Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
5100/21.0T8STB.E1
Relator: MÁRIO BRANCO COELHO
Descritores: ESBULHO VIOLENTO
POSSE DE BOA FÉ
Data do Acordão: 05/09/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário:
1. A violência no esbulho tanto pode ser exercida sobre pessoas como sobre coisas, mas, neste último caso essa violência deverá traduzir-se numa forma de coacção moral do possuidor.
2. É o que sucede quando um vizinho coloca uma vedação na estrema dos prédios, abrangendo uma parcela de terreno onde se encontrava a cabine de electricidade que abastecia a residência dos RR. e assegurava a extracção de água para seu consumo e para regadio, assim impedindo o seu acesso a esses bens essenciais – electricidade e água.
3. Circunstância agravada pelo corte de árvores de fruto e pés de vinha que existiam nessa parcela, assim impedindo a sua fruição.
4. Constituindo tal comportamento esbulho violento, não é apto para a ocorrência de nova posse enquanto não cessar – art. 1267.º n.º 2 do Código Civil.
5. Pode-se afirmar a ocorrência de posse com boa fé se na data de aquisição do prédio pelos RR. não existia qualquer conflito de confrontações com os vizinhos, nomeadamente em relação à parcela onde estava implantada a aludida cabine de electricidade e onde estavam as árvores de fruto e os pés de vinha.
(Sumário elaborado pelo relator)
Decisão Texto Integral:
Acordam os Juízes da 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora:

No Juízo Local Cível de Setúbal, AA demandou BB e CC, pedindo que estes sejam condenados a concorrer na demarcação das estremas dos prédios de ambos, por forma a serem definitivamente fixadas as linhas divisórias, se necessário for, com a cravação de marcos, nos termos definidos no levantamento topográfico e na perícia realizada no processo n.º 884/12.0TBSTB. Mais pede a condenação dos RR. em € 3.000,00 a título de danos não patrimoniais, e de outro tanto a título de danos patrimoniais.
Alega que o seu prédio confronta com o dos RR. e que existe uma disputa em relação a uma parcela com cerca de 500m2, onde se encontra instalada uma cabine de electricidade, utilizada pelos RR..
Na contestação, alega-se que a cabine eléctrica e a área de 500m2 onde está implantada integra o prédio dos RR. desde que o adquiriram em 2002. Os prédios estavam efectivamente demarcados com os proprietários anteriores ao A., e que o conflito apenas surgiu quando este adquiriu o seu prédio, em 2011, altura em que invadiu o dos RR., numa área de 500m2, destruindo 1.500 pés de vinha, 2 laranjeiras e uma figueira com mais de 50 anos, e danificando as fechaduras da cabine eléctrica.
Em reconvenção, pedem a condenação do A. a reconhecer o direito de propriedade dos RR. sobre a aludida parcela de 500m2, e a abster-se de quaisquer actos que obstem à sua usufruição, incluindo abster-se de quaisquer actos que impeçam ou diminuam a utilização pelos RR. da cabine de electricidade, bem como o pagamento de danos patrimoniais e não patrimoniais no valor de € 19.500,00.
Houve réplica, na qual foi invocada a excepção de caso julgado quanto aos danos peticionados, pois já foram peticionados em anterior acção e deles foi o A. absolvido.
No saneador, foi decidido admitir apenas parcialmente o pedido reconvencional (não foi admitido na parte do pedido indemnizatório relativo a despesas com acções judiciais e patrocínio dos RR.) e foi julgada procedente a excepção de caso julgado quanto ao pedido reconvencional fundado em danos não patrimoniais.
Após julgamento, a sentença decidiu julgar a acção improcedente e a reconvenção parcialmente procedente e, em consequência:
a) absolver os RR. dos pedidos formulados pelo A.;
b) condenar o A. a reconhecer o direito de propriedade dos RR. sobre a parcela com cerca de 500m2, situada entre a estrema sul do seu prédio e a estrema norte do prédio dos RR., onde se encontra instalada uma cabine de electricidade, e a abster-se de quaisquer actos que obstem à usufruição cabal da mesma pelos RR.;
c) condenar o A. a abster-se de quaisquer actos que impeçam ou diminuam a utilização pelos RR. da dita cabine de electricidade;
d) condenar o A. a indemnizar os RR. pela destruição de 3 carreiras de pés de vinha, a liquidar em sede de incidente de liquidação de sentença, com vista a apurar o concreto número de pés de vinha destruídos e respectivo valor;
e) absolver o A. do mais peticionado em reconvenção.

O A. recorre do assim decidido, rematando as suas alegações com conclusões que não efectuam uma verdadeira síntese dos fundamentos pelos quais pede a revogação da sentença, como exigido pelo art. 639.º n.º 1 do Código de Processo Civil.
De todo o modo, podem ali ser surpreendidas as seguintes questões fundamentais a decidir no recurso, que assim se identificam (art. 663.º n.º 2 do Código de Processo Civil):
· Se deve ser alterada a resposta ao ponto 2, para ter a seguinte redacção “Após a compra, o Autor passou a cultivar o prédio à frente de todos e sem oposição de ninguém, incluindo a parcela aludida em 6), até à presente data”;
· Se aos pontos 8, 9 e 10 dos factos provados deve ser acrescentado o seguinte, em todos eles: “(…) até à data em que o A. adquiriu o seu prédio, ou, assim não se entendendo, até Agosto de 2011”;
· Se ao ponto 15 dos factos provados deve ser acrescentado o seguinte: “(…), no entanto, apesar da decisão, não se verificou a restituição da parcela referida em 6) aos RR.”;
· Se o ponto 24 dos factos provados deve ter a seguinte redacção: “o A. não conseguia colocar luz no seu prédio, porque já existia uma baixada de electricidade em nome dos RR. (na cabine de electricidade no prédio do A.) e por esse motivo a EDP recusava celebrar novo contrato de electricidade no mesmo prédio, ainda que em nome de outro titular”;
· Se deve ser acrescentado aos factos provados o seguinte: “O A. passou a opor-se à utilização pelos RR. da parcela referida em 6) desde a data em que adquiriu o seu prédio, em 8 de Setembro de 2010, ou, assim não se entendendo, desde Agosto de 2011, passando o A. a ter a posse da referida parcela a partir dessa data, até à presente data”;
· Se deve ser dado como provado que a conclusão da perícia colegial realizada no processo nº 884/12.0TBSTB, é a conclusão correcta quanto às estremas dos prédios do A. e dos RR.;
· Se deve ser dado como provado o facto que a sentença deu como não provado no ponto i);
· Se os RR. só tiveram a posse da parcela referida em 6), até o A. adquirir o seu prédio ou, pelo menos, até Agosto de 2011, data em que colocou a vedação;
· Se a partir desta data os RR. deixaram de ter a posse dessa parcela, passando a posse a ser do A.;
· Se a posse dos RR. foi interrompida por período superior a um ano, desde Agosto de 2011, pelo que não é de aplicar o disposto no art. 1267.º n.º 1 al. d) do Código Civil;
· Se a posse dos RR. não se verifica por tempo suficiente que permita a aquisição por usucapião da parcela referida em 6).

A resposta sustenta a manutenção do julgado.
Corridos os vistos, cumpre-nos decidir.

Impugnação da matéria de facto
(…)
Resumindo, toda a impugnação da matéria de facto improcede, fixando-se os factos provados exactamente como constam da sentença recorrida.

A matéria de facto provada é, assim, a seguinte:
1. Em 08 de Setembro de 2010, o Autor adquiriu, por escritura pública de compra e venda, o prédio rústico sito em …, freguesia e concelho de Palmela, inscrito na matriz sob o Artigo …, Secção … e descrito sob o nº … na Conservatória do Registo Predial de Palmela, com a área ali constante de 14.250m2.
2. Após a compra, o Autor passou a cultivar o prédio à frente de todos e sem oposição de ninguém.
3. Nessa altura, os Réus já tinham adquirido a … e …, em 17 de Setembro de 2002, o prédio misto composto na parte rústica de terras de semeadura e pinhal, com a área de ali constante de 7.000m2 e a parte urbana composta por rés-do-chão para habitação e anexo, com a área coberta de 65m2 e logradouro com 100m2, sito no …, freguesia e concelho de Palmela, inscrito na respectiva matriz predial rústica sob o art.º … da secção … e urbana sob o art.º …, descrito na Conservatória do Registo Predial de Palmela sob o número …, da freguesia de Palmela.
4. O prédio do Autor confronta a sul com o prédio dos Réus.
5. Os Réus residem no prédio aludido em 3) desde o momento em que o adquiriram.
6. Existe uma parcela com cerca de 500m2, situada entre a estrema sul do prédio do Autor e a estrema norte do prédio dos Réus, onde se encontra instalada uma cabine de electricidade.
7. Quando o Autor adquiriu o seu prédio, os Réus já exploravam a parcela aludida em 6).
8. E desde que os Réus adquiriram o prédio, nele procedem ao cultivo e apanha dos frutos, incluindo na parcela aludida em 6).
9. Fazem-no à vista de todos na intenção e convicção que a mesma lhes pertence.
10. Ali recebem familiares e amigos.
11. É através da referida cabine de electricidade que os Réus têm assegurado o abastecimento de electricidade da sua residência e a extracção de água para seu consumo e para regadio.
12. Na data em que os Réus adquiriram a propriedade referida em 3), inexistia conflito de confrontações com vizinhos, nomeadamente, em relação à parcela aludida em 6), cuja cabine servia de electricidade o seu prédio.
13. Em Agosto de 2011, o Autor decidiu vedar o seu prédio e colocar estacas.
14. Ao colocar essa vedação, o Autor tomou em consideração um levantamento topográfico que previamente solicitou.
15. Por força do referido em 13) e 14), os Réus propuseram em seguida, como preliminar do processo nº 884/12.0TBSTB, um procedimento antecipatório de restituição provisória, que lhes deferiu a restituição da parcela aludida em 6) e a retirada das estacas então cravadas.
16. Após, os Réus propuseram o processo que correu com o nº 884/12.0TBSTB, no Juízo Local Cível de Setúbal, Juiz 2, do Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal, onde pediram, entre o mais, o reconhecimento do direito de propriedade, fundado no instituto da usucapião, da parcela aludida em 6).
17. Na sequência da disputa sobre o domínio da parcela aludida em 6), foi feito um levantamento topográfico, por ordem do Tribunal, do qual resultou que a área real ocupada pelo Autor é de 12.773,1m2 e que a área real ocupada pelos Réus é de 8.003,1m2.
18. Nesse processo, o pedido foi julgado improcedente por decisão de 09/10/2014, por se considerar não se ter completado o prazo de usucapião, nem em relação aos aí Autores (aqui Réus) nem em relação ao Réu (aqui Autor).
19. Após a decisão referida em 18), em data não concretamente apurada, o Autor retomou a vedação do prédio, nomeadamente no lado sul, norte do prédio dos Réus, onde se inclui a cabine de electricidade e a parcela de terreno onde esta está implantada.
20. E colocou vedações e estacas com cimento nos limites do referido levantamento topográfico.
21. Dado o aludido em 19) e 20), o 1.º Réu propôs de seguida, no Julgado de Paz de Palmela, o proc. que correu termos sob o n.º 238/2016-JPP.
22. No proc. n.º 238/2016-JPP, por decisão já transitada, o aqui Autor foi condenado:
a. A permitir o acesso irrestrito à cabine de electricidade ao 1.º Réu, com obrigação de retirar todos e quaisquer objectos que impeçam o acesso à referida cabine; e
b. A abster-se de praticar quaisquer actos que impeçam ou diminuam a utilização por parte do 1.º Réu da cabine de electricidade, enquanto não for resolvida a questão da titularidade do direito.
23. Mantém-se a disputa entre Autor e Réus quanto à parcela aludida em 6).
24. Até data recente não concretamente apurada, o Autor, sem aceder à parcela aludida em 6), não conseguia transportar energia eléctrica para o seu prédio.
25. Usava um gerador e ia buscar água em contentores para as suas necessidades básicas e para cuidar das suas plantações e animais.
26. Ao proceder conforme 13) e 14), o Autor cortou duas laranjeiras, uma figueira e pelo menos 3 carreiras de pés de vinha em número concreto de pés não apurado, que vinham sendo exploradas pelos Réus na parcela aludida em 6).
27. O 1.º Réu teve necessidade de executar, através do proc. n.º 2481/18.7T8STB, a decisão referida em 22), para o que procedeu ao corte da rede/vedações que colocavam a dita parcela e cabine do lado do prédio do Autor.

Aplicando o Direito.
1. Da posse conducente à aquisição por usucapião:
A sentença reconheceu o direito de propriedade dos RR. sobre a parcela em discussão nos autos – uma parcela com cerca de 500m2, situada entre a estrema sul do prédio do A. e a estrema norte do prédio dos RR., onde se encontra instalada uma cabine de electricidade – desenvolvendo o seguinte raciocínio fundamental: os Réus adquiriram a referida parcela por usucapião, dado o exercício de actos materiais de posse, como se proprietários fossem, desde que adquiriram a propriedade do seu prédio em 17.09.2002, exercendo tal posse de forma pública, pacífica e ininterrupta, o que sucede desde então e até à data da entrada da acção em juízo, a tal não obstando a construção das vedações empreendidas pelo A., dado que os RR. de imediato reagiram a essa actuação, de molde que não se pode afirmar que perderam a posse, pois a mesma logo foi judicialmente reconhecida e restituída – art. 1267.º n.º 1 al. d) do Código Civil.
O A. contrapõe que os RR. apenas detiveram a posse da parcela até Agosto de 2011, data em que colocou a vedação, pelo que desde essa data foi ele quem assumiu a posse, motivo pelo qual não é de aplicar o disposto no art. 1267.º n.º 1 al. d) do Código Civil.
De acordo com esta norma, o possuidor apenas perde a posse pela posse de outrem, mesmo contra a vontade do antigo possuidor, se a nova posse houver durado por mais de um ano. E acrescenta o n.º 2 que se a nova posse foi adquirida por violência, só se conta a partir da cessação desta.
Deste modo, não basta que se tenha iniciado uma nova posse, é necessário que esta tenha sido adquirida de modo não violento e que tenha durado por mais de um ano.
Ora, o A. não pode alegar que tomou a posse da parcela em discussão nos autos em Agosto de 2011, pois esta foi restituída aos RR. e na posse destes se manteve, até data não concreta, mas posterior ao Acórdão de 09.10.2014.
Na linha do Acórdão desta Relação de Évora de 07.12.2017, subscrito pelo relator do presente[1], entendemos que a violência no esbulho tanto pode ser exercida sobre pessoas como sobre coisas, mas, neste último caso essa violência deverá traduzir-se numa forma de coacção moral do possuidor.
Com efeito, o conceito de coacção a que se refere o art. 255.º do Código Civil, por remissão do n.º 2 do art. 1261.º, refere-se a pessoas, pois as coisas, em si mesmas, são insusceptíveis de coacção. Logo, é necessário que a acção exercida sobre coisas produza um constrangimento do possuidor de tal forma que este se veja obrigado a permitir o desapossamento, ficando colocado numa situação de incapacidade de reacção.
No caso, o comportamento do A. em Agosto de 2011, vedando a parcela em discussão e impedindo o acesso dos RR. à cabine de electricidade que abastecia a sua residência e assegurava a extracção de água para seu consumo e para regadio, deve considerar-se como uma forma coacção moral dos RR., na medida em que estes ficaram impedidos, contra sua vontade, do uso ou fruição do bem possuído ou da possibilidade de continuar esse exercício – tanto mais que foi prejudicado o acesso a bens essenciais na nossa sociedade, como é o consumo de electricidade e de água para fins domésticos.
Coacção moral reforçada pelo corte de duas laranjeiras, de uma figueira e de três carreiras de pés de vinha, que eram exploradas pelos RR., impedindo também a sua fruição.
Daí que se possa concluir que esse comportamento do A., em Agosto de 2011, constitui esbulho violento, pelo que jamais seria apto a constituir nova posse, para os fins do art. 1267.º n.º 2 do Código Civil.
Isto posto, também diremos que nada nos autos demonstra que a nova posse do A., iniciada em Agosto de 2011, tenha durado mais de um ano, pelo que bem fez a sentença recorrida ao aplicar a regra do art. 1267.º n.º 1 al. d), in fine, do Código Civil.
Diremos ainda mais.
Após o Acórdão de 09.10.2014, o A. retomou a vedação do prédio, no lado sul do seu prédio, norte do prédio dos Réus, onde se inclui a cabine de electricidade e a parcela de terreno onde esta está implantada, colocando vedações e estacas com cimento.
Mais uma vez prejudicando o acesso dos RR. a bens essenciais – a electricidade e a água que usavam na sua residência e no regadio – de tal forma que tiveram de recorrer de nova à Justiça, através do Julgado de Paz de Palmela, para obter o acesso irrestrito à cabine de electricidade.
Mais uma vez detectamos, no comportamento do A. adoptado após o Acórdão de 09.10.2014, uma aquisição da posse por meios violentos, o que impede a sua contagem enquanto não cessar, como prescrito no art. 1267.º n.º 2 do Código Civil.
De todo o modo, estamos com a sentença recorrida quando afirma que a posse dos RR. sobre a parcela em discussão é pública, pacífica e ininterrupta, desde que adquiriram a propriedade do seu prédio em 17.09.2002, exercendo-a de boa fé, pois ignoravam, ao adquirir, que lesavam o direito de outrem – art. 1260.º n.º 1 do Código Civil.
Escreveu-se no Acórdão Uniformizador de Jurisprudência de 14.05.1996, publicado no DR, II Série, de 24 de Junho: «O actual ordenamento jurídico português adopta a concepção subjectiva da posse. Daí ser esta integrada por dois elementos estruturais: o corpus e o animus possidendi. Define-se o corpus como o exercício actual ou potencial de um poder de facto sobre a coisa, enquanto o animus possidendi se caracteriza como a intenção de agir como titular do direito correspondente aos actos realizados. O acto de aquisição da posse que releva para a usucapião terá assim de conter os dois elementos definidores do conceito de posse: o corpus e o animus. Se só o primeiro se preenche, verifica-se uma situação de detenção, insusceptível de conduzir à dominialidade. Por ser difícil, se não impossível, fazer a prova da posse em nome próprio, que não seja coincidente com a prova do direito aparente, estabelece o n.º 2 do art. 1252.º, como já o fazia o parágrafo 1 do artigo 481 do Código de 1867, uma presunção de posse em nome próprio por parte daquele que exerce o poder de facto, ou seja, daquele que tem a detenção da coisa (corpus).»
Concluindo, ali se fixou jurisprudência no sentido poderem adquirir por usucapião, se a presunção de posse não for ilidida, os que exercem o poder de facto sobre uma coisa.
No caso, os RR. provaram os dois elementos definidores do conceito de posse: o corpus e o animus.
Com efeito, os factos provados demonstram que usavam a parcela discutida à vista de todos, na intenção e convicção que a mesma lhes pertencia, colhiam os frutos das espécies que ali estavam plantadas e da cabine de electricidade obtinham a electricidade para a sua residência e para extracção de água para uso doméstico e para regadio.
E demonstram os factos provados, também, que na data de aquisição não existia qualquer conflito de confrontações com vizinhos, nomeadamente em relação à dita parcela, pelo que se pode concluir que os RR. ignoravam, ao adquirir, lesar o direito de outrem, pelo que o requisito da boa fé também se verifica.
Ocorrendo, pois, a posse dos RR. sobre a parcela em discussão, desde Setembro de 2002, de forma ininterrupta – as tentativas do A. para a interromper não duraram por tempo suficiente e ocorreram de forma violenta, pelo que não provocaram a perda da posse dos RR. – e por período superior a 19 anos (os RR. deduziram a sua contestação/reconvenção em 08.11.2021), os requisitos da aquisição por usucapião em relação à parcela discutida estão verificados – posse de boa fé, com título de aquisição e registo, por mais de 10 anos, in casu, mais de 19 anos (art. 1294.º al. b) do Código Civil).
Deve, pois, a sentença recorrida ser confirmada.

Decisão.
Destarte, nega-se provimento ao recurso, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas pelo Recorrente.

Évora, 9 de Maio de 2024

Mário Branco Coelho (relator)
Maria Adelaide Domingos
Maria João Sousa e Faro
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[1] Proc. 1536/17.0T8BJA.E1, publicado em www.dgsi.pt.