Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1224/22.5T8TMR.E1
Relator: MÁRIO BRANCO COELHO
Descritores: DECLARAÇÃO CONFESSÓRIA EXTRAJUDICIAL
DESPEDIMENTO POR EXTINÇÃO DE POSTO DE TRABALHO
CATEGORIA PROFISSIONAL
INSTRUMENTO DE REGULAMENTAÇÃO COLECTIVA DE TRABALHO
INSTITUIÇÃO PARTICULAR DE SOLIDARIEDADE SOCIAL
COMISSÃO DE SERVIÇO
Data do Acordão: 12/07/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário:
1. Se a empregadora celebra um contrato de trabalho com uma pessoa anteriormente contratada como prestadora de serviços, afirmando no preâmbulo do contrato que o fazia como forma de “regularizar uma situação contratual da prestadora de serviços (…), que se mantinha desde 2008”, isto num quadro geral de regularização de “falsos recibos verdes”, e reconhecendo que se estava perante “um verdadeiro contrato de trabalho subordinado”, deve tal declaração ser considerada com efeitos confessórios da existência de um contrato de trabalho desde o ano de 2008, tendo assim força probatória plena quanto a esse facto.
2. Os requisitos de despedimento por extinção do posto de trabalho são cumulativos e incumbe ao empregador o ónus da sua prova, determinando a falta de qualquer deles a ilicitude do acto.
3. Nesta forma de despedimento, o critério básico ou nuclear da justa causa reside na impossibilidade prática de subsistência da relação de trabalho, exigindo, assim, a formulação de um juízo objectivo de inviabilidade de recolocação em posto de trabalho alternativo, com análise da cadeia de decisões do empregador que conduziu à cessação do contrato de trabalho.
4. Estando demonstrado que a trabalhadora de uma IPSS, que ministra cursos a pessoas com deficiência ou incapacidade, detém a categoria profissional de formadora e presta aos formandos a formação de base e de integração, que necessariamente integra todos os cursos ministrados, é ilícito o despedimento por extinção do seu posto de trabalho se:
- a decisão não fundamenta a escolha desse específico posto de trabalho para extinção;
- não demonstra a inexistência de outro posto de trabalho compatível com a categoria profissional da trabalhadora, em toda a estrutura organizativa da empregadora;
- não efectua qualquer esforço comparativo com os demais postos de trabalho existentes na instituição e compatíveis com a categoria profissional da trabalhadora – em especial, quando a inseriu num universo de trabalhadores com funções não equivalentes;
- não descreve qualquer diligência adoptada com vista à recolocação da trabalhadora.
5. A categoria profissional afere-se em razão das funções efectivamente exercidas pelo trabalhador, em conjugação com a norma ou convenção que, para a respectiva actividade, indique as funções próprias de cada uma, sendo elemento decisivo o núcleo funcional que caracteriza ou determina a categoria em questão.
6. Numa IPSS sujeita ao CCT celebrado entre a CNIS e a FNSTFPS, publicado no BTE n.º 1/2020, a direcção ou coordenação técnica ou pedagógica não é uma categoria profissional, mas antes um cargo de confiança e de direcção, de exercício meramente temporário e que assim pode cessar a todo o tempo, por iniciativa do empregador ou do trabalhador, implicando apenas o regresso às funções de origem.
7. A exigência de forma escrita e da menção expressa do regime de comissão de serviço, previstas no art. 162.º n.º 3 al. b) e n.º 4 do Código do Trabalho, visa consciencializar as partes, sobretudo o trabalhador, da precariedade do cargo, sancionando-se a falta de forma com a permanência do trabalhador no cargo.
8. Satisfaz essa exigência a nomeação da trabalhadora para o cargo de coordenadora técnico-pedagógica, após concurso interno para o efeito, e a estipulação no contrato de trabalho que tais funções eram exercidas por período de tempo limitado.
9. Assim, o desempenho desse cargo não confere direito a uma nova categoria profissional.
(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Integral:
Acordam os Juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora:

No Juízo do Trabalho de Tomar, AA impugnou o despedimento por extinção do posto de trabalho decidido pela empregadora CIRE – Centro de Integração e Reabilitação de Tomar, IPSS.
Realizada a audiência prévia, sem conciliação das partes, a empregadora apresentou articulado motivador do despedimento, o qual mereceu a contestação da trabalhadora, com reconvenção, formulando pedidos de declaração de ilicitude do despedimento, com reintegração no seu posto de trabalho, sem prejuízo da opção pela indemnização de antiguidade, e pagamento dos salários de tramitação; de reconhecimento da relação laboral existir desde 01.06.2008; de ilegalidade da cessação das funções de coordenação técnica; de reclassificação nas funções de coordenação técnico-pedagógica para além do termo da Operação POISE; de reconhecimento que a sua retribuição é de € 1.200,00, acrescido de duas diuturnidades, no valor de € 42,00, desde Janeiro de 2019, com pagamento das diuturnidades em dívida desde essa data; de pagamento da compensação de € 100,00 pela coordenação técnica cessada ilicitamente, desde Dezembro de 2021; e de pagamento de € 4.500,00 a título de danos não patrimoniais morais por assédio laboral, tudo acrescido de juros.
Após resposta da empregadora, realizou-se julgamento e a sentença julgou a acção parcialmente procedente, condenando a empregadora nos seguintes termos:
1. declarou ilícito o despedimento efectuado pela empregadora;
2. condenou a empregadora a reintegrar a trabalhadora, no seu posto de trabalho, com respeito pela sua antiguidade, categoria e funções;
3. condenou a empregadora a pagar à trabalhadora as retribuições vencidas desde 29.07.2022 e as vincendas até ao trânsito em julgado da decisão final da causa, considerando a retribuição mensal base de € 1.200,00, acrescida de compensação mensal de € 100,00 e € 3,00 de subsídio de alimentação por cada dia efectivo de trabalho prestado, com dedução dos montantes recebidos pela Autora, nesses períodos, a título de subsídio de desemprego, se for o caso, devendo esses montantes ser entregues à Segurança Social pelo Réu, bem como o desconto do demais indicado no artigo 390.º, n.º 2 do CT;
4. condenou a empregadora a reconhecer que a relação laboral existente com a trabalhadora teve o seu início em 11.06.2008;
5. condenou a empregadora a reconhecer a ilegalidade da cessação das funções de coordenação técnica por ordem verbal e com efeitos imediatos da trabalhadora, por não existir qualquer contrato em comissão de serviço;
6. condenou a empregadora a reconhecer a reclassificação das funções de coordenação técnico-pedagógica da trabalhadora, com efeitos desde 20.12.2021, e que a remuneração desta é de € 1.200,00 mensais, acrescida de € 100,00 mensais e € 3,00 por cada dia de trabalho efectivamente prestado; e,
7. absolveu a empregadora do demais peticionado.

O recurso deduzido pela empregadora contém as seguintes conclusões:
(…)

A resposta sustenta a manutenção do decidido.
Já nesta Relação, a Digna Magistrada do Ministério Público emitiu parecer no sentido de ao recurso ser negado provimento.
Cumpre-nos decidir.

Da impugnação da matéria de facto
Afirmando, previamente, que a Recorrente cumpre minimamente os requisitos de impugnação da matéria de facto estabelecidos pelo art. 640.º n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil – e tendo em atenção que “o Recorrente que impugna a decisão sobre a matéria de facto não está vinculado a indicar nas conclusões a decisão alternativa, desde que a mesma resulte, de forma inequívoca, das alegações”, como se decidiu no Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 12/2023[1] – procedamos à análise da matéria de facto impugnada no recurso.
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No ponto 29 dos factos provados, a sentença recorrida declarou demonstrado o seguinte: “A A. começou a dar formação no Cire, aqui R., em 2008, como Formadora, na área de formação de base/integração, tendo em 2017 acumulado com as funções de Coordenadora Técnico Pedagógica, na valência do Centro de Reabilitação Profissional (CRP) do Réu.”
A Recorrente afirma que esta matéria está em contradição com os pontos 87 e 88 do elenco fáctico – contratos de prestação de serviços celebrados desde 11.06.2008 – complementados com os depoimentos das testemunhas, e que a partir de 2017 a trabalhadora passou a prestar os seus serviços exclusivamente como coordenadora técnico-pedagógica, pelo que não ocorreu acumulação de funções a partir dessa data.
A sentença declarou este facto provado por acordo das partes (excepto no que se refere ao ano de 2008), mas tal não é exacto. Esta matéria havia sido alegada pela trabalhadora no art. 3.º da sua contestação, tendo a empregadora o ónus de responder, apenas, à matéria de reconvenção – art. 98.º-L n.º 4 do Código de Processo do Trabalho, na sua redacção actual (introduzida pela Lei n.º 107/2019, de 9 de Setembro).
Mesmo que se entenda esta matéria por reproduzida na secção do articulado da trabalhadora dedicado à sua reconvenção – porque suporta o seu pedido de reconhecimento da antiguidade à data de 01.06.2008 – foi expressamente impugnada pela empregadora, no art. 22.º da sua resposta, pelo que não se pode considerar assente por acordo das partes.
De todo o modo, que a A. começou a dar formação na Ré, a partir de 11.06.2008 é facto que está confirmado quer pelos contratos de prestação de serviços juntos a fs. 161 e segs., quer pelos depoimentos das testemunhas ouvidas a essa matéria, nomeadamente … (presidente da direcção da Ré entre 2011 e 2016), … (formadora na Ré desde 1993), … (formador na Ré entre 1985 e 2021) e … (psicóloga na Ré desde 2002).
Também está demonstrado que, a partir de Janeiro de 2017, a trabalhadora passou a exercer as funções de coordenadora técnico-pedagógica, na valência do Centro de Reabilitação Profissional (CRP), por decisão da direcção cessante em Dezembro de 2016 – depoimento da testemunha …, confirmado por … e … – embora os contratos de prestação de serviços juntos aos autos revelem um hiato temporal no ano de 2017 (há um contrato celebrado para o triénio de 2014 a 2016, para as funções de formadora, e o contrato seguinte entrou em vigor apenas a 01.01.2018, já para as funções de “coordenação técnico-pedagógica de reabilitação e formação profissional do CRP – actividade/funções de coordenadora”, sendo renovado por outro que vigorou de 01.01.2019 a 31.12.2020, como se pode observar a fs. 164 e 165 dos autos).
De todo o modo, mesmo que a actividade da A. não tenha suporte documental quanto ao ano de 2017, certo é que assumiu as funções de coordenação técnico-pedagógica, na valência do CRP, em Janeiro desse ano – citados depoimentos de …, … e … – e assim se manteve até à decisão da Ré de 16.11.2022 que a destituiu dessas funções.
Onde não se pode considerar provado é que tenha ocorrido a acumulação de funções da A. como coordenadora técnico-pedagógica e como formadora, a partir de 2017, pois as primeiras funções eram exercidas de modo exclusivo – como revelou a testemunha … a coordenação ocupava a A. a tempo inteiro, em todo o seu horário de trabalho, das 9 às 17 horas, e apenas esporadicamente dava formação, quando ocorria a falta de algum formador que não pudesse ser substituído por outra pessoa.
Assim, este ponto 29 merece ser alterado, de modo a retirar a parte relativa à acumulação de funções a partir de 2017, pois a coordenação foi exercida de modo exclusivo.
Concede-se parcial provimento a esta parte da impugnação, e determina-se que o ponto 29 passe a conter a seguinte redacção: “A A. começou a dar formação no CIRE, aqui R., em 11.06.2008, como formadora, na área de formação de base/integração, tendo em Janeiro de 2017 passado a exercer, em exclusivo, as funções de coordenadora técnico-pedagógica, na valência do Centro de Reabilitação Profissional (CRP) do Réu.”
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No ponto 69 dos factos provados, a sentença recorrida declarou demonstrado o seguinte: “A existência de um/a Coordenador/a Pedagógico, na valência CRP da instituição Ré é imprescindível para continuar a ministrar formação para formandos com deficiência e incapacidade.”
A Ré afirma que este facto é contrário ao art. 7.º da Portaria n.º 851/2010, do qual entende que apenas é imprescindível o cargo de gestor de formação, que pode ser cumulado com o de coordenador pedagógico, e afirma que tal é confirmado pelo depoimento da testemunha ….
No entanto, analisando o art. 7.º e o anexo II da dita Portaria n.º 851/2010 (na versão que lhe foi conferida pela Portaria n.º 208/2013, de 26 de Junho), a entidade formadora deve assegurar a existência de recursos humanos em número e com as competências adequadas às actividades formativas a desenvolver de acordo com as áreas de educação e formação requeridas para a certificação, incluindo:
“a) no caso de certificação inserida na política da qualidade dos serviços de entidade formadora estabelecida em território nacional, um gestor de formação com habilitação de nível superior e experiência profissional ou formação adequada, que seja responsável pela política de formação, pelo planeamento, execução, acompanhamento, controlo e avaliação do plano de actividades, pela gestão dos recursos afectos à actividade formativa, pelas relações externas respeitantes à mesma, que exerça as funções a tempo completo ou assegure todo o período de funcionamento da entidade, ao abrigo de vínculo contratual. Considera-se experiência profissional adequada três anos de funções técnicas na área da gestão e organização da formação; considera-se formação adequada a formação na área da gestão e organização da formação e, eventualmente, na área pedagógica, com duração mínima de 150 horas.
b) No caso de entidade formadora estabelecida em território nacional, um coordenador pedagógico com habilitação de nível superior e experiência profissional ou formação adequada, que assegure o apoio à gestão da formação, o acompanhamento pedagógico de acções de formação, a articulação com formadores e outros agentes envolvidos no processo formativo, que preste regularmente funções ao abrigo de vínculo contratual. Considera-se experiência profissional adequada três anos de funções no desenvolvimento de actividades pedagógicas; considera-se formação adequada a profissionalização no ensino ou outra formação pedagógica com duração mínima de 150 horas. (…)”
Depreende-se deste texto que as funções do gestor de formação e do coordenador pedagógico não são idênticas: o primeiro dedica-se, no essencial, à gestão e organização da formação, o segundo ao apoio à gestão da formação, ao acompanhamento pedagógico de acções de formação e à articulação com formadores e outros agentes envolvidos no processo formativo. No fundo, um ocupa-se da gestão, o outro da coordenação pedagógica.
Sendo a Ré uma instituição que ministra formação certificada a formandos com deficiência e incapacidade, está obrigada a cumprir os requisitos da Portaria n.º 851/2010, na versão actual em vigor – respectivo art. 1.º, regulando “o sistema de certificação inserida na política da qualidade dos serviços de entidades formadoras” – e como tal a obrigação de contar nos seus recursos humanos com um coordenador pedagógico que cumpra as funções que expressamente lhe estão prescritas no referido anexo II da Portaria.
A circunstância da testemunha … ter revelado que cumulou as funções de gestor de formação e coordenador pedagógico não afasta o essencial: a Ré carece de um coordenador pedagógico para ministrar formação certificada aos seus formandos, porque tal lhe é expressamente exigido pela citada Portaria.
Ponderando, também, que as testemunhas … e … revelaram que a Ré sempre teve um coordenador pedagógico, para poder dar formação certificada aos seus formandos e aceder aos subsídios que recebe para esse efeito, bem decidiu a sentença recorrida ao dar como provado este ponto n.º 69, pelo que nesta parte a impugnação fáctica improcede.
*
Em resumo, a impugnação fáctica procede em parte, alterando-se apenas o ponto 29 do elenco fáctico, nos termos supra expostos.

Fica assim estabelecida a matéria de facto provada:
1. Por contrato de trabalho denominado de “contrato de trabalho sem termo” declararam as partes a admissão da Autora ao serviço do Réu, com início em 01.01.2021, para prestar trabalho na valência do Centro de Reabilitação Profissional, como Formadora na área Base/Integração, como consta do documento a fls. 19 a 22 dos autos para cujo conteúdo se remete e aqui se considera reproduzido para todos os efeitos legais.
2. Ficou acordado o pagamento pelo Réu à Autora da retribuição mensal no valor de € 1.200,00, acrescida de subsídio de alimentação no valor de € 3,00 por cada dia efectivo de trabalho prestado.
3. O despedimento da A. foi precedido de procedimento por despedimento por extinção do posto de trabalho.
4. Em 20 de Abril de 2022 o R. enviou comunicação de despedimento, por carta registada com aviso de recepção à A., que a recebeu em 26 de Abril de 2022, como consta do documento a fls. 24 verso dos autos para cujo conteúdo se remete e aqui se considera reproduzido para todos os efeitos legais.
5. Tendo sido enviada na mesma data comunicação, por carta registada e com aviso de recepção à Comissão de Trabalhadores, como consta de fls. 25, 25 verso e 26 dos autos para cujo conteúdo se remete e aqui se considera reproduzido para todos os efeitos legais.
6. Na referida comunicação foi a A. informada da necessidade de extinguir o posto de trabalho como formadora, conforme consta do documento a fls. 23 verso e 24 para cujo conteúdo se remete e aqui se considera reproduzido para todos os efeitos legais.
7. Nessa data o R. atravessava uma situação económica difícil, com perdas significativas nos financiamentos no âmbito do POISE, tendo decidido alterar a sua estrutura e organização para fazer face ao desequilíbrio financeiro.
8. Na sequência da comunicação enviada, a Comissão de Trabalhadores emitiu o seu parecer, conforme consta do documento a fls. 26 verso para cujo conteúdo se remete e aqui se considera reproduzido para todos os efeitos legais.
9. Recebida essa comunicação, o R. solicitou à Autoridade para as Condições do Trabalho a verificação do cumprimento dos requisitos do despedimento por extinção de posto de trabalho.
10. E, em 10 de Maio de 2022, o R. recebeu da Autoridade para as Condições do Trabalho o Relatório a concluir que o R. não respeitou os requisitos previstos no nº 2 do artigo 368º do Código de Trabalho, em virtude de o empregador ter postos de trabalho com idêntica categoria e não ter definido os critérios relevantes e não discriminatórios face aos objectivos subjacentes à extinção de posto de trabalho.
11. Deste modo, a R. deu início a novo procedimento de extinção do posto de trabalho e em 17.05.22 enviou nova comunicação de despedimento à A., por carta registada com aviso de recepção, que a recebeu em 19.05.2022.
12. Tendo sido enviada na mesma data comunicação à Comissão de Trabalhadores e à ACT.
13. Na referida comunicação foi a A. informada da necessidade de extinguir o posto de trabalho conforme consta do documento a fls. 29 a 30 para cujo conteúdo se remete e aqui se considera reproduzido para todos os efeitos legais.
14. Bem como foi explicado não existirem postos de trabalho com conteúdo funcional idêntico e por isso inaplicável o disposto no artigo 368.º, n.º 2 do Código de Trabalho, pois apesar de existirem na Instituição 5 (cinco) postos de trabalho com a mesma categoria de “formador”, cada um deles só tem competência para dar formação nas suas áreas específicas.
15. Designadamente:
1- FF, em funções na Instituição desde 01 de Setembro de 1990, com o 12º ano e Formadora na área especifica de 811. Hotelaria e Restauração - Empregado de Andares;
2- GG, em funções desde 01 de Fevereiro de 1991, com o 12º ano e Formador na área especifica de 543. Materiais (Madeiras) - Operador Acabamentos Madeira e Mobiliário;
3- HH, em funções desde 02.11.1993, com o 12º ano e formadora na área especifica de 622. Floricultura e Jardinagem - Operador de Jardinagem;
4- II, em funções desde 06.03.1996, com o 12º ano e formador na área especifica de 522. Electricidade e Energia - Electricista de Instalações e,
5- AA, aqui A. em funções desde 01.01.2021, formadora na área especifica de integração/base.
16. A valência do Centro de Reabilitação Profissional existe no CIRE desde 1990 e é financiada a 100% com fundos comunitários.
17. A continuidade desta valência não está garantida, dependendo do impacto que as auditorias terão por parte do programa POISE na análise e aprovação das futuras candidaturas.
18. Em 07.06.2022 o R. recebeu o parecer da A. de que o despedimento por extinção de posto de trabalho é ilícito por não cumprimento do disposto no artigo 368º nº 1 e 368 nº 2 do Código de Trabalho.
19. Em 09 de Junho de 2022 foi enviada, por carta registada com aviso de recepção, à A., a decisão de despedimento por extinção do posto de trabalho, conforme consta do documento a fls. 36 a 38 para cujo conteúdo se remete e aqui se considera reproduzido para todos os efeitos legais.
20. Que a trabalhadora recebeu em 15 de Junho de 2022.
21. Nessa data o R. tinha dificuldades financeiras devido à necessidade de devolução de cerca de € 100.000,00 do programa POISE.
22. A decisão de despedimento da A. pelo R. foi com efeitos a partir de 29/07/2022, data a partir da qual a A. deixou de lhe prestar trabalho.
23. Na decisão de despedimento foi a A. informada que se encontrava à sua disposição, nos serviços da Instituição o valor de € 5.030,00 correspondente à compensação legal, créditos emergentes da sua prestação de trabalho e vencidos até à data da cessação do respectivo contrato.
24. A decisão de despedimento foi comunicada por cartas registadas e avisos de recepção à Autoridade para as Condições de Trabalho e Comissão de Trabalhadores.
25. O R. pagou à A. a quantia líquida de € 4.900,90, correspondendo ao valor ilíquido de € 5.984,00.
26. Em 02 de Agosto de 2022, a A. comunicou à R. que havia devolvido a quantia de 720,00 € referente “Indemnização”.
27. A A. é licenciada em Educação Básica e Pós Graduada em Direcção Técnica e Certificação de Competências Pedagógicas (ex-CAP).
28. O Réu é uma instituição particular de solidariedade social sem fins lucrativos, com a finalidade de apoio designadamente às pessoas com deficiência e incapacidade e educação e formação profissional dos cidadãos.
29. A A. começou a dar formação no CIRE, aqui R., em 11.06.2008, como formadora, na área de formação de base/integração, tendo em Janeiro de 2017 passado a exercer, em exclusivo, as funções de coordenadora técnico-pedagógica, na valência do Centro de Reabilitação Profissional (CRP) do Réu.
30. Consta da Acta n.º 1738, de 24/11/2020, da Direcção do Réu que este entendeu celebrar o contrato de trabalho com a Autora indicado 1), como forma de regularizar um “falso recibo verde” fundamentando que “…ao analisarmos o modo, o horário, o tempo e o local de trabalho, não se coadunam com um contrato de prestação de serviços, em que se pretende apenas obter um resultado contratualizado, mas sim um verdadeiro contrato de trabalho subordinado.”
31. Ficou clausulado, no contrato de trabalho referido em 1) que a A. manterá o exercício de funções de coordenação técnico-pedagógica da valência CRP até ao termo do actual programa de formações.
32. Nessa altura estava em vigor a operação POISE.03-4229-FSE 000301), que terminará em Junho de 2023.
33. Como Formadora, a A. está habilitada para ministrar formação como Formadora Base (Matemática para vida; Linguagem e Comunicação; Cidadania e Empregabilidade), no âmbito do percurso formativo C e como Formadora para integração (balanço de competências, igualdade de oportunidades, portfólio, procura activa de emprego e legislação laboral) no âmbito dos percursos C e B.
34. Todos os programas de formação no âmbito do POISE (Programa Operacional Inclusão Social e Emprego), integram obrigatoriamente a formação atrás referida, por ser formação essencial e básica de qualquer curso de formação a ministrar a pessoas com deficiências ou incapacidade, visando dotá-las com os conhecimentos e competências necessárias a uma qualificação que lhes viabilize o acesso ao mercado de trabalho e inserção sócio laboral.
35. Desde 2008 até 2016, a A. ministrou formação, nos módulos atrás identificados, ao serviço do Réu.
36. Em 2016, o CIRE abriu concurso para o cargo de Coordenador/a Técnico Pedagógico.
37. Para o efeito concorreram a aqui A. e BB.
38. Onde ficaram com pontuação ex aequo.
39. A Direcção do CIRE criou o critério da antiguidade para o desempate, sendo atribuída a função ao candidato BB, que em 2016, assumiu funções como Coordenador Técnico Pedagógico, na valência do CRP da IPSS Réu.
40. BB exerceu essas funções até ao final do ano de 2016.
41. A Direcção do Cire nomeou a A. como Coordenadora Pedagógica para o ano de 2017.
42. A Autora continuou a exercer essas funções até 16/11/2021.
43. Durante o tempo que a A. exerceu as funções de Coordenação Pedagógica, não ministrava a formação base/integração, sendo esta distribuída a formador/es com essas competências.
44. A A./Coordenadora Técnica, era uma Formadora residual, ministrando apenas formação para suprir as faltas dos formadores na valência CRP da instituição.
45. Em 08/01/2021 toma posse nova Direcção no CIRE, formada: Presidente: CC; Secretária: DD e Tesoureiro: EE.
46. Logo depois da tomada de posse da nova Direcção, esta solicitou à A. tarefas e documentos.
47. No final de Fevereiro de 2021, foi diagnosticado à A. stress profissional / burnout, tendo ficado, durante algum tempo, incapacitada para o trabalho.
48. A Ré contratou BB para Gestor de Formação, em Setembro de 2021, lugar que se encontrava vago desde Janeiro de 2021.
49. O identificado Gestor é casado com DD, Secretária da Direcção actualmente em exercício.
50. Em 16/11/2021, os membros da Direcção comunicaram verbalmente à A., com efeitos imediatos, que não exerceria mais as funções de Coordenação Pedagógica do CRP.
51. A 02/12/2021, a Ré abriu concurso interno para candidatos ao desempenho de funções de Gestor/a de Formação e Coordenador/a Pedagógico/a.
52. A trabalhadora, que se encontrava de baixa clínica, informou o Réu de que as funções de Coordenação pedagógica lhe tinham sido cometidas por anterior Direcção e que sendo o CIRE uma entidade formadora certificada, de acordo com as boas práticas da certificação e a legislação aplicável, os cargos de Gestor da Formação e Coordenador deveriam ser exercidos por duas pessoas, sem cumulação.
53. O concurso ficou deserto, por falta de candidato/trabalhador interno com as habilitações necessárias para o exercício das funções em causa.
54. O Gestor em funções (BB) não podia aceder ao concurso interno, por exercer a sua actividade em regime de prestação de serviços.
55. Em 14 de Dezembro de 2021, foi lançado concurso externo para o cargo de Gestor/a de Formação e Coordenador/a Pedagógico/a.
56. Em Janeiro de 2022, é admitido pelo R., por contrato de trabalho a termo, por seis meses, para o exercício das funções de Gestor de Formação e Coordenador Técnico Pedagógico, BB.
57. Em 10/01/2022, a A. regressa ao trabalho depois de um período de incapacidade temporária para o trabalho.
58. Na mencionada data, recebe ordens da Secretária da Direcção, DD, para entrega do computador e das senhas de acesso.
59. Quando o Réu retirou à A. as funções de Coordenação, em Novembro de 2021, estava em curso a formação: Operação POISE - 03-4229-FSE 000301, que teve início em Dezembro de 2019, com terminus em Junho de 2023.
60. Quando o Réu se candidata a estas “Operações Poise”, é elaborado previamente um plano com a formação a ministrar e a calendarização da mesma.
61. Dado que, na data da apresentação das candidaturas era a A. a Coordenadora Pedagógica, a formação da área das suas competências não lhe foi atribuída nem calendarizada.
62. Desde Novembro de 2021 até Julho de 2022, a Autora não teve calendarizado nem atribuído horário para dar formação pelo R..
63. FF, GG, HH e II não têm habilitações para dar a formação que era ministrada pela Autora na área Base/Integração.
64. Todos os cursos de formação ao abrigo do POISE têm uma carga horária na área Base/Integração.
65. Em 2022, o R. despediu JJ.
66. Do relatório de contas do R. referente a 2021, consta declarado que “o ano de 2021 apresenta um resultado positivo de 36.912,51 € ligeiramente abaixo do ano de 2020”.
67. Foi aprovada mais formação pela Operação POISE – 03 - 4215 – FSE 000036, que decorrerá de 2022 a 31/12/2023.
68. No processo de despedimento, a perda económica mencionada pelo Réu, do Programa POISE, entidade financiadora da valência CRP (Centro Reabilitação Profissional), refere-se ao indicado no ponto 13.10, do relatório de contas (pág. 25) “…verbas a restituir ao POISE, nomeadamente, 29.829,28€ recebidos em excesso e o valor de 77.792,93€ refere-se ao apuramento de despesas não elegíveis em sede de saldo da operação POISE n.º 009 que teve início em 4 de Janeiro de 2016 e términus em 31 de Dezembro de 2018, mais precisamente 9.381,81€ que correspondem ao incumprimento dos resultados contratualizados e 65.180,00 por incumprimento da contratação pública.”
69. A existência de um/a Coordenador/a Pedagógico, na valência CRP da instituição Ré é imprescindível para continuar a ministrar formação para formandos com deficiência e incapacidade.
70. O R. entregou à A. a quantia de 720,00 € a título de compensação, que a mesma devolveu.
71. O contrato de trabalho celebrado entre as partes e referido em 1), que consta a fls. 19 a 22 dos autos, refere: “O contrato de trabalho … pretende pôr fim e regularizar uma situação contratual da prestadora de serviços AA, que se mantinha desde 2008, entre a instituição e a segunda outorgante, …”.
72. A outorga desse contrato foi deliberada por acta da Direcção n.º 1738 de 24 de Novembro de 2020, da instituição Ré.
73. À relação laboral entre A. e R. aplica-se o Contrato Colectivo entre a Confederação Nacional das Instituições de Solidariedade - CNIS e a FNSTFPS (Federação Nacional dos Sindicatos dos Trabalhadores em Funções Públicas e Sociais) - BTE n.º 1 de 08/01/2020).
74. Em 20/12/2021, a A. pediu ao R. a reclassificação profissional como Coordenadora, nos termos da cláusula 16.º do CCT entre CNIS e a FNSTFPS, para além do prazo estipulado no seu contrato, conforme consta do documento a fls. 85 a 86 dos autos para cujo conteúdo se remete e aqui se considera reproduzido para os legais efeitos.
75. O que lhe foi negado pelo R., conforme consta do documento a fls. 86 verso dos autos para cujo conteúdo se remete e aqui se considera reproduzido para os legais efeitos.
76. Da acta da Direcção do R. n.º 1738 de 24 de Novembro de 2020, consta que pelo exercício das funções de Coordenação Técnica, foi atribuído à A. a compensação de 100,00 € mensais.
77. Que a Ré deixou de pagar desde Dezembro de 2021 até Julho de 2022, num valor total de 800,00 €.
78. Após o período de incapacidade da trabalhadora A., consta do relatório de avaliação de desempenho daquela elaborado pelo R. que: “…não se enquadra nos padrões médios exigidos a sua competência, quer pessoal, quer profissional”, conforme consta do documento a fls. 87 a 89 dos autos para cujo conteúdo se remete e aqui se considera reproduzido para os legais efeitos.
79. Em Assembleia Geral do R., foi deliberado em 15/11/2019, que caso se prove que a Direcção vai continuar em funções durante o ano de 2020, se iniba de fazer contratações que ultrapassem temporalmente o limite do seu mandato e não efective qualquer funcionário que se encontre em contrato não vinculativo.
80. A A. foi questionada pelo R. se estaria disposta a assumir a função de Gestor de Formação ao mesmo tempo que continuava como Coordenadora Técnica.
81. A A. teve períodos de baixa, durante o ano de 2021 e 2022.
82. A Direcção do R. destituiu a A. das funções de coordenação, em 16/11/2022, por entender que a mesma não reunia as competências para o cargo.
83. Situação que consta da acta de reunião de 17 de Novembro de 2022 e carta de 07.12.2022.
84. A A. foi colocada a exercer a formação, em substituição de formadores impedidos por motivo de doença ou outro.
85. O Réu solicitou à A. colaboração para elaboração de documentação, o que esta recusou.
86. Em 17 de Janeiro de 2022, a R. teve uma visita inspectiva da ACT dirigida pela Sr.ª Inspectora … para aferição de violação do dever de ocupação efectiva.
87. Entre A. e R. foram celebrados contratos denominados de “prestação de serviços”, para o exercício pela 1.º ao serviço do 2.º de funções correspondentes a Professora de formação base, durante os seguintes períodos de tempo:
- ANO 2008 - Início em 11.06.2008 a 31.12.2008, para 249 horas anuais;
- ANO 2009 - Início em 05.01.2009 a 31.12.2009, para 600 horas anuais;
- ANO 2010 - Início em 04.01.2010 a 31.12.2010, para 900 horas anuais;
- ANO 2011 - Início em 03.01.2011 a 31.12.2011, para 792 horas anuais;
- ANO 2012 - Início em 01.02.2012 a 31.12.2012, para 879 horas anuais;
- ANO 2013 - Início em 02.01.2013 a 31.12.2013, para 1050 horas anuais;
- ANOS 2014 a 2016 - Início a 01.01.2014 a 31.12.2016.
88. Entre A. e R. foram celebrados contratos denominados de “prestação de serviços”, para o exercício pela 1.º ao serviço do 2.º de funções correspondentes a Coordenação Técnico-pedagógica, durante os seguintes períodos de tempo:
- ANO 2018- Início em 01.01.2018 a 31.12.2018;
- ANOS 2019 E 2020 - Início em 01.01.2019 a 31.12.2020.
89. O R., em 11-04-2022, candidatou-se ao concurso POISE 152022-01.
90. A candidatura foi aprovada: - POISE - 03 - 4215 - FSE – 000036, com início em 03/10/2022, contemplando 6 cursos, onde todos contemplam uma componente de formação para integração e formação base de 350h.

APLICANDO O DIREITO
Da antiguidade da trabalhadora
A Recorrente afirma que a sentença não podia reconhecer a antiguidade da trabalhadora à data de 11.06.2008, e daí declarar a ilicitude do despedimento, por ter pago uma compensação calculada com referência à data de início da prestação laboral em 01.01.2021.
Afirma a Recorrente que as declarações constantes da acta da direcção de 24.11.2020 não demonstram a existência de um contrato de trabalho, pois o modo de prestação da actividade, o horário praticado, a remuneração e a ausência de controlo de assiduidade, demonstram que a A. foi mera prestadora de serviços até ao final de 2020.
A este respeito, a sentença discorreu nos seguintes termos:
«Da matéria de facto provada, resulta a celebração entre as partes de um acordo escrito, para a Autora passar a exercer para o Réu, trabalho como formadora. Mais consta desse documento escrito, que o Réu pretende regularizar uma situação contratual de prestação de serviços que se mantinha desde 2008. Antes da celebração desse acordo escrito, há uma deliberação do Réu, constante da acta n.º 1738, de 24/11/2020, em que a Direcção decide regularizar a situação da Autora, sendo celebrado um contrato de trabalho com a mesma, por se entender que a sua situação corresponde a um contrato de trabalho subordinado.
Esta decisão do Réu, foi tomada pelo órgão colegial com competência para o efeito (órgão de administração), e o contrato celebrado e referido em 1) dos factos provado, e a acta referida em 30) dos factos provados, impõem que se entenda que o Réu reconheceu que a Autora era sua trabalhadora desde 2008. É certo que o contrato foi celebrado com indicação que o seu início se verificava em 01/01/2021. Contudo, o que está expresso na acta e nesse mesmo contrato é o reconhecimento da Autora ao serviço do Réu, como sua trabalhadora, desde 2008.
Assim, e tendo em conta que a Autora começou a trabalhar para o Réu em 11/06/2008, como resulta dos factos provados referidos em 87), entende-se que a relação laboral entre as partes teve início nessa data.
Contudo, pugna o Réu que o contrato de trabalho apenas teve início na data indicada no acordo referido em 1) dos factos provados.
Ora, assim se não entende pois foi o próprio Réu, nos termos que já constam explanados, que reconheceu diversamente, e não impõe diferente entendimento os sucessivos contratos indicados em 87) e 88) dos factos provados, dos quais resulta uma continuidade da prestação de trabalho pela Autora ao Réu, sem interrupção de dias significativa.
Pelo exposto, não se vislumbra sequer necessário fazer funcionar a presunção prevista no artigo 12.º do CT, pois entende-se que o Réu, atentos os factos provados, reconheceu que a Autora é sua trabalhadora subordinada desde 11/06/2008, constituindo quer o acordo escrito referido em 1), quer a acta referida em 30), uma declaração confessória, nos termos dos artigos 352.º, 353.º, 355.º, n.º 4 e 358.º, n.º 2, todos do CC.»
Concorda-se em absoluto com estas afirmações.
A direcção da Ré é o seu órgão representativo e detém, consequentemente, competência para celebrar um contrato de trabalho e reconhecer a existência de uma relação laboral.
No caso, os factos demonstram que a direcção da Ré, dotada desses poderes de representação, decidiu que era necessário celebrar um contrato de trabalho, como forma de “regularizar uma situação contratual da prestadora de serviços AA, que se mantinha desde 2008, entre a instituição e a segunda outorgante” – afirmação inserida no preâmbulo do contrato – isto num quadro geral de regularização de “falsos recibos verdes”, reconhecendo que se estava perante “um verdadeiro contrato de trabalho subordinado” – acta da direcção de 24.11.2020.
Como acertadamente se decidiu na sentença, trata-se do reconhecimento pela Ré – máxime, pelo seu órgão com poderes de representação para o efeito – da realidade de um facto que lhe é desfavorável e favorece a parte contrária, que configura declaração confessória da existência de uma relação laboral desde 2008, para os efeitos do art. 352.º do Código Civil.
E como foi feita, de forma extrajudicial, em documento particular e à parte contrária – no preâmbulo do contrato de trabalho outorgado em 02.12.2020 – tem força probatória plena, como resulta do art. 358.º n.º 2 do Código Civil.
A circunstância de existir uma deliberação da assembleia geral da Ré, de 15.11.2019, inibindo a direcção de “fazer contratações que ultrapassem temporalmente o limite do seu mandato e não efective qualquer funcionário que se encontre em contrato não vinculativo”, não obsta a esta conclusão. Tal deliberação não vincula a trabalhadora, que se submete ao poder de direcção do órgão da Ré com poderes directivos, para além que está em causa o reconhecimento de um contrato de trabalho que perdurava desde 2008, não podendo a assembleia geral da Ré impedir a aplicação dos preceitos legais imperativos relativos ao reconhecimento da existência de uma relação laboral, constantes dos arts. 11.º e 12.º do Código do Trabalho.
Em consequência, o despedimento é ilícito por violação do art. 384.º al. d) do Código do Trabalho – não colocação à disposição da trabalhadora despedida, até ao termo do prazo de aviso prévio, da compensação por devida nos termos do art. 366.º, calculada por referência à sua antiguidade efectiva.

Dos requisitos gerais do despedimento por extinção do posto de trabalho
A sentença recorrida declarou ainda ilícito o despedimento por violação das als. a) e b) do art. 384.º do Código do Trabalho, por este “ter por fundamento a extinção do posto de trabalho (da trabalhadora), como formadora, desconsiderando que à data a mesma também exercia as funções de Coordenadora Técnico-pedagógica, posto de trabalho este que existia à data e continua a existir no Réu e, também, por o Réu não ter atendido à antiguidade da A. reportada a 11/06/2008”.
A propósito deste fundamento da sentença diremos o seguinte.
O art. 368.º n.º 1 do Código do Trabalho estabelece quatro requisitos, cumulativos, para o despedimento por extinção do posto de trabalho, cujo ónus de prova incumbe ao empregador, determinando a falta de qualquer deles a ilicitude do acto.[2]
Dedicaremos a nossa atenção, em especial, ao primeiro e ao segundo, pois os constantes das als. c) e d) do n.º 1 do art. 368.º – inexistência de contratos de trabalho a termo para tarefas correspondentes às do posto de trabalho extinto e inaplicabilidade do despedimento colectivo – não suscitam qualquer discussão face ao manancial fáctico recolhido nos autos.
Quanto ao primeiro requisito – ausência de imputação culposa dos motivos invocados à conduta culposa do empregador ou do trabalhador – nada está apontado nos autos quanto ao incumprimento de deveres laborais por parte da trabalhadora. No que diz respeito à empregadora, “exige-se uma imputação a título de culpa, envolvendo um juízo valorativo de censura ou reprovação da actuação da entidade empregadora. Não basta a simples constatação de que as razões justificativas da eliminação do posto de trabalho se ligam à vontade do empresário. Aliás, a própria natureza dos motivos invocados envolve, as mais das vezes, a sua directa imputação à vontade do empregador.”[3]
Ora, no caso dos autos a decisão de extinguir um posto de trabalho, face à invocada situação económica difícil, com necessidade de eventualmente ter de devolver cerca de € 100.000,00 dos financiamentos no âmbito do POISE, o que levou a Ré a alterar a sua estrutura e organização para fazer face ao desequilíbrio financeiro, não pode ser considerada imprudente, arbitrária ou irrazoável[4], ou sequer totalmente inapta para, em conjunto com outras soluções, corrigir a situação vivida pela instituição.
O segundo requisito – seja praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho – é complementado pelo n.º 4 do art. 368.º, esclarecendo que, uma vez extinto o posto de trabalho, considera-se que a subsistência da relação de trabalho é praticamente impossível quando o empregador não disponha de outro compatível com a categoria profissional do trabalhador.
A Lei 27/2014, de 8 de Maio, repôs a redacção original do art. 368.º n.º 4 do Código do Trabalho, depois da alteração que lhe havia sido introduzida pela Lei 23/2012, de 25 de Junho, ter sido declarada inconstitucional pelo Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 602/2013, por violação da proibição de despedimentos sem justa causa consagrada no art. 53.º da Constituição.
Para melhor compreensão do carácter nuclear deste requisito no cumprimento daquela proibição constitucional, cita-se o seguinte excerto do supra referido aresto:
«O conceito constitucional de “justa causa” abrange a possibilidade de rescisão unilateral do contrato de trabalho, pela entidade patronal, com base em certos motivos objectivos, mas apenas quando estes “não derivem de culpa do empregador ou do trabalhador” e “tornem praticamente impossível a subsistência do vínculo laboral” (cfr. o Acórdão n.º 64/91). Como já foi referido, decorre desta exigência que o despedimento por causa objectiva seja configurado como uma ultima ratio, o que não é compatível com a dispensa do dever de integrar o trabalhador em posto de trabalho alternativo, quando este exista. Nem é compatível, acrescente-se, com uma cláusula aberta que deixe nas mãos do aplicador-intérprete a possibilidade de casuisticamente concretizar, ou não, um tal dever.
Dito de outro modo, a cláusula geral da “impossibilidade prática da subsistência do vínculo laboral” – que, no plano infraconstitucional concretiza a ideia de ultima ratio – só é constitucionalmente conforme quando se apresente negativamente delimitada, no sentido de excluir a possibilidade de dar como verificada tal impossibilidade em casos em que exista posto de trabalho alternativo e adequado ao trabalhador em causa.»
Conclui, ainda, o referido aresto que os “motivos de mercado, estruturais ou tecnológicos” invocados pelo empregador para fundamentar a decisão de extinção de um posto de trabalho, «mostram-se incapazes, só por si, de fundamentar a impossibilidade da subsistência de uma concreta relação de trabalho que, em consequência daquela decisão de extinção do posto de trabalho, se mostre afectada.»
Embora se possa afirmar que não existe um dever de a entidade empregadora criar novos postos de trabalho ou proceder à reconversão profissional do trabalhador, o despedimento por causa objectiva é, por exigência constitucional, uma ultima ratio, impondo um dever de integrar o trabalhador em posto de trabalho alternativo, aproveitando ao máximo os trabalhadores excedentários. “No fundo, trata-se de afirmar algo que já resulta de princípios e regras gerais, impondo que o empregador procure, na medida das possibilidades consentidas por uma gestão racional da organização, reafectar os trabalhadores excedentários a outros postos de trabalho de que eventualmente disponha.”[5]
No caso, apurou-se que a trabalhadora despedida foi inicialmente contratada para exercer as funções de formadora na área base/integração, e em Janeiro de 2017 passou a exercer, em exclusivo, as funções de coordenadora técnico-pedagógica, na valência do Centro de Reabilitação Profissional, o que fez até à sua destituição decidida pela direcção da Ré, em 16.11.2021.
Está igualmente apurado que a A. está habilitada para ministrar formação como formadora base (matemática para vida; linguagem e comunicação; cidadania e empregabilidade), no âmbito do percurso formativo C e como formadora para integração (balanço de competências, igualdade de oportunidades, portfólio, procura activa de emprego e legislação laboral) no âmbito dos percursos C e B.
Como também está provado que todos os programas de formação no âmbito do POISE (Programa Operacional Inclusão Social e Emprego), integram obrigatoriamente a formação atrás referida, por ser formação essencial e básica de qualquer curso de formação a ministrar a pessoas com deficiência ou incapacidade, visando dotá-las com os conhecimentos e competências necessárias a uma qualificação que lhes viabilize o acesso ao mercado de trabalho e inserção sócio-laboral.
Na decisão de despedimento, a Recorrente compara a trabalhadora com outros formadores que não têm as mesmas competências que as suas – os outros quatro formadores ministram formação em áreas específicas e não possuem a formação superior que a A. detém (é licenciada em Educação Básica e Pós Graduada em Direcção Técnica e Certificação de Competências Pedagógicas, os outros formadores possuem apenas o 12.º ano de escolaridade) – pelo que a enquadra num universo de trabalhadores com funções não equivalentes, e conclui dizendo que não dispõe “a instituição de outro posto de trabalho para as suas concretas funções e competências”, e que não existe outro posto de trabalho que “seja compatível com a sua categoria e funções que possa ser integrado”.
Porém, a decisão de despedimento nada diz acerca de quais os critérios que levaram especificamente à escolha do posto de trabalho da A. para extinção, nem efectua qualquer exercício justificativo da inexistência de outro posto de trabalho compatível com a sua categoria profissional.
Note-se que está demonstrado que a A. está habilitada para ministrar formação como formadora base/integração, e que todos os programas no âmbito do POISE integram obrigatoriamente essa formação, por ser essencial e básica de qualquer curso a ministrar a pessoas com deficiência ou incapacidade.
Pois bem, a empregadora nada diz acerca da existência de outros trabalhadores na instituição com as mesmas habilitações e capacidade da A. para ministrar aquela formação, que é essencial para os formandos e para a actividade a que a Ré se dedica – trata-se de uma IPSS que tem a finalidade de apoio a pessoas com deficiência e incapacidade e educação e formação profissional dos cidadãos – nem explica porque decidiu prescindir de uma trabalhadora apta a prestar essa actividade absolutamente nuclear na sua estrutura.
Ademais, a decisão de despedimento, no que respeita à inexistência de posto de trabalho compatível com a categoria e funções da trabalhadora, é conclusiva, pois não realiza qualquer tarefa de pesquisa de outros postos de trabalho na instituição que possam ser compatíveis, nem explica porque não podem ser ocupados pela trabalhadora.
Compete à empregadora o ónus de prova de todos os requisitos do despedimento por extinção do posto de trabalho, sendo que o relativo à impossibilidade prática de manutenção da relação de trabalho é nuclear no cumprimento da proibição constitucional de despedimentos sem justa causa, impondo a exclusão de considerar como verificada tal impossibilidade em casos em que exista, na estrutura organizativa da empregadora, posto de trabalho alternativo e adequado ao trabalhador em causa.
Neste sentido, o Supremo Tribunal de Justiça decidiu que «o cumprimento dos critérios legais exigidos para a extinção do posto de trabalho não é suficiente para garantir a licitude do despedimento, sendo, também, necessário que o empregador prove a impossibilidade da manutenção do vínculo laboral, através do dever que impende sobre ele, por ser seu ónus, de demonstrar a inexistência de outro posto de trabalho compatível com a categoria profissional do trabalhador», em toda a sua estrutura organizativa.[6]
O despedimento por extinção do posto de trabalho é o culminar de “uma cadeia de decisões do empregador situadas em diferentes níveis mas causalmente interligadas: esquematicamente, uma decisão gestionária inicial, uma decisão organizativa intermédia (a extinção do posto de trabalho) e uma decisão contratual terminal (a do despedimento). (…) Mas a apreciação da justa causa reveste-se aqui de importantes particularidades. Ela incidirá (…) no nexo sequencial estabelecido entre a extinção do posto de trabalho e a decisão de extinguir o contrato, tendo de permeio o insucesso de diligências tendentes à recolocação do trabalhador. É em relação a esse nexo e a cada um dos seus elementos que deve fazer-se a verificação dos requisitos fundamentais (…), em especial a da impossibilidade prática de subsistência da relação de trabalho (…).”[7]
No despedimento por extinção do posto de trabalho, o critério básico ou nuclear da justa causa reside na impossibilidade prática de subsistência da relação de trabalho, exigindo, assim, a formulação de um juízo objectivo de inviabilidade de recolocação em posto de trabalho alternativo, com análise da cadeia de decisões do empregador que conduziu à cessação do contrato de trabalho.
No caso em apreço, a cadeia de decisões do empregador iniciou-se pela afirmação da necessidade de redução de um posto de trabalho, face a desequilíbrios financeiros detectados.
Mas não identificou os diversos postos de trabalho existentes e equivalentes com o da A. nem concretizou o motivo pelo qual se optou pela extinção do seu posto de trabalho – tanto mais que está demonstrado que este é essencial para a actividade da instituição. Também não efectuou qualquer esforço comparativo com os demais postos de trabalho existentes na instituição e compatíveis com a categoria profissional da trabalhadora – inseriu-a num universo de trabalhadores com funções não equivalentes – nem racionalizou, de forma fundamentada, a escolha daquele específico posto de trabalho para extinção.
Finalmente, a decisão de despedimento não descreveu qualquer diligência adoptada com vista à recolocação da trabalhadora, nem concretizou, também de forma fundamentada, a inexistência de outro posto de trabalho compatível com a sua categoria profissional, em toda a estrutura organizativa da instituição.
Ponderando que o empregador apenas pode invocar factos e fundamentos constantes de decisão de despedimento – art. 387.º n.º 3 do Código do Trabalho – é desde logo patente que a decisão comunicada à trabalhadora não demonstra o cumprimento do requisito constante do art. 368.º n.º 1 al. b) e n.º 4 daquele diploma – ser praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho – o que torna o despedimento ilícito.
Como tal, embora nesta parte por razões não inteiramente coincidentes com a decisão recorrida, também se reconhece a ilicitude do despedimento, nos termos do art. 384.º al. a) do Código do Trabalho.

Da categoria profissional
A sentença recorrida decidiu reclassificar a A. como coordenadora técnico-pedagógica, argumentando que se trata de uma categoria profissional que não tem natureza temporária, atento o objecto social da Ré e a valência coordenada pela trabalhadora. Entendeu a sentença que a alteração das funções principais da trabalhadora, de formadora para coordenadora técnico-pedagógica, corresponde a uma alteração consistente da sua actividade principal, e dado que essa alteração não era transitória, visto inexistir comissão de serviço, não teria sido ilidida a presunção consagrada na cláusula 16.ª n.ºs 2 e 3 do CCT entre a CNIS e a FNSTFPS, publicado no BTE n.º 1/2020.
Acerca desta matéria, temos a dizer o seguinte.
Estatui o art. 118.º n.º 1 do Código do Trabalho que «o trabalhador deve, em princípio, exercer funções correspondentes à actividade para que se encontra contratado, devendo o empregador atribuir-lhe, no âmbito da referida actividade, as funções mais adequadas às suas aptidões e qualificação profissional.»
A norma que se deixa transcrita consubstancia uma daquelas que a doutrina qualifica de imperativa mínima, não admitindo, por isso, modificações em sentido menos favorável ao trabalhador, permitindo, apenas, modificações num sentido inverso. Assim se compreende que, com a sua entrada numa empresa, o trabalhador não permaneça estaticamente no lugar e na categoria para o exercício da qual foi contratado, mas seja promovido a lugares ou categorias superiores. A sua ascensão na carreira ou no trabalho constitui, assim, o expoente da sua realização como trabalhador e o sinal da sua promoção humana e social.[8]
A posição do trabalhador na organização empresarial em que se insere define-se pelo conjunto de serviços e tarefas que forma o objecto da sua prestação de trabalho. Essa posição, assim estabelecida, traduz a qualificação ou a categoria do trabalhador e é com base nela que – segundo ensina Maria do Rosário Palma Ramalho[9] – se define «a posição jurídica do trabalhador no contrato e no seio da organização do empregador, uma vez que é através da categoria que se determina o regime aplicável a esse trabalhador, do ponto de vista do tratamento remuneratório e dos demais direitos e garantias inerentes à sua posição na empresa.»
De igual modo, Pedro Romano Martinez[10] escreve que «a categoria constitui uma forma de determinar certos limites aos quais o empregador se tem de sujeitar ao concretizar a actividade do trabalhador. No seu poder de concretizar a actividade, o empregador não pode adjudicar uma tarefa que esteja fora da categoria na qual o trabalhador de insere.»
A categoria assume a natureza de conceito normativo, no sentido em que circunscreve positiva e negativamente as funções a exercer em concreto pelo trabalhador, ou, noutros termos, que nela se subsumem as tarefas prometidas e se excluem actividades diferentes, e, por conseguinte, se estabelece uma relação de necessidade entre o exercício de certa função e a titularidade de certa categoria.
A categoria corresponde, pois, em síntese, ao “status” do trabalhador na organização produtiva da empresa, qualquer que seja a sua dimensão, determinada com base numa classificação normativa e em conformidade com a posição que o trabalhador nela realmente ocupa.
Tal como nos é referido por Menezes Cordeiro[11], «(…) da categoria em Direito de Trabalho, pode dizer-se que ela obedece aos princípios da efectividade, da irreversibilidade e do reconhecimento. A efectividade recorda que, no domínio da categoria-função, relevam as funções substancialmente prefiguradas e não as meras designações exteriores; a irreversibilidade explica que, uma vez alcançada certa categoria, o trabalhador não pode dela ser retirado ou despromovido; (…) o reconhecimento determina que, através da classificação, a categoria assume um estatuto assente nas funções efectivamente desempenhadas.»
Na concretização do exposto, e dentro da denominada categoria-função, importa reter que a categoria profissional de um determinado trabalhador afere-se não em razão do “nomen iuris” que lhe é dado pela entidade empregadora, mas sim em razão das funções efectivamente exercidas pelo trabalhador, em conjugação com a norma ou convenção que, para a respectiva actividade, indique as funções próprias de cada uma, sendo elemento decisivo o núcleo funcional que caracteriza ou determina a categoria em questão.
Por outro lado, exercendo o trabalhador diversas actividades subsumíveis a diferentes categorias, a sua categorização deve efectuar-se atendendo ao núcleo essencial das funções por ele desempenhadas ou à actividade predominante ou, no caso de diversidade equilibrada ou indistinta, atender-se à mais favorável ao mesmo. E, em caso de dúvida, para determinar qual a categoria profissional, lançar-se mão do princípio que rege em direito do trabalho, a saber, o “favor laboralis”, operando a atracção para a categoria profissional mais favorável ao trabalhador.[12]
No caso dos autos, a A. foi contratada com a categoria profissional de formadora, tendo assumido a coordenação técnico-pedagógica do CRP entre Janeiro de 2017 e 16.11.2021, data em que foi destituída pela actual direcção.
Analisando o CCT aplicável à relação laboral, nele está descrita a categoria profissional de formador, com um conteúdo funcional idêntico àquele que foi inscrito no texto do contrato de trabalho outorgado pelas partes: é o trabalhador que “planeia, prepara, desenvolve e avalia sessões de formação de uma área científico-tecnológica específica, utilizando métodos e técnicas pedagógicas adequadas (…)”, entre outras tarefas.
Não está, porém, descrita qualquer categoria profissional de coordenação técnico-pedagógica, que ali é apenas mencionada na nota final 5 (que estabelece acréscimos remuneratórios para o exercício de funções de direcção ou coordenação técnica ou pedagógica), e na nota final 7 – dispondo que “Cessando o exercício de funções de direcção ou coordenação técnica, bem como as de direcção pedagógica, seja por iniciativa do trabalhador seja por iniciativa da instituição, os trabalhadores referidos nos números anteriores passarão a ser remunerados pelo nível correspondente à sua situação na carreira profissional.”
E isto é assim, porque a direcção ou coordenação técnica ou pedagógica não é uma categoria profissional – aquela convenção colectiva, que tem o cuidado de elaborar o descritivo funcional de variadas categorias profissionais, entre elas a de “formador”, expressamente optou por não considerar a direcção ou coordenação técnica ou pedagógica como uma categoria profissional – mas antes um cargo de confiança e de direcção, de exercício meramente temporário e que assim pode cessar a todo o tempo, por iniciativa do empregador ou do trabalhador, implicando apenas o regresso às funções de origem.[13]
De resto, no contrato de trabalho outorgado pelas partes, consta expressamente que a trabalhadora era contratada como formadora, mantendo no entanto a coordenação técnico-pedagógica da valência CRP, “até ao termo do actual programa de formações”, o que demonstra que o cargo era de exercício puramente temporário, de mera mobilidade funcional, permitida pelo art. 120.º n.º 1 do Código do Trabalho, não adquirindo a trabalho a categoria (de resto, inexistente na convenção colectiva aplicável) correspondente às funções temporariamente exercidas – n.º 5 do citado normativo.
A sentença recorrida afirma que, pela circunstância do contrato de trabalho outorgado pela trabalhadora não mencionar que esta desempenhava as funções de coordenação técnico-pedagógica em “comissão de serviço”, decorria uma impossibilidade desta ser destituída dessas funções, nos termos do art. 162.º n.º 4 do Código do Trabalho.
Mas, com o devido respeito, a questão dos autos é outra: existe a categoria profissional de coordenação técnico-pedagógica?
A nossa resposta é negativa.
Tal não resulta da convenção colectiva aplicável nem os factos demonstram que uma categoria profissional com as específicas funções mencionadas no contrato de trabalho da A. estivesse estabelecida na instituição como uma categoria profissional ad hoc.
Ademais, a cláusula 23.ª n.º 1 do CCT aplicável prevê que “os cargos de administração ou equivalentes, de direcção técnica ou de coordenação de equipamentos, bem como as funções de secretariado pessoal relativamente aos titulares desses cargos e ainda as funções de chefia ou outras cuja natureza pressuponha especial relação de confiança com a instituição”, podem ser exercidos em comissão de serviço.
Na verdade, está em causa o exercício de funções temporárias, de especial confiança, para as quais a A. foi nomeada, com efeitos a partir de Janeiro de 2017, após concurso interno, mantendo essas funções após a outorga do contrato de trabalho mencionado no ponto 1 do elenco fáctico, onde houve o cuidado de clausular que as funções de coordenação técnico-pedagógica da valência CRP seriam exercidas por tempo limitado, i.e., até ao termo do programa de formações em curso.
Já se apontou no Supremo Tribunal de Justiça o seguinte: “a ratio da exigência do documento escrito (…) reside na necessidade de consciencializar as partes, sobretudo o trabalhador, da precariedade do cargo (ou do vínculo laboral, no caso de se tratar de comissão de serviço externa), sancionando-se a falta de forma com a permanência do trabalhador no cargo. Ora, com o processo concursal acordado no AE para os trabalhadores da recorrente que pretendam desempenhar cargos de chefia, ficam igualmente satisfeitos os valores da certeza e da segurança, bem como o escopo protector que o documento escrito exigido pela mencionada norma teve em vista.”[14]
Em consequência, decidiu-se nesse aresto que, numa situação em que a convenção colectiva também previa que os cargos de direcção e chefia não faziam parte dos grupos profissionais e seriam exercidos em comissão de serviço, a submissão do trabalhador a processo concursal e posterior nomeação pela empresa, satisfazia os valores da certeza e da segurança jurídica que o documento escrito visa obter. Assim, o desempenho destes cargos não confere o direito a uma nova categoria, pelo que o regresso do trabalhador à categoria anterior constitui um acto legal, que não envolve a violação do princípio da irreversibilidade do estatuto profissional.[15]
Concordando, pois, com a Recorrente nesta parte das suas alegações, será a sentença revogada na parte em que declarou a ilegalidade da cessação das funções de coordenação técnico-pedagógica, reclassificou a A. nessa categoria e manteve o acréscimo remuneratório de € 100,00 a partir de Dezembro de 2021.

DECISÃO
Destarte, concedendo parcial provimento ao recurso, decide-se:
a) confirmar a sentença na parte em que declarou ilícito o despedimento efectuado pela empregadora;
b) confirmar a sentença na parte em que condenou a empregadora a reintegrar a trabalhadora, no seu posto de trabalho, com respeito pela sua antiguidade, categoria e funções;
c) confirmar a sentença na parte em que condenou a empregadora a pagar à trabalhadora as retribuições vencidas desde 29.07.2022 e as vincendas até ao trânsito em julgado da decisão final da causa, considerando a retribuição mensal base de € 1.200,00, e € 3,00 de subsídio de alimentação por cada dia efectivo de trabalho prestado, com dedução dos montantes mencionados no ponto 3 do dispositivo da sentença e nas condições aí fixadas;
d) revogar a sentença na parte em que condenou a empregadora a pagar um acréscimo remuneratório de € 100,00 a partir da data de despedimento (29.07.2022), indo nesta parte a Ré absolvida;
e) confirmar a sentença na parte em que condenou a empregadora a reconhecer que a relação laboral existente com a trabalhadora teve o seu início em 11.06.2008;
f) revogar a sentença na parte em que condenou a empregadora a reconhecer a ilegalidade da cessação das funções de coordenação técnica por ordem verbal e com efeitos imediatos da trabalhadora, indo nesta parte a Ré absolvida; e,
g) revogar também a sentença na parte em que condenou a empregadora a reconhecer a reclassificação das funções de coordenação técnico-pedagógica da trabalhadora, com efeitos desde 20.12.2021, mantendo o direito ao acréscimo remuneratório de € 100,00 mensais a partir dessa data, indo nesta parte a Ré absolvida.

Custas na proporção de 4/5 pela empregadora, e de 1/5 pela trabalhadora.

Évora, 7 de Dezembro de 2023

Mário Branco Coelho (relator)
Paula do Paço
Emília Ramos Costa

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[1] Publicado no DR, I Série, de 14.11.2023, com o sumário rectificado pela Declaração de Rectificação n.º 25/2023, de 28.11.2023.
[2] Cfr. Maria do Rosário Palma Ramalho, in Tratado de Direito do Trabalho, Parte II – Situações Laborais Individuais, 6.ª ed., 2016, pág. 909.
[3] Pedro Furtado Martins, in Cessação do Contrato de Trabalho, 4.ª ed., 2017, pág. 296.
[4] Idem, ibidem, pág. 298.
[5] Pedro Furtado Martins, loc. cit., pág. 305.
[6] Acórdão de 06.04.2017 (Proc. 1950/14.2TTLSB.L1), publicado em www.dgsi.pt.
[7] António Monteiro Fernandes, in Direito do Trabalho, 13.ª ed., 2006, págs. 591/592, em análise a norma idêntica do art. 403.º n.º 3 do Código do Trabalho de 2003.
[8] Cfr. o Acórdão da Relação de Lisboa de 22.06.2005 (Proc. 4085/2005-4), publicado em www.dgsi.pt.
[9] Loc. cit., pág. 305.
[10] In Direito do Trabalho, 3.ª ed., 2006, pág. 380.
[11] In Manual de Direito do Trabalho, 1994, págs. 669.
[12] Neste sentido, vide os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 09.06.1998 (CJ-STJ, tomo II, págs. 287-289), de 10.12.2008 (Proc. 08B2563), e de 09.03.2017 (Proc. 161/15.4T8VRL.G1.S1), estes últimos publicados em www.dgsi.pt.
[13] Neste sentido, vide o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17.06.2009 (Proc. 08S38419) e o da Relação do Porto de 23.04.2018 (Proc. 27689/15.3T8PRT.P1), ambos publicados em www.dgsi.pt.
[14] No Acórdão de 19.02.2013 (Proc. 5/11.6TTGRD.C1.S1), com argumentação retomada no Acórdão do mesmo Supremo Tribunal de Justiça de 24.01.2018 (Proc. 2137/15.2T8TMR.E1.S1), ambos publicados em www.dgsi.pt.
[15] Mencionado Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19.02.2013.