Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
162/18.0T9STR.E1
Relator: FILIPA COSTA LOURENÇO
Descritores: SIGILO BANCÁRIO
PROCESSO DE AVERIGUAÇÃO PREVENTIVA
MINISTÉRIO PÚBLICO
PROVA PROÍBIDA
Data do Acordão: 06/04/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Sumário: I - Ocorre nulidade da sentença, por valoração de prova proibida (artigo 126º, nº 3, do C. P. Penal) , no caso de os autos se terem iniciado com uma “comunicação”, verificada num “processo de averiguação preventiva” (a cargo do Ministério Público), feita por uma instituição bancária, ao abrigo do disposto no artigo 43º da Lei nº 83/2017, de 18/08 (aplicável ao branqueamento de capitais e ao financiamento de terrorismo), implicando, assim, a violação dos artigos 78º e 79º do D.L. nº 298/92, de 31/12, bem como o preceituado no artigo 26º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa, levando à nulidade da prova (nos termos do estabelecido no artigo 122º do C. P. Penal), por violação do direito à reserva da vida privada da arguida.
II - Houve, pois, uma ilegal e ilegítima violação do sigilo bancário, estando toda a prova constante dos autos ferida de nulidade, porquanto os autos tiveram origem numa certidão extraída de um “processo de averiguação preventiva”, do DCIAP, o qual se iniciou com uma “comunicação” da entidade bancária (comunicação à qual as entidades bancárias se encontram obrigadas, nos termos do disposto no artigo 43º da Lei nº 83/2017, de 18/08 - como medida de combate ao branqueamento de capitais e ao financiamento do terrorismo -), sendo certo que o único crime investigado nos autos foi o de frustração de créditos, crime para o qual não existe disposição legal que expressamente limite o dever de sigilo bancário, havendo, por via disso, uma intromissão abusiva na esfera privada da arguida (a qual goza de proteção constitucional - artigo 32º, nº 8, da Constituição da República Portuguesa).
III - Além disso, não existe nos autos qualquer autorização expressa por parte da arguida para a revelação dos seus dados bancários, ou de quaisquer informações que lhe dissessem respeito, bem como a informação bancária junta aos autos não foi fornecida à autoridade judiciária no âmbito de processo penal, não tendo havido, pois, levantamento válido do dever de sigilo bancário.
Decisão Texto Integral:

ACORDAM EM CONFERÊNCIA, NA 2ª SUBSECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA


RELATÓRIO
Nos presentes autos, provenientes do Tribunal Judicial da Comarca de Santarém, Juízo Local Criminal de Benavente - Juiz 1, veio a arguida, A, interpor recurso da sentença que nestes autos foi proferida (tendo sido adiada a sua leitura no próprio dia designado através de despacho com a referência Citius nº 94996829 de 28/11/23 para 19/12/2023), através da qual a mesma foi condenada nos seguintes termos e juntamente com outros dois arguidos :
1. CONDENAR a arguida S, LDA. pela prática de um crime de frustração de créditos, previsto e punido pelos artigos 7.º, n.º 1, e 88.º, n.º 1 e n.º 2 do Regime Geral das Infrações Tributárias, na pena de 250 (duzentos e cinquenta) dias de multa à taxa diária de € 10,00 (dez euros), o que perfaz o total de € 2.500,00 (dois mil e quinhentos euros).
2. CONDENAR o arguido J pela prática, em coautoria material e na forma consumada, de um crime de frustração de créditos, previsto e punido pelos artigos 6.º, e 88.º, n.º 1 e n.º 2, do Regime Geral das Infrações Tributárias, e artigos 26.º e 28.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 125 (cento e vinte e cinco) dias de multa à taxa diária de € 6,00 (seis euros), o que perfaz o total de € 750,00 (setecentos e cinquenta euros).
3. CONDENAR a arguida A pela prática, em coautoria material e na forma consumada, de um crime de frustração de créditos, previsto e punido pelos artigos 6.º, e 88.º, n.º 1 e n.º 2, do Regime Geral das Infrações Tributárias, e artigos 26.º e 28.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 85 (oitenta e cinco) dias de multa à taxa diária de € 8,00 (oito euros), o que perfaz o total de € 680,00 (seiscentos e oitenta euros).
4. JULGAR PROCEDENTE o Pedido de Indemnização Civil deduzido pelo demandante Estado Português – Ministério das Finanças – Autoridade Tributária e Aduaneira e, em consequência, CONDENAR os Demandados S, LDA., J, e A no pagamento solidário do valor global de € 26.324,34 (vinte e seis mil trezentos e vinte e quatro euros e trinta e quatro cêntimos).

Não se conformando com a decisão como se disse, a arguida A veio interpor recurso da sentença, no qual apresentou as seguintes conclusões:

a) A sentença “a quo” é nula por valoração de prova proibida (art.º 126.º, nº 3 do CPP);
b) Os presentes autos nascem de comunicação feita pela entidade bancária ao abrigo do art.º 43.º da Lei nº 83/2017, de 18 de agosto - Comunicação a que as entidades bancárias se encontram obrigadas como medida de combate ao branqueamento de capitais e ao financiamento do terrorismo.
c) Sendo essa comunicação obrigatória apenas perante a prática desses crimes, circunstância em que a lei limita expressamente o dever de segredo das entidades bancárias.
d) A Exma. Juiz do Tribunal “a quo”, referindo-se ao dever de comunicação previsto no art.º 43.º da Lei nº 83/2017, bem como ao art.º 44.º do mesmo diploma, que estabelece os termos em que devem ser feitas as comunicações, conclui que, “a aludida obrigatoriedade de comunicação de operações suspeitas por parte das entidades financeiras não se restringe a um catálogo de tipos legais: branqueamento de capitais e terrorismo”. O que, como demonstrado nos pontos 12.º a 23.º das Alegações não encontra qualquer base de sustentação na Lei nº 83/2017, nem nas Diretivas Europeias que a referida Lei transpõe, consubstanciando uma verdadeira subversão da lei e interpretação contra legem.
e) Dispõe o art.º 1.º, nº 1 da Diretiva 2015/849/UEA que, “a presente diretiva visa prevenir a utilização do sistema financeiro para efeitos de branqueamento de capitais e de financiamento do terrorismo”.
f) A aceitar-se o entendimento, algo rebuscado, diga-se, da Exma. Juiz do Tribunal “a quo” - no sentido de o dever de comunicação estabelecido no art.º 43.º da Lei nº 83/2017 não se limitar a um catálogo de crimes legais - esvaziar-se-ia por completo o dever de segredo das instituições bancárias relativamente a informações bancárias dos clientes (art.º 78.º do DL nº 298/92 de 31 de dezembro).
g) O dever de comunicação do art.º 43.º apenas existe em situação de possível branqueamento de capitais, não podendo ser “usado” para se iniciar investigação de frustração de créditos, em causa nos autos, cujo tipo não encontra qualquer correspondência com a definição de branqueamento constante na Diretiva 2015/849/EU (V. art.º 1.º, nº 3).
h) O branqueamento pressupõe sempre a existência de um crime anterior, estando sempre relacionado com fundos ou bens que advenham de atividade criminosa, como, inclusive, resulta do art.º 43.º da Lei nº 83/2017. A comunicação do art.º 43.º pressupõe a prática de dois crimes relacionados, um primeiro crime que gera proventos e um segundo que os visa “esconder”.
i) Ora, daqui se infere de forma inequívoca que o próprio banco procedeu mal, pois, de acordo, com a própria declaração junta a fls. 5, bem como de acordo com os factos em causa dos autos, os valores alegadamente depositados em conta titulada pela arguida Anabela Reis eram provenientes de transações comerciais, de acordo com a própria descrição da matéria de facto constante dos autos, e assim, provenientes de transação lícita e de nenhuma atividade criminosa.
j) Posto isto, é apodítico que não existia nenhum dever de comunicação por parte da entidade bancária ao abrigo do mencionado art.º 43.º, e que a comunicação efetuada consubstancia violação do dever de sigilo (art.º 78.º do DL nº 298/92 de 31 de dezembro), o que, inclusive consubstancia infração criminal (art.º 84.º do DL nº 298/92, de 31 de dezembro).
k) Assim, contrariamente ao entendimento do Tribunal “a quo”, não se encontra legitimado o afastamento do dever de segredo bancário por imperativos de investigação criminal, pois, o art.º 43.º da Lei nº 83/2017, não legitima tal afastamento, assim como também não o legitima o art.º 79.º do DL nº 298/92 de 31 de dezembro, o qual estabelece as exceções ao referido dever de segredo.
l) Não se encontra legitimado o afastamento do dever de segredo bancário por imperativos de investigação criminal, pois, o art.º 43.º da Lei nº 83/2017, não legitima tal afastamento, assim como também não o legitima o art.º 79.º do DL nº 298/92 de 31 de dezembro.
m) No caso dos autos não estão em causa suspeitas conexionadas com situações de branqueamento de capitais (e muito menos financiamento ao terrorismo), como supra demonstrado, pois os alegados movimentos bancários em causa nos autos sempre viriam de transações comerciais lícitas.
n) E não sendo levada a cabo qualquer investigação quanto ao crime de branqueamento de capitais, abrindo-se inquérito somente pelo crime de frustração de créditos, apenas sendo tal comunicação em derrogação do dever de segredo bancário admitida nos termos do art.º 43.º, impunha-se a não consideração de tal comunicação após se concluir pela inexistência de branqueamento de capitais.
o) Como tal, impõe-se considerar que o processo de obtenção de prova não seguiu o procedimento legal. Tendo tais provas - certidão extraída de procedimento de averiguação que se iniciou com comunicação da entidade bancária - fls. 1 a 7 - sido obtidas mediante intromissão na vida privada da arguida, em violação do art.º 26.º, nº 1 da Constituição da República Portuguesa (doravante CRP).
p) A falta de licitude da atuação da instituição financeira de quebra do sigilo bancário em desobediência da lei, determinou a violação do direito ao segredo à reserva da vida privada da arguida. Motivo pelo qual, estamos perante prova de valoração proibida, nos termos do art.º 126, nº 3 do CPP, que comina como consequência a nulidade. O que deveria ter sido declarado pelo Tribunal “a quo”.
q) A Sentença “a quo” nos moldes em que foi proferida, considerando a forma como se iniciaram os presentes autos, constitui uma violação dos arts.º 78.º e 79.º do DL nº 298/92 de 31 de dezembro, bem como do art.º 26.º, nº 1 da CRP.
r) A invalidade da referida prova obtida em violação do direito à reserva da vida privada (art.º 26.º, nº 1 da CRP) determina, em aplicação da “teoria dos frutos da árvore envenenada”, a invalidade dos atos que dela dependerem (art.º 122.º, nº 1 do CPP) - Impondo-se, a não valoração de tal prova e consequente a declaração de nulidade da mesma, impõe-se, também em consequência, a absolvição da arguida por ausência de qualquer outra prova que indicie a prática dos factos em causa nos autos.
s) A MM.ª Juiz “a quo”, numa evidente tentativa de justificar o injustificável, admite na sentença recorrida a possibilidade de o conhecimento da eventual prática de crime de frustração de créditos como conhecimento fortuito, o que não se reveste de qualquer senso, pois, tal conhecimento advém de comunicação que não era permitida para tal ilícito criminal sob pena de violação do dever de sigilo bancário, e os conhecimentos fortuitos serão, por sua vez, “os conhecimentos obtidos de forma lateral e sem relacionamento com a investigação em curso” (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 29-04-2010, proc. nº 128/05.0JDLSB-A.S1). Pelo que, não faz qualquer sentido chamar à colação os conhecimentos fortuitos, pois a investigação surge relativamente ao crime de frustração de créditos, não se tomou conhecimento desse crime já após iniciado inquérito relativamente a qualquer outro crime.
t) A sentença “a quo” mostra-se também ferida de nulidade por considerar enquanto elemento probatório extratos bancários da H, Lda., que não é arguida nos autos, conforme demonstrado nos artigos 56.º a 61.º das Alegações, pois, não estando verificada nenhuma das normas excecionais em que se admite a quebra do dever de sigilo, verifica-se, à semelhança do que sucedeu com a conta bancária da arguida A, violação do dever de sigilo, e consequente, violação do direito ao segredo à reserva da vida privada. Corporizando, portanto, prova de valoração proibida e, por conseguinte, nula (art.º 126.º, nº 2 do CPP).
Subsidiariamente e sem conceder,
u) A sentença “a quo” padece do vício de erro notório na apreciação da prova, a que se reporta a alínea c) do nº2 do artigo 410º do CPP.
v) A prova carreada para os autos mostra-se insuficiente, ou melhor, inexistente, para efeitos de condenação da recorrente.
w) As considerações vertidas na Sentença “a quo” relativamente à matéria de facto provada e a correlação com a prova produzida em que essa se terá sustentado mostra-se completamente descabida e sem qualquer correspondência com a prova efetivamente produzida em sede de audiência de julgamento!
x) Os factos considerados provados nos pontos 11., 12., 13., 14., 15., 17., 18., 19., 20., 21., 23., da matéria de facto, não encontram qualquer correspondência com a prova realmente produzida em audiência de julgamento, mormente com as declarações dos arguidos prestadas em audiência de julgamento (V. artigos 66.º, 67.º e 71.º das Alegações). Não se compreendendo em que elementos probatórios se baseou a MM.ª Juiz do Tribunal “a quo”, para considerar provados os factos supra transcritos.
y) Ambos os arguidos J e A foram perentórios em recusar o conhecimento da situação financeira da sociedade arguida, bem como a sua intervenção na vida da mesma. Sendo sempre o arguido Jorge quem era associado à gestão daquela sociedade (depoimento dos arguidos e testemunha Jorge Henriques). Não foi produzida qualquer prova em sentido contrário, andou mal o Tribunal “a quo” ao considerar como provados os factos 17, 19, 21, 23 da matéria de facto provada.
z) Resulta, inclusive, da matéria de facto provada que, “a arguida A nunca desempenhou na sociedade arguida qualquer cargo social de gerente nem foi sócia de tal pessoa coletiva”.
aa) A MM.ª Juiz do Tribunal “a quo” parece presumir o conhecimento da arguida A relativamente à situação financeira da empresa arguida e a sua intervenção em plano para obviar o pagamento de dívidas tributárias por parte daquela empresa, única e exclusivamente com base na relação amorosa que os arguidos tinham à época a que se reportam os factos. O Direito Penal não se compadece com presunções não fundadas e sem a mínima base probatória! Assim obriga a presunção da inocência que impera em Direito Processual Penal.
bb) Resulta da motivação da matéria de facto provada que, “a factualidade provada de 11 a 13 adveio da conjugação de diversos elementos de prova que permitiram ao Tribunal formar a sua convicção segura no sentido da sua verificação”. Que é o mesmo que não justificar em que se baseia tal consideração.
cc) Na verdade, e nessa sequência, apenas se refere a declaração constante a fls. 358 dos autos. Tal declaração nunca bastaria para se considerarem provados os factos 11. a 13., a mesma nunca bastaria para concluir que os arguidos delinearam conjuntamente um plano, pois, conforme resultou das declarações dos arguidos transcritas nas Alegações, a arguida A apenas assinou a declaração, não a elaborou e não se inteirou do seu teor. Sempre se mostrariam necessários outros elementos probatórios que o corroborassem para se formar tal convicção de que os arguidos J e A gizaram um plano com intuito de a sociedade arguida se furtar ao pagamento de valores devidos à AT (e nunca como forma de a arguida se furtar a tal pagamento como resulta do ponto 11., pois a mesma não tinha tal obrigação tributária). Existindo, em contrário, as declarações que o refutam, nunca poderia o Tribunal “a quo” considerar tal facto provado.
dd) Conforme demonstrado nos artigos 89.º a 98.º das Alegações, não se reveste também por isso de qualquer sentido, a consideração de que: “Ainda quanto ao reforço da convicção que se formou da parte do Tribunal, veja-se o email de fls. 628 onde a arguida A envia comunicação sobre a gestão da vida negocial da sociedade arguida a um cliente, acabando, pois, evidentemente por ser a “cara” da empresa. O email é datado de 13 de julho de 2018 e reporta-se a pagamento de fatura de contrato de arrendamento”.
ee) É assim, pois, como fora referido por ambos os arguidos, a arguida A chegou a auxiliar o arguido em assuntos referentes à empresa arguida, aquando das férias da administrativa dessa empresa. Sendo assim, perfeitamente normal e percetível a existência do e-mail referido na sentença, que em nada se relaciona com a matéria dos autos (V. fls. 628).
ff) Não existe nenhum e-mail da autoria da arguida A relativo à contabilidade da empresa, ou aos assuntos dos autos, nomeadamente não está junto aos autos qualquer e-mail da mesma dirigido à testemunha JH, contabilista da sociedade arguida, com qualquer declaração, que a existir, figuraria certamente nos autos. Não se podendo o Tribunal “a quo” basear neste aspeto nas declarações da testemunha JH que disse pensar, portanto sem qualquer certeza, ter recebido tal declaração por e-mail enviado pela arguida A.
gg) “Non Quod Est In Actis Non Est In Mundo”.
hh) O Juiz deve julgar com base no que consta dos autos, e não foi produzida prova testemunhal e documental que sustente a condenação da arguida.
ii) Apenas existindo quanto aos factos imputados à arguida tal declaração (fls. 358), sempre se deverá considerar o seguinte: De acordo com o teor dessa declaração – “Esta conta será utilizada única e exclusivamente para recebimento de clientes e pagamento a fornecedores da empresa S, Lda. não lhe podendo ser dado outro fim” - para que a mesma fosse um elemento essencial de prova, sempre teríamos de ter o seu teor refletido na conta da arguida A (IBAN PT50………..), ou seja, recebimentos de clientes da S, e tal não sucede!
jj) O extrato junto aos autos da identificada conta da arguida Anabela (fls. 6), não reflete qualquer recebimento de clientes da sociedade arguida, mormente os valores referidos nos documentos juntos aos autos a fls. 601 a 645. O mencionado valor recebido nessa conta entre o período de 14-09-2017 a 14-10-2017, não provem de nenhum cliente da arguida S (V. fls. 6 em correlação com fls. 601 a 645). O teor de tal declaração, no limite, vista em conjugação com a criação de conta, reflete uma tentativa, pois, o que aí fora supostamente acordado que poderia levar à ocultação de património da sociedade arguida para esta se furtar ao pagamento de dívidas da AT, nunca se concretizou.
kk) Pelo que, tal declaração em nada pode valer para efeitos de condenação da arguida A. Os factos que lhe são imputados não encontram reflexo no extrato da conta da arguida junto aos autos, o que sempre seria necessário para a condenação da mesma, atenta a inexistência de qualquer outro elemento probatório referente à mesma.
ll) Sendo imputado à arguida a conjugação de esforços com o arguido para a sociedade arguida se furtar ao pagamento de valores devidos à AT, e que nessa comunhão de esforços elaboraram tal declaração, sempre seria necessário a verificação prática do que aí se encontra estipulado para condenação da arguida A, o que não sucedeu - V. artigos 111.º a 115.º das Alegações.
mm) É verdade, como se considera na Sentença recorrida, a existência de declaração que fora assinada pela arguida, não obstante sem se aperceber do seu teor, mas não se pode afirmar, como resulta da sentença, que os factos “têm suporte em prova direta e palpável como o seja desde logo a declaração firmada por ambos os arguidos”, pois, sem conceder, no limite, tal declaração, denotaria, uma mera intenção dos arguidos, que nunca se concretizou, resultando claro da prova carreada para os autos, que na conta da arguida A referida na declaração (fls. 358), nunca foram recebidos pagamentos de clientes da arguida S (fls. 6).
nn) Os elementos que existirão seriam elementos de prova para factos não concretizados, e quanto ao que efetivamente terá sucedido não existe qualquer prova que coloque a arguida A em delineação do mesmo. Porque não aconteceu.
oo) Em síntese, resulta claro o seguinte:
- Não resulta provado o conhecimento por parte da arguida A das dívidas fiscais da arguida S (tal facto terá sido considerado provado pelo Tribunal “a quo” apenas por mera presunção advinda dos restantes factos que considerou provados, erroneamente, diga-se;
- O teor da declaração a fls. 358 assinada pela arguida não teve qualquer expressão prática;
- Os extratos de conta da arguida A não refletem o teor da declaração (fls. 358);
- Não existe nos autos qualquer prova clara de que a arguida A efetivamente auxiliou ou participou em qualquer plano para efetivamente dissipar património da empresa arguida por forma a obviar ao pagamento por parte desta das dívidas fiscais à AT;
- As transferências recebidas na conta titulada pela arguida A identificada nos autos, são provenientes da empresa H, Lda., da qual a arguida é gerente. Não refletindo qualquer pagamento de qualquer cliente da arguida S. Nem refletindo nenhuma realidade fora do normal;
- Não existe nem foi produzida em julgamento, qualquer prova que permita relacionar os valores recebidos pela arguida A descritos no extrato junto aos autos a fls. 6 e os factos dos autos.
- Não há qualquer correlação entre valores transferidos para a conta da arguida A (fls. 6), nem sequer para a conta da empresa H, Lda., de que é gerente (fls. 206 a 252) e os valores faturados a clientes da arguida S, ou quaisquer outros valores a esta devidos.
- Não resulta de qualquer prova produzida nos autos qualquer intenção da arguida de frustrar o crédito tributário.
pp) Não existe nos autos prova testemunhal ou documental que sustente a condenação da arguida e, consequentemente, deve a sentença ser revogada e a arguida absolvida do crime que lhe é imputado e do pedido de indemnização civil contra si formulado.
qq) À parte de tudo isto, andou mal o Tribunal “a quo” ao condenar a arguida nos termos do disposto do art.º 88.º, nº 1 do RGIT, uma vez que, se tratada de “crime específico próprio pois que apenas pode ser praticado por quem detenha qualidades pessoais ou sobre quem recaia um dever especial ou que certa situação de facto típica seja fonte desse dever, ou seja, só pode ser cometido pela categoria de pessoas sobre as quais recai o dever de entregar o tributo ou pagar a dívida à segurança social” - (Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 28-05-2014, processo nº 15/09.4IDVRL.P1).
rr) Quanto à arguida A não se verifica tal qualidade especial de que dependeria a aplicação do nº 1 do art.º 88.º do RGIT, pois, não tinha a arguida qualquer obrigação de entregar qualquer tributo a que se referem os presentes autos. Não sendo a arguida, em linguagem tributária, o sujeito passivo dos tributos em causa nos autos cuja satisfação se pretendeu alegadamente frustrar. Impõe-se assim, desde já, a absolvição da arguida do crime de frustração de créditos em que foi condenada nos termos do art.º 88.º, nº 1 do RGIT - V. 151.º a 157.º das Alegações.
ss) O mesmo se impõe para a sua condenação nos termos do art.º 88.º, nº 2 do RGIT, pois, como supra explicado, não foi produzida prova nos presentes autos que permita fundar uma decisão condenatória da arguida.
tt) “O crime de frustração de créditos é um crime doloso, porquanto se exige o conhecimento da existência de tributo já liquidado ou em processo de liquidação ou de dívida às instituições de segurança social, e a intenção de frustrar total ou parcialmente o crédito tributário (componente representativa de dolo específico).” - (Acórdão da Relação de Coimbra, de 06-01-2020, processo nº 25/07.5IDCBR.C1).
uu) Tais conhecimento e intenção não existiam por parte da arguida, nem existe qualquer indício nos autos nesse sentido, pelo que, andou também mal o Tribunal “a quo” ao condenar a arguida pela prática do crime p. e p. nos termos do art.º 88.º, nº 2 do RGIT.
vv) O tribunal “a quo” deu como provada factualidade, sem qualquer base de sustentação em prova produzida/examinada em audiência de julgamento.
ww) Andou mal o Tribunal “a quo” ao considerar preenchido o tipo subjetivo.
xx) O preenchimento do tipo subjetivo de ilícito pressupõe in casu a verificação de dolo (art.º 13.º do Código Penal, doravante CP), o que como explanado nos artigos 159.º a 166.º das Alegações não resultou demonstrado. Não se compreendendo assim, em que sustenta o Tribunal “a quo” a consideração do facto constante no ponto 23. como provado. Tal




































conclusão revela-se completamente desfasada de todos os elementos probatórios produzidos em audiência de julgamento.
yy) Não resulta da prova produzida em sede de audiência de julgamento o conhecimento por parte da arguida de estar a praticar qualquer ato que determinasse a frustração de créditos tributários, o que implicava que tivesse conhecimento da existência de tributos liquidados ou em processo de liquidação, e a arguida, não tendo qualquer relação nem intervenção na sociedade S, Lda., não tinha qualquer conhecimento da existência de quaisquer dívidas à AT ou qualquer processo de execução fiscal. Pelo que, nunca se poderia afirmar a existência de dolo.
zz) O dolo tem de resultar demonstrado, bem assim como a prática dos factos, não podendo a sua afirmação basear-se em meras presunções - como já supra referido, a responsabilização em direito penal não se coaduna com meras presunções!
aaa) Assim sendo, devem os factos considerados provados nos pontos 11., 12., 13., 14., 15., 17., 18., 19., 20., 21., 23., ser considerados não provados, e,
bbb) Os factos considerados não provados nos pontos a), b), c), d), e), f), g), h), i), j), K), l) ser considerados provados.
ccc) Perante o exposto, afigura-se legítimo à recorrente entender que foi vítima da sede de fazer justiça por parte do Tribunal “a quo”, estando convicta de que V. Exas., Senhores Desembargadores, não vão deixar de apreciar a justeza da decisão.
ddd) Por todo o exposto, deverá a sentença recorrida ser revogada, e em consequência, a arguida absolvida do crime que lhe é imputado e do pedido de indemnização civil contra si formulado.
eee) Pelo que, resultando inequivocamente demonstrada a inexistência de prova dos factos imputados à recorrente nos quais se fundou a decisão condenatória, impõe-se a sua absolvição do crime que lhe é imputado e do pedido de indemnização civil contra si formulado.
Pelo exposto, deve o Acórdão recorrido ser revogado e substituído por outro que se
coadune com a pretensão exposta, assim se fazendo JUSTIÇA!

O recurso foi admitido através de despacho judicial com a referência citius nº 95577547, datado de 02.02.2024, observando-se todos os termos os termos legais.
Os arguidos J e S, Lda., vieram nos termos do previsto no n.º 1 e n.º 5 do art.º 413º do CPP, apresentar a sua resposta, subscrevendo na íntegra as motivações e conclusões apresentadas pela arguida A, dando as mesmas por integralmente reproduzidas, por uma questão de economia processual.
A Digna Magistrada do Ministério Público, junto da primeira instância respondeu concluindo pela improcedência do recurso pelos motivos que deixou exarado na sua resposta com a referência nº 28644, apresentando as seguintes conclusões:
- III. Conclusões
1. Quanto à nulidade da sentença por valoração de prova proibida, urge referir que as informações coligidas pela entidade bancária foram encaminhadas subsequente e devidamente para a entidade competente, designadamente o Ministério Público que instaurou o correspondente processo de averiguação preventiva, in casu o Processo nº 5101/2017, do DCIAP.
2. Não se verifica, por conseguinte, qualquer violação do dever de sigilo bancário cometida pela instituição bancária em apreço relevante para efeitos do estatuído no artigo 84º do Decreto-Lei nº 298/92, de 31.12, pois as informações bancárias obtidas foram colhidas e tratadas de acordo com os trâmites legais.
3. Os elementos bancários em apreço deram origem aos presentes autos, sendo que os mesmos integravam uma certidão cuja extracção foi determinada pelo Ministério Público por se ter entendido que os factos comunicados nos termos supra referidos poderiam ser susceptíveis de indiciar a prática de um crime de frustração de créditos e/ou de branqueamento de capitais, sendo que conforme decorre do estatuído nos artigos 242º e 386º do Código de Processo Penal é obrigatória para os magistrados do Ministério Público a denúncia de factos de que tomem conhecimento, desde logo, funcionalmente.
4. Acresce que o Ministério Público não estaria impedido de solicitar os elementos bancários que estiveram na base da instauração dos autos pois, independentemente do crime em investigação, poderia solicitá-los ao abrigo da excepção ao dever de sigilo bancário por parte das instituições financeiras/bancárias consignada no artigo 79.º, n.º2, alínea d) do Decreto-Lei n.º 298/92, de 31.12, termos em que se entende que a situação concreta não se trata de prova proibida e, ao invés, sendo toda a prova carreada para os autos admissível, tendo sido obtida de forma lícita, sem qualquer violação da reserva da vida privada, bem como, sem qualquer violação da Constituição da República Portuguesa e do Código de Processo Penal.
5. Quanto à impugnação da matéria de facto e invocado vício de erro notório na apreciação da prova, cumpre concluir que, ao contrário do que defende a Recorrente, o Tribunal enumerou os factos provados e procedeu a exposição clara e lógica dos motivos, de facto e de direito, que fundamentaram a sua decisão, com indicação do exame crítico das provas que serviram para formar a sua convicção, não se vislumbrando que a sentença recorrida padeça de qualquer vício.
6. A convicção do Tribunal recorrido foi a mais correcta e a única aceitável, especialmente se tivermos em conta a fundamentação aduzida na sentença recorrida para a formação de tal convicção e para recusar credibilidade à versão da arguida e coarguido, sendo que todos os elementos de prova foram ponderados e conjugados com as regras da lógica e da experiência.
7. Da conjugação de todas as declarações e depoimentos produzidos em audiência de julgamento, analisados exaustivamente e conjugados com a prova documental carreada, impunham que o Tribunal a quo, de acordo com as regras da lógica e da experiência, decidisse sem margem para dúvidas, como decidiu, que os factos provados eram os que como tal enunciou na sentença recorrida.
8. Quanto à questão invocada de impossibilidade de condenação da arguida pela prática de um crime específico próprio, é fácil de ver que o artigo 28º, n.º1 do Código Penal resolve a questão aludida, não afastando a punibilidade pelos crimes específicos próprios nos casos de comparticipação em que o comparticipante não detenha as qualidades exigidas pelo tipo legal.
9. Em síntese, este artigo permite que o extraneus comparticipante seja punido por um crime específico, desde que tenha o domínio do facto em alguma das modalidades do artigo 26º do Código Penal, como sucede in casu, considerando que agiram os arguidos em co-autoria.
10. Dito de outro modo, nos casos de comparticipação, designadamente quando algum dos comparticipantes não tenha a qualidade prevista no tipo legal, convoca-se a aplicação do artigo 28º do Código Penal que resolve os casos em que há comparticipação e só um dos comparticipantes é que tem a qualidade.
O legislador basta-se, para punir o agente como autor, com o domínio do facto, caindo o requisito da titularidade, estendendo-se a qualidade do outro comparticipante.
11. Contudo, ainda que assim não fosse, cremos que o n.º2 do já citado artigo 88º do RGIT permitiria a sua punição autonomamente, considerando que este artigo prescinde da qualidade exigida pelo n.º 1, bastando-se, por um lado, com a outorga de actos ou contratos que determinem a transferência ou a oneração de património; o conhecimento da existência de tributo já liquidado ou em processo de liquidação ou de dívida à segurança social; e a intenção de frustrar total ou parcialmente o crédito tributário, o que sucedeu no caso em análise.
12. Assim, dúvidas não restam, face à actuação da arguida que resulta dos factos dados como provados, designadamente levando a cabo actos materiais tendentes à transferência e ocultação de património da sociedade arguida, titulando a conta bancária destinada à ocultação e dispersão do património e participando directamente na aquisição do imobilizado da sociedade, bem sabendo da pendência de dívidas em fase executiva e procurando igualmente frustrar totalmente os créditos tributários, que detinha o domínio do factos, praticando actos de execução determinantes à consumação do ilícito e, aliás, sem os quais, o mesmo não se teria verificado.
Nestes termos, deve negar-se provimento ao recurso e manter-se a douta sentença proferida nestes autos nos seus precisos termos, fazendo-se, assim, a habitual JUSTIÇA!

Junto deste Tribunal o Digno Procurador Geral Adjunta pugna que o recurso deverá ser julgado improcedente apresentando parecer.
Foi cumprido o artº 417º nº 2 do CPP.
O processo seguiu os seus termos legais.

FUNDAMENTAÇÃO

De acordo com o disposto no artigo 412° do Código de Processo Penal e com a jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95, de 19 de Outubro de 1995, o objecto do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extraiu da respectiva motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso.
As possibilidades de conhecimento oficioso, por parte deste Tribunal da Relação, decorrem da necessidade de indagação da verificação de algum dos vícios da decisão recorrida, previstos no n.º 2 do artigo 410º do Código de Processo Penal, ou de alguma das causas de nulidade dessa decisão, consagradas no n.º 1 do artigo 379° do mesmo diploma legal.
Como é sabido, e resulta do disposto nos arts. 368.º e 369.º, ex vi art. 424.º, n.º 2, todos do CPP, o Tribunal da Relação deve conhecer das questões que constituem o objecto do recurso pela seguinte ordem:
Em primeiro lugar, das que obstem ao conhecimento do mérito da decisão.
Seguidamente, das que a este respeitem, começando pelas atinentes à matéria de facto e, dentro destas, pela impugnação alargada, se tiver sido suscitada e, depois, dos vícios previstos no art. 410.º, n.º 2, do CPP.
Por fim, das questões relativas à matéria de direito.
Será, pois, de acordo com estas regras de precedência lógica que serão apreciadas as questões suscitadas pelo arguido no presente recurso.
Conforme entendimento pacífico dos Tribunais Superiores, são as conclusões extraídas pelo recorrente, a partir da respetiva motivação, que operam a fixação e delimitação do objeto dos recursos que àqueles são submetidos, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer [cfr., entre outros, os Acs. do Supremo Tribunal de Justiça (doravante STJ) de 16.11.1995, de 31.01.1996 e de 24.03.1999, respetivamente, nos BMJ 451.° - pág. 279 e 453.° - pág. 338, e na Col (Acs. do STJ), Ano VII, Tomo 1, pág. 247, e cfr. ainda, arts. 403.° e 412.°, n.° 1, do CPP].
Na realidade é uniforme a jurisprudência, indo no mesmo sentido a doutrina, de que o âmbito do recurso, ou seja, as questões que o recorrente quer ver discutidas no tribunal superior, é dado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação (vejam-se Acórdão do STJ de 13.03.1991, Proc. 41.694/3ª, citado em anotação ao art. 412.° no Código de Processo Penal Anotado de Maia Gonçalves; e Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, Editorial Verbo, 2000, p. 335, onde se pode ler: «São só as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas conclusões que o tribunal tem de apreciar»).
São, portanto, as conclusões formuladas na motivação do recurso que em exclusivo definem e delimitam em definitivo o respectivo objecto, sendo que, conforme vem sendo também entendimento repetidamente afirmado no STJ, não retomando o recorrente nas conclusões as questões que suscitou na motivação o tribunal superior só conhecerá das questões resumidas nas conclusões uma vez que, nos termos do disposto no art. 684.°, n.° 3, do CPC (ex vi art. 4.° do CPP), nas conclusões da alegação, pode o recorrente restringir, expressa ou tacitamente, o objecto inicial do recurso.
Por outro lado, “visando os recursos modificar as decisões impugnadas e não criar decisões sobre matéria nova, não é lícito na motivação ou nas alegações invocar questões que não tenham sido objecto das decisões recorridas, isto é, questões novas” - cf. Manuel Simas Santos e Manuel Leal-Henriques, in “Recursos Penais”, 8.ª edição, Rei dos Livros, pg. 87.
“O recurso constitui um meio processual destinado a reapreciar o julgamento de questão decidida na decisão recorrida e não para decidir questões novas, ou questões que não foram suscitadas no recurso decidido pelo acórdão recorrido” – cf. Acórdão do STJ de 21.02.2012, do qual foi relator António Henriques Gaspar (processo n.º 3471/08, da 3ª Secção).

Ora como é sobejamente conhecido, o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões da respectiva motivação (art. 412.º, n.º 1 do CPP).

As questões suscitadas e a apreciar no presente recurso reconduzem-se às pretensões da recorrente e contida nas CONCLUSÕES do seu recurso, ou seja:

- A sentença proferida pelo Tribunal “ a quo” é nula por valoração de prova proibida/ 126º nº 3 do C.P.P. , em virtude dos presentes autos terem ocludido de uma comunicação (em processo de averiguação preventiva) ao abrigo do artº 43º da Lei 83/2017 de 18 de Agosto para branqueamento de capitais e ao financiamento de terrorismo, implicando assim a violação do art.º 78º, 79º do DL 298/92 de 31/12, bem como o artº 26º nº 1 da C.R.P. levando à nulidade da prova nos termos do art.º 122º do CP;
- Erro notório na apreciação da prova nos termos do artº 410º nº 2 c) do C.P.P.- visível nos factos sob as alineasv) a hh) e hh) a nn), pois as transferências para a conta da arguida são da empresa “H” empresa da qual a arguida é sócia gerente e não reflete qualquer pagamento de clientes da S”, pelo que deve ser absolvida;
- A arguida deverá ser absolvida pois existe uma incompletude nos elementos objectivos e subjectivos do tipo de crime pelo qual a mesma foi condenada, ou seja, o art.º 88º nº 1 e 2 do RGIT;
- Os factos contidos nos pontos 11 a 15, 17 a 21 e 23 devem ser dados como não provados e deverão ser dados como provados os factos contidos nas alíneas a) a K) dos factos não provados e a arguida absolvida do crime pelo qual veio a ser condenada bem como do pedido de indemnização cível.


Decidindo diremos passando a decidir e transcrevendo na integra a sentença recorrida:

“SENTENÇA

I – Relatório

O Tribunal de Instrução Criminal pronunciou, para julgamento em Processo Comum, com intervenção do Tribunal Singular:

S, LDA., sociedade unipessoal por quotas com o n.º (…..),
J, e
A,

Os arguidos J e A foram pronunciados pela prática, em coautoria material e na forma consumada, de um crime frustração de créditos, previsto e punível pelo artigo 88.º, n.º 1 e n.º 2 do Regime Geral das Infrações Tributárias, sendo a sociedade S, Lda. penalmente responsável nos termos do disposto nos artigos 6.º, 7.º, n.º 1, 8.º do RGIT, e artigos 88.º, n.º 1 e 2, artigos 11.º, n.º 1, 14.º, n. 1, e 26.º do Código Penal.
**
O Ministério Público deduziu em representação do Estado Português – Ministério das Finanças – Autoridade Tributária e Aduaneira, após a prolação de acusação, pedido de indemnização cível contra os arguidos.
Peticionou, em virtude das diversas dívidas fiscais pendentes, a condenação solidária dos arguidos no pagamento da quantia de € 23.939,19 a título de capital, de € 1.981,86 a título de juros, e de € 639,62 a título de custas, totalizando € 26.560,67, dos quais permanecem em dívida € 26.324,61.
**
Todos os arguidos apresentaram contestação.
Todos os arguidos arguiram em idênticos moldes a nulidade da prova carreada para os autos em virtude do recurso a prova proibida por violação do direito à reserva da vida privada da arguida A, em consequência de uma ilegal e ilegítima violação do sigilo bancário vertida nos autos pugnando, em suma, pela declaração de tal vício e pela sua consequente absolvição, defendendo estar toda a prova constante dos autos ferida de nulidade.
A arguida S e o arguido J mais alegaram não terem praticado os factos pelos quais se encontram acusados, ademais oferecendo o merecimento dos autos, pedindo a sua absolvição.
Arrolaram como prova, toda a prova documental junta aos autos e a prova testemunhal indicada na acusação e despacho de pronúncia.
A arguida A alegou, de igual forma, não ter praticado os factos pelos quais se encontra acusada.
Fundou tal alegação, em suma, na circunstância de nunca ter tido com a sociedade S Lda. qualquer relação, não desempenhado nessa sociedade qualquer cargo e não estando minimamente por dentro dos assuntos relacionados com a mesma, motivo pelo qual não lhe pode desde logo ser imputada a prática do ilícito criminal de frustração de créditos, já que não tinha qualquer obrigação de entregar um qualquer tributo em discussão nos autos, não sendo o sujeito passivo dos tributos cuja satisfação se pretendeu alegadamente frustrar.
Para além disso, alegando nunca ter desempenhado qualquer papel na sociedade arguida e não tendo tido qualquer participação nas suas decisões, mais refere que não tinha conhecimento do que se passava no seu seio, designadamente no que se refere à contabilidade, não sabendo nem tendo forma de saber que a sociedade arguida era devedora de valores à AT.
Em consequência, desconhecendo a existência de tributos liquidados ou em processos de liquidação ou quaisquer dívidas e execuções fiscais relativamente à sociedade S, nunca poderia ter conhecimento de que qualquer atuação da sua parte poderia impedir o pagamento de dívidas fiscais por parte da S ao Estado Português, pelo que não se encontram preenchidos quaisquer elementos do tipo do crime de frustração de créditos.
Refere, ainda, que nunca se encontrariam preenchidos os elementos subjetivos do tipo de crime pelo qual vem acusada, pedindo, em todos os casos, a sua absolvição.
Arrolou como prova, toda a prova documental junta aos autos e indicou prova testemunhal.
*
Procedeu-se à realização da audiência de discussão e julgamento, com observância do formalismo legal.

II – Saneamento

Questão Prévia
Da Arguida Nulidade da Prova
Todos os arguidos invocaram a nulidade da prova constante dos autos.
Alegaram, em síntese, que os autos tiveram origem em certidão extraída de procedimento de averiguação preventiva do DCIAP o qual se iniciou com a comunicação de operações suspeitas por parte de entidade bancária à qual as entidades bancárias se encontram obrigadas nos termos do art.º 43.º da Lei nº 83/2017, de 18 de agosto, como medida de combate ao branqueamento de capitais e ao financiamento do terrorismo.
Acontece que, como mais alegam, essa comunicação apenas é obrigatória perante a prática desses crimes, circunstância em que a lei limita expressamente o dever de segredo das entidades bancárias, sendo regra e não exceção o dever de segredo das instituições bancárias relativamente a informações bancárias dos clientes.
Enunciando o preceituado nos artigos 78.º e 79.º do DL n.º 298/92, pugnam que anexada à referida comunicação foi remetida uma declaração disponibilizada à entidade bancária e um extrato de conta de que a arguida pessoa singular era titular, inexistindo nos autos qualquer autorização expressa por parte desta arguida para a revelação dos seus dados bancários ou quaisquer informações que lhe dissessem respeito, não tendo a informação bancária junta aos autos sido fornecida a autoridade judiciária no âmbito de processo penal, pelo que não se encontra preenchida qualquer exceção ao dever de segredo bancário.
Por tal, aduzem que, pese embora a certidão do procedimento de averiguação preventiva tivesse sido extraída com vista à abertura de inquérito por eventual prática de crime de frustração de créditos e de crime de branqueamento de capitais, o único crime investigado nos autos foi o da frustração de créditos, crime para o qual não existe disposição legal que expressamente limite o dever de sigilo, verificando-se a violação do dever de sigilo bancário o que consubstancia infração criminal (art.º 84.º do DL nº 298/92, de 31 de dezembro), havendo uma obtenção de prova com recurso a intromissão da vida privada/direito ao segredo e à reserva da vida privada da arguida, em violação do artigo 26.º, n.º 1, da CRP.
Arguem, assim, estar-se perante uma verdadeira prova proibida cuja consequência é a nulidade, nos termos do disposto no artigo 126.º, n.º 3, do CPP, não podendo ser valorada por ser uma intromissão abusiva na esfera privada da arguida a qual goza de proteção constitucional nos termos do disposto no artigo 32.º, n.º 8, da CRP.
Pedem, a final, a declaração da nulidade de tal prova proibida da qual depende a validade de todos os atos subsequentes praticados (artigo 122.º, n.º 1, do CPP), o que ademais invocam, concluindo pela necessária absolvição dos arguidos.
Pronunciando-se, o Ministério Público propugnou, em síntese, a improcedência da arguida nulidade da prova.
Cumpre apreciar e decidir.
Conforme alegado pelos arguidos, os presentes autos tiveram a sua origem na extração de uma certidão referente a procedimento de averiguação preventiva impulsionado por uma comunicação de “transações suspeitas” de entidade financeira referente a conta bancária titulada pela arguida A na CCAM de Salvaterra de Magos, datada de 26/10/2017.
As operações “suspeitas” que levaram a tal comunicação são:
- 6 transferências intrabancárias no período de 20/09/2017 a 3/10/2017 no montante de € 18.300,00, operações a “crédito” provenientes de conta bancária titulada pela empresa H Lda. com destino a conta titulada pela arguida; e
- 7 transferências nacionais no mesmo período no montante de € 18.297,35, operações estas a “débito”, provenientes da conta titulada pela arguida e com destino a vários beneficiários.
Aí se refere que:
“Um dos mapas de controlo diário de operações registou alguns movimentos de empresas na conta D.O. n.º (…..) despoletando assim, a análise a esta cliente e à movimentação da própria conta.
Das diligências efectuadas, sintetizam-se os aspectos abaixo:
a) Trata-se de uma conta D.O. Particular titulada por uma trabalhadora de indústria transformadora que, apresenta como entidade patronal a sociedade H, Lda. e vive em união de facto com J (também cliente Crédito Agrícola);
b) O companheiro da cliente (J) está caracterizado como utilizador de risco no BdP;
c) Regista-se movimentação atípica na conta D.O, quer pela natureza das operações, quer pela sua frequência assim como pelos valores envolvidos, que não é consentânea com o perfil declarado pela titular e com a tipologia da própria conta (D.O. Particular);
d) Todas as entradas de fundos são provenientes da empresa H, Lda. e são transferidas para outras empresas nos mesmos dias ou nos dias seguintes, em montantes iguais ou aproximados;
e) Face à verificação dos pontos descritos na alínea c) e d), a CCAM informou à cliente o facto da conta D.O. Particular estar a ser utilizada para o pagamento de despesas da empresa, tendo a cliente fundamentado que, se tinha redigido uma declaração e que não se importava de a disponibilizar (Cfr. Anexo A);
f) O documento entregue pela cliente foi emitido por J na qualidade de sócio-gerente da empresa S Lda onde declara que os dados bancários a serem utilizados pela empresa a partir da data do documento, tanto para recebimentos como para pagamentos, passam a ser a conta D.O. n.º (…..) titulada por A (conta em análise) e que a conta é única e exclusivamente para esse fim. A declaração também apresenta o consentimento da interveniente (Ver Anexo A).
g) A empresa S, Lda é cliente CA e tem associada uma conta D.O. empresa na qual apresenta um bloqueio relativo a Penhoras Fiscais-Depósitos Futuros, com a seguinte nota:
"PENHORA FINANÇAS 207020170000097634
PEF 2070201601070959, ATÉ 1331.18 EUR,
EXECUTADO: S LDA."
Face ao exposto e dos elementos de que se dispõe, considera-se que se está perante uma situação de risco, pelo facto da conta D.O. particular estar a ser utilizada para realização de operações que se relacionam com a actividade de uma empresa com penhoras fiscais”.
Anexados a tal comunicação foram a declaração referida e o extrato da conta em causa de 1/9/2017 a 4/10/2017.
Logo em sede do procedimento de averiguação preventiva foi proferido despacho tendente à abertura de inquérito pela “eventual prática do crime de frustração de créditos (execução fiscal, pendente) e eventualmente, crime de branqueamento” por parte dos arguidos.
E foi tal inquérito autuado como “inquérito para investigação de crime de frustração de créditos, de valor inferior a € 500.000,00”.
A Lei n.º 83/2017, de 18 de Agosto tem como “objeto” – artigo 1.º - estabelecer medidas de natureza preventiva e repressiva de combate ao branqueamento de capitais e ao financiamento do terrorismo. Estabelece, também, as medidas nacionais necessárias à efetiva aplicação do Regulamento (UE) 2015/847, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de maio de 2015, relativo às informações que acompanham as transferências de fundos e que revoga o Regulamento (CE) 1781/2006.
Inserido na SECÇÃO IV do diploma em análise encontra-se o “Dever de comunicação” das entidades financeiras - SUBSECÇÃO I – respeitante à Comunicação de operações suspeitas.
Nos termos do artigo 43.º sob a epígrafe “Comunicação de operações suspeitas”: “1 - As entidades obrigadas, por sua própria iniciativa, informam de imediato o Departamento Central de Investigação e Ação Penal da Procuradoria-Geral da República (DCIAP) e a Unidade de Informação Financeira sempre que saibam, suspeitem ou tenham razões suficientes para suspeitar que certos fundos ou outros bens, independentemente do montante ou valor envolvido, provêm de atividades criminosas ou estão relacionados com o financiamento do terrorismo. 2 - Para os efeitos do disposto no número anterior, as entidades obrigadas comunicam todas as operações que lhes sejam propostas, bem como quaisquer operações tentadas, que estejam em curso ou que tenham sido executadas. 3 - As entidades obrigadas conservam, nos termos previstos no artigo 51.º, cópias das comunicações efetuadas ao abrigo do presente artigo e colocam-nas, em permanência, à disposição das autoridades setoriais”.
As comunicações devem respeitar os termos aludidos no artigo 44.º. Assim, as comunicações de operações suspeitas: “a) São efetuadas através dos canais de comunicação externos definidos pelas autoridades destinatárias da informação e nos termos por elas estabelecidos; b) São efetuadas logo que a entidade obrigada conclua que a operação é suspeita, preferencialmente logo que tais operações lhes sejam propostas; c) Incluem, pelo menos: i) A identificação das pessoas singulares e coletivas direta ou indiretamente envolvidas e que sejam do conhecimento da entidade obrigada, bem como a informação conhecida sobre a atividade das mesmas; ii) Os procedimentos de averiguação e análise promovidos pela entidade obrigada no caso concreto; iii) Os elementos caracterizadores e descritivos das operações; iv) Os fatores de suspeita concretamente identificados pela entidade obrigada; v) Cópia da documentação de suporte da averiguação e da análise promovida pela entidade obrigada”.
E também aí se refere que:”2 - Por forma a facilitar a celeridade na análise e comunicação de operações suspeitas, as entidades obrigadas asseguram que a circulação da informação relacionada com operações suspeitas se processe de forma simples e ágil, reduzindo ao mínimo possível o número de intervenientes no circuito de transmissão da mesma. 3 - A promoção pelas entidades obrigadas de procedimentos de exame mais complexo ou aprofundado das operações consideradas suspeitas não deve prejudicar a realização da comunicação das mesmas em tempo útil”.
Fácil é de concluir e constatar, pois, que a aludida obrigatoriedade de comunicação de operações suspeitas por parte das entidades financeiras não se restringe a um catálogo de tipos legais: branqueamento de capitais e terrorismo.
Tal nem seria compreensível ou minimamente praticável na medida em que quando são feitas as comunicações em questão evidentemente não existem indícios probatórios bastantes para imputar a qualquer pessoa (singular ou coletiva) a prática de tais crimes.
Pese embora as comunicações em apreço visem primordialmente – em termos e política legislativa - o combate ao branqueamento de capitais e ao financiamento do terrorismo, tal não implica que não se encontrem legitimadas – por lícitas – ainda que no decurso do inquérito levado a cabo – como in casu – se averigue não estar em causa a possível prática de um crime de branqueamento de capitais ou de “financiamento ao crime de terrorismo” estando em causa antes, por exemplo, a eventual prática de um crime de frustração de créditos.
A interpretação que os arguidos fazem da lei não colhe no seu texto qualquer cabimento e demonstra-se contrária aos seus propósitos. Refira-se que inclusivamente é feita expressa menção nos autos à possibilidade de estar-se perante a prática de um crime de branqueamento de capitais, certo sendo que tal traçado jurídico veio a ser afastado com o ulterior curso da investigação.
Assim sendo, não se vislumbra como poderá ter existido uma qualquer violação de um direito fundamental e constitucionalmente protegido da arguida, encontrando-se legitimado o afastamento do dever de segredo bancário por imperativos de investigação criminal.
A tal respeito, veja-se o que dispõe o artigo 56.º: “1 - As entidades obrigadas disponibilizam todas as informações, todos os documentos e os demais elementos necessários ao integral cumprimento dos deveres enumerados nos artigos 43.º, 45.º, 47.º e 53.º, ainda que sujeitos a qualquer dever de segredo, imposto por via legislativa, regulamentar ou contratual”, sendo que, “7 - Os elementos disponibilizados pelas entidades sujeitas ao abrigo do n.º 1 podem ser utilizados em processo penal, nos inquéritos que tiveram origem em comunicações de operações suspeitas, bem como em quaisquer outros inquéritos, averiguações ou procedimentos legais conduzidos pelas autoridades judiciárias, policiais ou setoriais, no âmbito das respetivas atribuições legais e na medida em que os elementos disponibilizados se mostrem relevantes para efeitos probatórios”.
Indubitável é que os elementos em apreço assumem tal relevância em sede criminal.
Atento o exposto, não serão de acolher os argumentos propugnados pelos arguidos, sendo entendimento do Tribunal que não estamos nos autos perante a violação do dever de segredo de uma entidade bancária, havendo naturalmente que compatibilizar o dever de segredo previsto nos artigos 78.º e 79.º do DL n.º 298/92, de 31 de Dezembro - regime geral das instituições de crédito e sociedades financeiras – com a aludida Lei n.º 83/2017, de 18 de Agosto - medidas de combate ao branqueamento de capitais e ao financiamento do terrorismo.
A comunicação efetuada ocorreu em sede do estabelecido pela Lei n.º 83/2017 na qual se derroga o mencionado dever de sigilo quando sejam detetadas transações bancárias suspeitas as quais possam estar conexionadas com situações de branqueamento de capitais e/ou de terrorismo, como no caso dos autos.
As informações coligidas pela entidade bancária foram encaminhadas subsequente e devidamente para a entidade competente, o Ministério Público que instaurou o correspondente processo de averiguação preventiva.
Não se verifica, por conseguinte, qualquer violação do dever de sigilo bancário cometida pela instituição bancária, pois as informações bancárias obtidas foram colhidas e tratadas de acordo com os trâmites legais.
Sempre se diga que o Ministério Público não estaria impedido de solicitar os elementos bancários que estiveram na base da instauração dos autos, pois, independentemente do crime em investigação, poderia solicitá-los ao abrigo da exceção ao dever de sigilo bancário por parte das instituições financeiras/bancárias consignada no artigo 79.º, n.º 2, al. e) do Decreto-Lei n.º 298/92.
Acresce que, os conhecimentos fortuitos podem dar origem a inquéritos crime, desde que o Ministério Público tenha legitimidade para a prossecução da ação penal, tenha conhecimento de crime de natureza pública, sendo que essa entidade constitui autoridade judiciária, relativamente à qual funciona a exceção do Artigo 79.º do Regime Jurídico das Instituições Financeiras, como ocorre no caso presente.
A prova em causa afigura-se como lícita por permitida por Lei, inexistindo qualquer nulidade na obtenção de prova (por intromissão da vida provada da arguida).
Não há como falar, destarte, de qualquer prova proibida ferida de nulidade nos termos a que alude o artigo 126.º, n.º 3, do CPP, pelo que também não são inválidos os atos probatórios subsequentes praticados.
Nestes termos, ante todo o exposto, conclui-se pela inexistência de qualquer ilicitude da prova em análise e, em consequência, declara-se improcedente a nulidade invocada pelos arguidos.

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Mantêm-se os pressupostos de regularidade e validade da instância verificados aquando da prolação do despacho que recebeu os autos para julgamento.
Inexistem quaisquer exceções dilatórias, nulidades, questões prévias ou incidentais suscetíveis de obstar à apreciação do mérito da causa e de que cumpra conhecer.

III – Fundamentação

Dos Factos Provados

Da prova produzida em audiência de discussão e julgamento, e com relevância para a boa decisão da causa, resultaram provados os seguintes factos:
- Da Acusação/Despacho de Pronúncia -
1. Os arguidos A e J têm três filhos em comum, A, L, e C, tendo desde o final do ano de 2002 e a até data não concretamente apurada e, pelo menos até à data da prática dos factos, vivido em união de facto como se de marido e mulher se tratassem, habitando na Rua (…..), em Salvaterra de Magos.
2. A sociedade S, Lda., é uma sociedade Unipessoal por quotas que tem como único sócio e gerente, desde a sua constituição, em 02.04.2008, o arguido J.
3. Assim, desde a constituição da sociedade arguida que era o arguido J quem assinava a documentação àquela atinente e assumindo a sua gestão corrente e diária, determinando a abertura de contas bancárias, assinando cheques para pagamento de despesas correntes, assinando recibos, faturas e correspondência diversa, negociando com os seus clientes e fornecedores, contratando trabalhadores.
4. Pelo menos até ao dia 18.09.2017, os arguidos A e J foram sócios e assumiram a gerência, em conjunto ou de forma alternada, das sociedades comerciais H, LDA. e da sociedade P, LDA.
5. A partir da referida data, a arguida A passou a assumir a gerência, pelo menos de direito, da sociedade H, Lda e da sociedade P, Lda.
6. No âmbito da sua atividade, a sociedade S, Lda. gerou diversas dívidas fiscais, designadamente em sede de IRC – Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas relativo ao exercício de 2015, no valor de € 16.746,13 a que acresceram juros de mora, tendo por tal facto sido instaurado pelo Serviço Local de Finanças de Salvaterra de Magos o processo de execução fiscal n.º 2070201601051849, pelo valor total de € 16.819,63.
7. No âmbito da aludida dívida, em 22.09.2016, o arguido J, na qualidade de gerente da sociedade S requereu o pagamento da dívida em doze prestações.
8. A sociedade S, Lda. era ainda devedora do montante de € 22.109,16 relativo ao valor de IRC apurado concernente ao exercício de 2016, que não foi pago até à data limite de 15.09.2017 tendo, por tal facto, sido instaurado o processo de Execução Fiscal n.º 207201701049186.
9. A sociedade S, Lda. tinha a correr contra si os seguintes processos de execução fiscal, que eram do conhecimento dos arguidos:
a. 2070201701043919, relativo a IRS vencido a 20.08.2017, no valor de € 500,00, acrescido de juros de mora de € 49,32 e custas de € 130,63, totalizando € 679,95;
b. 2070201701048228, relativo a IRS vencido a 20.09.2017, no valor de € 500,00, acrescido de juros de mora de € 47,28 e custas de € 13,33, totalizando € 560,61;
c. 2070201701052667, relativo a IRS vencido a 20.11.2017, o valor de € 375,00, acrescido de juros de mora de € 32,41 e custas de € 54,91, totalizando € 462,32.
d. 2070201701060392, relativo a IVA, vencido a 04.12.2017, no valor de € 34,71, a que acrescem custas de € 14,99, num total de € 49,70;
e. 2070201801020439, relativo a IVA, vencido a 16.04.2018, no valor de € 138,52, juros de mora de € 3,38, no total de € 141,90;
10. A conta depósito à ordem titulada pela sociedade S encontrava-se, desde data não concretamente apurada, mas situada em setembro de 2017, penhorada pela Autoridade Tributária.
11. O arguido J e a arguida A delinearam um plano com o intuito de se furtarem ao pagamento dos valores suprarreferidos à AT e de que a sociedade arguida era devedora, ocultando os proveitos (recebimentos) da sociedade S, Lda.
12. Assim, na persecução do aludido plano e para o efeito que se propuseram, foi criada a conta bancária domiciliada na Caixa de Crédito Agrícola, com o IBAN PT50 (…..), titulada por A de forma a evitar que qualquer valor fosse depositado na conta titulada pela sociedade S, LDA, que se encontrava penhorada pela Autoridade Tributária e revertesse a favor desta AT.
13. Ainda no dia 18.09.2017 ou em data anterior, os arguidos, em conjunto, elaboraram uma declaração em papel timbrado da sociedade S datada de 18.09.2017, que assinaram e carimbaram, na qual fizeram constar:
“Eu, J, na qualidade de sócio gerente da S, Lda. declaro que a partir desta mesma data os dados bancários a serem utilizados na empresa, tanto para recebimentos como para pagamentos será o Crédito Agrícola, com o IBAN PT50 (…..), de que é titular A com o cartão de cidadão n.º (…..).
Esta conta será utilizada única e exclusivamente para recebimento de clientes e pagamento a fornecedores da empresa S, Lda. não lhe podendo ser dado outro fim.
A aceita e declara utilizar a sua conta apenas para gerir a sociedade S, Lda.”
14. Nessa sequência, só no período compreendido entre 14.09.2017 e os dias 04.10.2017 foram movimentados (transferidos) um total de, pelo menos, € 20.200,00 para a conta aberta pelos arguidos na Caixa de Crédito Agrícola, com o IBAN PT50.(….), titulada por A, valor esse que era proveniente da atividade da sociedade S, Lda., mas que a Autoridade Tributária ficou privada de receber.
15. Em data não apurada do ano de 2017, os arguidos venderam todo o imobilizado da sociedade S para a sociedade H, Lda. e A, tendo depositado o respetivo preço na conta de A, de forma a uma vez mais impedir que a mesma fosse destinada a pagar das dívidas ficais ao Estado.
16. O Arguido J atuou sempre em nome, representação e no interesse da sociedade “S, Lda”, da qual exercia as funções de gerente de facto e direito.
17. Os arguidos sabendo da existência de dívidas fiscais em nome da sociedade arguida S, Lda, e da qual resultou o bloqueio da conta bancária da aludida sociedade, de forma a obstar que os pagamentos que a sociedade S recebesse fossem afetados às execuções fiscais que corriam por conta da falta da liquidação de impostos, combinaram entre si criar uma outra conta bancária para a qual os clientes da S fariam os seus pagamentos.
18. Assim, a partir de 14.09.2017, os arguidos com o fito de ocultar os proveitos ou recebimento de valores pela sociedade S, Prestação de Serviços e Agricultura, Lda. abriram a conta bancária com o IBAN PT50.(…..), na CCA, titulada por A, e criada exclusivamente, para esse fim e, elaboraram uma declaração assinada por ambos e carimbada com o nome da sociedade S, Lda. onde informaram todos os clientes que deveriam de efetuar os seus pagamentos à S, LDA apenas para essa conta, e não para outra.
19. Os arguidos agiram de forma conjunta na persecução de um plano previamente elaborado, prolongada no tempo, através de atos repetidos, reiterados e sucessivos, sempre da mesma maneira e através do mesmo meio e dentro de idêntico circunstancialismo factual, ao fazer suas as referidas quantias.
20. Os arguidos sabiam que ao aturar da forma descrita impediam que a Autoridade Tributária penhorasse o património – garante das dívidas da sociedade - bem sabendo que o pagamento das dívidas era sua obrigação enquanto contribuinte do Estado Português, o que quiseram e conseguiram.
21. Os arguidos sabiam ainda que os lucros que obtinham com a prática dos atos descritos não era lícito, nem lhes pertencia, utilizavam-no, porém, como se o fosse, querendo e conseguindo, ocultar, desviando tais verbas da Fazenda Pública- Estado, sabendo que causavam ao Estado um prejuízo patrimonial equivalente aos valores em dívida acrescidos de juros, o que quiseram e conseguiram.
22. O arguido J, por si, e também agindo em representação e no interesse da sociedade arguida, atuou sempre de forma livre voluntária, deliberada e conscientemente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas por lei e criminalmente punidas, e tinha, capacidade de se determinar de acordo com esse conhecimento.
23. Em todas as situações descritas, a arguida A agiu de forma deliberada, voluntária, livre e conscientemente, sabendo que o seu comportamento era proibido e punido por lei penal, e tinha capacidade para se determinar de acordo com esse conhecimento.
24. A dívida do processo de execução fiscal n.º 2070201601051849, pelo valor total de € 18.819,63 foi paga na sua totalidade.
25. No que concerne ao valor em dívida no processo de execução fiscal n.º 207201701049186 apenas foi pago o valor de € 236,06, permanecendo o restante em dívida.
- Do PIC
26. No âmbito da sua atividade, a sociedade S, Lda. é devedora do montante de € 22.109,16 relativo ao valor de IRC apurado concernente ao exercício de 2016, que não foi pago até à data limite de 15.09.2017, tendo por tal facto sido instaurado um processo de Execução Fiscal n.º 207201701049186.
27. A sociedade S, Lda. tem a correr contra si os seguintes processos de execução fiscal, que eram do conhecimento dos arguidos à data dos factos em discussão nos autos:
a. 2070201701043919, relativo a IRS vencido a 20.08.2018 no valor de € 500,00, acrescido de juros de mora de € 49,32 e custas de € 130,63, totalizando € 679,95;
b. 2070201701048228, relativo a IRS vencido a 20.09.2017, no valor de € 500,00, acrescido de juros de mora de € 47,28 e custas de € 13,33, totalizando o valor de € 560,61;
c. 2070201701049186, relativo a IRC, vencido a 15.09.2017, no valor de € 22.390,96, juros de mora de € 1.849,47, custas de € 425,76, no total de € 24.665, 92.
d. 2070201701052667, relativo a IRS vencido a 20.11.2017, no valor de € 375,00, acrescido de juros de mora de € 32,41 e custas de € 54,91, totalizando o valor de € 462,32.
e. 2070201701060392, relativo a IVA, vencido a 04.12.2017, no valor de € 34,71, a que acrescem custas de € 14,99, num total de € 49,70;
f. 2070201801020439, relativo a IVA, vencido a 16.04.2018, no valor de € 138,52, juros de mora de € 3,38, no total de € 141,90;
28. A conta de deposito à ordem titulada pela sociedade S encontrava-se desde data não concretamente apurada, mas situada em setembro de 2017, penhorada pela Autoridade Tributária.
29. O arguido J e a arguida A delinearam um plano com o intuito de se furtarem ao pagamento dos valores suprarreferidos e de que a sociedade arguida era devedora, ocultando os proveitos (recebimentos) da sociedade S, Lda.
30. Assim, na persecução do aludido plano e para o efeito que se propuseram, foi criada a conta bancária domiciliada na Caixa de Crédito Agrícola, com o IBAN PT50 (…..), titulada por A de forma a evitar que qualquer valor fosse depositado na conta titulada pela sociedade S, LDA, que se encontrava penhorada pela Autoridade Tributária e revertesse a favor desta AT.
31. Ainda no dia 18.09.2017 ou em data anterior, os arguidos, em conjunto, elaboraram uma declaração em papel timbrado da sociedade S datada de 18.09.2017, que assinaram e carimbaram, na qual fizeram constar:
“Eu, J, na qualidade de sócio gerente da S, Lda. declaro que a partir desta mesma data os dados bancários a serem utilizados na empresa, tanto para recebimentos como para pagamentos será o Crédito Agrícola, com o IBAN PT50. (…..), de que é titular A com o cartão de cidadão n.º (…..).
Esta conta será utilizada única e exclusivamente para recebimento de clientes e pagamento a fornecedores da empresa S, Lda. não lhe podendo ser dado outro fim.
A aceita e declara utilizar a sua conta apenas para gerir a sociedade S, Lda.”
32. Nessa sequência, só no período compreendido entre 14.09.2017 e os dias 04.10.2017 foram movimentados (transferidos) um total de, pelo menos, € 20.200,00 para a conta aberta pelos arguidos na Caixa de Crédito Agrícola, com o IBAN PT50.(…..), titulada por A, valor esse que era proveniente da atividade da sociedade S, Lda., mas que a Autoridade Tributária ficou privada de receber.
33. Em data não apurada do ano de 2017, os arguidos venderam todo o imobilizado da sociedade S para a sociedade H, Lda. e A, tendo depositado o respetivo preço na conta de A, de forma a uma vez mais impedir que a mesma fosse destinada a pagar das dívidas ficais ao Estado.
34. Os arguidos A e J agiram de forma conjunta em persecução de um plano previamente traçado.
35. O Arguido J atuou sempre em nome, representação e no interesse da sociedade “S, Lda.”, da qual exercia as funções de gerente de facto e direito.
36. Com a sua atuação, os arguidos causaram ao Estado Português – Ministério das Finanças, Autoridade Tributária e Aduaneira, um prejuízo patrimonial de quantias que ainda se encontram em dívida:
a) 2070201701043919, relativo a IRS vencido a 20.08.2017 no valor de € 500,00, acrescido de juros de mora de € 49,32 e custas de € 130,63, totalizando € 679,95;
b) 2070201701048228, relativo a IRS vencido a 20.09.2017, no valor de € 500,00, acrescido de juros de mora de € 47,28 e custas de € 13,33, totalizando o valor de € 560,61;
c) 2070201701049186, relativo a IRC, vencido a 15.09.2017, no valor de € 22.390,69, juros de mora de € 1.849,47, custas de € 425,76, no total de € 24.665,92;
d) 2070201701052667, relativo a IRS vencido a 20.11.2017, o valor de € 375,00, acrescido de juros de mora € 32,41 e custas de € 54,91, totalizando o valor de € 462,32;
e) 2070201701060392, relativo a IVA, vencido a 04.12.2017, no valor de € 34,71, a que acrescem custas de € 14,99, num total de € 49,70;
f) 2070201801020439, relativo a IVA, vencido a 16.04.2018, no valor de € 138,52, juros de mora de € 3,38, no total de € 141,90.
Totalizando € 26.560,40.
37. Do montante em divida apenas foi pago por conta do processo de execução fiscal n.º 207201701049186, o valor de € 236,06.
- Da Contestação da arguida A –
38. A arguida A nunca desempenhou na sociedade arguida qualquer cargo social de gerente nem foi sócia de tal pessoa coletiva.
- Dos Antecedentes Criminais -
39. A sociedade arguida não detém antecedentes criminais registados no seu certificado de registo criminal.
40. O arguido J detém averbada no seu certificado de registo criminal a condenação pela prática de um crime de abuso de confiança contra a segurança social p. e p. pelo artigo 107.º, n.º 1, do RGIT, por factos praticados em maio de 2016, tendo a respetiva sentença condenatória a data de 2022/03/30, transitada em julgado a 2022/05/16, a qual foi proferida no âmbito do Processo n.º 289/19.1T9BNV pelo Juízo Local Criminal de Benavente – Juiz 1 – Tribunal Judicial da Comarca de Santarém, e no qual lhe foi aplicada uma pena de 80 dias de multa.
41. A arguida A não detém antecedentes criminais registados no seu certificado de registo criminal.

(…………………………………….)




Decidindo diremos:
A arguida e ora recorrente foi condenada pela prática de um crime de frustração de créditos, p.p. pelo artigo 88º nº 1 e 2 do RGIT em co- autoria nos seguintes termos:- CONDENAR a arguida ANABELA GASPAR DOS REIS pela prática, em coautoria material e na forma consumada, de um crime de frustração de créditos, previsto e punido pelos artigos 6.º, e 88.º, n.º 1 e n.º 2, do Regime Geral das Infrações Tributárias, e artigos 26.º e 28.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 85 (oitenta e cinco) dias de multa à taxa diária de € 8,00 (oito euros), o que perfaz o total de € 680,00 (seiscentos e oitenta euros).

Esta norma estatui o seguinte:
Artigo 88.º
Frustração de créditos
1 - Quem, sabendo que tem de entregar tributo já liquidado ou em processo de liquidação ou dívida às instituições de segurança social, alienar, danificar ou ocultar, fizer desaparecer ou onerar o seu património com intenção de, por essa forma, frustrar total ou parcialmente o crédito tributário é punido com pena de prisão de um a dois anos ou com pena de multa até 240 dias.
2 - Quem outorgar em actos ou contratos que importem a transferência ou oneração de património com a intenção e os efeitos referidos no número anterior, sabendo que o tributo já está liquidado ou em processo de liquidação ou que tem dívida às instituições de segurança social, é punido com prisão até um ano ou multa até 120 dias.
Contém as alterações dos seguintes diplomas:
- Lei n.º 82-B/2014, de 31/12
Consultar versões anteriores deste artigo:
-1ª versão: Lei n.º 15/2001, de 05/06
Então:
Seguindo perto o exarado no Ac. do TRP de 28-05-2014 dir-se-á:
I. O artigo 88° do RGIT tipifica o crime de frustração de créditos, em duas modalidades distintas:- As condutas do n.º 1, do próprio obrigado tributário, traduzem-se em alienar, danificar, ocultar, fazer desaparecer, onerar bens que integrem o seu património, ou seja, actos daquele que está obrigado á entrega da prestação tributária;
- As condutas do n.º 2, não sendo do obrigado tributário, antes de um terceiro interveniente, consistem na outorga dolosa em negócio jurídico (acto ou contrato) que tenha por efeito a transferência ou oneração de património que possa responder pelas dívidas tributárias.
II. Constituem elementos objectivos do crime em causa, nos casos do n.° 1:a) Conhecimento por parte do devedor da obrigação de proceder ao pagamento do tributo ou dívida á segurança social;b) Estar o tributo ou a dívida á segurança social já liquidado ou em processo de liquidação;c) Haver alienação, danificação, ocultação, desaparecimento voluntário ou oneração do património, com vista a causar a frustração total ou parcial do crédito tributário ou de dívida ás instituições de Segurança Social.
III. Constituem elementos objectivos do crime em causa, nos casos do n.° 2:a) A outorga de actos ou contratos que determinem a transferência ou a oneração de património; b) Conhecimento da existência de tributo já liquidado ou em processo de liquidação ou de dívida á segurança social.c) Intenção de frustrar total ou parcialmente o crédito tributário
IV. O crime de frustração de créditos tutela o bem jurídico denominado património do Estado, também ele constituído pelas receitas tributárias.
V. Trata-se de crime doloso, havendo uma componente de dolo específico - intenção de frustrar no todo ou em parte, a garantia patrimonial do crédito tributário (derivado de Imposto ou de dívida á Segurança Social).
VI. É crime de perigo concreto, não de dano, pois a consumação do crime não depende da efectiva frustração do crédito tributário, que apenas tem de ser almejada pelo agente. VII. Consuma-se com a prática dos actos de alienar, danificar, ocultar, fazer desaparecer ou onerar intencionalmente o património, com intenção da frustrar, total ou parcialmente, o crédito.

Por seu turno o crime de branqueamento de capitais (que tem um regime especial para investigação a que se agrega o financiamento do terrorismo na Lei 83/2017, art.º 1º , 43º e 44º/ bem como o seu preâmbulo sendo esclarecedora a sua leitura):
- O crime de branqueamento de capitais consiste essencialmente na ocultação ou dissimulação da natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou titularidade vantagens de crimes.V. Jorge Godinho, estratégias patrimoniais de combate à criminalidade: o estado atual da Região administrativa Especial de Macau, p-19. Segundo a doutrina alemã, por branqueamento designam-se «os meios através dos quais se escondem a existência, origem ilegal ou a utilização ilegal de rendimentos, encobrindo esses rendimentos para que pareçam provir de origem licita. Neste preciso sentido, VOLKER KREY/ALFRED DIERLAMM. "Gewinn abschöpfung und Gelwäsche – Kritische Stellungnahme zu den matenell chen Vorschriften des Entwur Gesetzes zur Bekämpfung des Rauschgufthandels und ander cheinungsformem der Organ Kriminalitär (OrgKB). in J Rundschau, (1992). Heft 9. p. 353
O branqueamento de capitais passa por dois momentos nucleares: um primeiro, conhecido por money launder um outro chamado recycling
O money laundering (branqueamento de capitais) constitui o núcleo essencial do branqueamento de capitais. Pretende-se, através de operações que visam alcançá-lo, que as vantagens ou incrementos patrimoniais resultantes do facto ilicito-tipico anterior, sejam expeditamente libertadas dos vestígios da referida origem criminosa. Normalmente, neste momento, as referidas «vantagens» são ainda constituídas por dinheiro em numerário, e o respetivo branqueamento concretiza-se em negócios de curto prazo, os quais visam, como se referiu dissimular não só a sua origem, como a respetiva identificação.
É, normalmente, o que se passa através da troca do dinheiro sujo por outros valores monetários, designadamente por notas de maior valor, ou pela troca desse dinheiro por outros bens facilmente transportáveis, como sejam joias, metais e pedras preciosas, títulos de participação, abertura de contas bancárias noutros países, de preferência em nome de pessoas coletivas.
Já a recycling (transformacão/conversão), quando chega a ter lugar, concretiza-se em operações ou «manipulações» através das quais as vantagens patrimoniais convertem-se para que ganhem aparência de se tratar de objetos de proveniência lícita, com a sua consequente reentrada no normal circuito económico. O que sucede, em regra, com a aplicação do dinheiro em grandes negócios, como pizarias e salas de espetáculos ou através da ligação a negócios bancários ou de sociedades financeiras.
Destarte, há nesta figura jurídico-penal uma relação umbilical, inextricável, obrigatória, entre a ação de ocultar ou dissimular a origem ou propriedade de determinados bens e a proveniência desses bens, pois devem forçosamente ser produto direto ou indireto de um crime anterior.
Socorrendo-nos da argumentação constante do artigo denominado Ne bis in idem internacional: anotação ao acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 26 de março de 2015: João Conde Correia, in Revista do Ministério Público 143. Podemos dizer que o objeto dos autos centra-se na investigação de factos suscetíveis de integrar, em abstrato, para além do mais, a prática do crime de branqueamento de capitais, p. e p. pelo art. 368.° A, do CP, precedido da prática de crimes fraude fiscal, por factos ocorridos no reino de Espanha, relativos aos anos de 2013 a 2015.
-Quanto ao crime de branqueamento de capitais
Preceitua o artigo 368º-A n. 3 do CP:
3 - Quem converter, transferir, auxiliar ou facilitar alguma operação de conversão ou transferência de vantagens, obtidas por si ou por terceiro, direta ou indiretamente, com o fim de dissimular a sua origem ilícita, ou de evitar que o autor ou participante dessas infrações seja criminalmente perseguido ou submetido a uma reação criminal, é punido com pena de prisão até 12 anos.
De acordo com o Ac. STJ de 06/11/2014, www. dgsi.pt, “ (…) o branqueamento de capitais e de outros bens provenientes de actividades criminosas, nomeadamente os derivados de tráfico de estupefacientes, substâncias psicotrópicas e precursores, passou a ser objecto de combate específico a partir da Convenção das Nações Unidas contra o Tráfico Ilícito de Estupefacientes e Substâncias Psicotrópicas de 1988 (Convenção de Viena), adoptada em Viena na 6.ª Sessão Plenária da Conferência das Nações Unidas, em 20 de Dezembro de 1988. Esta mesma Convenção pode ser considerada como um dos instrumentos mais detalhados e de maior alcance no domínio do direito penal internacional, tendo-se operado a sua incorporação no direito interno com o Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro.
A designação mais comum para significar as fases, etapas, ou possíveis operações de branqueamento de capitais, é a adotada pelo GAFI, que distingue três etapas, designadas na terminologia inglesa habitualmente usada por placemen, layering e integration (fases de colocação, circulação e de integração), tendo inspirado a Convenção de Viena e em consequência o legislador português, que seguiu aquela muito de perto.
A primeira fase (placement) consiste na colocação dos capitais no sistema financeiro, seja em instituições financeiras tradicionais ou noutras.
A segunda fase (layering) consiste na realização de várias transações, com vista a criar várias «camadas» (layers) entre a origem real e a que se pretende visível, para assim dissimular a origem dos fundos.
O objectivo é o de interromper o chamado paper trail, ou seja, o conjunto de elementos documentais que permitem a reconstrução dos movimentos financeiros efectuados.
A terceira fase (integration) é o investimento (ou, na terminologia dos autores italianos, o «emprego» dos fundos), já «lavados», nas mais variadas operações económicas (p. ex., a compra de imóveis ou metais preciosos), numa perspetiva designadamente de longo prazo.
Sem olvidar que o crime de branqueamento visa o confisco de bens, e para isso tem de haver “integration”.”
Artigo 368.º-A
Branqueamento
1 - Para efeitos do disposto nos números seguintes, consideram-se vantagens os bens provenientes da prática, sob qualquer forma de comparticipação, de factos ilícitos típicos puníveis com pena de prisão de duração mínima superior a seis meses ou de duração máxima superior a cinco anos ou, independentemente das penas aplicáveis, de factos ilícitos típicos de:
a) Lenocínio, abuso sexual de crianças ou de menores dependentes, ou pornografia de menores;
b) Burla informática e nas comunicações, extorsão, abuso de cartão de garantia ou de cartão, dispositivo ou dados de pagamento, contrafação de moeda ou de títulos equiparados, depreciação do valor de moeda metálica ou de títulos equiparados, passagem de moeda falsa de concerto com o falsificador ou de títulos equiparados, passagem de moeda falsa ou de títulos equiparados, ou aquisição de moeda falsa para ser posta em circulação ou de títulos equiparados;
c) Falsidade informática, contrafação de cartões ou outros dispositivos de pagamento, uso de cartões ou outros dispositivos de pagamento contrafeitos, aquisição de cartões ou outros dispositivos de pagamento contrafeitos, atos preparatórios da contrafação, aquisição de cartões ou outros dispositivos de pagamento obtidos mediante crime informático, dano relativo a programas ou outros dados informáticos, sabotagem informática, acesso ilegítimo, interceção ilegítima ou reprodução ilegítima de programa protegido;
d) Associação criminosa;
e) Infrações terroristas, infrações relacionadas com um grupo terrorista, infrações relacionadas com atividades terroristas e financiamento do terrorismo;
f) Tráfico de estupefacientes e substâncias psicotrópicas;
g) Tráfico de armas;
h) Tráfico de pessoas, auxílio à imigração ilegal ou tráfico de órgãos ou tecidos humanos;
i) Danos contra a natureza, poluição, atividades perigosas para o ambiente, ou perigo relativo a animais ou vegetais;
j) Contrabando, contrabando de circulação, contrabando de mercadorias de circulação condicionada em embarcações, fraude fiscal ou fraude contra a segurança social;
k) Tráfico de influência, recebimento indevido de vantagem, corrupção, peculato, participação económica em negócio, administração danosa em unidade económica do setor público, fraude na obtenção ou desvio de subsídio, subvenção ou crédito, ou corrupção com prejuízo do comércio internacional ou no setor privado;
l) Abuso de informação privilegiada ou manipulação de mercado;
m) Violação do exclusivo da patente, do modelo de utilidade ou da topografia de produtos semicondutores, violação dos direitos exclusivos relativos a desenhos ou modelos, contrafação, imitação e uso ilegal de marca, venda ou ocultação de produtos ou fraude sobre mercadorias.
2 - Consideram-se igualmente vantagens os bens obtidos através dos bens referidos no número anterior.
3 - Quem converter, transferir, auxiliar ou facilitar alguma operação de conversão ou transferência de vantagens, obtidas por si ou por terceiro, direta ou indiretamente, com o fim de dissimular a sua origem ilícita, ou de evitar que o autor ou participante dessas infrações seja criminalmente perseguido ou submetido a uma reação criminal, é punido com pena de prisão até 12 anos.
4 - Na mesma pena incorre quem ocultar ou dissimular a verdadeira natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou titularidade das vantagens, ou os direitos a ela relativos.
5 - Incorre ainda na mesma pena quem, não sendo autor do facto ilícito típico de onde provêm as vantagens, as adquirir, detiver ou utilizar, com conhecimento, no momento da aquisição ou no momento inicial da detenção ou utilização, dessa qualidade.
6 - A punição pelos crimes previstos nos n.os 3 a 5 tem lugar ainda que se ignore o local da prática dos factos ilícitos típicos de onde provenham as vantagens ou a identidade dos seus autores, ou ainda que tais factos tenham sido praticados fora do território nacional, salvo se se tratar de factos lícitos perante a lei do local onde foram praticados e aos quais não seja aplicável a lei portuguesa nos termos do artigo 5.º
7 - O facto é punível ainda que o procedimento criminal relativo aos factos ilícitos típicos de onde provêm as vantagens depender de queixa e esta não tiver sido apresentada.
8 - A pena prevista nos n.os 3 a 5 é agravada em um terço se o agente praticar as condutas de forma habitual ou se for uma das entidades referidas no artigo 3.º ou no artigo 4.º da Lei n.º 83/2017, de 18 de agosto, e a infração tiver sido cometida no exercício das suas atividades profissionais.
9 - Quando tiver lugar a reparação integral do dano causado ao ofendido pelo facto ilícito típico de cuja prática provêm as vantagens, sem dano ilegítimo de terceiro, até ao início da audiência de julgamento em 1.ª instância, a pena é especialmente atenuada.
10 - Verificados os requisitos previstos no número anterior, a pena pode ser especialmente atenuada se a reparação for parcial.
11 - A pena pode ser especialmente atenuada se o agente auxiliar concretamente na recolha das provas decisivas para a identificação ou a captura dos responsáveis pela prática dos factos ilícitos típicos de onde provêm as vantagens.
12 - A pena aplicada nos termos dos números anteriores não pode ser superior ao limite máximo da pena mais elevada de entre as previstas para os factos ilícitos típicos de onde provêm as vantagens.

Posto isto diremos:
Vejamos então as questões suscitadas no recurso interposto pela recorrente desde já a primeira, por ser no nosso entender, prejudicial no conhecimento das demais:
A sentença “a quo” é nula por valoração de prova proibida (art.º 126.º, 3 do CPP).Não se encontra legitimado o afastamento do dever de segredo bancário por imperativos de investigação criminal, pois, o art.º 43.º da Lei nº 83/2017, não legitima tal afastamento, assim como também não o legitima o art.º 79.º do DL nº 298/92 de 31 de dezembro. Impõe-se considerar que o processo de obtenção de prova não seguiu o procedimento legal. Tendo tais provas _ certidão extraída de procedimento de averiguação que se iniciou com comunicação da entidade bancária - fls. 1 a 7 _ sido obtidas mediante intromissão na vida privada da arguida, em violação do art.º 26.º, nº 1 da Constituição da República Portuguesa (doravante CRP).A falta de licitude da atuação da instituição financeira de quebra do sigilo bancário em desobediência da lei, determinou a violação do direito ao segredo à reserva da vida privada da arguida. Motivo pelo qual, estamos perante prova de valoração proibida, nos termos do art.º 126, nº 3 do CPP, que comina como consequência a nulidade. O que deveria ter sido declarado pelo Tribunal “a quo”. A Sentença “a quo” nos moldes em que foi proferida, considerando a forma como se iniciaram os presentes autos, constitui uma violação dos arts.º 78.º e 79.º do DL nº 298/92 de 31 de dezembro, bem como do art.º 26.º, nº 1 da CRP.

Ou seja a pretensão da arguida :
-A sentença proferida pelo Tribunal “ a quo” é nula por valoração de prova proibida/ 126º nº 3 do C.P.P. , em virtude dos presentes autos terem ocludido de uma comunicação (PAP) ao abrigo do artº 43º da Lei 83/2017 de 18 de Agosto para branqueamento de capitais e ao financiamento de terrorismo, implicando assim a violação do artº 78º, 79º do DL 298/92 de 31/12, bem como o artº 26º nº 1 da C.R.P. levando à nulidade da prova nos termos do art 122º do CP.

Ora tendo em consideração, como não poderia deixar de ser só os elementos, e neste caso, de prova existentes nos autos, é muito claro que este processo eclodiu ( veja-se certidão junta aos autos em momento anterior à instauração do Inquérito que nestes autos teve lugar, o envio de documentação: -PAP 5101/2017 , refª 55/UA/SF/ nossa comunicação de 25/01/2018/ CONFIDENCIAL dirigido À Ex.ª Magistrada Coordenadora do DIAP de Santarém-assunto envio de comunicação/ e apensos juntos aos autos / confidencial / certidão de processo de averiguação preventiva/PAP 55/VA/FF composto por 203 folhas ) de um procedimento de averiguação preventiva no ano de 2017 (PAP), onde ali se refere :
“e para conhecimento e abertura de inquérito por eventual prática de crime de frustração de créditos (execução fiscal pendente) e eventualmente, crime de branqueamento (p, p. pelo art.º 368 - A-1, do C. Penal) pelos suspeitos S Lda (representada por J) e A”.
Consigna-se que, no DCIAP, não corre termos qualquer inquérito contra os visados.”

Neste expediente foi proferido despacho manuscrito onde se mandou registar e autuar como inquérito para investigação de crime de frustração de créditos fiscais de valor inferior a €500.000,00- Código de complexidade e em 29.01.2018 -FO_

Junta com tal informação (do PAP) encontra-se juntos aos autos uma certidão com o seguinte teor:

--- S, Órgão de Polícia Criminal, em serviço no
Departamento Central de lnvestigação e Acção Penal

---- CERTIFICO que, neste DCIAP, corre termos o procedimento de averiguação preventiva,
sob registo PAP.5101/2017
------ MAIS CERTIFICO que a presente fotocópia foi reproduzida na sua forma original de
harmonia com o Douto Despacho, que ordenou a presente certidão do PAP 5101/2017,
encontrando-se por mim rubricada e autenticada com o selo branco em uso neste DCIAP. ---
------- CERTIFICO AINDA que a presente certidão visa a instauração de inquérito
Lisboa,25 de Janeiro de 2018(…)

Ainda no âmbito e conteúdo deste expediente juntou-se um documento de “comunicações de transações Suspeitas Entidades financeiras” relativas à recorrente de uma conta aberta em 14/09/2017 titulada pela recorrente na CCA Salvaterra de Magos, C.R.L com o nº 40292193149 / depósito à ordem, onde se refletem as operações bancárias efectuadas e o motivo da suspeita.
Existe também um documento da arguida “S” assinado pelos dois arguidos pessoas singulares, seguido então do extracto dessa conta com inicio em 01.09.2017 e termino em 4.10.2017.

E finalmente decisão da Srª Procuradora da Republica com o seguinte teor :” Extraia cópias da CTS fls. 2 a 6 (omissão da identidade do comunicante) e documentação anexa, e bem assim, como desta parte do despacho, a fim de serem remetidas, por ofício, confidencial, dirigido à Ex" magistrada coordenadora do DIAP de Santarém para conhecimento e abertura de Inquérito por eventual prática de crime de frustração de créditos (execução fiscal, pendente) e eventualmente, crime de branqueamento (p. p- pelo art.368-A-1, do C. Penal), pelos suspeitos S, Lda. (representada por J) e A.
Consigne que, no DCIAP, não corre termos qualquer inquérito contra o visado.
E tal em 2018.01.24 pela Srº Procuradora da República ………………………..”

Apreciando diremos que no que interessa e tendo em conta que dos autos constam também três apensos sendo um deles um processo de averiguação preventiva/ certidão Confidencial como nº 55/VA/FF com 203 folhas, outro onde se coligiu os elementos bancários que serviram de base para a prova que conduziu à condenação da arguida e dos demais arguidos proveniente de despacho do MºPº de 18.09.2017 e 12.11.2018/ vide fls 103 do apenso de PAP ( e outro ainda de inquérito / investigação prioritária), não podemos de deixar expresso e exaurindo a questão que o “PAP” é permitido nos termos que a seguir se pode ler:

PREVENÇÃO CRIMINAL

As funções do DCIAP dirigem-se à luta contra a criminalidade violenta, altamente organizada ou de especial complexidade, mediante intervenção em três vertentes: prevenção criminal, direção da investigação da criminalidade de natureza transdistrital (dispersão territorial) e coordenação da direção da investigação a nível nacional (desconcentração dos poderes hierárquicos de coordenação).

Compete ao Departamento Central de Investigação e Ação Penal realizar as ações de prevenção relativamente aos seguintes crimes:
Branqueamento e financiamento do terrorismo;
Corrupção, peculato e participação económica em negócio;
Administração danosa em unidade económica do sector público;
Fraude na obtenção ou desvio de subsídio, subvenção ou crédito;
Infrações económico-financeiras cometidas de forma organizada, com recurso à tecnologia informática;
Infrações económico-financeiras de dimensão internacional ou transnacional
Compete ao DCIAP, no âmbito da prevenção do branqueamento e do financiamento do terrorismo (conforme às Diretivas n.os 2005/60/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de outubro, e 2006/70/CE da Comissão, de 1 de agosto) receber e analisar as comunicações de operações suscetíveis de configurar a prática do crime de branqueamento ou de financiamento do terrorismo que as entidades sujeitas lhe devem enviar (simultaneamente com a Unidade de Informação Financeira da Polícia Judiciária) e, se for acaso disso, determinar a suspensão da execução da operação suspeita notificando, para o efeito, a entidade sujeita.
Subsequentemente, o DCIAP pode determinar, conforme os casos, o prosseguimento de investigação sob outras formas processuais, seja mediante a realização de averiguação preventiva ou determinando a abertura de inquérito.
Compete também ao DCIAP a iniciativa da realização de ações encobertas no âmbito da prevenção criminal.( in https://dciap.ministeriopublico.pt/pagina/prevencao-criminal)

Também a Lei n.º 83/2017 Medidas de combate ao branqueamento de capitais e ao financiamento do terrorismo no seu artigo 81.º estatui:
Capítulo VII > Secção I > Subsecção I
Artigo 81.º
Autoridades judiciárias e policiais
1 - O juiz de instrução criminal e o Ministério Público exercem as competências e beneficiam das demais prerrogativas conferidas pelas disposições específicas da presente lei.
2 - Sem prejuízo do disposto no número anterior, o DCIAP realiza as ações de prevenção das práticas relacionadas com atividades criminosas de que provenham fundos ou outros bens, com o branqueamento de capitais ou com o financiamento do terrorismo, no âmbito das quais exerce as competências que lhe são especificamente conferidas pela presente lei.
3 - Na realização das ações de prevenção referidas no número anterior, o DCIAP tem os poderes conferidos pelo disposto na presente lei e no n.º 3 do artigo 1.º da Lei n.º 36/94, de 29 de setembro, alterada pelas Leis n.90/99, de 10 de julho, 101/2001, de 25 de agosto, 5/2002, de 11 de janeiro, e 32/2010, de 2 de setembro, com as necessárias adaptações e pode solicitar nos termos previstos no n.º 4 do artigo 95.º, quaisquer elementos ou informações que considere relevantes para o exercício das funções que lhe são conferidas neste âmbito.
4 - Com vista à realização das finalidades da prevenção do branqueamento e do financiamento do terrorismo, o DCIAP acede diretamente e mediante despacho, a toda a informação financeira, fiscal, administrativa, judicial e policial, necessária aos procedimentos de averiguação preventiva subjacentes ao branqueamento de capitais e do financiamento do terrorismo.
5 - As autoridades policiais, no exercício das respetivas competências, beneficiam das prerrogativas conferidas pela presente lei, em especial do dever de colaboração previsto no artigo 53.º

Condensando temos que este procedimento criminal que veio culminar com a condenação da arguida teve por base um PAP nos já supra referidos e cuja certidão consta dos apensos, bem como outra certidão no inicio deste processo principal.
O PAP em suma terá tido a sua origem numa “suspeita” de branqueamento de capitais e frustração de créditos, sendo que o MºPº lhe deu continuidade nesse pressuposto, mas acrescentando ainda nos elementos que pediu no âmbito destes autos ao crime de frustração de créditos, e não especificando quanto a este se se tratava do crime do RGIT ou o do Código penal.
O certo é que resulta da certidão logo no inicio do processo principal que o MºPº na posse dos elementos bancários e demais obtidos mediante as prerrogativas do PAP, logo mandou abrir um inquérito por frustração de créditos como se pode bem atestar na certidão constante logo no inicio destes autos.
No entanto e bem examinados os autos temos que o MºPº já estaria bem ciente da situação da arguida e da empresa S no PAP.
Ora face a tal circunstancialismo é licito perguntar se o poderia ter feito, ou seja instaurar inquérito com base em informações obtidas no âmbito do PAP, o qual até foi objecto de despachos do MºPº, veja-se o de fls. 61 , e os proferidos em 12.11.2017 onde cirurgicamente se foi solicitar á caixa de crédito Agrícola de Salavaterra de Magos elementos bancários que surgiram relativamente à recorrente e à empresa H.
Deparamo-nos aqui com uma imodicidade do ímpeto da investigação levada a cabo pelo MºPº, a qual, veio embater na verdade e como já dizia Platão: “O juiz não está nomeado para fazer favores com a justiça, mas para julgar segundo as leis”.
Daí a discordância com a decisão recorrida neste particular desiderato, pois considera-se que não foram seguidos claramente os trâmites legais para a obtenção da prova no PAP e que fez eclodir o inquérito que nestes autos foi instaurado.
E tal, afiança-se não é colmatado, ultrapassado ou resolvido com o que foi depois levado a cabo no decurso do inquérito propriamente dito solicitando-se ao abrigo do art.º 79º d2 al. e) do DL 298/92 de 31.12, diligência que veio dar cobertura legal ao que anteriormente não tinha sido feito, legitimando a requisição de elementos bancários e documentos a eles respeitantes relativamente à arguida que já constavam dos autos no PAP, coisa que foi feita da seguinte forma e cita-se:
-14/04/22, 09:43 Proc. inq.º 162/18.0T9STR DIAP de BENAVENTE- pedido de informações
https://webmail.mj.pt/owa/benavente.ministeriopublico@tribunais.org.pt/?ae=Item&t=IPM.Note&id=RgAAAAAkxoy8Ny6MS6qu138wb47IBwAkr2v… 1/1
Proc. inq.º 162/18.0T9STR DIAP de BENAVENTE- pedido de informações
M………..
Enviado:quinta-feira, 14 de Abril de 2022 0:46
Para: perto@bportugal.pt
Cc: SANTARÉM - Ministério Público - Benavente
Exmos. Senhores
Banco de Portugal
M…….., Procuradora da República no DIAP de Benavente, Comarca de Santarém, solicita os bons ofícios de V. Exa.s no sentido de, no prazo de dez dias, contados da data do recebimento do presente e-mail se dignem informar este inquérito, ao abrigo do disposto no artigo ao 79.º, n.º 2, alínea e) do Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 Dezembro – Regime Geral das Instituições de Crédito, na sua atual redação, quais as contas bancárias de que os seguintes indivíduos são titulares e em que instituições de crédito se encontram domiciliadas:
a. S, Lda.
b. J;
c. A;
A informação solicitada destina-se a instruir inquérito no âmbito do qual se investiga a eventual prática de crime de frustração de créditos e um crime de branqueamento de capitais.
Com os melhores cumprimentos,
A Procuradora da República,
M………..
DIAP de BENAVENTE

Efectivamente os meios de prova são os elementos de que o julgador se pode servir para formar a sua convicção acerca de um facto, conf. Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora – Manual de Processo Civil, pág.452.
Os meios de obtenção de prova são igualmente os instrumentos de que se servem as autoridades judiciárias para investigar e recolher meios de prova, conf. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal II, pág. 209 a 210, que distingue os meios de prova dos meios da sua obtenção: “ É claro que através meios de obtenção de prova se podem obter meios de prova de diferentes espécies, v.g. documentos, coisas, indicação de testemunhas, mas o que releva de modo particular é que, nalguns casos, o próprio meio de obtenção da prova acaba por ser também um meio de prova. A nossa lei constitucional, como forma de garantir a defesa dos direitos, liberdades e garantias que consagra, impõe limites à validade dos meios de prova, e na sequência dessas disposições constitucionais, a lei processual, no seu art° 126°, sob a epígrafe “Métodos proibidos de prova”, estabelece, no seu n°3: “Ressalvados os casos previstos na lei, são igualmente nulas as provas obtidas mediante intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações sem o consentimento do respectivo titular.
As proibições de prova visam impedir que o M.P. e os O.P.C. possam subverter os direitos, liberdades e garantias que se opõem ao interesse na perseguição penal ou abusem dos meios (legais) de atuação disponibilizados pela ordem jurídica dando-lhe um uso inadequado.

O novo regime do art. 79, nº 2 al. d), do DL nº298/92, de 31/12 (RGICSF), / com a redacção introduzida pela Lei nº36/2010 de 2/9, e agora a alínea e) com a Lei 109/2017 de 24 de Novembro, permite o acesso directo pelo Ministério Público na fase de inquérito de qualquer processo penal, com dispensa de intervenção do Juiz, às informações bancárias necessárias à descoberta da verdade material, numa base de proporcionalidade, face à inexistência de alternativas de investigação e com respeito pelos dados que afectem direitos fundamentais ligados à reserva da vida privada e que nada tenham a ver, de forma relevante, com a investigação em curso( vide Ac. do TRL de 25/10/2011, e Ac TRL , 2/10/2011 -processo 1410/09.3JDLSB-A.L1-5 in www.dgsi.pt).
Tanto assim é que ao Ministério Público lhe foi constituída a prerrogativa de autoridade judiciária também nesta questão, mas sempre no âmbito de um processo penal (al. e) nº 2 do artº 79º do DL 298/92, de 31/12).
(vide aqui com interesse transversal nesta matéria O TJUE proferiu sentenças nos processos apensos C-508/18 OG (Ministério Público de Lübeck) e C-82/19 PPU PI (Ministério Público de Zwickau) e no processo C-509/18 PF (Ministério Público da Lituânia). Quanto a conceito de autoridades judiciárias "autoridades judiciárias" na acepção da Decisão-Quadro 2002/584/JAI relativa ao mandado de detenção europeu, uma vez que os procedimentos de entrega entre Estados-Membros.
No que diz respeito às procuradorias alemãs, OG e PI alegam especificamente que não são independentes do executivo, pois fazem parte de uma hierarquia administrativa chefiada pelo Ministro da Justiça, pelo que existe o risco de interferência política. Neste contexto, o Tribunal Supremo da Irlanda, bem como o seu Tribunal Superior, pedem ao TJUE que interprete a decisão-quadro. Tendo em conta que PI está privado de liberdade na Irlanda por força do mandado de detenção europeu emitido contra ele, o TJUE deferiu o pedido do Irish High Court para que o pedido de decisão prejudicial que lhe diga respeito seja tramitado pelo processo de decisão prejudicial urgente.
Nos seus acórdãos, o TJUE declara que o conceito de "autoridade judiciária emissora" que consta da decisão-quadro não inclui as procuradorias de um Estado-Membro, como as da Alemanha, expostas ao risco de estarem sujeitas, directa ou indirectamente, , a ordens ou instruções individuais do Poder Executivo, como um Ministro da Justiça, no âmbito da adoção de uma decisão relativa à emissão de um mandado de captura europeu.
Em vez disso, este conceito inclui o Procurador-Geral de um Estado-Membro, como o da Lituânia, que, sendo estruturalmente independente do poder judicial, é competente para processar e goza de um estatuto nesse Estado-Membro que confere garantia de independência do poder executivo no quadro da emissão do mandado de detenção europeu.
O TJUE recorda que o mandado de detenção europeu é a primeira concretização no domínio do direito penal do princípio do reconhecimento mútuo, que por sua vez se baseia no princípio da confiança mútua entre os Estados-Membros. Esses dois princípios são de fundamental importância, pois permitem a criação e manutenção de uma área sem fronteiras internas.
O princípio do reconhecimento mútuo pressupõe que apenas sejam executados os mandados de detenção europeus que cumpram os requisitos estabelecidos na decisão-quadro. Uma vez que um mandado de detenção europeu constitui uma «decisão judicial», é necessário que seja emitido por uma «autoridade judiciária». Embora, de acordo com o princípio da autonomia processual, os Estados-Membros possam designar no seu direito nacional a "autoridade judiciária" competente para emitir os mandados de detenção europeus, o significado e o alcance deste conceito não podem ser deixados ao critério de cada Estado-Membro. mas deve ser uniforme em toda a União.
É certo que o conceito de "autoridade judiciária" não se limita a designar os juízes ou tribunais de um Estado membro, mas deve ser entendido como designando, de forma mais ampla, as autoridades envolvidas na administração da justiça penal nesse Estado membro, ao contrário , em particular, ministérios ou serviços de polícia, que fazem parte do poder executivo.
Segundo o TJUE, tanto o Ministério Público alemão como o Procurador Público lituano, cujas funções são essenciais para a condução do processo penal, podem ser considerados envolvidos na administração da justiça penal. No entanto, a autoridade responsável pela emissão de um mandado de detenção europeu deve agir de forma independente no exercício das suas funções, mesmo quando esse mandado se baseie num mandado de detenção nacional emitido por um juiz ou tribunal.
Assim, deve estar em condições de exercer essas funções de forma objetiva, tendo em conta todas as provas contra e contra, e sem correr o risco de que o seu poder decisório esteja sujeito a ordens ou instruções externas, especialmente do poder executivo. para que não haja dúvidas de que a decisão de emitir o mandado de detenção europeu corresponde a essa autoridade e não, em última análise, a esse poder.
No que diz respeito às procuradorias alemãs, o TJUE observa que a lei não exclui que a sua decisão de emitir um mandado de detenção europeu possa estar sujeita, caso a caso, à instrução do Ministro da Justiça do Land em questão. Consequentemente, estes Ministérios Públicos não cumprem um dos requisitos exigidos para serem considerados "autoridade judiciária emissora" na acepção da Decisão-Quadro: apresentar à autoridade judiciária que executa o mandado de detenção europeu a garantia de actuar com independência em momento da emissão da referida ordem.
Por outro lado, o Ministério Público lituano pode ser qualificado de «autoridade judiciária emissora», na acepção da decisão-quadro, uma vez que o estatuto de que goza nesse Estado-Membro não só garante a objectividade das suas missões, como também lhe confere também uma garantia de independência do poder executivo na emissão de mandados de captura europeus.
El Tribunal Supremo Os irlandeses devem verificar se as decisões proferidas pelo Ministério Público podem ser impugnadas através de recurso que cumpra integralmente os requisitos inerentes a uma tutela jurisdicional efetiva.

fonte: https://curia.europa.eu/jcms/upload/docs/application/pdf/2019-05/cp190068es.pdf)


O âmbito dos recursos encontra-se delimitado em função das questões sumariadas pelo recorrente nas conclusões extraídas da respectiva motivação mas sem prejuízo do dever de conhecimento oficioso de certos vícios ou nulidades.
A recorrente veio suscitar esta questão.
- Então diremos:
- O dever de segredo, a nível bancário, tem tido consagração legislativa nos art. 78° e 79.º do DL 298/92, de 31/12, que aprovou o «Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras».
De acordo com o n.°2 do art. 78° de tal diploma, “estão designadamente, sujeitos a segredo os nomes dos clientes, as contas de depósito e seus movimentos e outras operações bancárias”.
O dever de segredo é, assim, tratado como segredo profissional, vinculando todos aqueles que, por virtude das suas funções, têm acesso às referidas informações, concretamente: “os membros dos órgãos de administração ou de fiscalização das instituições de crédito, os seus empregados, mandatários, comitidos e outras pessoas que lhes prestem serviços a titulo permanente ou ocasional” (art. 78° n° 1).
Como se afirmou no Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n° 2/2008, pubº in DR l.ª série, de 31 de Março de 2008, o segredo bancário tem em vista a salvaguarda de duas ordens de interesses: por um lado, o regular funcionamento da actividade bancária, com a consequente repercussão no “bom funcionamento da economia, já que o sistema de crédito, na dupla função de captação de aforro e financiamento do investimento constitui, segundo o modelo económico adoptado, um pilar do desenvolvimento e do crescimento de recursos”, e, por outro, a reserva da intimidade da vida privada de cada um dos clientes da Banca.
No entanto, a lei concebe o segredo bancário essencialmente como protecção do direito fundamental à reserva da vida privada, consagrado no art. 26° n.° 1 da CRP, porquanto o mesmo cessa quando exista autorização do cliente na sua revelação (art. 79° n° 1, do citado DL).
Inexistindo autorização do cliente, os factos e elementos cobertos pelo dever de segredo só podiam ser revelados pela instituição bancária, no âmbito das suas atribuições, às entidades referidas nas alíneas a), a h) do n° 2 do art. 79°.
Por outro lado, de acordo com o art. 135° do CPP, quando deva ser aplicável com as devidas adaptações, caso conclua o tribunal pela legitimidade da escusa — o que ocorre se o facto estiver abrangido pelo segredo e não houver autorização do titular da conta — terá nesse caso, então, de suscitar, em incidente (de quebra de segredo profissional), a intervenção do tribunal imediatamente superior, o qual pode autorizar a sua quebra “sempre que esta se mostre justificada face às normas e princípios aplicáveis da lei penal, nomeadamente face ao princípio da prevalência do interesse preponderante” (n° 3).

Com o AC de fixação de jurisprudência do STJ de 13-02-2008 ficou, porém, definida a forma e processo de suscitação do incidente em caso de recusa, se legitima, nos termos seguintes, resumidamente:
«1. Requisitada a instituição bancária, no âmbito de inquérito criminal, informação referente a conta de depósito, a instituição interpelada só poderá legitimamente escusar-se a prestá-la com fundamento em segredo bancário.
2. Sendo ilegítima a escusa, por a informação não estar abrangida pelo segredo, ou por existir consentimento do titular da conta, o próprio tribunal em que a escusa for invocada, depois de ultrapassadas eventuais dúvidas sobre a ilegitimidade da escusa, ordena a prestação da informação, nos termos do nº 2 do art. 135º do Código de Processo Penal.
3. Caso a escusa seja legítima, cabe ao tribunal imediatamente superior àquele em que o incidente se tiver suscitado ou, no caso de o incidente se suscitar perante o Supremo Tribunal de Justiça, ao pleno das secções criminais, decidir sobre a quebra do segredo, nos termos do nº 3 do mesmo artigo.»
Este aresto argumentou assim:
(…) 3. 1. O segredo bancário pretende salvaguardar uma dupla ordem de interesses. (1) Sobre este ponto, ver o Parecer nº 138/83 do Conselho Consultivo da PGR (BMJ 342, p. 61), o Ac. nº 278/95 do Tribunal Constitucional, de 31.5.1995, nº 7.2., Meneses Cordeiro, Manual de Direito Bancário, 3ª ed., p. 253, e José Maria Pires, O Dever de Segredo na Actividade Bancária, p. 19, entre muitos outros elementos.
Por um lado, de ordem pública: o regular funcionamento da actividade bancária, baseada num clima generalizado de confiança, sendo o segredo um elemento decisivo para a criação desse clima de confiança, e indirectamente para o bom funcionamento da economia, já que o sistema de crédito, na dupla função de captação de aforro e financiamento do investimento, constitui, segundo o modelo económico adoptado, um pilar do desenvolvimento e do crescimento dos recursos.
Por outro lado, o segredo visa também a protecção dos interesses dos clientes da banca, para quem o segredo constitui a defesa da discrição da sua vida privada, tendo em conta a relevância que a utilização de contas bancárias assume na vida moderna, em termos de reflectir aproximadamente a “biografia” de cada sujeito, de forma que o direito ao sigilo bancário se pode ancorar no direito à reserva da intimidade da vida privada, previsto no art. 26º, nº 1 da Constituição da República Portuguesa. (Assim, o citado Ac. nº 278/95 do TC, nº 7.1., e Meneses Cordeiro, p. 254. Diferentemente, J.M. Pires funda o segredo bancário na “necessidade de proteger a actividade bancária de intromissões que prejudiquem a confiança das relações entre as instituições e os seus clientes”, considerando o segredo bancário como expressão de um “direito fundamental de segredo”, enquadrável nos direitos fundamentais atípicos, previstos no art. 16º, nº 1 da CRP.
Porém, esse direito ao sigilo, embora com cobertura constitucional, não é um direito absoluto, até porque, pela sua referência à esfera patrimonial, não se inclui no círculo mais íntimo da vida privada das pessoas, embora com ele possa manter relação estreita. Pode, pois, ter que ceder perante outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos, cuja tutela imponha o acesso a informações cobertas pelo segredo bancário.
(cfr expressamente, o Ac. citado do TC, nº 8.)

Como vemos, o segredo bancário é tratado como segredo profissional, vinculando todos aqueles que, por via do exercício da profissão, têm acesso às informações indicadas, designadamente, no nº 2 do art. 78º.
O dever de segredo cessa quando exista autorização do cliente, sendo, pois, livremente disponível o correspondente direito, o que revela que o legislador concebe o segredo bancário essencialmente como protecção do direito fundamental à reserva da vida privada.
Mas cessa ainda noutras situações, em que interesses relevantes de ordem pública impõem essa cessação, por força do princípio constitucional da concordância entre valores constitucionais conflituantes (nº 2 do art. 18º da Constituição da República Portuguesa).

No entanto e como pudemos constatar e pese embora o atrás exarado a situação dos autos não trata propriamente de uma situação de recusa de informação ao abrigo do sigilo Bancário, por parte de uma instituição financeira.
Nesta situação, a instituição bancária têm o dever de prestar às autoridades de investigação criminal as informações que lhes forem solicitadas. O segredo bancário cede, nessas situações, por imposição legal (e independentemente de autorização do titular da conta), ao interesse público de investigação criminal, coisa que não se verifica no caso “ sub judice”, pois tal informação foi prestada sem mais.
Nestes casos, não há, pois, que ponderar qual o interesse que deve prevalecer, porque o legislador, à partida, decidiu privilegiar o interesse público. O juízo de prevalência foi feito pelo próprio legislador.

- Ao invés o cerne da questão centra-se no modo de obtenção das informações bancárias de uma conta da recorrente e outros documentos da mesma índole em processo de averiguação ( PAP) que teve lugar naturalmente antes da efectiva instauração de um inquérito penal pelo MºPº ( nestes autos), a qual estava coberta / protegida pelo sigilo bancário e não tendo esta dado o seu consentimento, invocando suspeitas sobre o crime de branqueamento de capitais e de frustração de crédito ( no PAP), o qual não estava totalmente coberto pelo manto jurídico protector da Lei 83/2017 de 18 de Agosto, ver o preâmbulo artº 1º e 43º entre outros.
Aqui neste âmbito, e por desconhecermos os meandros da obtenção de tais informações, o certo é que estas serviram de rampa de lançamento para a posterior instauração de um inquérito, sendo que é aqui que a questão nuclear se centra.
E centra-se em virtude de tais informações e documentos terem sido recebidas no âmbito de um PAP (na altura em que foram disponibilizadas/ ano de 2017), logo obviamente não existindo ainda um qualquer inquérito penal é legalmente impossível enquadrar a obtenção de tais informações em qualquer normativo da Ordem jurídica Portuguesa e tal seja no âmbito do DL 298/92 de 31/12 ( art.º 78º, 79 nº 2 e) e 80º ), quer ainda da lei 83/2017 ( art.º 1º e 43º) de 18 de Agosto, tratando-se de crime de frustração de créditos, quando na origem a investigação se centrou neste e “ eventualmente” em branqueamento de capitais quando os elementos contidos no PAP apontavam desde logo para o primeiro/ equivoco até que foi repetido no decurso do inquérito como se irá constatar.

E “in casu “deparamo-nos com um método proibido de prova (vulgo/ prova proibida) estatuído no art.º 126º nº 3 do CPP, que estabelece o seguinte:
Métodos proibidos de prova (…)
3 - Ressalvados os casos previstos na lei, são igualmente nulas, não podendo ser utilizadas, as provas obtidas mediante intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações sem o consentimento do respectivo titular. (…)

Tal nulidade apenas é sanável mediante consentimento do visado, o que manifestamente não ocorre no caso, uma vez que a recorrente tem vindo, quer agora no recurso, quer anteriormente atravessando requerimentos a arguir tal, a invocar esta invalidade, não constando dos autos qualquer consentimento prestado em fase anterior ou posterior e vendo rechaçada as suas investidas processuais.
Sobre esta matéria do segredo bancário e profissional em geral e, sobretudo, em particular na área e domínio da fiscalidade, algumas soluções no direito comparado foram alcançadas em face do conflito entre o binómio: princípio da intimidade da vida privada / direito legal de acesso da Administração à conta bancária, com base, nomeadamente no princípio da igualdade fiscal (igualdade de pagamento e de tratamento perante a administração fiscal.
De todo o modo, podemos dizer com segurança que o segredo fiscal e o segredo bancário coincidem em relação aos elementos que os compõem, mas revestem algumas diferenças básicas quanto às funções que preenchem. Na verdade, enquanto o segredo bancário constitui uma “súmula dos deveres do banqueiro para com o seu cliente, o segredo fiscal constitui um mero dever de reserva da Administração em relação aos dados que o administrado lhe deve fornecer.”
O conceito que se procura definir não foge muito do binómio direito/dever.
Garante uma zona essencial de privacidade, cria e fomenta as condições de confiança que devem presidir às relações entre as instituições e os clientes, sejam estes pessoas singulares ou colectivas. Por outro lado, defende as próprias instituições de revelações que possam prejudicar o seu bom nome e o desenvolvimento normal das suas operações, tudo isso em consonância com o direito à integridade pessoal (moral e física) das pessoas, direito que, nos termos do n.º 1 do art. 25.° da Constituição é inviolável.
Sabemos porém que esse direito se desmultiplica em vários outros, entre os quais avultam os relativos ao bom-nome e reputação, à imagem, à palavra e à reserva da intimidade e da vida privada e familiar. (Cfr: Gomes,Noel, in “Segredo Bancário e Direito Fiscal”, Almedina, Ano 2006, páginas 19 a 20; SOUSA, Rabindranath Capelo «O segredo bancário - em especial, face às alterações fiscais da Lei n.º 30-G/2000, de 29 de Dezembro», in Estudos em homenagem ao Professor Inocência Galvão Teles, volume II, Lisboa, 2002, pp. 178-179.”)
«Tendo em conta a extensão que assume na vida moderna o uso de depósitos bancários e conta corrente, é de crer que o conhecimento dos seus movimentos activos e passivos reflecte grande parte das particularidades da vida económica, pessoal ou familiar dos respectivos titulares. Através da investigação e análise das contas bancárias, torna-se, assim, possível penetrar na zona mais estrita da vida privada. Pode dizer-se, de facto, que, na sociedade moderna, uma conta corrente pode constituir "a biografia pessoal em números". Está este Tribunal em condições de afirmar que a situação económica do cidadão, espelhada na sua conta bancária, incluindo as operações activas e passivas nela registadas, faz parte do âmbito de protecção do direito à reserva da intimidade da vida privada condensado no artigo 26. °, n.° l da Constituição, surgindo o segredo bancário como um instrumento de garantia deste direito.
De facto, numa época histórica caracterizada pela generalização das relações bancárias, em que grande parte dos cidadãos adquire o estatuto de cliente bancário, os elementos em poder dos estabelecimentos bancários, respeitantes designadamente às contas de depósito e seus movimentos e às operações bancárias, cambiais e financeiras, constituem uma dimensão essencial do direito à reserva da intimidade da vida privada constitucionalmente garantido.
O segredo bancário, no entanto, não é de todo um direito absoluto, antes pode sofrer restrições impostas pela necessidade de salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos. (negrito e itálico nossos)
Na verdade, a tutela de certos valores constitucionalmente protegidos pode tornar necessário, em certos casos, o acesso aos dados e informações que os Bancos possuem relativamente às suas relações com os clientes. Só que as restrições ao segredo bancário hão-de constar necessariamente de Lei da A. R. ou de Decº Lei emitido no uso de autorização legislativa e hão-de obedecer aos requisitos que os nºs 2 e 3 do artigo 18 da Lei Fundamental impõem às leis restritivas dos direitos, liberdades e garantias, quais sejam: só são admissíveis nos casos expressamente previstos na Constituição, ou seja, quando o Diploma fundamental o autorizar explicitamente; devem limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos, isto é, devem obedecer ao princípio da proporcionalidade em sentido amplo ou da proibição do excesso, devendo ser, por isso, necessárias, adequadas e proporcionais; e têm de revestir carácter geral e abstracto e não podem ter efeito retroactivo, nem diminuir a extensão e o alcance do conteúdo essencial dos preceitos constitucionais."

A aludida alteração sendo mais recente que os regimes especiais vigentes para a criminalidade mais complexa, mais grave ou dita menos comum, afigura-se especial em relação a eles na sua actual abrangência, sobretudo face ao regime do artº 135º e ss do CPP em matéria de dispensa do incidente de sigilo profissional e de acesso directo na criminalidade dita “comum” a informações bancárias pelo próprio MºPº na fase de inquérito de qualquer processo penal com dispensa de intervenção do Juiz.
Passou pois a haver uma regra de acesso sem restrições de natureza do processo (desde que penal) ou de tipo de crime por qualquer autoridade judiciária, naquela acepção sobredita.
Cremos pois que, desde que respeitada a proporcionalidade do acesso, salvaguardados direitos fundamentais quanto à publicidade desnecessária para fora do processo penal e respeitado o principio do interesse prevalecente da descoberta da verdade material, inexistindo ou sendo de muito difícil alcance alternativas que não passem pela violação do segredo bancário, aquele dever de sigilo não prevalece ( que não será o caso dos autos).

No Acórdão 278/95, o Tribunal Constitucional afirmou que “A situação económica do cidadão, espelhada na sua conta bancária, incluindo operações activas e passivas nela registadas, faz parte do âmbito de protecção do direito à reserva da intimidade da vida privada, condensado no artigo 26º, n.º1 da Constituição, surgindo o segredo bancário como um instrumento de garantia deste direito”.
No Acórdão número 442/2007, o Tribunal Constitucional - parafraseando o Ac. n.º 110/1984 de 26 de Novembro do TC espanhol – destacou que, na sociedade moderna, «uma conta corrente pode constituir a ‘biografia pessoal em números’ do contribuinte» (…) e continuou por conta própria, «Através das análise do destino das importâncias pagas na aquisição de bens ou serviços pode facilmente ter-se uma percepção clara das escolhas e do estilo de vida do titular da conta, dos seus gostos e propensões, numa palavra do seu perfil concreto enquanto ser humano. O conhecimento de dados económicos permite, afinal, a invasão da esfera pessoal do sujeito, com revelação de facetas da sua individualidade própria – daquilo que ele é e não apenas daquilo que ele tem. Conhecimento que por sua vez, e para além de tudo o mais, é susceptível de exploração económica (veja-se o florescente mercado de informações sobre dados dos consumidores), propiciando afinadas estratégias de marketing, frequentemente violadoras do direito à reserva, agora na veste de direito a estar só.” – disponível no site do Tribunal Constitucional.
Conclui-se, assim, no referido Acórdão, que o bem protegido pelo sigilo bancário cabe no âmbito de protecção do direito à reserva da vida privada consagrado no artigo 26.º, n.º1, da Constituição da República, embora tal segredo se localize «no âmbito da vida de relação, à partida fora da esfera mais estrita da vida pessoal, a que requer maior intensidade de tutela. Ainda que compreendido no âmbito de protecção, ocupa uma zona de periferia, mais complacente com restrições advindas da necessidade de acolhimento de princípios e valores contrastantes».
Por outro lado, como vimos, o bem protegido pelo sigilo bancário cabe no âmbito de protecção do direito à reserva da vida privada consagrado no artigo 26º, n.º1, da Constituição da República. Assim, atento o exposto, foi violado o direito do portador do segredo à reserva da sua vida privada.
Por outro lado, em consequência dessa violação foram obtidos documentos bancários e não só importantes para a condenação da arguida e dos demais em virtude de elementos obtidos através do P.A.P., os quais não eram legalmente consentidos nos termos que atrás já se deixaram expostos por se averiguar na verdade um crime de frustração de crédito não abrangido nos casos de “ utilização “ do PAP que fica resguardado para uma criminalidade violenta ou complexa em termos económicos.

Ora os documentos constantes do P.AP. cuja solicitação em parte foi repetida e “ duplicada” ( para colmatar as imprecisões do PAP e dos elementos que por ali foram obtidos) no inquérito ao abrigo do DL 298/ 92 de 31/12 -artº 79º nº 2 e) estes documentos foram considerados, como prova da condenação, ali constando da sua fundamentação.

Estão assim reunidos os pressupostos de verificação de uma prova obtida mediante intromissão não consentida na vida privada do seu titular, pelo que tal prova é nula, nos termos do artigo 26º, n.º3 do CPP,
Podem, então, estes documentos serem considerados para o efeito que foi usado pela primeira instância ou, inversamente, dado que incorpora uma proibição de produção de prova, é uma prova nula e não pode ser utilizada?
Do exposto e acompanhando o pensamento de Costa Andrade entendemos que a produção da prova em causa nos termos em que foi obtida é proibida e a sua valoração ou utilização igualmente proibida para a condenação da arguida e dos demais arguidos, ao abrigo dos artigo 126º, n.º3 do CPP, por o processo de obtenção dos documentos base probatórios em que assentou a condenação sofrida pelos arguidos na 1ª instância, não seguir o procedimento legal, por ter sido obtida indevidamente mediante intromissão na vida privada da arguida e co-arguido, sem o seu consentimento e por na sua génese constituir a violação de um dever imposto ao MºPº que colocou tal prova nos autos, por via de um PAP em termos legalmente não consentidos.
Concluímos, assim, que estamos perante uma prova proibida, que não pode ser valorada ( tendo-o sido na decisão recorrida), pelo que cumpre averiguar qual a consequência desta decisão no processo.
Nos termos do artigo 32º, n.º 8 da CRP as proibições de prova dão lugar a provas nulas.
Nos termos do artigo 118º, n.º 3, do CPP as disposições do capítulo das nulidades não prejudicam as normas deste código relativas a proibições de prova.
“Nesta matéria o Código consagrou ainda as denominadas proibições de prova como sanção adequada para os casos em que, tendo havido violação dos critérios legalmente estipulados para a produção e aferição dos meios de prova, se entendesse estar fora de causa a aplicabilidade automática do regime das nulidades, com a consequente destruição de todo o processado”, vide Maia Gonçalves, in Código Processo Penal. 17ª Edição, 2009, pág. 325.
A nulidade das provas proibidas obedece a um regime distinto da nulidade insanável e da nulidade sanável. Trata-se de um regime complexo, que distingue dois tipos de proibições de provas, consoante as provas atinjam a integridade física e moral da pessoa humana ou a privacidade da pessoa humana. A nulidade da prova proibida que atinge o direito à integridade física e moral previsto no artigo 126.º, n.ºs 1 e 2 do CPP é insanável.
A nulidade da prova proibida que atinge os direitos de privacidade previstos no artigo 126.º, n.º3 é sanável pelo consentimento do titular do direito. Vidé Gomes Canotilho e Vital Moreira, CRP Anotada, Volume I, pags. 524.
De acordo com P. Pinto de Albuquerque (pags. 326 e 327 do seu Comentário do CPP) o consentimento pode ser dado ex. ante ou ex post facto. Contra Maia Gonçalves, Obra cit. Pag. 326 que entende não poder haver provas nulas, por obtidas mediante métodos proibidos, cuja nulidade seja sanável mediante consentimento ex post facto, que no dizer do autor seria um “consentimento” espúrio, porque consentimento pressupõe anterioridade.
Mas, continua P. Pinto de Albuquerque, se o titular do direito pode consentir na intromissão na esfera jurídica do seu direito, ele também pode renunciar expressamente à arguição da nulidade, com consequências no regime de conhecimento de tais nulidades, que neste caso concreto (nulidade que atinge os direitos à privacidade previstos no artigo 126º, n.º3 do CPP) só pode ser conhecida a requerimento do titular do direito infringido. Concordamos aqui, inteiramente, com P. Pinto de Albuquerque, pois nos parece que a sua tese, afastando, afigura-se-nos, o regime do artigo 120º, do CPP, é toda ela construída sobre o enunciado dos artigos 32º, n.º8 da CRP, 126º e 118º do CPP, tirando deles as devidas ilações lógicas.
(vide acórdãos do TRP 23.11.2011 e AC TRP 1.03.2022, ambos in www.dgsi.pt dos quais se transcreveram excertos)

Assim, inexistindo consentimento do recorrente para obtenção da prova em causa, e tendo sido o mesmo (titular do direito violado) quem arguiu a nulidade de tal prova, e podendo tal nulidade ser conhecida (e arguida) em qualquer fase do processo, temos tal prova por nula, o que se declara.
«As nulidades tornam inválido o acto em que se verificarem, bem como os que dela dependerem e aquelas puderem afectar» - art. 122º, nº 1, do C.P.P.
A sentença fundada em provas nulas é também ela nula, nos termos do artigo 122º, n.º1 do CPP.
O fundamento de recurso da sentença para conhecimento de uma nulidade de prova reside no artigo 410º, n.º3 al. c) do CPP, pelo que a procedência da nulidade teria como consequência a repetição da sentença pelo tribunal recorrido, sem a ponderação da prova proibida.
No entanto tal não é possível, pois expurgando-se a prova proibida o processo fica destituído de conteúdo criminal, tornando assim impossível o reenvio do processo quando não for possível decidir da causa.

Aduz-se ainda que é despicienda a tentativa feita no decurso do inquérito e ao abrigo do artº 79º nº2 al e) (pensa-se) de vir solicitar esses mesmos elementos, branqueando a situação duplicando assim o que já indevidamente tinha sido carreado para os autos ao abrigo do PAP.
E que nunca o DL 83/17 de 18 de Agosto aqui poderia ser trazido à colacção por se tratar da investigações de crime complexos graves como decorre até claramente do seu artº 1º.
Assim, pelo exposto declara-se nula, a prova consubstanciada nos documentos constantes da certidão no início dos autos / conta da arguida na Caixa de Crédito Agrícola de Salvaterra de Magos , declaração e conta da empresa e referidos extratos da empresa H que, por isso, não podem ser utilizadas, e, em consequência sendo nula a sentença proferida que a levou em conta para a condenação de todos os arguidos (pessoas singulares em co-autoria e pessoa colectiva), decide-se por conseguinte absolver todos os arguidos dos crimes pelos quais foram condenados, e do pedido cível ou seja :
1- a arguida S, LDA. pela prática de um crime de frustração de créditos, previsto e punido pelos artigos 7.º, n.º 1, e 88.º, n.º 1 e n.º 2 do Regime Geral das Infrações Tributárias, na pena de 250 (duzentos e cinquenta) dias de multa à taxa diária de € 10,00 (dez euros), o que perfaz o total de € 2.500,00 (dois mil e quinhentos euros).
2. o arguido J pela prática, em coautoria material e na forma consumada, de um crime de frustração de créditos, previsto e punido pelos artigos 6.º, e 88.º, n.º 1 e n.º 2, do Regime Geral das Infrações Tributárias, e artigos 26.º e 28.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 125 (cento e vinte e cinco) dias de multa à taxa diária de € 6,00 (seis euros), o que perfaz o total de € 750,00 (setecentos e cinquenta euros).
3. a arguida A pela prática, em coautoria material e na forma consumada, de um crime de frustração de créditos, previsto e punido pelos artigos 6.º, e 88.º, n.º 1 e n.º 2, do Regime Geral das Infrações Tributárias, e artigos 26.º e 28.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 85 (oitenta e cinco) dias de multa à taxa diária de € 8,00 (oito euros), o que perfaz o total de € 680,00 (seiscentos e oitenta euros).
4. JULGAR IMPROCEDENTE o Pedido de Indemnização Civil deduzido pelo demandante Estado Português – Ministério das Finanças – Autoridade Tributária e Aduaneira (………………..).

Procede, deste modo, a primeira questão colocada pela recorrente.
Torna-se assim despiciendo o conhecimento dos demais temas suscitados no recurso.


III-DISPOSITIVO
Pelo exposto, acordam os Juízes Desembargadores da Subsecção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em julgar procedente o recurso interposto pela recorrente declarando nula a prova consubstanciada nos documentos bancários e em consequência nula a sentença proferida, que a levou em conta para a condenação dos arguidos determinando-se a absolvição dos três arguidos dos crimes pelos quais foram condenados supra identificados, bem como no pedido cível.

Não são devidas custas.
Notifique e D.N.

4 de junho de 2024
(Processado integralmente em computador e revisto pela Juíza desembargadora relatora, artigo 94º nº 2 do Código de Processo Penal e assinado eletronicamente)

Filipa Costa Lourenço (Juíza desembargadora relatora)
Carlos Campos Lobo (Juiz Desembargador 1º adjunto)
Fátima Bernardes (Juíza Desembargadora 2ª adjunta)