Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | VÍTOR SEQUINHO DOS SANTOS | ||
Descritores: | CONTRATO DE ARRENDAMENTO PARA HABITAÇÃO RENOVAÇÃO DO CONTRATO PRAZO | ||
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Data do Acordão: | 01/16/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Sumário: | O n.º 1 do artigo 1096.º do Código Civil, com a redacção introduzida pela Lei n.º 13/2019, de 12.02, deve ser interpretado no sentido de proibir a estipulação de um prazo decorrente de renovação do contrato de arrendamento inferior ao que nele se estabelece. (Sumário do Relator) | ||
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Decisão Texto Integral: | Processo n.º 78/24.1T8LAG.E1 – Procedimento especial de despejo.
Autora/recorrida: (…) Portfolio, (…), S.A.. Ré/recorrente: (…). Pedido: Restituição da fracção autónoma designada pela letra (…) do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, sito na União das Freguesias de Lagos (São Sebastião e Santa Maria), concelho de Lagos (correspondente à segunda cave A, Banda A, Bloco 3, com entrada pelo Lote … da Estrada …, Quinta da …, em Lagos), descrito na Conservatória do Registo Predial de Lagos sob o n.º (…) e inscrito na respectiva matriz sob o artigo (…), na sequência da cessação do contrato de arrendamento por oposição à renovação por parte da autora. Sentença recorrida: Julgou a acção procedente, declarando a extinção do contrato de arrendamento, com efeitos a 30.06.2024, e condenando a ré a entregar o locado, à autora, no prazo de 30 dias, livre de pessoas e bens e no estado em que o recebeu, ressalvadas as deteriorações inerentes a uma prudente utilização, em conformidade com os fins do contrato. Conclusões do recurso: A. O presente recurso tem como objecto a sentença proferida pelo tribunal recorrido que declarou a caducidade, com efeitos a 30.06.2024, do contrato de arrendamento para habitação celebrado em 01.07.2015 com a recorrente, pelo prazo de 5 anos, renovável, dessa forma condenando a recorrente a proceder à entrega do locado no prazo de 30 dias. B. Entende a recorrente que o tribunal recorrido não fez uma correcta subsunção da matéria de facto ao direito aplicável, tendo incorrido em erro de interpretação e aplicação da norma substantiva aplicável ao caso em apreço gerador de violação da lei substantiva, bem como em erro de interpretação e aplicação da lei de processo gerador de violação da lei processual civil. C. A recorrida socorreu-se do prazo de renovação de 1 ano previsto no contrato de arrendamento para se opor à renovação do mesmo com efeitos a 30.06.2023 e intentar o presente procedimento especial de despejo. D. Todavia, considera a recorrente que, contrariamente ao entendimento defendido pela recorrida e adotado na sentença recorrida, o contrato em apreço não é renovável por apenas 1 ano, mas sim por 5 anos. E. Isto porque, a 01.07.2020, data da primeira renovação do contrato, encontrava-se já em vigor a Lei n.º 13/2019, de 12 de Fevereiro, a qual veio estabelecer «medidas destinadas a corrigir situações de desequilíbrio entre arrendatários e senhorios, a reforçar a segurança e a estabilidade do arrendamento urbano e a proteger arrendatários em situação de especial fragilidade» (cfr. artigo 1º) e dar uma nova redacção ao artigo 1096.º do Código Civil, que passou a estabelecer, para os contratos de habitação renováveis com duração inicial superior a 3 anos, um prazo de renovação igual ao da sua duração inicial. F. À semelhança da jurisprudência e doutrina aludidas no corpo das alegações, entende a recorrente que foi intenção do legislador, em 2019, estabelecer um prazo mínimo de renovação igual ao da duração inicial do contrato de arrendamento, nos casos em que a duração inicial é superior a 3 anos e as partes não tenham convencionado a exclusão da renovação, como sucede in casu, desse modo garantindo a maior estabilidade possível dos arrendamentos habitacionais e dos agregados familiares. G. A recorrente entende assim que, no seu termo, os contratos de arrendamento para habitação renováveis se renovam automaticamente, por períodos sucessivos de igual duração (ou seja, in casu, 5 anos) e, apenas se a duração inicial for inferior a três anos, por períodos três anos, em conformidade com o estipulado no n.º 1 do artigo 1096.º do Código Civil. H. O que significa que, uma vez que o contrato foi celebrado por um período inicial de 5 anos, e não foi excluída pelas partes a sua renovação, o contrato em apreço se renovou automaticamente em 01.07.2020 por um período de 5 anos, ou seja, até ao dia 30.06.2025, e não por períodos sucessivos de 1 ano, conforme entendem a recorrida e o tribunal recorrido. I. Sendo assim, a comunicação efectuada pela recorrida à recorrente, de que não pretendia a renovação do contrato de arrendamento e este cessaria a 30.06.2023, por não respeitar aquele prazo de renovação de 5 anos, não pode produzir quaisquer efeitos contra a recorrente. J. Pelo que andou mal o tribunal recorrido ao não declarar que o contrato se renovou em 01.07.2020 até 30.06.2025 e ao declarar a caducidade do contrato com efeitos a 30.06.2024. K. Sem prejuízo do acima exposto, ainda que por mera hipótese académica se considerasse que o contrato de arrendamento em apreço é renovável por períodos de 1 ano ou até de 3 anos, sempre se dirá: L. O tribunal recorrido concluiu e bem que a comunicação de oposição à renovação não foi remetida à recorrente com a antecedência mínima prevista na lei, ou seja, 120 dias, pelo que não é apta a fazer cessar o contrato com efeitos a 30.06.2023, como pretendido pela recorrida. M. Contudo, pese embora tenha reconhecido a ineficácia da comunicação de oposição à renovação com efeitos a 30.06.2023, por extemporânea, o tribunal recorrido, recorrendo aos artigos 610.º, n.º 1 e 611.º do CPC, entendeu, ainda assim, que aquela comunicação é apta a obstar à renovação seguinte, que – no entendimento do tribunal recorrido, por entender que o contrato é renovável por 1 ano – ocorreria a 30.06.2024. N. Nessa conformidade, o tribunal recorrido declarou a caducidade do contrato de arrendamento com efeitos a 30.06.2024 (e não com efeitos a 30.06.2023, como pretendido pela recorrida), o que não se aceita. O. Com efeito, nos termos do disposto no artigo 15.º, n.º 1 e n.º 2, alínea c), do NRAU, o PED só pode ser instaurado quando já ocorreu a cessação do contrato de arrendamento por oposição à renovação automática por parte do senhorio, não tendo o arrendatário desocupado o locado, e nunca antes dessa cessação (e ainda que a caducidade do contrato pela razão sobredita possa verificar-se durante a pendência do PED). P. Tendo o contrato de arrendamento cessado por oposição à renovação do senhorio apenas em 30.06.2024 (como defende o tribunal recorrido), é patente que em 03.10.2023, data da apresentação do requerimento de despejo, o contrato de arrendamento ainda não tinha cessado, o que significa que o PED foi instaurado sem que se encontrasse preenchido o pressuposto básico deste procedimento, ou seja, ter o contrato de arrendamento já chegado ao termo do momento em que ocorria a sua renovação automática não fosse a oposição à mesma. Q. In casu, o PED foi instaurado em 03.10.2023, isto é, antes do termo da renovação em 30.06.2024 defendida pelo tribunal recorrido, o que comprometeria necessariamente a sua viabilidade, pois não poderia ter-se como incumprida a obrigação da inquilina de desocupar o locado aquando da instauração do procedimento, como estabelecido no n.º 1 do artigo 15.º do NRAU. R. O direito que a parte pretende ver reconhecido em tribunal tem que ter os seus pressupostos preenchidos na data da propositura da acção ou, no caso, do procedimento extrajudicial instituído legalmente para esse efeito. S. O direito de oposição à renovação da recorrida não foi exercido com a antecedência legal de 120 dias, e, por isso, não produziu os efeitos que visava (ou seja, a caducidade do contrato de arrendamento com efeitos a 30.06.2023). T. A decisão do tribunal recorrido, ao reconhecer a caducidade do contrato com efeitos a 30.06.2024, afasta-se do objecto do processo e viola o princípio do pedido consagrado no artigo 609.º, n.º 1, do CPC. U. O artigo 611.º do CPC nunca poderia ser aplicado no caso em apreço: o que está em causa no processo é uma caducidade ocorrida em 30.06.2023, que teria porventura feito surgir o direito da recorrida à restituição em 01.07.2023, pelo que qualquer facto posterior a tal data não tem nada a ver com essa caducidade. V. O contrato de arrendamento apenas poderá vir a caducar noutro ano, mas apenas depois da devida manifestação da vontade da recorrida em se opor à renovação do contrato nesse outro ano. W. No entanto, em 03.10.2023, quando foi instaurado o PED, tal caducidade não se tinha verificado, em virtude da ineficácia da oposição à renovação, por extemporânea. X. Por conseguinte, a sentença recorrida, ao declarar a caducidade do contrato de arrendamento com efeitos a 30.06.2024, é nula por condenar em objecto diverso do pedido (cfr. artigo 615.º, n.º 1, alínea e), do CPC). Y. Pelo que, na eventualidade de se entender que o contrato é renovável por 1 ano, deverá ser revogada a sentença recorrida e declarado que o contrato se renovou novamente em 01.07.2024, até 30.06.2025. Z. Ou, caso venha a ser perfilhado por essa Veneranda Relação o entendimento de que a norma do artigo 1096.º, n.º 1, do CC impõe no caso em apreço um prazo de renovação de 3 anos, deverá ser declarado que – em virtude da ineficácia da comunicação de oposição à renovação remetida à recorrente - o contrato renovou-se automaticamente em 01.07.2023 por 3 anos, até 30.06.2026. AA. Ao ter declarado a caducidade do contrato com efeitos a 30.06.2024, a sentença recorrida violou as normas jurídicas dos artigos 1096.º, n.º 1, do CC, 15.º, n.º 1, do NRAU e 3.º, n.º 1, 609.º, n.º 1, 610.º, n.º 1 e 611.º do CPC. Questão a decidir: Eficácia da oposição à renovação do contrato de arrendamento. Factos julgados provados pelo tribunal a quo: 1. A aquisição do direito de propriedade sobre a fracção autónoma designada pela letra (…) do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, sito na União das freguesias de Lagos (São Sebastião e Santa Maria), no concelho de Lagos (correspondente à segunda cave A, Banda A, Bloco 3, com entrada pelo Lote … da Estrada … – Quinta da …, em Lagos), descrito na Conservatória do Registo Predial de Lagos sob o n.º (…) e inscrito na respectiva matriz sob o artigo (…), encontra-se registada a favor da requerente, que a adquiriu por compra a «Arrendamento Mais – Fundo de Investimento Imobiliário Fechado para Arrendamento Habitacional». 2. A 01.07.2015, «Arrendamento Mais – Fundo de Investimento Imobiliário Fechado para Arrendamento Habitacional» e a requerida acordaram no arrendamento da fracção autónoma referida em 1 a troco do pagamento de uma renda mensal de € 440,00, sendo o locado destinado exclusivamente a habitação permanente do arrendatário e o contrato celebrado pelo prazo de 5 (cinco) anos, com início na mesma data e termo a 30.06.2020, e renovável por iguais e sucessivos prazos de um ano, salvo se denunciado por qualquer das partes nos termos da cláusula 3. 3. A cláusula 3.1 prevê que o senhorio poderá opor-se à renovação automática do contrato mediante comunicação, remetida ao arrendatário por carta registada com aviso de recepção, com a antecedência mínima de 120 dias do termo do prazo de duração inicial do contrato, ou de qualquer uma das suas eventuais renovações. 4. A cláusula 9.1 prevê que, para os efeitos previstos na alínea c) do n.º 7 do artigo 9.º do NRAU, as partes convencionam como domicílio do arrendatário o imóvel objecto do contrato de arrendamento. 5. A 21.02.2023, a requerente enviou para o locado carta registada com aviso de recepção dirigida à requerida, comunicando-lhe a oposição à renovação do contrato de arrendamento relativo à fracção autónoma referida em 1 e que tal contrato cessaria os seus efeitos a 30.06.2023. 6. A entrega da carta referida em 5 foi tentada a 24.02.2023, sem que a requerida tenha atendido, e a carta foi devolvida, por não ter sido levantada, a 08.03.2023. 7. A 21.04.2023, a requerente enviou para o locado nova carta registada com aviso de recepção dirigida à requerida, comunicando-lhe a oposição à renovação do contrato de arrendamento relativo à fracção autónoma referida em 1 e que tal contrato cessaria os seus efeitos a 30.06.2023. 8. A entrega da carta referida em 7 foi tentada a 24.04.2023, sem que a requerida tenha atendido, e a carta foi devolvida, por não ter sido levantada, a 08.05.2023. * O contrato de arrendamento foi celebrado em 01.07.2015. Foi estipulado um prazo de vigência de 5 anos e que, no final de cada período de vigência, o contrato se renovaria por um período de 1 ano, salvo se alguma das partes se opusesse validamente a essa renovação. Vigorava, então, a redacção do artigo 1096.º do CC anterior à Lei n.º 13/2019, de 12.02. Era ela a seguinte: 1 – Salvo estipulação em contrário, o contrato celebrado com prazo certo renova-se automaticamente no seu termo e por períodos sucessivos de igual duração, sem prejuízo do disposto no número seguinte. 2 – Salvo estipulação em contrário, não há lugar a renovação automática nos contratos celebrados por prazo não superior a 30 dias. 3 – Qualquer das partes pode opor-se à renovação, nos termos dos artigos seguintes. Então, como agora, o n.º 1 regulava dois elementos do contrato: 1 – Se este se renovava uma vez decorrido o prazo de vigência estipulado; 2 – Havendo lugar a renovação, qual o prazo de vigência dela resultante. A primeira parte do n.º 1 não suscitava qualquer dúvida acerca da natureza supletiva do regime que estabelecia relativamente a ambos os referidos elementos. As partes eram livres de, afastando aquele regime, estipularem, ou que o contrato não se renovaria no final do prazo estipulado, ou que o prazo de vigência resultante de cada renovação seria diverso do prazo de vigência inicialmente estipulado. Os termos em que a renovação do contrato dos autos foi estipulada harmonizavam-se perfeitamente com o descrito regime legal. Não se afastou o regime supletivo da renovação automática do contrato, mas afastou-se o regime supletivo do prazo de vigência do contrato resultante da renovação. Quanto a este segundo aspecto, estipulou-se que, apesar de o prazo inicial de vigência ser de 5 anos, o contrato se renovaria por períodos de 1 ano. Ou seja, em 01.07.2020, renovar-se-ia até 30.06.2021. Porém, em 13.02.2019, entrou em vigor a Lei n.º 13/2019, de 12.02, que alterou os n.ºs 1 e 2 do artigo 1096.º do CC, cuja redacção passou a ser a seguinte: 1 – Salvo estipulação em contrário, o contrato celebrado com prazo certo renova-se automaticamente no seu termo e por períodos sucessivos de igual duração ou de três anos se esta for inferior, sem prejuízo do disposto no número seguinte. 2 – Salvo estipulação em contrário, não há lugar a renovação automática nos contratos previstos n.º 3 do artigo anterior. A aplicabilidade do novo regime aos contratos de arrendamento existentes à data da sua entrada em vigor não oferece dúvidas, resultando da 2.ª parte do n.º 2 do artigo 12.º do CC: quando a lei nova dispuser directamente sobre o conteúdo de certas relações jurídicas, abstraindo dos factos que lhes deram origem, entender-se-á que abrange as relações jurídicas já constituídas que subsistam à data da sua entrada em vigor. A dificuldade reside na interpretação do actual n.º 1 do artigo 1096.º do CC. Poderá continuar a entender-se que a supletividade resultante da ressalva de estipulação em contrário, mantida na sua parte inicial, abrange os dois aspectos por ele regulados? Ou há razões para passar a restringir o âmbito dessa supletividade à existência, ou não, de renovação do contrato no final do prazo de vigência nele estipulado? Como inevitavelmente acontece quando está em causa a interpretação de normas jurídicas deficientemente formuladas, a jurisprudência encontra-se dividida na resposta a esta questão. Uma corrente jurisprudencial sustenta que o regime estabelecido pelo n.º 1 do artigo 1096.º do CC sobre o prazo resultante da renovação do contrato continua a ser supletivo. Daí que, por um lado, as partes continuem a ter plena liberdade para estipularem prazos resultantes da renovação do contrato diversos dos estabelecidos naquela norma, e, por outro, que os contratos pré-existentes em que a renovação não tenha sido excluída se renovem nos precisos termos nele estipulados. No caso dos autos, o afastamento do anterior regime supletivo, mediante a estipulação de que o prazo resultante da renovação seria de 1 ano, continuaria a valer à face do novo regime. Ou seja, o contrato dos autos ter-se-ia renovado em 01.07.2021, 01.07.2022, etc.. Foi este o entendimento do tribunal a quo. Uma outra corrente jurisprudencial restringe o âmbito da supletividade resultante da primeira parte do n.º 1 do artigo 1096.º do CC à renovabilidade do contrato. As partes continuam a poder estipular que o contrato não se renovará no final do prazo de vigência nele estipulado. Porém, deixaram de ter a possibilidade de estipular prazos de vigência do contrato decorrentes da renovação deste que se afastem do estabelecido naquela norma legal, salvo se forem mais extensos, atenta a finalidade protectora da posição do arrendatário assumida pela Lei n.º 13/2019. Assim, por um lado, os prazos de vigência do contrato que resultarem da renovação deste nunca poderão ser inferiores ao prazo inicial estipulado pelas partes. Por outro lado, aqueles prazos serão obrigatoriamente de três anos, ou superiores, sempre que estes últimos forem inferiores a três anos. O resultado da aplicação deste regime aos contratos existentes à data da entrada em vigor da Lei n.º 13/2019 é a extensão dos prazos das renovações ocorridas após a entrada desta em vigor nos termos ali estabelecidos. No caso dos autos, a aplicação do n.º 1 do artigo 1096.º do Código Civil, na sua actual redacção, determinaria que, em 01.07.2020, o contrato se tivesse renovado por 5 anos, ou seja, até 30.06.2025. A já apontada deficiência da redacção dada pela Lei n.º 13/2019 ao n.º 1 do artigo 1096.º consiste em que qualquer das duas interpretações referidas nela encontra suporte suficiente. Ou seja, em vez de se exprimir em termos inequívocos, como é seu dever, o legislador optou por uma formulação que dá lugar a fundadas dúvidas acerca daquilo que efectivamente pretendeu. Com efeito, a ressalva inicial da possibilidade de estipulação em contrário pode, sem esforço, ser interpretada, quer no sentido de se referir apenas à renovabilidade do contrato, quer no de continuar a abranger, igualmente, a duração do prazo resultante da renovação do contrato. Apenas a ponderação da teleologia da Lei n.º 13/2019 permitirá encontrar a solução visada pelo legislador. Nessa tarefa, mostra-se decisivo o que se consagra logo no artigo 1.º da Lei n.º 13/2019: «A presente lei estabelece medidas destinadas a corrigir situações de desequilíbrio entre arrendatários e senhorios, a reforçar a segurança e a estabilidade do arrendamento urbano e a proteger arrendatários em situação de especial fragilidade (…)». Reforçar a segurança e a estabilidade do arrendamento urbano, sublinhamos. É este um dos objectivos centrais daquela lei, devendo as normas que a mesma introduziu na ordem jurídica, nomeadamente no artigo 1096.º do CC, ser interpretadas a essa luz. Ora, não nos parece que a interpretação segundo a qual o regime estabelecido pelo n.º 1 do artigo 1096.º do CC sobre o prazo resultante da renovação do contrato continua a ser supletivo pondere devidamente o referido objectivo. Se fosse esse o sentido da norma, a alteração nesta introduzida deixaria quase tudo na mesma. Os contratos de arrendamento que viessem a ser celebrados poderiam afastar o regime supletivo estabelecido quanto ao prazo resultante da sua futura renovação com uma latitude incompatível com o objectivo de reforço da sua segurança e a estabilidade. Nomeadamente, continuaria a ser possível a estipulação de contratos com um prazo de vigência de 5 anos, renováveis por períodos de 1 ano, como acontece com o dos autos. Quanto aos contratos de arrendamento existentes à data da entrada em vigor da Lei n.º 13/2019, o resultado seria na mesma linha. A estipulação, num contrato com um prazo de vigência de 5 anos, de um prazo de 1 ano após cada renovação, como acontece com o dos autos, consubstanciaria uma «estipulação em contrário», que afastaria o novo regime do n.º 1 do artigo 1096.º do CC. Parece-nos evidente que, com esta interpretação do n.º 1 do artigo 1096.º do Código Civil, o objectivo legal de reforço da segurança e da estabilidade do arrendamento urbano ficaria completamente frustrado. Tal objectivo apenas será prosseguido se aquela norma for interpretada no sentido de proibir a estipulação de um prazo decorrente de renovação do contrato inferior àquilo que dela resulta. Ou seja, se se entender que esse segmento da norma tem natureza imperativa, salvo na medida em que as partes pretendam estabelecer um prazo decorrente de renovação do contrato superior ao previsto. No que concerne aos contratos pré-existentes, deve entender-se que, por força da alteração introduzida pela Lei n.º 13/2019 no n.º 1 do artigo 1096.º do Código Civil, o prazo decorrente de renovação do contrato passará a ter de se conformar com o novo regime. No caso dos autos, esse prazo será de 5 anos, por ter sido esse o prazo estipulado para a duração do contrato. Significa isto que, em 01.07.2020, vigorando já a Lei n.º 13/2019, o contrato dos autos se renovou por 5 anos, nos termos do n.º 1 do artigo 1096.º do CC, pelo que vigorará até 30.06.2025. Daí que a oposição à renovação efectuada pela recorrida, no errado pressuposto de que, a partir de 01.07.2020, o contrato se renovara por sucessivos períodos de 1 ano, seja ineficaz. Consequentemente, inexiste fundamento para declarar o contrato extinto por oposição à renovação, seja com efeitos a 30.06.2023, seja com efeitos a 30.06.2024, e para condenar a recorrente a restituir o locado. Terá, assim, a sentença recorrida de ser revogada, julgando-se a acção improcedente. Procedendo o recurso com o fundamento acabado de apontar, fica prejudicado o conhecimento das restantes questões suscitadas pela recorrente. * Dispositivo: Delibera-se, pelo exposto: - Julgar o recurso procedente, revogando-se a sentença recorrida; - Julgar a acção improcedente, absolvendo-se a ré/recorrente do pedido. Custas a cargo da recorrida (artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPC). Notifique. * Sumário: (…)
Évora, 16.01.2025 Vítor Sequinho dos Santos (relator) Canelas Brás (1.º adjunto) Ana Margarida Leite (2.ª adjunta) |