Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | FRANCISCO XAVIER | ||
Descritores: | ARRENDAMENTO URBANO DESPEJO IMEDIATO FALTA DE PAGAMENTO DE RENDAS INDEMNIZAÇÃO MORA | ||
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Data do Acordão: | 07/15/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA A SENTENÇA RECORRIDA | ||
Área Temática: | CÍVEL | ||
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Sumário: | Sumário [artigo 663º, n.º 7, do Código de Processo Civil] Não se discutindo na acção de despejo a qualidade das partes, nem a validade do contrato de arrendamento, não se invocando nem ocorrendo causa de inexigibilidade das rendas, e sendo manifesto que a ré não logrou demonstrar que procedeu ao pagamento das rendas em causa, vencidas na pendência da acção de despejo, nem da indemnização pela mora no pagamento, como se exige na norma do n.º 4 do artigo 14º do NRAU, estão verificados os requisitos conducentes à procedência do pedido de despejo imediato. | ||
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Decisão Texto Integral: | Recurso de Apelação n.º 7296/22.5T8STB-A.E1 Acórdão da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora I – Relatório 1. Merecido Descanso, Lda., instaurou acção de despejo, sob a forma de processo comum, contra Tempo de Luxo, Lda., pedindo, com fundamento no disposto no n.º 3 e 4 do artigo 1083º do Código Civil, que:a) Se declare a resolução do contrato de arrendamento vigente entre A. e R.; b) A condenação da R. a despejar o arrendado, entregando-o à A., devoluto de pessoas e bens; c) A condenação da R. a pagar à A. as rendas já vencidas e não pagas, no montante de € 3.339,00 (três mil trezentos e trinta e nove euros), bem como as vincendas até efectiva entrega do locado à A., as quais deverão corresponder ao dobro do seu valor se e no período em que a R. se constituir em mora na restituição do locado. 2. Para tanto, invocou, em síntese, que: - É proprietária e legítima possuidora do prédio urbano sito na Rua Dr. Paula Borba, n.ºs 54, 56 e 58, freguesia de Setúbal (S. Julião), concelho de Setúbal, descrito sob o número 875 da dita freguesia na 1ª Conservatória de Registo Predial de Setúbal e inscrito na matriz predial urbana da União das Freguesias de Setúbal (S. Julião, N. S. da Anunciada e Santa Maria da Graça); - Por contrato de arrendamento celebrado em 1 de Agosto de 2011, os anteriores proprietários identificados supra no artigo 2º desta P.I., deram de arrendamento à R., então denominada Tempo de Luxo, Unipessoal, Lda., a loja situada no rés-do-chão do prédio referido no artigo 1º, desta P.I., com entrada pelo número 58 da Rua Dr. Paula Borba, mediante o pagamento da renda mensal de € 481,00; mas - A R. não pagou a renda nos meses de Janeiro, Fevereiro e Março de 2021, no valor unitário de € 481,00, totalizando o montante de € 1.443,00 (mil quatrocentos e quarenta e três euros), nem nos meses de Setembro, Outubro e Novembro de 2022, no mesmo valor unitário de € 481,00, que ascendem também a € 1.443,00 (mil quatrocentos e quarenta e três euros), só tendo pago parcialmente € 28,00 da renda de Maio de 2020; - E quando pagou, foram diversos os meses em que não o fez pontualmente, como indica nos artigos 14 a 24 (referindo atrasos nos pagamentos das rendas referentes aos meses de Outubro de 2021 a Agosto de 2022, que sintetiza no mapa referido no artigo 25). 3. Citada, a R. apresentou contestação, na qual não questiona a validade do arrendamento, nem a qualidade da A. como senhoria, reconhece que, em determinados períodos, se atrasou no pagamento das rendas, aceitando como verdadeiros os factos alegados nos artigos 14 a 25 da petição (relativos aos atrasos no pagamento das rendas), mas alega que tal se deveu a dificuldades surgidas com a pandemia de Covid 19 em Março de 2020, agravadas no primeiro trimestre de 2021, e que aos poucos vem recuperando, tendo já procedido ao pagamento das rendas referentes aos meses de Outubro a Dezembro de 2022 e propondo pagar a quantia mensal de € 600,00, dos quais € 119,00, para ir amortizando os valores em atraso até integral pagamento. Juntou 2 talões de depósito, sendo um, com data de 15/11/2022, no valor de € 481,00, e outro, com o mesmo valor, com data de 23/01/2023. 4. Por requerimento de 10/02/2023, a A. deduziu o incidente de despejo imediato, invocando o disposto no n.º 4 e 5 do artigo 14º do NRAU, aprovado pela Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro, pedindo a notificação da R. para proceder ao pagamento das rendas vencidas na pendência da acção, sob pena de ser decretado o despejo imediato. 5. Em 28/03/2023, foi proferido o seguinte despacho: «Notifique a Ré para, no prazo de dez dias, comprovar o pagamento das rendas vencidas na pendência da acção de despejo, nos termos do disposto no artigo 14.º, n.º3, do NRAU, com a advertência constante no n.º4 da citada disposição legal. Tendo em conta que a acção foi autuada em Novembro de 2022, venceram-se entretanto as rendas relativas aos meses de Dezembro de 2022 e Janeiro a Março de 2023.» 6. Em 20/04/2023, a R., apresentou o seguinte requerimento: «Tempo de Luxo Unipessoal, Lda., Ré e já melhor identificada no processo supra referenciado vem requerer, face ao douto despacho de V. Excia., com a referência 96807137, a prorrogação do prazo inicialmente concedido por mais 15 (quinze) dias em virtude de fazer o pagamento das rendas por meio de depósito bancário em numerário na conta do A./senhorio no Balcão do Crédito Agrícola, sendo certo que, habitualmente, inutiliza os mesmos. Assim sendo, solicitou ao Banco cópia dos depósitos efectuados relativos aos meses de Dezembro de 2022, Janeiro, Fevereiro e Março de 2023, o qual informou que a documentação estava no arquivo e que demoraria cerca de 2 (duas) semanas a ser disponibilizada. Entretanto e, como já procedeu ao pagamento da renda do mês de Abril, junta o respectivo comprovativo.» Com este requerimento a R. juntou talão de depósito em nome da A., com data de 31/03/2023, no valor de € 481,00, que identifica como “Comp. Depósito Pagt. Renda Abril 2023”. 7. A A., opôs-se a tal pretensão, através do requerimento de 24/04/2040, alegando, além do mais, não serem credíveis os argumentos invocados, e que a R. não prova sequer que tenha solicitado cópia dos depósitos ao banco, nem de que este necessite do prazo de duas semanas, reiterando o pedido de despejo imediato. 8. Em 25/05/2023, a R. apresentou novo requerimento, dizendo ainda não ter conseguido obter do banco cópia dos depósitos relativos às rendas que pagou, e referindo que a A. nunca lhe entregou, ao longo do arrendamento, recibos de pagamento, e pede que a A. seja notificada “para informar o tribunal quanto à não emissão de recibos e, se, porventura, os meses em causa não foram efectivamente pagos em função das facturas que emitiu naqueles meses”. 9. Em 30/05/2025, a A., apresentou resposta ao requerimento da R., alegando, além do mais que “não tem de emitir recibo das rendas que não recebeu nem das que não se encontram integralmente pagas”, que, “em relação às que foram pagas extemporaneamente, é devida a indemnização a que se refere o n.º 1 do art. 1041º, do Cód. Civil, que enquanto não for paga confere à senhoria, ora A., o direito de considerar como não pagas as rendas seguintes (n.º 3 do mesmo artigo) e, logo, recusar a respectiva quitação”, e que, dado o modo como a R. efectua os pagamentos, sem indicação a que renda se refere, não tem como saber o que estava a ser pago, sendo que emitiu recibos de todas as rendas que conseguiu identificar como regularmente pagas. E acrescentou que, “quanto aos valores recebidos desde Dezembro de 2022, inclusive, atento o despacho de 28-03-2023 (Ref.ª 96807137), e que a A., pelo seu montante (€ 481,00), pode presumir terem sido efectuados pela R. por depósito em conta, a A. identificou depósitos em 23 de Janeiro de 2023, 31 de Março de 2023 e 5 de Maio de 2023, ou seja, três pagamentos nos seis meses que decorreram de Dezembro de 2022 a Maio de 2023”. 10. Em 30/05/2023, foi proferida a seguinte decisão (decisão recorrida): «A Autora veio deduzir incidente de despejo imediato contra a Ré, pedindo que seja decretado o despejo imediato, invocando para o efeito que esta não pagou três das rendas que se venceram após a interposição da presente acção, ao abrigo do disposto no artigo 14.º, n.º 3, 4 e 5 da Lei 6/2006 de 27 de Fevereiro. Notificada a Ré nos termos e para os efeitos previstos no artigo 14.º, n.ºs 3 e 4 do referido diploma, a mesma só comprovou um pagamento efectuado em 31 de Março de 2023. Entretanto, veio a Autora informar ter identificado depósitos em 23 de Janeiro de 2023, 31 de Março de 2023 e 5 de Maio de 2023. Dispõe o artigo 14º, nºs 3, 4 e 5 da Lei 6/2006, de 27 de Fevereiro: (…) Nos presentes autos a Autora pretende que: seja declarada a resolução do contrato de arrendamento celebrado entre a Autora e a Ré; seja a Ré condenada a proceder à desocupação do locado; e ainda a condenação da Ré no pagamento das rendas vencidas e vincendas até efectiva desocupação do imóvel. Por sua vez, a Ré não contesta a existência e a validade do mencionado contrato de arrendamento. À luz do previsto no citado artigo 14.º da Lei 6/2006, é a própria lei que atribui um efeito cominatório imediato em face da omissão do pagamento ou depósito das rendas, encargos ou despesas, vencidos por um período igual ou superior a dois meses: a formação de titulo executivo contra o inquilino. São então pressupostos da emissão do referido título: 1) a pendência de uma acção de despejo e 2) o arrendatário não a pagar ou depositar rendas e, sendo o caso, encargos e despesas, que já estejam vencidos há dois ou mais meses. Observando o supra disposto, verificamos que estão comprovados os factos constitutivos da pretensão deduzida pela Autora no presente incidente, considerando: 1) o pedido e a respectiva causa de pedir da acção e ainda a ausência de discussão sobre o contrato de arrendamento celebrado entre as partes; e 2) que até ao momento e apesar de notificada para o efeito, a Ré não logrou demonstrar o pagamento de todas as rendas vencidas na pendência da presente acção, o que lhe competia a si fazer. Nestes termos, determino o despejo imediato da Ré ao abrigo do nº 5 do artigo 14.º do diploma em análise. Custas do incidente pela Ré – cfr. Artigo 527.º do C.P.C. e tabela II do R.C.P., fixando-se a taxa de justiça em 1 UC.» 11. Inconformada, interpôs a R. o presente recurso, que motivou, concluindo nos seguintes termos: A) A Recorrente admitiu atrasos pontuais no pagamento das rendas; B) A Recorrente solicitou ao tribunal a concessão de prazo no sentido de poder comprovar o pagamento das rendas vencidas na pendência da acção e, bem assim, um a prorrogação do mesmo por mais 15 dias; C) Fê-lo, porque efectuava o pagamento através de depósito bancário em numerário na conta da senhoria, mas normalmente, inutilizava os talões comprovativos dos depósitos efectuados; D) As cópias, entretanto, pedidas ao Banco, referiam-se aos meses de Dezembro de 2022, Janeiro, Fevereiro e Março de 2023; E) No requerimento com a referência 45715515 a Recorrida presume que a Recorrente efectuou depósitos na sua conta em Janeiro, Março e Maio de 2023, dizendo respeito a três pagamentos de rendas; F) A Recorrida não emitiu, entregou ou fez chegar à Recorrente os recibos referentes ao pagamento das rendas; G) A Recorrida somente enviava à Recorrente os documentos titulados como facturas FA sendo que, quando esta as recebia, procedia ao pagamento através de depósito em numerário na conta daquela; H) A Recorrente requereu a notificação da Recorrida para informar quais as razões da não emissão dos recibos atinentes ao pagamento das rendas na forma supra-referida; I) A Recorrente solicitou, igualmente, ao tribunal, os esclarecimentos necessários, por parte da Recorrida, quanto aos pagamentos dos meses de Janeiro, Fevereiro e Março de 2023, em função das facturas que esta emitiu; J) O Tribunal a quo profere sentença determinando o despejo imediato da Recorrente com base no disposto no art. 14º n.º 5 da Lei n.º 6/2006, de 27/02; K) Como a Recorrente não logrou receber do Banco em tempo a documentação que dizia respeito aos depósitos realizados na conta da Recorrida bem como os recibos dos pagamentos que foi fazendo, requereu ao tribunal que fosse feita a esta uma notificação nesse sentido; L) A Recorrente não estava na posse de qualquer outro elemento que pudesse comprovar a efectivação dos pagamentos, nomeadamente das rendas vencidas na pendência da acção; M) O Tribunal a quo não procedeu à notificação requerida nem se pronunciou quanto ao pedido da Recorrente; N) Pelo que violou o disposto no art. 608º n.º 2 do CPC.; O) A posição assumida pelo tribunal a quo conduz a uma causa de nulidade da sentença, conforme dispõe o art. 615º n.º 1 al. d), do mesmo diploma legal; P) A Recorrente, ainda que de modo deficiente, mas suficiente, alegou factos integrativos da excepção peremptória do pagamento das rendas, na esteira do enunciado no art. 5º n.º 1 do CPC; Q) Deverá ser considerada inconstitucional a norma constante no art. 14º nºs. 4 e 5 do NRAU interpretada segundo a qual os meios de defesa oponíveis ao incidente de despejo imediato apenas devem consistir na prova de pagamento ou depósito das rendas devidas na pendência da acção de despejo por violação do princípio da indefesa consagrado no artigo 20º n.ºs 1 e 4 da CRP. 12. Contra-alegou a A./recorrida, sustentando a improcedência da apelação, com os seguintes fundamentos: C) Decorrendo a nulidade assacada de alegada omissão do Tribunal na apreciação de requerimentos probatórios da Apelante, teve esta conhecimento da mesma com a notificação da sentença proferida, sem que tais requerimentos fossem apreciados, começando o prazo para a sua arguição a contar-se da data em que a sentença se considera notificada, isto é, 3 de Julho de 2023 e terminando em 13 de Julho de 2023. D) Não constituindo a nulidade arguida nulidade da sentença nem estando a Apelante já em prazo para a arguir, como nulidade processual comum, no tempo e modo próprios, deve ser indeferido o presente recurso. E) Ainda que assim não se entenda, o que se admite sem conceder, e apenas por cautelar dever de patrocínio, o primeiro dos requerimentos a que a Apelante se refere nas suas Alegações não tem natureza probatória, limitando-se a pedir prorrogação do prazo que lhe foi concedido para fazer prova do pagamento das rendas vencidas na pendência da acção, a pretexto de as ter pago por depósito em conta e ter por hábito destruir os respectivos talões comprovativos. F) Não podendo tal motivo ser considerado justo impedimento, por ser claramente imputável à parte, nem submetido ao seu regime por a Apelante não ter logo oferecido prova (art. 140º, n.ºs 1 e 2, do Cód. Proc. Civil), nem tendo havido ou sido invocado acordo das partes para a prorrogação do prazo (art. 141º, do Cód. Proc. Civil), não podia tal pedido ser considerado, pelo que nenhuma nulidade foi cometida. G) O segundo dos requerimentos cuja não apreciação a Apelante invoca, e em que pedia ao Tribunal a notificação da Apelada para vir aos autos prestar informação sobre o pagamento de rendas e a razão de não emissão dos recibos das rendas (em dívida!) foi voluntariamente respondido pela Recorrida, mesmo antes de para tal ser notificada, pelo que nenhuma nulidade se pode ter verificado. H) Não tem cabimento apreciar a questão da inconstitucionalidade da interpretação dos nºs 4 e 5 do art. 14º, do NRAU, que apenas aceite a prova do pagamento ou depósito das rendas como meio de defesa oponível ao despejo imediato, uma vez que tal interpretação não foi aplicada nos autos, na medida em que foi a Apelante quem tomou a iniciativa de invocar o depósito das rendas como único meio de oposição ao incidente, ainda que não tenha sido capaz de provar tal depósito. 13. O I. Mandatário da R. renunciou ao mandato em 27/10/2023, mas só em 17/12/2024 se conseguiu notificar a R. (cfr. ref.ª 101419557), e, não tendo esta constituído novo mandatário, determinou-se o prosseguimento dos autos com aproveitamento dos actos anteriormente praticados (cfr. despacho de 05/03/2025). Admitido o recurso e remetidos os autos a este Tribunal, foram recolhidos os vistos legais, cumprindo, agora, apreciar e decidir. * O objecto do recurso, salvo questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas conclusões dos recorrentes, como resulta dos artigos 608º, n.º 2, 635º, n.º 4, e 639º, n.º 1, do Código de Processo Civil.II – Objecto do recurso Considerando o teor das conclusões apresentadas, importa decidir as seguintes questões: (i) Da nulidade da sentença; (ii) Da reapreciação jurídica da causa, havendo a este respeito que indagar dos pressupostos de que depende o despejo imediato e analisar a alegada questão de inconstitucionalidade “da norma constante no art. 14º nºs. 4 e 5 do NRAU interpretada segundo a qual os meios de defesa oponíveis ao incidente de despejo imediato apenas devem consistir na prova de pagamento ou depósito das rendas devidas na pendência da acção de despejo por violação do princípio da indefesa consagrado no artigo 20º n.ºs 1 e 4 da CRP”, se for caso disso. * A) - Os FactosIII – Fundamentação Com interesse para a apreciação do recurso releva a factualidade que se apura das ocorrências processuais referidas no relatório, que resultam dos actos praticados nos autos. * B) – Apreciação do Recurso/O Direito1. A recorrente discorda da decisão recorrida, que decretou o despejo imediato da loja de que era arrendatária, sita na Rua Dr. Paula Borba, n.º 58, r/c, em Setúbal, da qual a A. é proprietária e senhoria (cfr. docs. comprovativos da aquisição da propriedade e contrato de arrendamento, juntos com a petição inicial), por não haver comprovado o pagamento ou depósitos das rendas devidas na pendência da acção, após notificação para o efeito, nos termos do disposto no n.º 3 e 4 do artigo 14º do NRAU. Em face das conclusões do recurso, são duas as razões da discordância da recorrente para com a decisão proferida, a saber: - A nulidade da sentença por omissão de pronúncia; e - O decretamento do despejo imediato, aqui se incluindo a questão da inconstitucionalidade da norma do artigo 14º, n.º 4 e 5, do NRAU, na interpretação que a recorrente enuncia na conclusão Q). Vejamos: 2. Quanto à nulidade prevista na alínea d) do n.º 1 do artigo 615º, dispõe o referido preceito que é nula a sentença quando “o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”. Esta causa de nulidade da sentença consiste, portanto, na omissão de pronúncia, sobre as questões que o tribunal devia conhecer, ou na pronúncia indevida, quanto a questões de que não podia tomar conhecimento. É entendimento pacífico que esta nulidade está em correspondência directa com o preceituado no artigo 608.º, n.º 2, do CPC, que impõe ao juiz a resolução de todas as questões que as partes submeteram à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão tenha ficado prejudicada pela solução dada a outras, não podendo, porém ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes (salvo as de conhecimento oficioso), constituindo, portanto, a sanção prevista na lei processual para a violação do estabelecido no referido artigo. É também pacífico o entendimento de que as questões a que alude o preceito não se confundem com todas as considerações ou argumentos expendidos pelas partes em defesa da orientação preconizada. No caso em apreço, a questão que o Tribunal a quo tinha para decidir consistia na apreciação do pedido de despejo imediato, por falta de pagamento das rendas na pendência da causa, como previsto no n.º 3 e 4 do artigo 14º do NRAU, havendo para tanto que apurar se a R. fez, ou não, prova desse pagamento. E esta questão foi apreciada na sentença, tendo-se concluído que, até ao momento da prolação da sentença, “apesar de notificada para o efeito, a Ré não logrou demonstrar o pagamento de todas as rendas vencidas na pendência da acção, o que lhe competia a si fazer”, e que não havia discussão sobre o contrato de arrendamento em causa. Deste modo, tendo a decisão apreciado a questão decidenda, não enfermou a mesma, nesse sentido, da nulidade prevista na alínea d) do n.º 1 do artigo 615º, n.º 1, alínea d) do Código de Processo Civil. 3. É certo que, no iter processual relativo ao incidente em causa, na sequência da notificação do despacho de 28/03/2023, para comprovar o pagamento das rendas vencidas na pendência da acção de despejo, nos termos do disposto no artigo 14.º, n.º 3 e 4, do NRAU, a R. apresentou o requerimento de 20/04/2024 [que deu entrada 1 dia antes do prazo de 10 dias fixado na lei, posto que tendo a notificação sido enviada a 06/04/2023, presumindo-se feita a 11/04, atendendo a que as férias judiais da Páscoa decorreram de 2 a 10/04, o prazo dos 10 dias terminava em 21/04], pedindo a prorrogação do prazo legal por mais 15 dias, invocando, que efectuava o pagamento das rendas por depósito na conta do senhorio, que inutilizava os talões e que o banco precisava de 15 dias para lhe entregar a cópia dos depósitos. Independentemente de se apurar se tal prazo fixado por lei (cfr. artigo 14º, n.º 4, do NRAU), era, ou não prorrogável, também é certo que o Tribunal não emitiu pronúncia, ao menos expressa, sobre tal pretensão, o que, a tratar-se de irregularidade com influência na decisão da causa, a mesma configuraria nulidade processual, como previsto no n.º 1 do artigo 195º do Código de Processo Civil, dependente da arguição, nos termos do artigo 199º, n.º 1, do Código de Processo Civil, sob pena de sanação. Ora, como diz a apelada, a recorrente interveio no processo quando apresentou o requerimento de 25/05/2023, pelo que, ao menos nesse momento, tomou conhecimento da omissão de apreciação do pedido de prorrogação de prazo em causa, e não arguiu a respectiva nulidade perante o tribunal a quo no prazo de 10 dias, pelo que esta situação, a constituir nulidade, mostra-se sanada. E no que se refere à falta de resposta ao requerimento apresentado em 25/05/2023, ou seja, não só para além do prazo fixado de 10 dias previsto na lei, como da pedida prorrogação de 15 dias, não tinha o tribunal que se pronunciar sobre o mesmo, posto que a A., respondeu logo ao pedido da R., pelo requerimento de 30/05/2023. 4. De todo o modo, nas circunstâncias do caso concreto, não se considera que a falta de resposta ao pedido de prorrogação de prazo constitua nulidade, mas sim mera irregularidade, que não influiu na decisão da causa, pois, na sentença, como se vê do teor da mesma, que transcrevemos, considerou-se que a R. “até ao momento”, apesar de notificada, não demonstrou o pagamento de todas as rendas vencidas, donde se extrai a conclusão de que não se teve em conta apenas o prazo inicial de 10 dias fixado na lei, para prova dos pagamentos, mas todo o tempo decorrido até à prolação da sentença, que vai para além do prazo inicial de 10 dias e da prorrogação pedida. Deste modo, improcede a arguida nulidade. 5. Acresce que, mesmo que se considerasse nula a decisão proferida, sempre haveria que se apreciar a questão subjacente, por via da regra da substituição prevista no artigo 665º, n.º 1, do Código de Processo Civil, sendo de considerar inadmissível o pedido de prorrogação de prazo, porquanto o prazo em apreciação, fixado na lei, é peremptório, só podendo ser prorrogado quando a lei o permita, como sucede nos casos previstos nos artigos 569º, n.º 4 e 5, 586º e 942º, n.º 2, do Código de Processo Civil, que não são aqui aplicáveis, ou por acordo das partes, que no caso não ocorreu (cfr. artigo 141º, do Código de Processo Civil). É verdade que o acto, ainda poderia ser praticado, para além dos 3 dias úteis seguintes ao seu termo, invocando-se o justo impedimento, (cfr. artigos 139º, n.º 4, e 140º do Código de Processo Civil), mas tal pressupunha que a R. tivesse praticado o acto fora de prazo e tivesse alegado e provado o justo impedimento, o que não sucedeu. Por fim, ainda que se entendesse que, estando em causa diligência probatória, o prazo de 10 dias fixado na lei podia ser prorrogado, em face da invocação das dificuldades alegadas na obtenção dos comprovativos dos depósitos das rendas, configurando uma situação de justo impedimento na obtenção da prova, certo é que tal pretensão também dependia da comprovação do impedimento alegado, e a R., nem após a resposta da A., se dignou juntar aos autos qualquer comprovativo de ter efectuado ao banco o pedido de cópia dos talões de depósitos. Além de que não é minimamente convincente a alegação de que habitualmente inutiliza os talões de depósito, quando, estando assistida por mandatário, sabe que podia ser chamada a comprovar o pagamento das rendas na pendência da acção, e até juntou, com a contestação, talões de depósito com as datas de 15/11/2022 e 23/01/2023. E quanto ao requerimento de 25/05/2023, o mesmo é manifestamente extemporâneo, porquanto, não só não foi apresentado no prazo inicialmente fixado, nem, tão pouco, no decurso da pedida prorrogação, ainda que se tivesse a mesma como tacitamente deferida. Em suma, as pretensões da R. sempre seriam rejeitadas. 6. Como se prescreve nos n.ºs 3 a 5 do artigo 14º do NRAU,: «3 - Na pendência da acção de despejo, as rendas que se forem vencendo devem ser pagas ou depositadas, nos termos gerais. 4 - Se as rendas, encargos ou despesas, vencidos por um período igual ou superior a dois meses, não forem pagos ou depositados, o arrendatário é notificado para, em 10 dias, proceder ao seu pagamento ou depósito e ainda da importância da indemnização devida, juntando prova aos autos, sendo, no entanto, condenado nas custas do incidente e nas despesas de levantamento do depósito, que são contadas a final. 5 - Em caso de incumprimento pelo arrendatário do disposto no número anterior, o senhorio pode requerer o despejo imediato …» E como resulta dos autos e se diz na sentença, na sequência do requerimento da A., a R. foi notificada para, em dez dias, comprovar o pagamento das rendas vencidas na pendência da acção de despejo, nos termos do disposto no artigo 14.º, n.º 3 e 4 do NRAU, tendo-se consignado que, tendo em conta que a acção foi autuada em Novembro de 2022, venceram-se entretanto as rendas relativas aos meses de Dezembro de 2022 e Janeiro a Março de 2023. Assim, e não tendo a R. logrado demonstrar até à data da sentença o pagamento de todas as rendas vencidas na pendência da acção, como lhe competia, determinou-se o despejo imediato da R., no caso da loja arrendada. Argumenta, porém, a R./recorrente, agora no recurso, que a A. admitiu identificar registos de depósitos, com a valor de € 481,00, que presume efectuados pela R. por depósito em conta, nas datas de 23/01/2023, 31/03/2023 e 05/05/2023. Tal facto mostra-se correcto, mas não significa que constitua prova do pagamento das rendas vencidas na pendência da acção de despejo, concretamente as referentes no despacho de 28/03/2023 (Dezembro/2022 a Março de 2023), nem da indemnização legalmente prevista, em caso de mora. De facto, no que se refere ao primeiro depósito (23/01/2023), já a R. o havia mencionado na contestação, tendo junto o respectivo talão, a respeito da alegação no artigo 9º de que as rendas de Outubro a Dezembro de 2022 estavam pagas, o que não é aceite pela A., no requerimento de 10/02/2023. Se a R. entendia que a renda de Dezembro de 2022 estava paga, e o talão de depósito de 23/01/2023 o comprovava, não faz sentido que também o incluísse no seu requerimento de prorrogação de prazo, pois já tinha feito junção do mesmo aos autos. Acresce que ainda assim, se tal depósito se reportava à renda de Dezembro de 2022, a R. pagou-a fora de prazo, sem a indemnização devida. E quanto ao depósito de 31/03/2023, que a A. refere, tal talão já tinha sido junto com o referido requerimento de 20/04/2023, que a R. disse corresponder à renda de Abril/2023, pelo que não pode ser tido como comprovativo do pagamento das rendas até Março de 2023. Em suma, apenas em relação ao depósito de € 481,00, de 05/05/2023, se poderá presumir que se destinou ao pagamento em singelo de uma das 4 rendas em falta, a que se reporta o despacho de 28/03/2023. Importa ainda referir que a alegada falta de emissão de recibos de quitação pela A., não foi invocada na contestação, nem tão pouco no requerimento de prorrogação de prazo no presente incidente, como obstaculizando e dificultando a sua defesa, mas apenas no requerimento, extemporâneo, de 25/05/2023, sendo certo que acusando a A. a falta de pagamento das rendas vencidas na pendência da acção, em relação a estas, não estava a mesma obrigada a emitir recibos de quitação. Por conseguinte, não se discutindo a qualidade das partes na acção, nem a validade do contrato de arrendamento em causa, não se invocando nem ocorrendo causa de inexigibilidade das rendas e sendo manifesto que a R. não logrou demonstrar que procedeu ao pagamento de todas as rendas em causa, vencidas na pendência da acção de despejo, a que se reporta o despacho de 28/03/2023, nem da indemnização pela mora no pagamento, como se exige na norma do n.º 4 do artigo 14º do NRAU, estão verificados os requisitos conducentes à procedência do pedido de despejo imediato, como se decidiu. 7. Invoca, por fim, a recorrente, na conclusão Q) que “[d]everá ser considerada inconstitucional a norma constante no art. 14º n.ºs 4 e 5 do NRAU, interpretada segundo a qual os meios de defesa oponíveis ao incidente de despejo imediato apenas devem consistir na prova de pagamento ou depósito das rendas devidas na pendência da acção de despejo por violação do princípio da indefesa consagrado no artigo 20º n.ºs 1 e 4 da CRP.” Efectivamente, como se concluiu no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 13/07/2017 (proc. n.º 783/16.6T8ALM-A.L1.S1), disponível como os demais citados, em www.dgsi.pt: «I - O incidente de despejo imediato tem como fundamento o não pagamento das rendas vencidas na pendência da acção. A razão de ser deste regime consiste em evitar que o arrendatário mantenha o gozo da coisa locada durante a pendência da acção sem a correspondente remuneração do locador. II - Contudo, como a actual redacção do nº 5 do art. 14º do NRAU (introduzida pela Lei nº 31/2012, de 14 de Agosto) evidencia – ao referir-se a “em caso de deferimento do requerimento” –, a falta de prova do pagamento ou depósito das rendas vencidas na pendência da acção não implica a procedência automática do incidente de despejo imediato.» Idêntico entendimento foi alcançado, entre outros, no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 20/12/2018 (proc. n.º 1830/17.0T8VFX.L1-7), onde se concluiu: «1. O espírito da lei ao criar o incidente de despejo imediato, agora previsto no Art. 14.º n.º 4 e 5 do N.R.A.U., foi sempre o de não permitir que alguém pudesse, gratuitamente, desfrutar de imóvel, durante o longo período que poderia durar a acção até ao despejo efectivo, numa situação que não seria reparável por nenhuma condenação em indemnização, ou pelo pagamento das rendas vencidas, por ser frequente o despejado não ter bens bastantes para o efeito. Pretendia-se evitar que o devedor da renda permanecesse no gozo da coisa injustificadamente e à custa alheia. 2. Não é totalmente inconstitucional a interpretação segundo a qual os meios de defesa oponíveis ao incidente de despejo imediato previsto no Art. 14.º n.º 4 e 5 do NRAU devem consistir na prova do pagamento ou depósito das rendas devidas na pendência da acção de despejo, mas esse entendimento sobre os meios de defesa oponíveis deve ser objecto de interpretação restritiva em conformidade com o julgamento de inconstitucionalidade decorrente do acórdão n.º 673/2005 do Tribunal Constitucional. 3. Assim, por força do princípio da proibição da indefesa, consagrado no artigo 20.º, n.ºs 1 e 4 da Constituição, o despejo imediato com fundamento em falta de pagamento de rendas vencidas na pendência da acção não é automático, sendo o livremente apreciado pelo juiz nos casos em que na acção de despejo persista controvérsia quanto à existência ou exigibilidade do próprio dever de pagamento de renda, seja por que fundamento for (inexistência de contrato de arrendamento válido, não serem autor e/ou réu os verdadeiros locador e/ou locatário, dissídio quanto ao montante da renda ou da sua imediata exigibilidade, invocação de diverso título para justificar a ocupação do local). 4. Deverá ser decretado o despejo imediato quando os fundamentos de defesa apresentados em nada afectam o cumprimento da obrigação de pagamento de renda e quando mais não sejam que uma forma de protelar o gozo da coisa de forma injustificada e à custa do senhorio.» [No mesmo sentido, cfr., ainda, os acórdãos do Tribunal da Relação do Porto, de, de 06/06/2024 (proc. n.º 13082/23.8T8PRT-A.P), e de 09/04/2024 (proc. n.º 2241/22.0T8PRT-B.P1)]. Sucede, porém, que no caso em apreço, não se aplicou a norma do nº 4 e 5 do artigo 14º do NRAU, no sentido invocado pelo recorrente, ou seja, que no incidente de despejo imediato apenas é licito ao réu fazer a prova do pagamento das rendas e que a falta dessa prova implica necessariamente o deferimento do pedido. Embora na sentença se tenha referido que, “[à] luz do previsto no citado artigo 14.º da Lei 6/2006, é a própria lei que atribui um efeito cominatório imediato em face da omissão do pagamento ou depósito das rendas ...”, não deixou de se equacionar a pretensão de despejo imediato no âmbito da causa de pedir e pedidos formulados na acção, referindo-se, ainda, não se suscitar quaisquer dúvidas quanto ao contrato de arrendamento em causa, sendo certo que a R. não invocou qualquer facto conducente à inexigibilidade do pagamento das rendas vencidas na pendência da acção. O único facto que se entende ter sido invocado foi que fez o pagamento, daí ter pedido a prorrogação de prazo para o comprovar, o que não logrou fazer. Acresce que, todas as questões suscitadas pela R. no incidente, foram apreciadas no presente aresto, com referência às nulidades invocadas, e até ao alegado no recurso relativamente aos depósitos que a A. referiu no seu último requerimento, com vista a apurar se, apesar de a R. não ter feito junção dos comprovativos, os depósitos que a A. aludiu no seu requerimento de 30/05/2023, indicavam que se reportavam às rendas em dívida na pendência da acção. Por conseguinte, as normas do artigo 14º n.º 4 e 5, do NRAU, não foram interpretadas no sentido invocado pela recorrente, improcedendo, assim, o recurso também quanto a esta questão. 8. Deste modo, improcede a apelação, com a consequente manutenção da sentença recorrida, que decretou o despejo imediato da R., da loja objecto do contrato de arrendamento identificado nos autos. Vencida, suportará a R. as custas da apelação (cfr artigo 527º, n.º 1 e 2, do Código de Processo Civil) * C) – Sumário [artigo 663º, n.º 7, do Código de Processo Civil](…) * Nestes termos e com tais fundamentos, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação e, em consequência, manter a sentença recorrida.IV – Decisão Custas a cargo da Apelante. * Évora, 15 de Julho de 2025 Francisco Xavier Ricardo Miranda Peixoto José António Moita (documento com assinatura electrónica) |