Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1025/09.6TBSTR.E1
Relator: ANTÓNIO MANUEL RIBEIRO CARDOSO
Descritores: APEDREJAMENTO EM AUTO-ESTRADA
RESPONSABILIDADE CIVIL DA CONCESSIONÁRIA
ÓNUS DA PROVA
ACIDENTE EM AUTO-ESTRADA
Data do Acordão: 11/03/2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recorrido: COMARCA DE SANTARÉM - 1º JUÍZO CÍVEL
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Sumário:
1 - Na formação da convicção do tribunal, na análise crítica das provas e na consequente decisão da matéria de facto, o tribunal terá que se basear, para além do mais, na experiência comum e, partindo de factos provados, poderá concluir pela verificação de factos desconhecidos (art. 349º do CC).
2 – O art. 12º da Lei 24/2007 de 19/7 tornou praticamente inócua a questão de saber se a responsabilidade da concessionária da auto-estrada é contratual ou extra-contratual (embora sem a dirimir) e solucionou as divergências sobre a repartição do ónus da prova.
3 - Nos termos desta norma e nos casos ali previstos, quer se entenda que a responsabilidade da concessionária é contratual quer se entenda que é aquiliana, o lesado deixou de ter que provar o incumprimento ou o cumprimento defeituoso (responsabilidade contratual) ou a culpa (responsabilidade extra-contratual), passando a recair sobre a concessionária o ónus de provar que cumpriu as regras de segurança.

Sumário do relator
Decisão Texto Integral:
A… intentou a presente acção declarativa de condenação, com processo comum sob a forma sumária contra AUTO ESTRADAS…, S.A., pedindo que fosse condenada a pagar-lhe a quantia de € 14.963,95, acrescida de juros de mora, à taxa legal, até efectivo e integral pagamento.
Como fundamento alegou que, no dia 31 de Março de 2008, quando transitava na Auto-Estrada A 15, no sentido Este-Oeste, ao Km 33,4, foi o veículo que conduzia apedrejado, tendo uma pedra, atirada por alguém e vinda do separador central, embatido no vidro dianteiro, perfurando-o. O apedrejamento só foi possível pelo facto do separador central não estar devidamente vedado, permitindo o acesso a estranhos. Devido ao ocorrido, ficou assustado e em pânico e por pouco não se despistou, sendo certo que teve noites de insónias e pesadelos, temendo pela sua integridade física e pela vida, passando a falar recorrentemente da morte e do receio de não voltar a ver a mulher e os filhos.

A Ré, citada, contestou arguindo a ineptidão da petição inicial, por haver discrepância quanto ao valor peticionado, e pediu a improcedência do pedido invocando desconhecer a situação ocorrida com o Autor, mas que no dia dos factos recebeu uma comunicação de uma situação semelhante, tendo enviado para o local assistência. O apedrejamento poderia ter ocorrido a partir do viaduto e não apenas do separador central, sendo certo que vedou o separador central e retirou as escadas metálicas que davam acesso às câmaras de visita dos aparelhos de apoio. Desconhece os danos sofridos pelo A., para além de que não pode ser responsabilizada pelos danos causados por terceiros, tendo feito tudo ao seu alcance para garantir a segurança da via, não estando em seu poder evitar ocorrências como a relatada pelo A..
Invoca ainda a inconstitucionalidade do artigo 12° da Lei n.º 24/2007, de 18 de Julho, por violação do artigo 13° e 62° da Constituição da República Portuguesa.
Requereu também a intervenção da Companhia de Seguros…, para quem transferira as responsabilidades civis resultantes de danos materiais, corporais e suas consequências directas inerentes à actividade de exploração e manutenção da A 15.

O A. respondeu, corrigindo o lapso relativo ao valor e pugnando pela constitucionalidade do citado artigo 12° da Lei n.º 24/2007, de 18 de Julho.

Face à não oposição do A. foi admitida a intervenção principal da Companhia de Seguros …, requerida pela Ré.
Citada, a chamada contestou, referindo ter alterado a sua denominação social para C…, SA – Sucursal em Portugal, mas confirmou a existência do contrato de seguro com a Ré, e impugnou, afirmando desconhecer a situação concreta do A. e alegando, ser possível à Ré fazer prova de ter cumprido tudo o que lhe era exigível em matéria de segurança na Auto Estrada em questão, louvou-se na contestação apresentada pela Ré, realçando que os factos invocados pelo A. não foram verificados por entidade policial, como exige o artigo 12°, n.º 2 da Lei 24/2007, de 18 de Julho e ainda que a ocorrência pretensamente sofrida pelo A. não preenche a previsão da norma referida já que visa os danos provocados por pedras arremessadas para a via que, por não terem sido retiradas em tempo oportuno pela concessionária, originem tais danos.

Saneado o processo, seleccionados os factos assentes e organizada a base instrutória procedeu-se, após a instrução, a julgamento, vindo a ser proferida sentença na qual se julgou a acção parcialmente procedente e a Ré condenada a pagar ao A. a quantia de 5.000,00 € (cinco mil euros), acrescida de juros de mora, à taxa legal, até integral pagamento.

Inconformada com esta decisão, interpôs a Ré o presente recurso de apelação impetrando a sua absolvição do pedido ou, pelo menos a atribuição de “uma indemnização manifestamente inferior”.

O A. contra-alegou, pugnando pela manutenção do julgado.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

Formulou a apelante, nas alegações de recurso, as seguintes conclusões, as quais, como se sabe, delimitam o seu objecto [1] e, consequentemente, o âmbito do conhecimento deste tribunal:
“A. A resposta ao quesito 4° da base instrutória deve ser revogada e, consequentemente, deve o mesmo ser julgado não provado, uma vez que não foi produzida prova cabal de que o arremesso de pedras teve origem no separador central, na medida em que nenhuma das testemunhas assistiu ao incidente dos autos.
B. Para tanto contribuiu a análise do depoimento da testemunha M… gravado em CD, início a 10:23:14 e fim da inquirição a 10:46:54 e acta de audiência de julgamento do dia 25 de Novembro de 2010, a fls .... dos autos e de depoimento da testemunha Fernando Ferreira gravado em CD, início a 12:03:13 e fim da inquirição a 12:18:18 e acta de audiência de julgamento do dia 25 de Novembro de 2010, a fls .... dos autos, bem com do documento de fls. 18 a 21.
C. A resposta proferida ao quesito 9° da base instrutória deve ser revogada e, consequentemente, deve julgar-se não provada a matéria vertida no mesmo.
D. Em última análise, deverá ser substituída a expressão "durante alguns meses" por "2 ou 3 meses", assim se alterando a resposta ao quesito 4° da base instrutória.
E. Para tanto, contribuíram os depoimentos das testemunhas: (i) P… gravado em CD, início a 10:47:26 e fim da inquirição a 11:08:38 e acta de audiência de julgamento do dia 25 de Novembro de 2010, a fls .... dos autos; (ii) M… gravado em CD, início a 11:09:48 e fim da inquirição a 11 :20:03 e acta de audiência de julgamento do dia 25 de Novembro de 2010, a fls .... dos autos e (iii) A… gravado em CD, início a 11:21:34 e fim da inquirição a 11:50:52 e acta de audiência de julgamento do dia 25 de Novembro de 2010, a fls .... dos autos.
F. A reapreciação que se pede com o presente recurso não viola o princípio da liberdade de julgamento ou livre apreciação
G. Se o Tribunal a quo entende que a Ré/Recorrente, enquanto concessionária da A 15, tem de impedir permanentemente o acesso de terceiros à própria A 15, tal consubstancia uma obrigação impossível e, por isso, nula nos termos do artigo 280.° do Código Civil.
H. O Tribunal a quo utilizou uma expressão pouco pedagógica nestes casos que é a de que "A responsabilidade da Ré decorrerá de não ter feito o possível para impedir que essa pessoa pudesse aceder ao local onde praticou os factos.” (sublinhado nosso), sem ter concretizado, em momento algum, o que entende que seria "possível" fazer-se para evitar tal acesso. A Ré/Recorrente fica sem saber que medidas concretas é que deveriam ter sido adoptadas, a fim de evitar a entrada de terceiros na A 15 e, consequentemente, a ocorrência da situação descrita nos autos.
I. Esse facto assume-se gravoso, na medida em que não se apurou sequer a forma como os terceiros/criminosos acederam aparentemente ao separador central. Ou seja, o Tribunal a quo não sabe como é que os tais criminosos entraram na A15, mas não tem dúvidas que a sua entrada configura um acto ilícito praticado pela Ré/Recorrente.
J. As escadas referidas nos presentes autos não tinham a função que foi conferida pelo Tribunal a quo. A testemunha Jorge Relvas explicou cristalinamente que o acesso ao separador central se faz através da própria via da auto-estrada e que as escadas em questão serviam para se descer do separador central para as máquinas de apoio. Logo, certo é que não fazia qualquer sentido colocar uma vedação no separador central, sob pena de se impedir o acesso aos ditos aparelhos de apoio aos funcionários da Ré responsáveis pela manutenção dos mesmos.
K. O acesso ao separador central pelo aterro, conforme alegado pelo Autor/Recorrido e sufragado pelo Tribunal a quo, é bastante complicado, o que tomava imprevisível que terceiros pudessem aceder ao separador central.
L. Existem até locais apropriados para que as pessoas, designadamente, funcionários da Ré/Recorrente encarregados da conservação possam aceder à auto-estrada e que eventualmente até podiam ser utilizados por pessoas mal-­intencionadas.
M. Quem quiser entrar na A 15 (como em qualquer outra auto-estrada do país) poderá sempre fazê-lo, embora o trajecto considerado pelo Autor e o Tribunal a quo seja inequivocamente o mais complicado de todos. Neste sentido, eventuais terceiros podem trepar/cortar a vedação, entrar pelos nós de acesso, ou pelas áreas de serviço, etc.
N. Uma auto-estrada não é (nem pode ser) estanque e, nessa medida, é impossível impedir o acesso a um terceiro, caso este decida cometer um acto tal como o perpetrado nos presentes autos, sem que daí deva emergir qualquer tipo de responsabilidade civil da concessionária em causa.
O. A função primacial da vedação é a de delimitar a área concessionada.
P. Uma vedação jamais impedirá o acesso a pé a uma auto-estrada por parte de um Homem, caso seja este o seu desejo.
Q. Estamos perante um acto criminoso conforme acima se referiu, pelo que é irrelevante saber se as pedras foram lançadas da auto-estrada ou de qualquer outro local. As pedras podiam ter sido lançadas directamente de um outro veículo que viesse a circular no sentido oposto ou mesmo de um local exterior à própria concessão.
R. Requer-se algum bom senso, aquando da análise destes autos, pois sempre que alguém decida arremessar pedras para a auto-estrada poderá sempre fazê-lo com sucesso e não há nada que se possa fazer quanto a isto. Essa é uma verdade incontornável! Defender-se o contrário significa enveredar-se por postura manifestamente irrealista e desfasada das regras da experiência.
S. Não há sistema tecnológico algum que seja utilizado neste mercado que permita a uma concessionária tomar estanque a auto-estrada concessionada, pois qualquer indivíduo consegue lançar uma pedra a pelo menos 12 metros de altura, o que seria mais do que suficiente para se contornar as vedações existentes.
T. Sendo impossível evitar-se essas situações, as quais são manifestamente imprevisíveis, não se pode defender que a Ré/Recorrente praticou algum facto ilícito, designadamente o de não ter impedido que um terceiro entrasse na auto­-estrada para arremessar pedras aos veículos que aí passavam.
U. O arremesso de pedras consubstancia sempre um facto imprevisível de terceiro e, nessa medida, a concessionária em questão não pôde evitar a ilicitude em causa. No caso sub judice, a sua exterioridade é manifesta e foi confirmada em juízo.
V. A Ré/Recorrente observou as obrigações que lhe impõem as Bases da Concessão. Com efeito, apenas tomou conhecimento do incidente pouco tempo depois de o mesmo ter ocorrido. No dia em análise, a Ré/Recorrente efectuou vários patrulhamentos no local do crime, não tendo detectado qualquer pedra na via ou pessoas no viaduto.
W. Para o incidente contribuiu um factor manifestamente exógeno, imprevisível e, nessa medida, incontrolável, que consubstancia uma causa de força maior, e que determina necessariamente a absolvição da Ré/Recorrente dos pedidos formulados pelo Autor/Recorrido.
X. Na sequência da reapreciação do quesito 9° da base instrutória, deve concluir-se pela inexistência de danos morais.
Y. Se o Autor/Recorrido realmente tivesse saído traumatizado do incidente em que se viu envolvido, jamais voltaria ao local insistentemente e de forma voluntária como foi o caso. Este exercício de aparente masoquismo só nos permite concluir que o Autor/Recorrido não sofreu quaisquer danos morais dignos de indemnização.
Z. Os alegados danos sofridos pelo Autor/Recorrido não revestem a gravidade legalmente exigida.
AA. Independentemente da revogação da resposta à matéria de facto que requer, bem como do juízo de responsabilidade formulado pelo Tribunal a quo, os danos invocados pelo Autor/Recorrido não devem ser objecto de uma indemnização.
BB. É o entendimento da nossa jurisprudência superior desconsiderar alegados danos morais, quando do acidente de viação não resultaram quaisquer danos físicos, que se assemelha aos presentes autos.
CC. O caso dos autos não deve ser passível de indemnização, ou sem prejuízo do alegado e igualmente sem conceder, deve, pelo menos, ser atribuída uma indemnização manifestamente inferior.”

ÂMBITO DO RECURSO – DELIMITAÇÃO
Face às conclusões formuladas, as questões submetidas à nossa apreciação consistem em saber:
1- Se deve ser alterada a decisão da matéria de facto relativamente às respostas dadas aos quesitos 4º e 9º;
2- Se a R/recorrente é responsável pela reparação do acidente;
3- Se a Ré deve ser absolvida pelo facto de inexistirem danos passíveis de reparação;
4- Se, devendo ser condenada, o montante indemnizatório deve ser manifestamente inferior ao fixado na sentença recorrida.

Analisemos, de per si, as questões propostas e que constituem o objecto do recurso, não sem que antes se esclareça que este tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos produzidos nas alegações e conclusões do recurso, mas apenas as questões suscitadas [2] bem como, nos termos dos arts. 660º, n.º 2 e 713º n.º 2 do Código de Processo Civil, não tem que se pronunciar sobre as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.
Antes da consignação da factualidade provada, importa que nos debrucemos sobre a primeira das questões indicadas uma vez que aquela depende desta análise.

1- Se deve ser alterada a decisão da matéria de facto relativamente às respostas dadas aos quesitos 4º e 9º.
Sobre a questão das limitações aos poderes da Relação na reapreciação da matéria de facto, temos vindo a tecer, nos diversos recursos, algumas considerações que, por se nos afigurarem pertinentes, de novo aqui reproduzimos.
“Convém que se refira que, se é certo que concordamos com o duplo grau de jurisdição quanto à apreciação da matéria de facto, já temos dúvidas quanto à forma como deve ser assegurado e somos cépticos quanto à opção legislativa que foi feita.
De facto, de forma alguma esse desiderato é alcançado através da gravação áudio, mas muito menos o seria através da redução a escrito dos depoimentos das testemunhas. Uma das grandes vantagens da oralidade e da imediação da prova é o contacto directo que o juiz tem com os intervenientes, nomeadamente partes e testemunhas, permitindo-lhe aquilatar, com maior facilidade da sua credibilidade não só pelo que dizem como pelo que não dizem, mas também e sobretudo, pela forma como o dizem, as expressões faciais, a desenvoltura demonstrada, o grau de certeza que se pretende demonstrar, a forma como os depoimentos são feitos, a espontaneidade das respostas ou a forma sugestiva como o interrogatório é conduzido… o olhar (de socorro) que, perante determinada pergunta, se lança ao advogado que patrocina a parte que indicou a testemunha, à própria parte, etc., etc.. Ora, não é de forma alguma, através da leitura dos depoimentos, nem mesmo através da simples audição das gravações áudio que o tribunal de recurso consegue ir buscar algo daqueles dois princípios por forma a fazer uma análise correcta e segura dos depoimentos prestados. A aridez daqueles suportes e meios de reapreciação da prova, de forma alguma se compagina com a riqueza da personalidade humana e com a panóplia de meios que qualquer pessoa utiliza para comunicar e transmitir ao interlocutor as suas percepções, ideias, sentimentos, etc. e que também integram qualquer depoimento. É certo que poderia este tribunal renovar pelo menos, alguns dos meios de prova produzidos na 1ª instância, nos termos do art. 712º, n.º 3 do Código de Processo Civil. Todavia, não só esta faculdade, de acordo com aquele preceito, apenas é permitida quando tal se mostre “absolutamente” indispensável à descoberta da verdade, como também nunca o depoimento seria prestado da mesma forma.”[3]
Assim, como é evidente, e nunca será demais repeti-lo, “a reapreciação da prova por este tribunal, está,... inevitavelmente se não prejudicada, pelo menos algo comprometida, já que é feita, em regra, com base na gravação áudio acompanhada ou não da transcrição parcial dos depoimentos e, como tal, carecendo da fundamental imediação, quantas vezes mais esclarecedora do que o mais seguro e peremptório dos depoimentos. Efectivamente, a forma como a testemunha depõe, a sua expressão facial e gestual, o local e a forma como está sentado, a “certeza” do seu conhecimento que muitas vezes pretende transmitir e relativo a factos de que foi mero espectador, ocorridos por vezes há bastante tempo, etc., são factores imprescindíveis ao correcto aquilatar da verdade do depoimento e sua consequente credibilidade ou não”[4].
Igualmente a forma capciosa ou sugestiva, como foi formulada a pergunta, condiciona a resposta sem que isso signifique que não corresponde à verdade, facto que o juiz da 1ª instância pode apreender (e até atalhar), mas já não os juízes do tribunal de recurso que apenas dispõem da pergunta sugestiva e da resposta sugerida e não da “forma” como foi respondida, do “facies” da testemunha ou daquele gesto ou atitude que, ainda assim, contribuiu para a credibilização da resposta mas que seria descredibilizada em face exclusivamente da gravação [5].
“A documentação da prova produzida em audiência e a possibilidade de reapreciação pelo Tribunal Superior da decisão proferida na 1ª instância sobre a matéria de facto, de modo nenhum podem colidir com o princípio consagrado no n.º 1 do art. 655º do Código de Processo Civil, segundo o qual o tribunal aprecia livremente as provas, decidindo os juízes segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto, princípio que só sofre o limite previsto no n.º 2 do mesmo preceito, ou seja, nos casos em que se exija qualquer formalidade especial para a existência ou prova de determinado facto jurídico.
E bem se compreende que assim seja, posto que o depoimento não pode ser valorado exclusivamente com base no que, passe a expressão, sai da boca do depoente, mas também e sobretudo, com base nas circunstâncias, gestos, esgares, espontaneidade ou hesitações que o rodeiam, o que não é obviamente apreensível por quem, depois, se limita a ouvir a respectiva gravação. Ou seja, há elementos, designadamente psicológicos do depoimento que só podem ser captados por quem o ouviu directamente, maxime o juiz que, em primeira linha, deve proferir decisão sobre a matéria de facto.
De sorte que, salvo melhor opinião, ao alcance do Tribunal Superior pouco mais restará do que verificar se foram dados como provados factos a que nenhum depoente se referiu, ou se se consideraram não provados outros com o fundamento de que sobre os mesmos não foi produzida qualquer prova, quando se verifique, pela audição, que tal não corresponde à realidade”[6].
De facto, por melhor e mais fidedigno que seja o sistema de gravação da prova (o actualmente adoptado ou outro que se pretenda implementar) “... sempre haver[á] gestos, sentimentos, respirações até, sem qualquer possibilidade de tradução áudio ou mesmo vídeo. Por mais que se ouçam as cassetes [ou os Cds] – e muito nelas se perde porque muito do que se ouve é necessariamente perdível ou dispensável – há um momento em que é preciso assumir um juízo de convicção. Esse juízo é..., não a assunção pelo tribunal de 2ª instância de uma convicção probatória – a garantia do duplo grau de jurisdição não subverte, não pode subverter, o princípio da livre apreciação da prova inscrito no art. 665º, nº 1 do CPCivil – mas tão só a procura de saber se a convicção expressa pelo tribunal, a quo tem um suporte razoável naquilo que a gravação da prova (com os mais elementos dos autos, naturalmente) pode exibir perante si. Mesmo, se bem pensamos, não pode o tribunal de 2ª instância substituir uma razoabilidade por outra razoabilidade, não pode substituir a razoabilidade da convicção afirmada em 1ª instância por uma outra razoabilidade, qual seja a afirmada por si próprio. O que ao tribunal de recurso está reservado é apenas substituir uma desrazoabilidade por uma razoabilidade. Como se escreve no preâmbulo do Dec.Lei n.º 39/95, de 15 de Fevereiro, que veio ao processo civil português «prever e regulamentar a possibilidade de documentação ou registo das audiências finais e da prova nelas produzida», o que se tem em vista é assegurar «uma maior e mais real possibilidade de reacção contra eventuais – e seguramente excepcionas – erros do julgador na livre apreciação das provas e na fixação da matéria de facto relevante para a solução jurídica do pleito», nunca podendo envolver «a garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto... pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida em audiência – visando apenas a detecção e correcção de pontuais, concretos e seguramente excepcionais erros de julgamento, incidindo sobre pontos determinados da matéria de facto, que o recorrente sempre terá o ónus de apontar claramente e fundamentar na sua minuta de recurso».
Veja-se o que diz Figueiredo Dias, em entrevista ao Boletim da Conselho Distrital do Porto da Ordem dos Advogados, nº 21, Junho de 2002: «Não são infalíveis os juízes de primeira instância, nem os de segunda, nem os da jurisprudência suprema... erros judiciários sempre existiram e sempre existirão, nada pode garantir à partida a infalibilidade da justiça, nomeadamente em matéria de facto.
...Na apreciação da matéria de facto o tribunal de primeira instância está em melhores condições de não cometer erros do que qualquer tribunal de recurso, com gravação ou sem ela, com filmagem ou sem ela».[7].
Pense-se, como exemplo, na dificuldade, se não mesmo impossibilidade de apreensão do testemunho e sua reapreciação, sentida por este tribunal quando uma testemunha é confrontada no seu depoimento com documentos, mapas, fotografias, etc. juntos aos autos e na resposta refere “é aqui… até aqui… veio daqui… foi neste sítio que se deu o embate…, o marco estava aqui…”, etc. e sem que, ao menos, fique registado em acta ou na gravação qual o documento em causa. Ou se pergunte à testemunha, falando, por exemplo de distâncias, “está a ver aquela parede? a distância que refere é maior, igual ou menor que dalém aqui?!!!...
Em suma, o que se visa com a reapreciação da prova é a correcção de eventuais erros, que sempre terão que ser expressamente indicados pelo recorrente, e não a formação de uma nova convicção, como se de um novo julgamento se tratasse e não tivesse havido um julgamento em 1ª instância.
Seja como for, apesar das referidas condicionantes, face ao imperativo legal, não pode este tribunal eximir-se à requerida, mas sempre condicionada e limitada, reapreciação da prova.

(…)

Em suma, a resposta do tribunal é consentânea com os depoimentos prestados enfocados na perspectiva do homem médio e que, por isso, a mantemos.

FUNDAMENTAÇÃO
OS FACTOS
Vêm provados os seguintes factos:
“1 - O separador central, cujo acesso e respectivas escadas que se encontram fixadas na parede do viaduto se não encontram devidamente vedadas, permitindo, assim, que o autor do apedrejamento pudesse aceder e alcandorar-se àquele separador através das escadas por forma a arremessar tal pedra.
2 - O referido separador central e referidas escadas são acessíveis a qualquer pessoa, pois não têm qualquer cerca, vedação ou qualquer restrição de acesso.
3 - A altura do dito separador permite o acesso e a subida de pessoas, designadamente, através as escadas aí existentes e fixadas na parede do viaduto.
4 - E através desse separador central qualquer pessoa tem acesso à A 15, concretamente, ao respectivo Km 33,400 e, designadamente através das escadas ali existentes.
5 - A Companhia de seguros… procedeu à alteração da sua denominação social para C…, SA – Sucursal em Portugal.
6 - À data do acidente dos autos, a Ré havia transferido, até ao limite de 50 milhões de euros para a interveniente, a sua responsabilidade civil pelos eventuais danos causados a terceiros em virtude da sua actividade, nos termos do contrato de seguro titulado pela apólice nº...
7 - No dia 31-03-2008, pelas 22 horas, o autor conduzia o seu veículo ligeiro de passageiros, de matrícula …VU.
8 - O veículo de matrícula …VU seguia no itinerário principal da A 15 circulando no sentido Este-Oeste.
9 - Ao chegar ao Km 33,400 da A 15, o VU foi apedrejado através um objecto que embateu no vidro frontal perfurando-o e de seguida caiu no banco à retaguarda, sendo que posteriormente, se verificou que tal objecto se tratava de uma pedra de forma oval, com as dimensões de 12 cms de altura por 10 de largura.
10 - O que ocorreu através do separador central situado ao referido km 33,400 da A 15.
11 - Entre os separadores centrais havia vestígios de pegadas e na via vestígios de pedaços de pedra.
12 - O Autor perdeu o controlo do veículo andando aos ziguezagues o que lhe provocou pânico.
13 - O Autor deslocou-se ao Hospital Distrital de Santarém com queixas de ter um "corpo estranho" nos olhos.
14 - O autor teve noites de insónias e pesadelos decorrentes associados ao evento, bem como falta de apetite e ausência de boa disposição.
15 - Durante algum tempo apresentou sintomas de ansiedade quando circulava de automóvel, designadamente quando passava no local dos factos.
16 - O Autor referiu, por algumas vezes, o facto morte e o receio de não mais ver os filhos e a mulher.
17 - No dia do acidente a que alude o artigo 1 da BI, o centro de controlo de tráfego da ré recebeu uma chamada de um cliente, via telefone de emergência, a informar que a sua viatura fora apedrejada junto ao km 33,000 da A 15 no sentido Oeste/Este.
18 - O cliente solicitou a presença da viatura de assistência da ré e da brigada de trânsito da GNR no local.
19 - O mesmo cliente informou ainda a ré de que vira uns vultos no local.
20 - A viatura de assistência da A 15 foi de imediato enviada para o local, conduzida pelo oficial de circulação B...
21 - Às 23,14 horas, o referido oficial de circulação informou a ré de que se encontrava ao km 33,500 da A 15 no sentido Oeste / Este e mais informou que existiam pedras na via e que os portões na passagem inferior do viaduto existente no local estavam abertos.
22 - O mesmo oficial informou, também, da existência na área de serviço de Rio Maior, de um outro cliente que alegava ter sido apedrejado no mesmo local.
23 - O oficial de circulação da ré identificou a viatura que se encontrava ao km 33,500 como sendo um Twingo, com a matrícula …0S.
24 - A viatura que se encontrava no sentido Este/Oeste e a viatura que parara na área de serviço abandonaram o local sem que o oficial de circulação pudesse colher os respectivos dados de identificação.
25 - A ré vedou o separador central e todos os viadutos de duplo tabuleiro e retirou as escadas metálicas instaladas nos viadutos para a cesso às câmaras de vista dos aparelhos de apoio.
26 - No dia 31 de Março de 2008, os veículos da Ré passaram no local do acidente, no sentido Oeste/Este, cerca das 15h50m, 18h23m e 21h35m.
27 - E no sentido Este/Oeste, cerca das 16h40m, 18h45m e 21h55m.
28 - Nas sucessivas passagens referidas em 26 e 27, efectuadas antes da hora do alegado incidente, não foi detectado qualquer objecto estranho na via, nem a presença de pessoas no viaduto.
29 - Se tivessem sido detectados, os oficiais de circulação tê-lo-iam registado nos documentos respectivos.”

Debrucemo-nos então sobre as demais questões propostas.

2- Se a R/recorrente é responsável pela reparação do acidente.
De acordo com os factos provados no dia 31-03-2008, pelas 22 horas, o autor conduzia o seu veículo ligeiro de passageiros, de matrícula …VU, no itinerário principal da A 15 circulando no sentido Este-Oeste. Ao chegar ao Km 33,400 da A 15, o VU foi apedrejado através um objecto que embateu no vidro frontal perfurando-o e de seguida caiu no banco à retaguarda, sendo que posteriormente, se verificou que tal objecto se tratava de uma pedra de forma oval, com as dimensões de 12 cms de altura por 10 de largura, o que ocorreu através do separador central situado ao referido km 33,400 da A 15.
Embora não conste do elenco dos factos julgados provados na 1ª instância, resulta ainda dos autos e, designadamente, do acordo das partes, que a via em causa é uma auto-estrada e que a ora recorrente é a sua concessionária.
Estabelece o art. 12º al. a) da Lei 24/2007 de 19/7 (na parte que aqui releva) que, “nas auto -estradas, com ou sem obras em curso, e em caso de acidente rodoviário, com consequências danosas para pessoas ou bens, o ónus da prova do cumprimento das obrigações de segurança cabe à concessionária, desde que a respectiva causa diga respeito a objectos arremessados para a via…”.
Esta norma, como a lei em que se integra, entrou em vigor no dia 19 de Julho de 2007, tendo o acidente dos autos ocorrido em data posterior, sendo, por conseguinte inquestionável a sua aplicabilidade.
Esta norma pôs cobro à querela jurisprudencial que se vinha arrastando em que se discutia se a responsabilidade das concessionárias das auto-estradas pela reparação dos acidentes nestas ocorridos sem culpa dos utentes, é de natureza contratual [10] ou, ao invés, de natureza extra-contratual ou aquiliniana, divergindo as soluções jurisprudenciais num e noutro sentido.
Inerente a esta controvérsia e constituindo a sua razão de ser, está a questão de saber sobre quem recai o ónus da prova dos requisitos da responsabilidade civil, solução que varia consoante se adopte uma ou outra daquelas naturezas.
Na verdade, sendo contratual, o facto constitutivo do direito à indemnização é o não cumprimento ou o cumprimento defeituoso da obrigação, cabendo ao credor (autor) o ónus de provar a celebração do contrato e o seu incumprimento ou cumprimento defeituoso (para além, obviamente, do dano e do nexo de causalidade), e ao devedor (réu) provar que o dano não procedeu de culpa sua (art. 799º/1 do CC). Sendo contratual a responsabilidade da concessionária, teria o lesado que provar, já que não se trata de obrigação de resultado mas de prestação de meios, que esta agiu com falta de empenho, de diligência ou de cuidado no cumprimento das obrigações assumidas no contrato de concessão. Ou seja, o lesado teria que demonstrar positivamente que a concessionária não cumpriu ou cumpriu defeituosamente as suas obrigações enquanto concessionária, rectius, que o apedrejamento ou a presença de canídeos na faixa de rodagem (como sucedia na maioria dos acidentes) foi devida àquele incumprimento ou cumprimento defeituoso. Feita esta prova, caberia à concessionária provar que o incumprimento ou cumprimento defeituoso não proveio de culpa sua.
Sendo extra-contratual, sobre o credor (lesado) recairá o ónus de provar a culpa e a conduta ilícita do devedor (concessionária), para além do dano e do nexo de causalidade [11], a não ser que a lei estabeleça a presunção de culpa, com a consequente inversão do ónus da prova, como era entendimento de alguma jurisprudência que defendia ser aplicável o estatuído no art. 493º/1 do CC [12].
E, como se disse, as soluções jurisprudenciais dividiram-se num e noutro sentido.
Aquele art. 12º veio tornar, a nosso ver, praticamente inócua a questão de saber se a responsabilidade da concessionária é contratual ou extra-contratual (embora sem a dirimir) e solucionar as divergências sobre a repartição do ónus da prova. Nos termos desta norma, quer se entenda que a responsabilidade da concessionária é contratual quer se entenda que é aquiliana, o ónus da prova passou a recair sobre esta. Ou seja, o lesado deixou de ter que provar o incumprimento ou o cumprimento defeituoso (responsabilidade contratual) ou a culpa (responsabilidade extra-contratual), passando a recair sobre a concessionária o ónus de provar que cumpriu as regras de segurança, nomeadamente, quando o acidente ocorrido na auto-estrada tenha sido devido a apedrejamento. O legislador consagrou, assim, a inversão do ónus da prova da culpa da concessionária, ou seja, nos acidentes “em auto-estradas concessionadas, cuja causa seja alguma das previstas na norma em questão, é sobre a concessionária que recai o ónus da prova de ter cumprido as obrigações de segurança a que se acha vinculada, e não ao lesado que incumbe provar que aquela as não cumpriu” [13].
Assim, provados os danos e o nexo de causalidade entre estes e o apedrejamento, competia à concessionária, no caso a recorrente, provar que cumpriu todas as obrigações de segurança e, assim, afastar a culpa presumida no incumprimento ou cumprimento defeituoso dessas obrigações de segurança que sobre si impendiam, nomeadamente a de impedir, de forma absoluta e sem falhas, a introdução sub-reptícia de quaisquer energúmenos com o indescritível e doentio propósito de procederem ao apedrejamento de quem circule nas vias concessionadas provocando acidentes cujas imprevisíveis consequências podem ser extremamente funestas.
Está assente que os danos (não patrimoniais) foram devidos ao apedrejamento.
É certo que está provado que no dia 31 de Março de 2008, os veículos da Ré passaram no local do acidente, no sentido Oeste/Este, cerca das 15h50m, 18h23m e 21h35m e no sentido Este/Oeste, cerca das 16h40m, 18h45m e 21h55m e que nessas sucessivas passagens não foi detectado qualquer objecto estranho na via, nem a presença de pessoas no viaduto e se tivessem sido detectados, os oficiais de circulação tê-lo-iam registado nos documentos respectivos.
E será que com esta factualidade, a recorrente logrou afastar aquela culpa presumida e provar que cumpriu, cabalmente, as obrigações de segurança que sobre si impendiam enquanto concessionária?
Entendemos que não.
Está efectivamente provado que o separador central, cujo acesso e respectivas escadas que se encontram fixadas na parede do viaduto, se não encontra[vam] devidamente vedadas, permitindo, assim, que o autor do apedrejamento pudesse aceder e alcandorar-se àquele separador através das escadas por forma a arremessar tal pedra.
O referido separador central e referidas escadas são acessíveis a qualquer pessoa, pois não têm qualquer cerca, vedação ou qualquer restrição de acesso.
A altura do dito separador permite o acesso e a subida de pessoas, designadamente, através das escadas aí existentes e fixadas na parede do viaduto.
E através desse separador central qualquer pessoa tem acesso à A 15, concretamente, ao respectivo Km 33,400 e, designadamente através das escadas ali existentes.
Vê-se daqui que o viaduto foi construído e mantido em condições que permitiam, como permitiram, que pessoas mal intencionadas se introduzissem dentro do separador central e, a partir daí, procedessem ao apedrejamento de veículos, como efectivamente sucedeu no dia 31.03.2008 com o veículo conduzido pelo A. e com, pelo menos, o veículo …DS.
E que a recorrente concluiu que efectivamente, aquelas escadas sem qualquer cerca, vedação ou restrição de acesso e permitindo a altura do separador a subida de qualquer pessoa e o acesso à A 15, concretamente, ao Km 33,400, não garantiam a segurança dos utentes da via, demonstra-o o facto da mesma, posteriormente, ter vedado o separador central e todos os viadutos de duplo tabuleiro e ter retirado as escadas metálicas instaladas nos viadutos para a cesso às câmaras de vista dos aparelhos de apoio.
Mas ainda que assim não se entendesse e se considerasse que o apedrejador não acedeu ao separador central por aquelas escadas, nem se tivesse apurado a forma como o acesso ocorreu ou mesmo, donde proveio a pedra e, assim, o modo como ocorreu o apedrejamento, mas apenas que ocorreu, o certo é que, com a inversão do ónus da prova consagrada no preceito referido, não basta à concessionária provar “que foi diligente ou que não foi negligente: terá de estabelecer positivamente qual o evento concreto, alheio ao mundo da sua imputabilidade moral, que não lhe deixou realizar o cumprimento… A causa ignorada não exonera o devedor, nem a genérica demonstração de ter agido diligentemente” [14].
A concessionária só afastaria essa presunção de incumprimento, se demonstrasse que as escadas [15] e a configuração do viaduto e do separador, eram imprescindíveis e, sendo-o, que não poderiam ser colocadas ou configuradas de outra forma ou complementadas com qualquer sistema que assegurasse que apenas os seus funcionários ou pessoas autorizadas, conseguiriam aceder a elas e ao viaduto e respectivo separador central ou por ali circular.
Como claramente se vê pela factualidade provada, o apedrejamento ocorreu, para além da mente criminosa e, seguramente, doentia do seu autor, pelo facto do separador central, cujo acesso e respectivas escadas que se encontra[vam] fixadas na parede do viaduto se não encontra]rem] devidamente vedadas, permitindo, assim, que o autor do apedrejamento pudesse aceder e alcandorar-se àquele separador através das escadas por forma a arremessar [a] pedra. O referido separador central e referidas escadas [eram] acessíveis a qualquer pessoa, pois não t[inham] qualquer cerca, vedação ou qualquer restrição de acesso. A altura do dito separador permit[ia] o acesso e a subida de pessoas, designadamente, através as escadas aí existentes e fixadas na parede do viaduto e através desse separador central qualquer pessoa t[inha] acesso à A 15, concretamente, ao respectivo Km 33,400 e, designadamente através das escadas ali existentes.
Face a esta factualidade, é evidente que a recorrente não afastou a presunção de culpa do cumprimento defeituoso das obrigações de segurança que sobre si impendiam, estando, por consequência, obrigada a reparar o acidente, como doutamente decidido.
Daí que a resposta à questão proposta tenha que ser positiva.

3- Se a Ré deve ser absolvida pelo facto de inexistirem danos passíveis de reparação.
O A. peticionou a indemnização exclusivamente pelos danos não patrimoniais.
Nos termos dos arts. 562º, 563º e 564º do CC, quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação, tendo em conta que, essa obrigação só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão.
Estabelece o art. 496º do CC que na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito, sendo o montante da indemnização fixado equitativamente pelo tribunal.
Relembremos a factualidade provada na parte agora relevante:
O Autor [em consequência do apedrejamento] perdeu o controlo do veículo andando aos ziguezagues o que lhe provocou pânico. Deslocou-se ao Hospital Distrital de Santarém com queixas de ter um "corpo estranho" nos olhos. Teve noites de insónias e pesadelos decorrentes associados ao evento, bem como falta de apetite e ausência de boa disposição. Durante algum tempo apresentou sintomas de ansiedade quando circulava de automóvel, designadamente quando passava no local dos factos [e] referiu, por algumas vezes, o facto morte e o receio de não mais ver os filhos e a mulher.
Ora, perante estes factos é inquestionável que o A. sofreu danos não patrimoniais com a gravidade suficiente para merecerem a tutela do direito e serem indemnizados pela recorrente.

4- Se, devendo ser condenada, o montante indemnizatório deve ser manifestamente inferior ao fixado na sentença recorrida.
Aqui tem que ser reconhecida razão à recorrente.
Na verdade o A. não sofreu quaisquer danos patrimoniais nem ferimentos, não foi atingido pela pedra, mas apenas “apanhou um grande susto” que lhe provocou pânico.
É certo que se provou ter tido, em consequência, noites de insónias, pesadelos, falta de apetite e ausência de boa disposição e que durante algum tempo apresentou sintomas de ansiedade quando circulava de automóvel designadamente quando passava pelo local.
Todavia, como acutilantemente refere a recorrente, estes sintomas não foram impeditivos não só de continuar a exercer a condução como de continuar a passar pelo local apesar de, seguramente, ter percursos alternativos, o que reduz significativamente a gravidade dos danos.
Quem circula pela estrada está constantemente sujeito a ver-se confrontado com situações semelhantes e que, como a sofrida pelo A., podem causar pânico.
Quantas vezes o vidro da frente se estilhaça mercê da simples e brusca mudança de temperatura, provocando, seguramente, um enorme susto. Quantos condutores não tiveram que recorrer a manobras de recurso e “ficaram sem pingo de sangue”, passe o aforismo, ao darem de frente com um veículo a ocupar a sua faixa de rodagem na execução de uma arriscada manobra de ultrapassagem ou entrando na via sem as cautelas necessárias ou mesmo um animal parado ou atravessando a via, obrigando a grande e arriscada travagem de emergência (e muitos exemplos poderíamos continuar a referir), sem que daí tenha resultado a panóplia de sequelas psicológicas sofridas pelo A.
Na avaliação indemnizatória dos danos, importa ponderar que, em circunstâncias normais e no comum das pessoas, um susto (grande, sem dúvida) como o sofrido pelo A., não deixa sequelas que perdurem no tempo, causando, como no A., noites de insónias, falta de apetite e ausência de boa disposição.
Não podemos, por outro lado, deixar de considerar que a recorrente responde por mera culpa e, ainda assim, presumida.
Tudo ponderado, entendemos que a indemnização em causa deve ser fixada no montante de 1.250,00 € (mil duzentos e cinquenta euros).

DECISÃO
Termos em que se acorda, em conferência, nesta Relação:
1. Em manter inalterada a decisão sobre a matéria de facto;
2. Em conceder provimento parcial ao recurso;
3. Em fixar a indemnização a pagar pela recorrente ao A. no montante de 1.250,00 € (mil duzentos e cinquenta euros) acrescida dos juros de mora legais até integral pagamento;
4. Em condenar a recorrente e o recorrido, nas custas na proporção do respectivo decaimento.

Évora, 3.11.2011
(António Manuel Ribeiro Cardoso)
(Acácio Luís Jesus Neves)
(José Manuel Bernardo Domingos)
__________________________________________________
[1] Cfr. arts. 684º, n.º 3 e 690º, n.º 1 do Código de Processo Civil, os Acs. STJ de 5/4/89, in BMJ 386/446, de 23/3/90, in AJ, 7º/90, pág. 20, de 12/12/95, in CJ, 1995, III/156, de 18/6/96, CJ, 1996, II/143, de 31/1/91, in BMJ 403º/382, o ac RE de 7/3/85, in BMJ, 347º/477, Rodrigues Bastos, in “NOTAS AO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL”, vol. III, pág. 247 e Aníbal de Castro, in “IMPUGNAÇÃO DAS DECISÕES JUDICIAIS”, 2ª ed., pág. 111.
[2] Ac. STJ de 5/4/89, in BMJ, 386º/446 e Rodrigues Bastos, in NOTAS AO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL, Vol. III, pág. 247, ex vi dos arts. 713º, n.º 2 e 660º, n. 2 do CPC.
[3] Apelação 1632/02-2, processo 407/98 do 2º juízo cível da comarca de Setúbal relatado pelo aqui também relator.,
[4] Apelação 1929/02-2, processo 88/01 do 2º juízo cível da comarca de Setúbal, relatado pelo aqui também relator.
[5] Chame-se aqui à colação a série televisiva “LIE TO ME” que vem sendo transmitida pelo canal “FOX”, a qual, descontado o normal exagero cinematográfico, não deixa de ser elucidativa e esclarecedora da relevância do comportamento gestual e expressões faciais do declarante na análise dos depoimentos e sua credibilidade.
[6] Ac. RE de 20/2/03, apelação 1535/02, processo 83/87 do 1º juízo da comarca de Lagos, relatado pelo Ex.mº Des. João Marques e votado favoravelmente pelo aqui relator.
[7] Extracto do artigo do Ex.mº Sr. Des. João Pires da Rosa, intitulado “DOS VISTOS AOS OUVISTOS OU DA FÉ E DA JUSTIÇA”, in jornal COMUNICAR JUSTIÇA, n.º 1, ano II de Janeiro de 2003.
[8] Presunções judiciais simples ou de experiência: a) são meios de prova que assentam no simples raciocínio de quem julga. b) Inspiram-se nas máximas de experiência, nos juízos correntes de probabilidade, nos princípios da lógica ou nos próprios dados da intuição – Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, em anotação ao art. 349º.
[9] Atenta da data da petição.
[10] No sentido de que se trata de responsabilidade contratual (contrato inominado) cfr. o ac. STJ de 22.6.2004, documento nº SJ200406220012996, in www.dgsi.pt.
[11] Cfr. neste sentido, entre outros, o ac. STJ de 3.03.05, in proc. 3835/2004 e o ac. STJ de 14.10.2004, documento nº SJ200410140028857, in www.dgsi.pt.
[12] Cfr., entre outros, o ac. STJ de 1.10.2009, proc. nº 1082/04.1TBVFX.S1, in www.dgsi.pt. Em sentido da inaplicabilidade desta norma mas, em todo o caso, de que se trata de responsabilidade extra-contratual, cfr. os arestos referidos na nota anterior.
[13] Ac. STJ de 1.10.2009 citado na nota anterior.
[14] Ac. STJ de 22.06.2004, atrás citado.
No caso, a factualidade provada, nem demonstra o cumprimento genérico das suas obrigações de segurança.
[15] Que permitiram ou acesso ao separador central ou a fuga através delas, aceitando a tese aventada pela recorrente.