Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
102/14.6JDLSB-A.E1
Relator: ARTUR VARGUES
Descritores: PENA DE MULTA
CONVERSÃO
PRISÃO SUBSIDIÁRIA
TRABALHO A FAVOR DA COMUNIDADE
TRÂNSITO EM JULGADO
Data do Acordão: 12/15/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: Não tendo a recorrente pago voluntariamente o montante da pena de multa em que foi condenada e, tendo-lhe sido concedido o pagamento a prestações, também o não cumpriu, não apresentando qualquer justificação para a sua conduta omissiva.
Só posteriormente e na sequência de lhe ter sido notificado o despacho em que o tribunal recorrido declarou o vencimento de todas as prestações da multa por força do não pagamento, veio novamente requerer o pagamento da multa em prestações ou, subsidiariamente, a substituição da multa por dias de trabalho.

Mas, também o pretendido foi indeferido por despacho, que notificado se mostra à condenada e Ilustre mandatária e de que não interpôs recurso, pelo que transitou em julgado.

Tendo ocorrido esse trânsito, não se verificando alteração alguma das circunstâncias tidas em consideração, formou-se caso julgado sobre as questões do pagamento da multa em prestações ou sua substituição por prestação de trabalho, não sendo, por isso, admissível a apreciação da mesma pretensão, tanto mais que o despacho recorrido nem sequer sobre elas incide.

E não tendo a multa sido paga voluntariamente, nem existindo possibilidade da sua cobrança coerciva ou sido substituída por prestação de trabalho, impunha-se decisão no sentido do cumprimento da prisão subsidiária pelo tempo correspondente reduzido a dois terços.

Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora
I – RELATÓRIO

1. Nos autos com o nº 102/14.6JDLSB, do Tribunal Judicial da Comarca de … – Juízo Local Criminal de …– Juiz …, foi lavrado despacho, aos 02/02/2022, que converteu a pena de multa de 200 dias em que foi condenada AA em 133 dias de prisão subsidiária.

2. A condenada interpôs recurso desta decisão, tendo extraído da motivação as seguintes conclusões (transcrição):

1. A Arguida foi condenada por sentença transitada em julgado na pena de 200 dias de multa à taxa diária de 5 EUR, perfazendo o total de 1000 EUR.

2. A arguida requereu ao Tribunal a quo o pagamento da multa a que foi condenada em prestações, tendo sido deferido, no entanto, por questões da sua vida, designadamente questões de trabalho, falta do mesmo, a mesma não conseguiu cumprir com os pagamentos.

3. A arguida mais tarde solicitou ainda ao Tribunal a quo que lhe fosse novamente permitido o pagamento a prestações uma vez que já estaria a trabalhar podendo assim cumprir com a sua obrigação, ou mesmo a substituição por trabalho a favor da comunidade. quanto a este último pedido foi-lhe negado, tendo sido justificado de que já não estaria em tempo para fazer esse pedido.

4. a arguida quer cumprir com as suas obrigações, foi sempre justificado ao douto Tribunal o que se estava a passar, foi comunicando.

5. quando a arguida fez o primeiro pedido ao Tribunal para pagamento da multa a que foi condenada em prestações estava na condição de conseguir cumprir daí não ter feito o pedido para trabalho a favor da comunidade, no entanto por questões supervenientes veio-se a verificar impossibilidade de cumprir com esses pagamentos por ter ficado sem trabalho (1), ter ficado assim sem o sustento. Por esse facto, aquela situação superveniente, a arguida fez tal pedido do trabalho a favor da comunidade ou mesmo até prestações novamente uma vez que já estaria na condição de cumprir.

6. tendo em conta toda esta situação, todo o desenrolar dos acontecimentos, tendo em consideração de que no julgamento houve confissão, demonstrando assim a arguida noção dos factos, noção do que provocou, noção de que algo não fez de bem, e que por isso terá que cumprir uma condenação, por tudo isto se considera que a conversão em prisão subsidiária se torna excessiva, inadequada a presente situação.

7. haveria ainda na opinião da defesa possibilidade de evitar a conversão da pena de multa em prisão subsidiária, algo que deve acontecer mesmo em última instância, o que não se verifica na presente situação.

8. É verdade que apenas fez o pedido já bastante tempo depois do trânsito em julgado, este segundo pedido, neste caso do trabalho a favor da comunidade ou novamente prestações, no entanto, não se pode deixar de ter em conta que esta situação de debilidade económica já aconteceu após o trânsito em julgado, tendo sido algum tempo depois, ou seja foi uma situação nova que ocorreu posteriormente e que à data do trânsito em julgado não ocorria.

9. Pelo que, não poderá o Venerando Tribunal deixar de ter em conta esses factos.

10. Aliado ao facto de tais dificuldades económicas terem ocorrido numa época excepcional marcada pela pandemia e pela incerteza em termos de trabalho e consequentemente de rendimentos.

11. Devendo por isso em nossa opinião, e com o devido respeito, ser mais condescendente com o pedido de trabalho a favor da comunidade agora requerido.

12. O Tribunal entendeu que a arguida não procedeu ao pagamento da multa a que estava obrigada, e que não requereu a sua substituição por trabalho a favor da comunidade nos devidos limites temporais estipulados por lei.

13. Entende a aqui recorrente, no entanto, que não foi devidamente aplicado o direito à situação concreta da arguida, porquanto se é certo que a arguida não requereu a substituição da pena de multa por trabalho em favor da comunidade em tempo útil, também é verdade que o direito pretere sempre as penas privativas de liberdade às não privativas.

14. Para além do mais, o despacho do doutro Tribunal vem no sentido da conversão em prisão subsidiaria sem mais, ou seja, não vem sequer com decisão de poder a arguida cumprir em regime de permanência na habitação, foi sim incluído no despacho a possibilidade existente para arguida mas não ficou determinado, deveria na opinião da defesa, apesar de não concordar com o mesmo, mas deveria ter sido colocado na decisão concreta uma conversão a ser cumprida em regime de permanência na habitação e caso a arguida não consinta ou não seja viável então o cumprimento ser feito no estabelecimento prisional .

15. A arguida era primária, nunca tinha tido qualquer contacto com o meio judicial.

16. Nesse sentido dispõe o art. 70.º, n.º 1 do C.P., que quando sejam aplicáveis ao crime, em alternativa, pena privativa ou não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

17. Veja-se o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, processo n.º 2325/13.6PBBRG-A.P1, de 24-03-2021, cuja relatora Élia São Pedro:

“(…) II - Para além da apontada coerência sistemática, o entendimento da decisão recorrida - permitindo que o requerimento para substituição da multa por dias de trabalho seja apresentado para além do prazo de 15 dias -é o mais adequado e justo às finalidades, hoje dominantes, de flexibilização do cumprimento das sanções penais. Na verdade, o que efectivamente importa ao legislador penal é que a pena produza o (i) seu efeito dissuasor na evolução do comportamento do agente e (ii) na consequente defesa dos bens jurídicos (art. 40º, do CP). Estas finalidades são plenamente alcançadas com o efectivo cumprimento da pena, ainda que “fora de prazo”

III - Daí que, tendo em conta o princípio da necessidade da pena, julguemos ser preferível a entendimento seguido na decisão recorrida, ou seja, aquele que considera que o prazo reportado nos artigos 489º, 2 e 490º, 1 do CPP não tem natureza peremptória, permitindo assim que a substituição da pena de multa por dias de trabalho seja requerida para além desse prazo.”

18. Razão pela qual, entende a arguida, que deverá o preceito do artigo 48.º do C.P. ter uma interpretação mais abrangente ou extensiva, e por isso deverá o Tribunal por respeito ao artigo 70.º, n.º 1 do C.P., mesmo já tendo sido ultrapassado o prazo normal para requerer a substituição da pena de multa por trabalho em favor da comunidade, o admitir, em respeito a tal preceito.

19. Uma vez que a situação em questão não existia dentro do prazo mencionado pelo douto Tribunal, ainda assim é possível o trabalho a favor da comunidade por forma a evitar o cumprimento de uma pena privativa da liberdade que em nada favorece e beneficia a arguida e a sociedade, ainda para mais para alguém que não teve presa anteriormente.

20. Entende desta forma a arguida que ao Douto tribunal ao não permitir a substituição de pena de multa por trabalho a favor da comunidade, viola o Tribunal de 1ª Instância o preceituado no art.º 70.º, n.º 1, do Código Penal.

3. O recurso foi admitido, a subir imediatamente, em separado e com efeito suspensivo.

4. O Magistrado do Ministério Público junto do tribunal a quo apresentou resposta à motivação de recurso, pugnando pelo seu não provimento.

5. Neste Tribunal da Relação, o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

6. Foi cumprido o estabelecido no artigo 417º, nº 2, do CPP, não tendo sido apresentada resposta.

7. Colhidos os vistos, foram os autos à conferência.

Cumpre apreciar e decidir.

II - FUNDAMENTAÇÃO

1. Âmbito do Recurso

O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, havendo ainda que ponderar as questões de conhecimento oficioso,– neste sentido, Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, 2ª edição, Editorial Verbo, pág. 335; Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6ª edição, Edições Rei dos Livros, pág. 103, Ac. do STJ de 28/04/99, CJ/STJ, 1999, Tomo 2, pág. 196 e Ac. do Pleno do STJ nº 7/95, de 19/10/1995, DR I Série A, de 28/12/1995.

No caso em apreço, atendendo às conclusões da motivação de recurso, as questões que se suscitam são as seguintes:

Não verificação dos pressupostos da conversão da pena de multa em prisão subsidiária.

Cumprimento da pena em regime de permanência na habitação.

2. Elementos relevantes para a decisão

2.1 Por sentença de 04/12/2020, transitada em julgado, foi AA condenada na pena de 200 dias de multa, à razão diária de 5,00 euros, pela prática de um crime p. e p. pelo artigo 256º, nºs 1, alíneas d) e e) e 3, com referência ao artigo 255º, alínea a), do Código Penal e bem assim na pena de 3 anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período, pela prática de um crime de burla tributária, p. e p. pelo artigo 87º, nºs 1 e 3, do RGIT.

2.2 Foi emitida guia para pagamento da multa.

2.3 Em 04/02/2021, veio a condenada requerer o pagamento da multa em vinte prestações mensais, invocando dificuldades económicas para proceder ao seu pagamento de uma só vez, sendo autorizado, por despacho de 06/04/2021, o pagamento da pena de multa em dezoito prestações mensais, a satisfazer até ao dia vinte e dois de cada mês, com início em Maio de 2021.

2.4 Em 24/06/2021, o Ministério Público promoveu se declarassem vencidas todas as prestações, por não ter ocorrido qualquer pagamento.

2.5 Aos 07/07/2021, foi proferido despacho nos seguintes termos:

“Verifica-se o vencimento das prestações da pena de multa aplicada que se encontram por liquidar, o que se declara nos termos do artº 47º, nº 5 do Código Penal.

Notifique a condenada para, em 10 dias, efectuar o pagamento remanescente da pena de multa sob pena de conversão da mesma na pena de prisão subsidiária.”

2.6 Este despacho foi notificado à condenada e sua Ilustre mandatária.

2.7 Em 15/09/2021, a condenada impetrou, novamente, o pagamento da multa em prestações ou, subsidiariamente, a substituição da multa por dias de trabalho, alegando que apenas no mês de Agosto começou a trabalhar, não lhe tendo sido possível proceder ao pagamento das prestações.

2.8 Por despacho de 06/10/2021, foi indeferido este novo requerimento com os seguintes fundamentos:

“Por já ter sido declarado o vencimento das prestações em que foi fraccionado o cumprimento da pena de multa pela condenada e porque a condenada não escolheu requerer atempadamente que a pena de multa aplicada fosse substituída pela prestação de trabalho a favor da comunidade no prazo estabelecido nos art.ºs 490º nº 1 e 489º nº 2 do Código de Processo Penal (…) no mais, a condenada já foi notificada para pagar a totalidade da pena de multa sob pena de a mesma ser convertida em prisão subsidiária e não o fez – cfr ref.ª Citius ….”

2.9 Este despacho foi notificado à condenada e sua Ilustre mandatária em 02/11/2021.

2.10 Em 09/11/2021, promoveu o Ministério Público que fosse determinado o cumprimento pela arguida de 133 dias de prisão subsidiária, em virtude de não ter pago a multa em que foi condenada e resultar que não possui bens que permitam a promoção de execução.

2.11 A condenada e sua Ilustre mandatária foram notificadas desta promoção para se pronunciarem, querendo, nada dizendo.

2.12 Em 02/02/2022, foi proferido o despacho recorrido, com o seguinte teor (transcrição):

Por sentença transitada em julgado em 18.01.2021 AA foi condenada pela prática

- de um crime de falsificação ou contrafacção de documento, previsto e punível pelo art.º 256.º n.º 1 alíneas d) e e) e n.º 3, com referência à alínea a) do art.º 255.º, ambos do Código Penal, na pena de 200 (duzentos) dias de multa no quantitativo diário de 5,00 € (cinco euros), num total de 1.000,00 € (mil euros), e

- de um crime de burla tributária, previsto e punível pelo art.º 87.º n.ºs 1 e 3 do RGIT na pena de 3 (três) anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período.

Nos termos do disposto no art.º 489.º n.º 1, do Código do Processo Penal, a multa deve ser paga após o trânsito em julgado da decisão que a impôs

Acrescenta o n.º 2 do aludido preceito que o prazo de pagamento é de quinze dias a contar da notificação para o efeito.

A condenada não pagou a pena de multa, não justificou as razões para o incumprimento nem requereu atempadamente a respectiva substituição pela prestação de horas de trabalho a favor da comunidade.

O Ministério Público propugnou pela conversão da pena de multa não paga em prisão subsidiária correspondente, ao abrigo do disposto no art.º 49.º n.º 1 do Código Penal.

Notificada para se pronunciar, AA voltou a requerer a substituição da pena de multa pela prestação de trabalho a favor da comunidade, o que fez extemporaneamente.

Cumpre apreciar e decidir.

Estabelece o artigo 49.º n.º 1 do Código Penal que “se a multa, que não tenha sido substituída por trabalho, não for paga voluntária e coercivamente, é cumprida prisão subsidiária pelo tempo correspondente reduzido a dois terços, ainda que o crime não fosse punível com prisão, não se aplicando, para o efeito, o limite mínimo dos dias de prisão constante do n.º 1 do artigo 41.º.”

Ora, no caso em apreço, a condenada não efectuou o pagamento voluntário da multa correspondente a 200 (duzentos) dias, no prazo legal do artigo 489.º n.º 2 do Código de Processo Penal, não tendo apresentado qualquer razão para o facto.

Na falta de requerimento tempestivo da sua substituição por dias de trabalho nos termos do previsto pelo n.º 1 do art.º 48.º do Código Penal, impõe-se a conversão da pena de multa em prisão subsidiária, com a observância das regras prescritas pelo art.º 49.º supra citado.

Assim, face ao preceituado no artigo 49.º n.º 1 do Código Penal, converto a pena de multa aplicada não cumprida – 200 (duzentos) dias de multa – em 133 (cento e trinta e três) dias de prisão subsidiária, equivalente a dois terços do número de dias de pena de multa.

Notifique AA e a sua Ilustre Defensora, com a advertência constante do art.º 49.º n.º 2 do Código Penal, bem como da possibilidade prevista no art.º 49.º n.º 3 do mesmo diploma, e ainda de que, caso concorde e seja viável, existe a possibilidade de cumprir os dias de prisão em regime de permanência na habitação.

Após trânsito e caso a condenada não pague o valor em falta da pena de mandados de detenção e condução da mesma ao estabelecimento prisional, fazendo ainda nestes menção expressa ao art.º 49.º n.º 2 do Código Penal. Remeta boletim ao Registo Criminal.

Não verificação dos pressupostos da conversão da pena de multa em prisão subsidiária

A condenada AA veio interpor recurso do despacho de 02/02/2022 que converteu a pena de duzentos dias de multa que lhe foi aplicada, não cumprida, em cento e trinta e três dias de prisão subsidiária, nos termos do estabelecido no artigo 49º, nº 1, do Código Penal, impetrando a substituição da pena de multa por dias de trabalho.

Estabelece-se no artigo 48º, do Código Penal:

“1 - A requerimento do condenado, pode o tribunal ordenar que a pena de multa fixada seja total ou parcialmente substituída por dias de trabalho em estabelecimentos, oficinas ou obras do Estado ou de outras pessoas colectivas de direito público, ou ainda de instituições particulares de solidariedade social, quando concluir que esta forma de cumprimento realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

2 - É correspondentemente aplicável o disposto nos n.ºs 3 e 4 do artigo 58º e no nº 1 do artigo 59º.”

E, consagra-se no artigo 49º, do mesmo Código:

“1 - Se a multa, que não tenha sido substituída por trabalho, não for paga voluntária ou coercivamente, é cumprida prisão subsidiária pelo tempo correspondente reduzido a dois terços, ainda que o crime não fosse punível com prisão, não se aplicando, para o efeito, o limite mínimo dos dias de prisão constante do nº 1 do artigo 41.º

2 - O condenado pode a todo o tempo evitar, total ou parcialmente, a execução da prisão subsidiária, pagando, no todo ou em parte, a multa a que foi condenado.

3 - Se o condenado provar que a razão do não pagamento da multa lhe não é imputável, pode a execução da prisão subsidiária ser suspensa, por um período de 1 a 3 anos, desde que a suspensão seja subordinada ao cumprimento de deveres ou regras de conduta de conteúdo não económico ou financeiro. Se os deveres ou as regras de conduta não forem cumpridos, executa-se a prisão subsidiária; se o forem, a pena é declarada extinta.

4 - O disposto nos nºs 1 e 2 é correspondentemente aplicável ao caso em que o condenado culposamente não cumpra os dias de trabalho pelos quais, a seu pedido, a multa foi substituída. Se o incumprimento lhe não for imputável, é correspondentemente aplicável o disposto no número anterior.”

Ora, a recorrente não pagou voluntariamente o montante da pena de multa em que foi condenada e, tendo-lhe sido concedido o pagamento a prestações em 06/04/2021, com início no mês subsequente, também o não cumpriu, não apresentando qualquer justificação para a sua conduta omissiva.

Só em 15/09/2021 e na sequência de lhe ter sido notificado o despacho de 07/07/2021, em que o tribunal recorrido declarou o vencimento de todas as prestações da multa por força do não pagamento, veio novamente requerer o pagamento da multa em prestações ou, subsidiariamente, a substituição da multa por dias de trabalho.

Mas, também o pretendido foi indeferido por despacho de 06/10/2021, que notificado se mostra à condenada e Ilustre mandatária e de que não interpôs recurso, pelo que transitou em julgado.

Tendo ocorrido esse trânsito, não se verificando alteração alguma das circunstâncias tidas em consideração, formou-se caso julgado sobre as questões do pagamento da multa em prestações ou sua substituição por prestação de trabalho, não sendo, por isso, admissível a apreciação da mesma pretensão, tanto mais que o despacho recorrido nem sequer sobre elas incide.

E, efectivamente, não tendo a multa sido paga voluntariamente, nem existindo possibilidade da sua cobrança coerciva ou sido substituída por prestação de trabalho, impunha-se decisão no sentido do cumprimento da prisão subsidiária pelo tempo correspondente reduzido a dois terços, pelo que não merece censura o despacho revidendo.

Termos em que, improcede o recurso neste segmento.

Cumprimento da pena em regime de permanência na habitação

Aduz ainda a recorrente que o despacho recorrido não determinou o cumprimento da prisão subsidiária em regime de permanência na habitação, como, em seu entender, se impunha.

O tribunal recorrido, após decidir sobre o cumprimento da prisão subsidiária, determinou a notificação da condenada (e sua Ilustre mandatária) de que, caso concorde e seja viável, existe a possibilidade de cumprir os dias de prisão em regime de permanência na habitação.

Ora, como alumia o Ac. R. de Évora de 25/10/2022, Proc. nº 18/14.6PCELV-A.E1, consultável, em www.dgsi.pt, “retira-se, também, do teor do artigo 43.º do CP que o Regime de Permanência na Habitação não contempla a situação de condenação em pena de multa, a qual, por incumprimento foi convertida nos correspondentes dias de prisão subsidiária e cuja execução ficou suspensa, nos termos do n.º 3 do artigo 49.º do CP, suspensão essa, entretanto, revogada, por novo incumprimento do arguido. Na verdade, quando o artigo 43.º, n.º 1 do CP enumera as situações de a pena poder ser cumprida em regime de permanência na habitação, dele resulta que essa situação apenas está prevista quando ab initio, a pena principal aplicada é a prisão. No caso em apreciação, todavia, o arguido não foi condenado ab initio, em pena de prisão, mas sim na pena principal de multa.”

Mais se acrescentando neste aresto, que “à conclusão alcançada, chega-se, não só pela leitura atenta do artigo 43.º do CP como, também, da leitura da “Exposição dos Motivos” da Proposta de Lei que deu origem à Lei n.º 94/2017, de 23.8, legislação que alterou o CP, designadamente, no respeitante ao Regime de Permanência na Habitação. Nessa exposição de motivos da proposta de lei referenciada resulta claro e expressamente que “fora do quadro de Regime de Permanência na Habitação fica a prisão subsidiária, prevista no artigo 49.º do CP, atendendo à sua natureza e funções peculiares.””.

Subscrevemos, na íntegra, este entendimento.

Mas, argumenta ainda a condenada por dever ser tido em conta o estabelecido no artigo 70º, do Código Penal, a saber: “se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.”

Só que, a chamada à colação deste normativo não tem cabimento nesta fase processual e face à problemática em causa, pois rege para o momento da escolha da pena quando a punição contempla a pena de prisão e a de multa em alternativa.

Destarte. não merece acolhimento a censura da recorrente.

Cumpre, em consequência, negar provimento ao recurso.

III - DISPOSITIVO

Nestes termos, acordam os Juízes da Secção Criminal desta Relação em negar provimento ao recurso interposto por AA e confirmar a decisão recorrida.

Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 (três) UC.

Évora, 15 de Dezembro de 2022

(Consigna-se que o presente acórdão foi elaborado e integralmente revisto pelo primeiro signatário – artigo 94º, nº 2, do CPP).

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(Artur Vargues)

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(Nuno Garcia)

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(António Condesso)

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1 “(…) 3 - O requerimento para substituição de pena de multa por prestação de trabalho só pode ser feito no prazo de pagamento voluntário que é de quinze dias ou no prazo concedido para o pagamento da multa em prestações. (…)” In Ac. Tribunal da Relação de Guimarães, processo n.º 33/17.8GBPRG-B.G1, de 13-07-2020, cujo relator Pedro Cunha Lopes.