordância ideológica entre as partes. XXXIII. Igualmente, a Autora identifica especificamente os trabalhadores em relação aos quais se sente discriminada - DD e EE - juntando mesmo recibos de vencimentos dos mesmos. XXXIV. A sentença admite como provado o seguinte facto: “1. A Autora foi admitida ao serviço da Ré em 20/09/1974, exercendo desde 20 de Janeiro de 2006 as funções de pagadora de banca.”. XXXV. O número mecanográfico da Autora é inferior ao dos colegas por ela indicados pelo que, pelo menos, à partida, não é uma simples questão de antiguidade, que seja simples de debelar. XXXVI. Ora, a Autora cumpriu o artigo 25.º, n.º5, do Código do Trabalho. XXXVII. Contudo a douta sentença vem dizer: “Entende-se que, pretendendo o trabalhador que seja reconhecida a violação do princípio “para trabalho igual, salário igual”, cabe-lhe alegar e provar que a diferenciação existente é injustificada em virtude de o trabalho por si prestado ser igual aos demais trabalhadores quanto à natureza, abrangendo esta a perigosidade, penosidade ou dificuldade; quanto à quantidade, aqui cabendo o volume, a intensidade e a duração; e quanto à qualidade, compreendendo-se nesta os conhecimentos dos trabalhadores, a capacidade e a experiência que o trabalho exige, mas também o zelo, a eficiência e a produtividade do trabalhador. Esses factos são constitutivos do direito subjetivo do trabalhador “discriminado” (à igualdade de tratamento), pelo que ao trabalhador cumprirá prová-los quando pretender fazer valer esse direito (artigo 342, n.º1, do Código Civil).” XXXVIII. Com o devido respeito o tribunal a quo assentou artigos como conclusivos, pelo que se não lhes opôs o seu douto entendimento, só se pode concluir que o Tribunal a quo os deu por bons e, portanto, se a Autora se diz discriminada e indica os seus motivos, é porque deve ser verdade, tão verdade que nem mereceram discussão. XXXIX. E estes foram quesitos/artigos que cumpriram o requisito do artigo 25.º, n.º 5, do Código do Trabalho. XL. Como refere o Acórdãos do STJ, de 21-10-2009, quanto ao n.º3, do artigo 23.º, do antigo CT, que agora se encontra plasmado no artigo 25, n.º5, do Código do Trabalho: “VI - Nos termos do n.º 3 do art.º 23.º do CT incumbe a quem alegar a discriminação, fundamentá-la, indicando o trabalhador ou trabalhadores em relação aos quais se considera discriminado, cabendo ao empregador provar que as condições de trabalho não assentam em nenhum dos fatores indicados no n.º 1 daquele artigo, consagrando, assim, uma inversão da regra geral do ónus da prova estabelecido no art.º 342.º do CC, de sorte a fazer impender sobre a entidade empregadora a prova de que o tratamento desfavorável conferido ao trabalhador se não fundou naqueles fatores, antes tendo esse tratamento justificação bastante, dotada de plausibilidade.” XLI. Nem este artigo antigo, nem a versão atual – 25.º, n.º5, prescrevem que a Autora tem que provar o que quer que seja mais do que o que fez efetivamente, só tem a Autora que alegar a discriminação, fundamentá-la e indicar os trabalhadores em relação aos quais se sente discriminada, não tem que provar mais nada. XLII. Aliás, obrigar o trabalhador a provar factos cuja natureza será tendencialmente secreta, ou até insidiosa, estando todos os documentos em poder da entidade empregadora, que os pode dispor, ou até manipular, da forma que entender, é onerar o trabalhador numa prova impossível, que nunca conseguiria fazer. XLIII. Por este motivo, porque as partes de uma relação laboral não são iguais nem têm o mesmo poder, é que não se pode aplicar sem mais o normal ónus da prova, caso contrário o trabalhador nunca consegue fazer prova de nada. XLIV. A Ré, que tinha o dever de provar que não atuava com base na discriminação apontada, nada provou, nem conseguindo provar que não discriminava, nem que discriminava de forma positiva outros trabalhadores, com base, por exemplo, na avaliação. XLV. Ora, a Ré não provou que o tratamento desfavorável conferido à trabalhadora não se fundou naqueles fatores (no caso, a atitude reivindicativa da Autora, quiçá até por motivos ideológicos), antes tendo esse tratamento justificação bastante, dotada de plausibilidade, não pode a Ré ser absolvida como foi. XLVI. Logo, andou mal o tribunal a quo ao aplicar o artigo 25.º, do Código do Trabalho, da forma limitativa como aplicou, atribuindo à Autora uma obrigação que esta não tinha. XLVII. Pelo que deve a decisão ser revogada e substituída por outra que condene a Ré no aumento de salário, no mesmo valor atribuído aos restantes trabalhadores que detêm a mesma categoria e desempenham as mesmas funções. C – Da Nulidade Da Sentença Quanto À Decisão Sobre O Direito A Transporte Por Parte Da Autora XLVIII. A douta sentença dá como provado e, portanto, como fundamentação de facto o seguinte: XLIX. “29. Quando a ré iniciou a exploração do casino da Praia da Rocha recebeu trabalhadores da anterior concessionária. 31. A A. transitou para a Ré enquanto trabalhadora do sector de jogos do casino da Praia da Rocha. 32. Quanto a ré assumiu a exploração do casino da Praia da Rocha não existia nenhum trabalhador do sector de jogos do casino a quem fosse assegurado transporte pela entidade patronal. 33. Nessa altura, os trabalhadores do casino (sector de jogos) regressavam a casa pelos seus próprios meios, nomeadamente em viatura própria – o que era o caso da A. 34. Alguns trabalhadores, como era o caso da A., recebiam uma compensação monetária para compra de passe de transporte público. 35. Foi acordado com a autora, em 29/09/1998, que a ré passaria a integrar o valor correspondente ao subsídio de transporte no subsídio de alimentação.”. L. A douta sentença vem depois concluir, e decidir, da seguinte forma: “Ora, a autora não logrou demonstrar que, alguma vez, tenha existido um acordo (expresso ou tácito) no sentido de a ré lhe fornecer esse transporte.”, determinando a absolvição da Ré neste pedido. LI. O artigo 607.º, n.º 5, primeira parte, do Código de Processo Civil, prescreve que o juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto. LII. E é aqui, cremos, que o tribunal a quo não andou bem. LIII. Na verdade, o tribunal consegue admitir a existência de duas situações incompatíveis, ou pelos menos inverosímeis, quando declara que a Autora tinha direito a subsídio para transportes públicos, mas depois regressava a casa em viatura própria. LIV. Naturalmente, estas duas premissas não podem ser compatíveis entre si. LV. Veja-se que não se pode compreender que a A. tenha passe de transporte público, pago em subsídio pela R., para ir para o seu serviço, mas que depois regresse a casa em viatura própria, já que é certo que a viatura não se iria deslocar sozinha para o local de trabalho, para depois poder ser conduzida pela A. de regresso a casa. LVI. Portanto, passe a expressão, “das duas, uma”, ou de facto existia um direito da Autora ao transporte fornecido pela empresa, e tanto assim era que até lhe foi dado um subsídio de transporte. LVII. Ou não existia e todas as testemunhas mentiram quando afirmaram a existência deste subsídio, incluindo as testemunhas da Ré, atribuindo à entidade empregadora uma inexplicável generosidade na atribuição daquele montante a mais à Autora e restantes colegas beneficiários. LVIII. Ora, como as testemunhas, pelo menos, quanto a isto, estavam de acordo, e é o tribunal a quo que o diz, na resposta á matéria de facto, é de concluir que se existe subsídio de transporte é porque existe direito ao transporte, fornecido pela empresa, na forma direta de serviço de transporte próprio ou na forma de pagamento do referido subsídio. LIX. Assim sendo, cremos que a decisão adequada seria admitir que a A. tinha e tem direito ao transporte, ainda que não o tivesse utilizado durante algum tempo, a verdade é que recebia o valor correspondente. LX. Certo é que o tribunal a quo não pode decidir em óbvia contradição com aquilo que determinou por provado. LXI. Assim, é a sentença nula, quando a esta parte, por aplicação do artigo 615.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Civil, que aqui se aplica por remissão do Código de Processo do Trabalho, pois os fundamentos de facto em que assenta estão em oposição com a decisão ou são pelo menos ambíguos, deixando o operador normal sem entender o porquê da mesma. LXII. Nestes termos, deve a sentença recorrida ser declarada nula, nesta parte, e ser substituída por outra que condene a Ré no pedido de conceder a título definitivo o transporte de regresso a casa à A., em conformidade com o provado, que é a existência, desde pelo menos 1998, de subsídio de transporte, de onde se infere que tem que existir na esfera jurídica da A. o inerente direito ao transporte a ser fornecido pela Ré. D – Error In Judicando – Divergência Entre Os Factos Provados E A Solução Jurídica Quanto A Direito De Transporte LXIII. Efetivamente, e por mera cautela de patrocínio, não se entendendo, como acima se pugna que existe uma nulidade da sentença na vertente de oposição entre fundamentos e decisão, está-se, pelo menos, perante uma errada interpretação dos factos dados por provados. LXIV. Veja-se que o tribunal a quo entendeu que existia e existe subsídio de transporte, mas depois conclui que não existia ou não subsiste o subjacente direito que alicerça esse subsídio, que é o direito a transporte, assegurado pela Ré. LXV. Ora, tal conclusão é ilógica, pois só existe direito a um subsídio que garanta um pagamento se houver direito à prestação que esse pagamento visa adquirir a um terceiro. LXVI. Nem podia o tribunal a quo concluir que a A. tinha direito ao subsídio, mas como depois usava o carro para se deslocar, não tinha direito ao transporte. LXVII. A única conclusão lógica possível, e a única suportada pela prova, é que a A. tinha e manteve o direito a transporte fornecido pela entidade empregadora, tanto que recebia o subsídio de transporte, mesmo quando utilizava o seu veículo para se deslocar, visto que ambas as situações são concomitantes. LXVIII. Logo, se são concomitantes e não se excluíram é porque o direito ao transporte se manteve, mesmo com a utilização do veículo, caso contrário, a Ré teria desde logo retirado esse subsídio à Autora em 1998, ou antes, caso considera-se que esta não tinha direito ao transporte. LXIX. Assim, só se pode concluir que o tribunal a quo se enganou ao retirar a conclusão que retirou – “Ora, a autora não logrou demonstrar que, alguma vez, tenha existido um acordo (expresso ou tácito) no sentido de a ré lhe fornecer esse transporte”. LXX. Nestes termos, deverá a decisão recorrida ser revogada, nesta parte, e ser substituída por outra que reconheça a existência de direito ao transporte por parte da Autora e condene a Ré na atribuição a título definitivo de transporte de regresso à sua residência à hora da saída, nos moldes que concede aos restantes trabalhadores, colegas da A. Pelo que, LXXI. Deve a douta sentença recorrida ser revogada, por violação de tais normativos, substituindo-se a mesma por outra que condene a R. como peticionado pelo A. ora recorrente, dado que o pedido de capital é líquido.» Contra-alegou a R. concluindo no sentido da improcedência do recurso. O tribunal de 1.ª instância considerou não se verificar a arguida nulidade da sentença e admitiu o recurso de apelação, com subida nos próprios autos e efeito devolutivo. Após subida do processo ao Tribunal da Relação, foi observado o preceituado no artigo 87.º, n.º 3 do Código de Processo do Trabalho. A Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer, propugnando pela confirmação da sentença recorrida. Não foi oferecida resposta a tal parecer. Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir. * II. Objeto do RecursoÉ consabido que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da recorrente, com a ressalva da matéria de conhecimento oficioso (artigos 635.º n.º 4 e 639.º n.º 1 do Código de Processo Civil aplicáveis por remissão do artigo 87.º n.º 1 do Código de Processo do Trabalho). Em função destas premissas, as questões suscitadas no recurso são: 1.ª Nulidade da sentença; 2.ª Nulidade do procedimento disciplinar; 3.ª Existência do direito ao transporte; 4.ª Existência de discriminação salarial. * III. Matéria de FactoO tribunal de 1.ª instância considerou provados os seguintes factos: 1. A autora foi admitida ao serviço da ré em 20/09/1974, exercendo desde 20 de Janeiro de 2006 as funções pagadora de banca. 2. No desempenho das suas funções compete à autora efetuar pagamentos, trocos, receber e entregar as fichas aos frequentadores do casino, pagar prémios, retirar as fichas. 3. Auferia a autora a título de retribuição mensal a quantia líquida de €609,00, acrescida de subsídio de alimentação de €129,60, diuturnidades de €93,60 e do subsídio de funções. 4. A autora é associada no Sindicado dos Trabalhadores da Indústria de Hotelaria, Turismo, Restaurantes e Similares do Algarve, com o n.º …. 5. As relações de trabalho entre autora e ré continuam em vigor. 6. No dia 4 de Novembro de 2016 a ré entrega à autora uma carta datada de 3 de Novembro de 2016 onde lhe é comunicado que lhe tinha sido instaurado um processo disciplinar e junta, à mesma, a ré entrega a respetiva nota de culpa. 7. Na sua contestação requereu a autora, como diligência probatória, a reprodução das imagens referentes à partida do dia 26/09/2016, entre as 01h e as 01h30 e que lhe fosse designado dia e hora para a respetiva diligência. 8. A ré, em resposta ao requerido pela autora na contestação à nota de culpa, envia a 14/12/2016 um e-mail à advogada da autora dizendo que solicitou, em 7/10/2016, aos SRIJ junto do Casino da Praia da Rocha a guarda das imagens referentes aos factos constantes no processo disciplinar e que devia solicitar a visualização das imagens junto da referida entidade. 9. A autora, através da sua advogada, no dia 20/12/2016 solicita à entidade referida, SRIJ junto do Casino da Praia da Rocha, a visualização das referidas imagens. 10. O SRIJ junto do Casino da Praia da Rocha responde à solicitação da visualização das imagens, através de carta datada de 6/01/2017, registada no dia 13/01/2017 e rececionada no dia 16/01/2017. 11. Na mesma o SRIJ junto do Casino da Praia da Rocha responde que “as gravações de imagem ou som feitas através de vigilância e controlo destinam-se exclusivamente à fiscalização das salas de jogos, seus acessos e instalações de apoio, sendo proibida a sua utilização para fins diferentes e obrigatória a destruição pela concessionária no prazo de 30 dias, salvo quando por conterem matéria em investigação ou suscetível de o ser” e, ainda, que “só podendo ser utilizadas nos termos da legislação penal e do processo penal”. 12. Em 14 de Janeiro de 2017 a ré entrega à autora a decisão final, onde lhe é comunicada a aplicação da sanção de suspensão do trabalho por 3 dias com perda de remuneração e antiguidade. 13. Suspensão que a autora cumpriu nos dias 3, 4 e 5 de Fevereiro de 2017. 14. No mês de Outubro de 2016 DD, com a categoria de pagadora, auferiu o vencimento base de €626,00 e, no mês de Dezembro de 2016 EE, com a categoria de pagador, auferiu o vencimento base de €632,00. 15. A autora desempenha as suas funções cumprindo um horário de entrada às 20h30 e saída às 3h30. 16. Por carta datada de 13/07/2015 a autora, invocando terapêutica crónica e prescrição de medicação que a impossibilitava de conduzir viaturas durante as horas noturnas, a ausência de cobertura da rede de transportes públicos no seu horário de saída e a concessão a outros colegas de transporte de regresso a casa através de táxi com custo assumido pela ré, solicitou à ré que lhe fosse atribuído transporte de regresso a casa à hora de saída. 17. A ré respondeu à autora por carta de 20/07/2017 dizendo-lhe que assegura o transporte a um número restrito de trabalhadores que transitaram da anterior concessionária e que antes beneficiavam do direito ao transporte, o que não se verificava no caso da autora e informando-a que não lhe assistia direito a transporte mas que, a título precário e transitório, enquanto se mantiver a invocada razão de saúde, poderá utilizar a título de “boleia”, sempre que exista disponibilidade de lugares, o táxi facultado pela ré aos referidos trabalhadores. 18. No decorrer da partida do dia 25 de Setembro de 2016, a A. encontra-se de serviço no casino da Praia da Rocha (instalado no…). 19. Cerca das 01h00 (do dia 26 de Setembro de 2016) a A. foi render o colega … na banca “Roleta Americana 10”, onde se encontrava a desemprenhar funções de fiscal de banca, o seu colega …. 20. Na referida banca encontrava-se a jogar um frequentador, com o valor atribuído de €10,00 à ficha sem valor (cor branca). 21. Ainda com o colega … na banca, a A. assiste a um pagamento (ao frequentador em causa) e ajuda a montar o prémio. 22. Posteriormente a A. efetua três trocos corretos ao referido frequentador. 23. Ao quarto troco, cerca das 01h09m, mantendo-se o frequentador sempre a jogar com o valor atribuído de €10,00 à ficha sem valor de cor branca, a A. efetua um troco errado, recebendo do frequentador duas fichas, uma no valor de €500,00 e outra no valor de €100,00 e entrega-lhe 120 fichas brancas (com o valor atribuído de €10,00), o que totalizava a quantia de € 1 200,00. 24. Entregou ao frequentador €600,00 a mais do que recebeu. 25. Prejudicando a sua entidade patronal, a ora Ré, em benefício do frequentador na quantia de €600,00. 26. Seguidamente, a A. volta a fazer um troco correto ao mesmo frequentador. 27. Em 7/10/2016 a ré dirigiu uma carta aos serviços do SIRIJ de Portimão, dando conta da ocorrência e solicitando a manutenção das imagens por as mesmas conterem matéria sob investigação. 28. A autora tem antecedentes disciplinares, tendo averbada a prática de uma infração disciplinar em Maio de 2016. 29. Quando a ré iniciou a exploração do casino da Praia da Rocha recebeu trabalhadores da anterior concessionária. 30. A ré assumiu a exploração do estabelecimento hoteleiro “Hotel …” e unificou os dois estabelecimentos, passando o mesmo a denominar-se “Hotel …”. 31. A A. transitou para a Ré enquanto trabalhadora do sector de jogos do casino da Praia da Rocha. 32. Quando a ré assumiu a exploração do casino da Praia da Rocha não existia nenhum trabalhador do sector de jogos do casino a quem fosse assegurado transporte pela entidade patronal. 33. Nessa altura, os trabalhadores do casino (sector de jogos) regressavam a casa pelos seus próprios meios, nomeadamente em viatura própria – o que era o caso da A.. 34. Alguns trabalhadores, como era o caso da A., recebiam uma compensação monetária para compra de passe de transporte público. 35. Foi acordado com a autora, em 29/09/1998, que a ré passaria a integrar o valor correspondente ao subsídio de transporte no subsídio de alimentação. 36. Desde então a A. aufere um valor a título de subsídio de alimentação em média de €144,00 quando os restantes colegas recebem, em média, €112,50. 37. Trabalhadores transitados de anteriores concessionárias continuam a usufruir de transporte de regresso a casa, assegurado pela ré, que recorre a serviço de táxi. 38. A autora apenas se dirige à ré sobre o transporte com a carta de 13/07/2015. 39. A autora voltou a insistir na questão do transporte junto da ré em Outubro de 2015 e em Janeiro de 2016, através do sindicato ao que sempre a ré respondeu que não lhe reconhecia qualquer direito a transporte. 40. A administração da ré procedeu ao aumento salarial de alguns funcionários com base em avaliações de desempenho feitas pelas chefias diretas. 41. DD, EE e … viram o seu vencimento base aumentado, mas outros pagadores como …. e … não viram aumentados os seus vencimentos em 2015 e 2016. * IV. Nulidade da sentençaNo requerimento de interposição do recurso dirigido ao tribunal de 1.ª instância, a recorrente arguiu a nulidade da sentença por considerar que existe uma contradição entre os fundamentos de facto, designadamente a materialidade descrita nos pontos 29, 31 a 33, 34 e 35, e a decisão que absolveu a R. do pedido respeitante ao reclamado direito ao transporte. Tendo sido respeitado o formalismo exigido pelo artigo 77.º, n.º 1 do Código de Processo do Trabalho e tendo o Meritíssimo Juiz a quo considerado não se verificar a acusada nulidade, importa apreciar a primeira questão suscitada no recurso. De harmonia com o normativo inserto na alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil, subsidiariamente aplicável ao processo laboral, a sentença é nula quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível. Na Constituição da República Portuguesa consagra-se no artigo 205º, a obrigação de fundamentação das decisões judiciais que não sejam de mero expediente. A fundamentação legalmente exigida visa dar a conhecer as razões de facto e de direito que o tribunal considerou e que originaram uma determinada conclusão que subjaz à decisão. Daí que os fundamentos constituam as proposições em que assenta o silogismo da decisão. Por isso, a sentença que enferma de vício lógico que a compromete é nula. Todavia, este vício não é de frequente verificação. O mesmo só ocorre em situações em que se mostre claro que os fundamentos invocados pelo juiz conduziriam logicamente, não ao resultado expresso na decisão, mas a resultado oposto (cfr. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil anotado, Vol. V, pág. 141). Dito de outro modo, para que se verifique tal vício tem de existir uma contradição lógica entre os fundamentos e a decisão tomada. Aqueles apontam num sentido e a decisão é tomada em sentido diverso ou divergente. Apreciemos agora o caso vertente. No seu articulado de propositura da ação, a A., agora recorrente, pediu que a R. fosse condenada a conceder, a título definitivo, o transporte à A. de regresso à sua residência à hora de saída, nos moldes que concede aos restantes trabalhadores, colegas da A. Ora, contrariamente ao referido pela recorrente, com arrimo nos pontos factuais assentes sob os n.ºs. 29, 31 a 33, 34 e 35, não é possível constatar qualquer oposição entre os fundamentos de facto e o decidido. O que resulta dos aludidos pontos factuais é que a recorrente, contratualmente, tinha direito a receber um subsídio de transporte. Ora, o subsídio de transporte acordado constitui uma obrigação de natureza pecuniária e o pedido formulado relaciona-se com uma alegada obrigação em espécie – o fornecimento de transporte. Em causa estão realidades distintas, como dá conta o tribunal de 1.ª instância no despacho que julgou improcedente a arguição da nulidade, ao referir: «Uma coisa é a obrigação contratualmente assumida de pagar um subsídio, outra diferente é a obrigação de, em espécie, fornecer um determinado serviço. Vejamos: uma coisa é um empregador obrigar-se a pagar um subsídio de refeição e, coisa diferente será a obrigação de fornecer uma refeição; do mesmo modo, é diferente pagar um subsídio de transporte e coisa diferente é a obrigação de, efetivamente, transportar um trabalhador (obrigação que inexiste, salvo acordo expresso nesse sentido ou previsão legal).» Ora, não resultando da factualidade invocada ou da restante factualidade assente que a recorrida se havia obrigado a fornecer transporte à recorrente, a consequência lógica da premissa era a absolvição do pedido relacionado com o direito ao transporte. Acresce que os fundamentos de facto invocados são claros e inteligíveis, pelo que também não se verifica qualquer ambiguidade ou obscuridade quanto à base material que suporta a decisão absolutória. Em suma, não se verifica a causa de nulidade da sentença invocada, pelo que improcede o vício arguido. * V. Nulidade do procedimento disciplinarEm sede de recurso, a apelante invoca a nulidade do procedimento disciplinar contra si instaurado, em consequência da nulidade da prova no mesmo produzida. Tal questão é, pela primeira vez, colocada no processo, pois a impugnação da sanção disciplinar anteriormente deduzida, baseou-se na negação do comportamento infrator imputado. A nulidade do procedimento disciplinar constitui, pois, uma questão nova no processo e em relação à qual a recorrente pretende extrair consequências legais, que são suscetíveis de influenciar o mérito da ação. É consabido que o âmbito do recurso se define pelas conclusões formuladas pelo recorrente. Todavia, existe um natural limite às questões suscitadas nas conclusões: a decisão recorrida. Os recursos visam o reexame de uma decisão proferida pelo tribunal a quo, de forma a possibilitar, se houver fundamento para tanto, a correção de tal decisão. Os recursos são assim meios de impugnação e de correção de decisões judiciais. Está vedada ao tribunal de recurso a possibilidade de se pronunciar sobre questões novas, não suscitadas no tribunal recorrido, salvo se forem de conhecimento oficioso. Aliás, tem sido este o entendimento unânime da nossa Jurisprudência. A título meramente exemplificativo, referem-se apenas os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 25/03/2009, P. 09P0308 e de 18/06/2006, P. 06P2536 e os Acórdãos da Relação de Évora de 31/05/2012, P. 245/08.5TBSTC.E2 e de 08/05/2012, P. 595/09.3TTFAR.E1. Ora, no caso dos autos, a apelante nunca suscitou perante o tribunal recorrido, a questão que veio a suscitar no recurso. Tal questão não é de conhecimento oficioso. Por conseguinte, constituindo tal temática uma questão nova, não pode este tribunal conhecer da mesma. * VI. Direito ao transporteA recorrente alega ter ocorrido erro de julgamento quanto ao peticionado direito ao transporte. O tribunal de 1.ª instância julgou improcedente tal pedido, com base na seguinte fundamentação: «A eventual existência de um dever de transporte por parte da entidade empregadora, no contexto da atual lei laboral, apenas existirá se existir acordo, nesse sentido, entre as partes. O direito a transporte não decorre diretamente da lei, por grande que seja a necessidade do trabalhador – ver artigo 127º do Código de Trabalho. Ora, a autora não logrou demonstrar que, alguma vez, tenha existido um acordo (expresso ou tácito) no sentido de a ré lhe fornecer esse transporte. Também não logrou demonstrar que outros trabalhadores, com as mesmas funções que as suas e com a mesma categoria, tenham obtido da ré esse benefício, pelo que, igualmente, não se vislumbra que tal benefício lhe possa ser concedido por via de uma eventual violação do princípio da não discriminação. Nessa parte, por isso, também não pode ser procedente a pretensão da autora.» Concordamos e aderimos à citada fundamentação. É consabido que o contrato de trabalho é um negócio jurídico sinalagmático, ou seja, com obrigações para ambos os contraentes, havendo entre elas uma relação de correspectividade. Provada a existência de um contrato de trabalho, existem prestações obrigacionais cuja alegação da falta de cumprimento, feita pelo trabalhador, e a falta de prova do cumprimento por parte do empregador, são suficientes para a condenação (v.g. falta de pagamento da retribuição, dias de férias não gozados). Tal não sucede com o apelidado direito ao transporte. Pois não integrando a garantia de transporte ao trabalhador, um dos deveres legais do empregador, conforme se depreende do estipulado no artigo 127.º do Código do Trabalho, a contrariu sensu, a A./recorrente tinha que alegar e provar que o direito ao transporte integrava a sua esfera jurídica. Contudo, tal prova não foi concretizada, pois do conjunto dos factos assentes não é possível inferir que houve algum acordo contratual nesse sentido. O que as partes acordaram foi que a compensação monetária para compra do passe de transporte público, que a recorrente já recebia quando a recorrida assumiu a exploração do Casino da Praia da Rocha, passaria a integrar o valor recebido a título de subsídio de alimentação. E, como referimos anteriormente, tal compensação monetária não se confunde com a reclamada prestação em espécie de fornecimento de transporte. Além do mencionado acordo, apenas ficou apurado que a recorrida, a título precário e transitório, enquanto se mantivesse a razão de saúde invocada pela recorrente na carta mencionada no ponto factual 16, consentiu a utilização, a título de “boleia”, sempre que existisse disponibilidade de lugares, do táxi facultado pela recorrida aos trabalhadores que usufruiam de transporte de regresso a casa. Ora, tal permissão não consubstancia qualquer acordo ou vinculação do fornecimento de transporte, a título definitivo, à recorrente. A recorrente também não logrou provar que à data em que a recorrida assumiu a exploração do casino da Praia da Rocha, lhe era assegurado o transporte pela entidade que anteriormente assumia a qualidade de empregadora. A circunstância de alguns dos colegas da recorrente usufruirem de transporte de regresso a casa, assegurado pela recorrida, que recorre a serviço de táxi, não constitui um ato discriminatório, pois para que se verificasse a alegada discriminação, pelo menos, tinha que ter ficado demonstrado que os beneficiários do transporte fornecido pela empregadora também recebiam compensação para o passe do transporte público, idêntica à auferida pela recorrente, encontrando-se todos os trabalhadores em igualdade de circunstâncias. Não foi alegado que por força da aplicação de instrumento de regulamentação coletiva, a recorrida estava obrigada a fornecer transporte à saída do trabalho, pelo que esta eventual fonte de direito de trabalho está a priori excluida. Finalmente, também não foi invocado que existisse qualquer prática reiterada ou repetida num período de tempo relevante, no que concerne ao fornecimento do transporte, na empresa, por forma a colocar-se a hipótese da aquisição do reclamado direito por uso laboral. Em suma, a recorrente não logrou provar que o reclamado direito ao transporte integrava a sua esfera jurídica. Nesta conformidade, improcede o recurso, quanto à questão agora analisada. * VII. Desigualdade salarialInsurge-se a recorrente contra a circunstância de não lhe ter sido reconhecido o peticionado aumento salarial, no mesmo valor do atribuído aos restantes trabalhadores que detêm a mesma categoria profissional e desempenham as mesmas funções, com fundamento no princípio “trabalho igual, salário igual”, argumentando estar a ser vítima de discriminação. Analisemos a questão. O princípio da igualdade mostra-se consagrado no artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa: «Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei» Como corolário deste princípio consagra-se ainda na Lei Fundamental da Nação, no artigo 59.º, nº1, alínea a) o princípio de que para trabalho igual é devido salário igual. De harmonia com este preceito legal todos os trabalhadores, sem discriminação, têm direito à retribuição do trabalho segundo a quantidade, natureza e qualidade, observando-se o princípio de que para trabalho igual salário igual, de forma a garantir uma existência condigna. Este princípio tem uma natureza material, ou seja, o que importa é que nas circunstâncias reais se trate de forma igual aquilo que é efetivamente igual e de forma diferente aquilo que é desigual. A nível remuneratório, o que este princípio constitucionalmente consagrado obriga é que no caso de existirem dois ou mais trabalhadores que exerçam o seu trabalho em idêntica quantidade, natureza e qualidade, a contrapartida monetária para a atividade exercida tem de ser igual. Importa então determinar o que é o trabalho igual em quantidade, natureza e qualidade. Sobre tal temática, o Supremo Tribunal de Justiça tem entendido, uniformemente, que para se concluir pela existência de discriminação retributiva entre trabalhadores, ofensiva dos princípios constitucionais da igualdade e de trabalho igual, salário igual, é necessário provar que os vários trabalhadores diferentemente remunerados produzem trabalho igual quanto à natureza (dificuldade, penosidade e perigosidade), qualidade (responsabilização, exigência, técnica, conhecimento, capacidade, prática, experiência, etc.) e quantidade (duração e intensidade), competindo o ónus da prova ao trabalhador que se diz discriminado — Acórdãos de 6/2/2002 (Processo n.º 1441/2001, sumariado em www.stj.pt/Jurisprudência/Sumários de Acórdãos/Secção Social), de 9/11/2005, de 23/11/2005 e de 25/6/2008, de 22/04/2009, (respetivamente, Documentos nºs. SJ200511090013804, SJ200511230022624, SJ200806250005284 e SJ200904220030404, todos disponíveis em www.dgsi.pt). Não havendo fundamento para divergir desta posição, importa debruçarmo-nos sobre o caso concreto. Flui do contexto factual assente que a recorrente exercia as funções de pagadora de banca, auferindo a retribuição mensal líquida de €609,00, acrescida de subsídio de alimentação de €129,60, diuturnidades de €93,60 e do subsídio de funções. Igualmente ficou provado que no mês de outubro de 2016, DD, com a categoria de pagadora, auferiu o vencimento base de € 626,00 e, no mês de dezembro de 2016 EE, com a categoria de pagador, auferiu o vencimento base de €632,00. Estes dois trabalhadores e ainda o trabalhador … (cuja categoria profissional se desconhece) viram o seu vencimento base aumentado. Porém, outros pagadores, como … e … não viram aumentados os seus vencimentos em 2015 e 2016. A recorrida logrou provar que o aumento salarial de alguns funcionários sucedeu tendo por justificação a avaliação de desempenho. Ora, com arrimo nos factos provados, não é possível extrair qualquer elemento que nos permita concluir pela ilegalidade da praticada diferenciação salarial, por violação do princípio “salário igual, trabalho igual”. Nada foi apurado respeitante à quantidade, natureza e qualidade, do trabalho efetivamente exercido pelos trabalhadores aumentados que nos permitisse deduzir qualquer discriminação salarial. Pelo exposto, sufragamos a decisão recorrida quanto à questão analisada, julgando-se, consequentemente, improcedente o recurso interposto, também nesta parte. Concluindo, o recurso mostra-se improcedente. * VIII. DecisãoNestes termos, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em julgar o recurso improcedente, e, em consequência, confirmam a decisão recorrida. Custas pela recorrente, sem prejuízo da isenção de que beneficia. Notifique. Évora, 24 de maio de 2018 Paula do Paço (relatora) Moisés Silva João Luís Nunes __________________________________________________ [1] Relatora: Paula do Paço; 1.º Adjunto: Moisés Silva; 2.ª Adjunto: João Luís Nunes |