Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1866/21.6T8FAR.E1
Relator: MARIA ADELAIDE DOMINGOS
Descritores: AUTORIDADE DO CASO JULGADO
LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ
Data do Acordão: 06/30/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário:
I. A autoridade do caso julgado impede que noutra ação em que são partes os ex-cônjuges se volte a discutir a natureza de determinado bem imóvel (bem comum ou próprio) quando no processo de inventário para partilha dos bens comuns dos mesmos foi decidida a reclamação contra a relação de bens que ordenou a exclusão do inventário daquele imóvel por ser um bem próprio de um dos membros do ex-casal, tendo a partilha sido homologada e transitado em julgado as decisões que ali forem sendo proferidas.
II. A parte litiga de má-fé quando omite factos relevantes para a decisão com o fito de alcançar uma decisão inversa a uma outra já proferida sobre a mesma questão.
(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Integral:
Acordam na 1.ª Secção do Tribunal da Relação de ÉVORA

I – RELATÓRIO
Ação
Declarativa de condenação, sob a forma de processo comum.
Autora
I.A.
Réus
T.S. (1.º)
L.S. (2.º)
M.S. (3.ª)

Pedido
Condenação solidária dos Réus a pagar à Autora a quantia de €132.500,00, acrescida de juros de mora à taxa legal, desde a citação até efetivo e integral pagamento.
Causa de pedir
A autora e o réu T.S. casaram-se em 23-04-1983, sob o regime supletivo da comunhão de adquiridos, e divorciaram-se por sentença de 31-05-2010, transitada em julgado em 05-07-2010.
Em 05-12-1990, através de escritura pública de doação, H. declarou que, por conta quota disponível e com reserva de usufruto doava a T.S. e mulher I.S., e a L.S. e mulher M.S., em comum e em partes iguais, um prédio misto, no Sítio de (…), freguesia de (…), concelho de (…), descrito na Conservatória de Registo Predial de (…) sob o n.º (…), o que estes aceitaram.
Através de escritura pública de compra e venda realizada em 21-05-2009, L.S. e T.S., e respetivas mulheres, que deram o seu consentimento, declararam vender à sociedade VERTIGEM – IMÓVEIS E PARTICIPAÇÕES, S.A. o imóvel em causa, pelo preço global de €530.000,00, preço recebido pelos Réus.
A Autora, como comproprietária do prédio, tem direito a receber uma parte do preço (€132.500,00), que não recebeu, incorrendo os Réus na obrigação de procederam ao respetivo pagamento.
Contestação
Do Réu T.S., alegando, em suma, que a Autora foi considerada principal culpada do divórcio invocando os efeitos do artigo 1791.º do Código Civil na redação então em vigor, e, de qualquer modo, o valor do bem reverteu para o casal para pagar dívidas de ambos; a vontade do doador foi doar o imóvel apenas aos 1.º e 2.º Réus; o bem foi vendido e a Autora e a 3.ª Ré deram o seu consentimento; após o decretamento do divórcio, foi instaurado processo de inventário para partilha dos bens comuns do casal (n.º 875/08.5TMFAR-C, que correu termos no Tribunal de Família e Menores de Faro) no qual a ora Autora, atento o valor que deu à causa, reconheceu não existir o direito que agora se arroga.
Concluiu pela improcedência da ação e a condenação da Autora como litigante de má-fé.
Dos Réus L.S. e M.S. que apresentaram defesa por exceção e por impugnação.
Por exceção invocaram que não celebraram com a Autora nem a doação, nem a compra e venda, pelo que nenhuma responsabilidade lhes pode ser assacada.
Por impugnação, defenderam a improcedência da ação.
Também pediram a condenação da Autora como litigante de má-fé.
Contraditório
Em relação às exceções e incidentes de litigância de má-fé.
Audiência prévia
Foi proferido despacho a convidar as partes a pronunciarem-se sobre a possibilidade de se conhecer do mérito da ação, em face do decidido nos autos de inventário/partilha que correram os seus termos sob o n.º 875/08.5TMFAR, do 2.º Juízo do Tribunal da Família e Menores de Faro, dispensando-se a realização da audiência prévia.
Atenta a oposição da Autora, realizou-se audiência prévia, no âmbito da qual, a mesma pugnou pela procedência da ação, mantendo a posição já expressa nos seus articulados, discutindo-se a probabilidade da ação vir a ser julgada improcedente.
Saneador-Sentença
Julgou a causa nos seguintes termos:
«Em conformidade com o exposto, decido considerar procedente a exceção de autoridade de caso julgado e manifesta improcedência da ação e, por conseguinte, decido absolver todos os réus dos pedidos.
Custos dos incidentes de má fé, com custas a cargo da autora, no valor de 3 Uc´s e indemnização a cada parte (1.º réu e 2ºs réus), no valor de € 1 000,00 (mil euros) para cada um.
Custas devidas, na ação, pela autora, por lhe ter dado causa e ter ficado vencida (artigo 527.º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil), sem prejuízo do benefício de apoio judiciário que lhe foi concedido.»
Recurso
Apelou a Autora pugnando pela revogação da sentença decorrente da improcedência da exceção de autoridade de caso julgado sem o prosseguimento dos autos, e, sem prescindir, defendeu que nos autos não existem elementos suficientes para ser proferida decisão de mérito, devendo os autos prosseguir, e ainda sem prescindir, que seja julgada improcedente a condenação da Autora como litigância de má-fé, apresentando as seguintes CONCLUSÕES:
«(Da excepção de autoridade de caso julgado)
1. Na presente acção encontram-se provados os seguintes factos:
2. Através de escritura pública de doação celebrada no Cartório Notarial de (…) no dia 5 de dezembro de 1990, H. declarou que, por conta quota disponível e com reserva de usufruto, doava a T.S. e mulher I.S. e L.S. e mulher M.S., em comum e em partes iguais, um prédio misto, no Sítio de (…), freguesia de (…), concelho de (…), descrito na Conservatória de Registo Predial de (…) sob o n.º (…), o que estes aceitaram.
3. Pela Ap. 10 de 21 de dezembro de 1990 a doação do referido imóvel foi registada a favor de L.S., no estado de casado com M.S. e de T.S., no estado de casado com I.S..
5. Através de escritura pública de compra e venda realizada no cartório Notarial de (…), datada de 21 de maio de 2009, L.S. e T.S. declararam vender à sociedade “VERTIGEM – IMÓVEIS E PARTICIPAÇÕES, S.A.” o imóvel em causa pelo preço global de €530.000,00 (quinhentos e trinta mil euros), por eles recebido e que sobre o imóvel incide uma hipoteca cujo cancelamento se encontra assegurado.
9. Pela Apresentação 838, de 15 de junho de 2009 foi retificado o registo acima referido (Ap. 10) no sentido de nele passar a constar a aquisição do imóvel a favor de I.S. e M.S..
2. A Autora peticionou que os Réus fossem condenados, de forma solidária, a pagar-lhe a quantia de 132.500,00€ (cento e trinta e dois mil e quinhentos euros), correspondente à parte do preço que a mesma entende ter direito, na qualidade de comproprietária do prédio acima referido.
3. O tribunal a quo entendeu existir autoridade de caso julgado formado em anterior decisão judicial proferida nos autos de inventário, que correram termos no 2.º Juízo do Tribunal de Família e Menores de Faro, sob o n.º 875/08.5TMFAR-C, em que foram intervenientes a Autora e o Réu T.S..
4. Na sentença proferida no Apenso C dos autos de inventário, o único facto provado relativamente a um imóvel foi o seguinte:
“3. O imóvel doado ao cônjuge marido ocorreu por escritura de doação celebrada em 5.12.1990.”
5. Dos factos provados na sentença proferida naqueles autos de inventário nada consta sobre: identificação do imóvel; intervenientes na escritura; cartório em que foi celebrada; a favor de quem foi registado o imóvel; se houve averbamentos e/ou rectificações do registo; se o imóvel foi vendido posteriormente, a quem, e por qual preço; quem recebeu o preço.
6. Por outro lado, e com relevo para a decisão da causa, ficou provado no presente processo que “do Av. – Ap. 838, de 15 de junho de 2009 foi retificado o registo referido em 3. (Ap. 10) no sentido de nele passar a constar a aquisição do imóvel a favor de I.S. e M.S.”.
7. Tendo em conta a extensão e importância dos factos acima referidos, e considerando que o Tribunal de Família e Menores de Faro não se pronunciou sobre os mesmos, nem sequer os analisou, entende a Recorrente que não se pode considerar que a questão em apreço nos presentes autos já tenha sido devidamente analisada por aquele tribunal.
Acresce que,
8. Na parte do “Dispositivo” da sentença, que corresponde à decisão propriamente dita, o Tribunal de Família nada decide no que respeita à natureza daquele bem.
9. O Tribunal de Família limita-se a fazer uma análise perfunctória sobre o assunto, e, com base no único facto que considerou provado naqueles autos a esse respeito, decide não relacionar como bem comum o produto da referida venda.
10. A única decisão efectivamente tomada sobre o assunto foi a não inserção do produto da venda na relação de bens comuns – e já não uma decisão definitiva quanto à natureza do bem.
11. A decisão do Tribunal de Família, no sentido de não incluir o produto da venda na relação dos bens comuns, não impediu que as partes, mais tarde, pudessem recorrer aos meios comuns para discutir a natureza do bem, exercendo os direitos de que entendessem ser titulares – como pretende a Autora no presente processo.
12. Assim, ao decidir como decidiu, o tribunal a quo violou o n.º 1 e n.º 2 do artigo 580.º do Código de Processo Civil.
(Da manifesta improcedência da acção)
13. Para além da autoridade de caso julgado, o Tribunal a quo considerou que o pedido da Autora se encontra afectado pela manifesta improcedência da sua pretensão.
14. Quanto ao Réu T.S., seu ex-marido, a Recorrente não se pode conformar com o entendimento do Tribunal.
15. Em face dos factos provados no presente processo, a parte da Autora no produto da venda do imóvel seria um bem próprio seu, e não um bem comum – nos termos conjugados da alínea b), do n.º 1 do artigo 1722.º, e da alínea b), do artigo 1723.º do Código Civil.
16. Ainda que tenha ficado demonstrado que o Réu se encontra a pagar dívidas do extinto casal, possuindo um putativo crédito sobre a Autora, isso não impede que esta possa accionar o Réu e peticionar o reconhecimento de outro crédito sobre o mesmo, decorrente da venda de um bem próprio da mesma, cujo preço o Réu recebeu.
17. Não compete ao tribunal analisar e fazer operar oficiosamente a compensação entre créditos e débitos entre as partes, a menos que tal tenha sido expressamente peticionado – o que não aconteceu, uma vez que o Réu T.S. nem sequer deduziu reconvenção.
18. Além disso, dos factos provados não consta qualquer quantia líquida de que a Autora seja devedora ao Réu T.S., mas apenas a menção genérica de que este terá pago créditos (de valor indeterminado) que eram responsabilidade solidária do extinto casal.
19. Em face do exposto, e no que respeita ao Réu T.S., o Tribunal não estava na posse de dados suficientes para considerar a acção manifestamente improcedente, pelo que o estado do processo não permitia conhecer imediatamente do mérito da causa.
20. Ao decidir como decidiu, o tribunal a quo violou a alínea b) do n.º 1 do artigo 595.º do Código de Processo Civil.
(Da litigância de má-fé)
21. Por todos os motivos acima referidos, a Recorrente entende que a sua pretensão tem fundamento fáctico e jurídico, não existindo, por isso, qualquer razão para ser condenada como litigante de má-fé.
22. Ainda que o tribunal entenda verificar-se a excepção de autoridade de caso julgado, trata-se de uma figura jurídica discutível, que não beneficia de entendimentos pacíficos na doutrina e na jurisprudência.
23. Mesmo que possa existir uma posição maioritária num sentido inverso ao do alegado pela Recorrente, isso não significa que a posição da Recorrente seja desprovida de fundamento e manifestamente improcedente.
24. Caso contrário, estaríamos a admitir que a jurisprudência dita entendimentos definitivos e cristalizados sobre determinada interpretação jurídica, insuscetíveis de serem questionados pelas partes em novos processos e alterados por jurisprudência posterior – posição que certamente não contribuiria para a evolução do Direito e da Justiça.
25. Neste contexto, a Recorrente entende que a sua posição é perfeitamente válida e defensável, não tendo existido da sua parte qualquer dolo ou negligência grave no sentido de deduzir pretensão cuja falta de fundamento não devia ignorar.
26. Ao decidir como decidiu, o tribunal a quo violou o n.º 1 e a alínea a), do n.º 2 do artigo 542.º do Código de Processo Civil.»

Resposta ao recurso
O 1.º Réu respondeu ao recurso e defendeu a improcedência da apelação e a confirmação da sentença.

II- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
A 1.ª instância deu como provados os seguintes factos:
«1. A autora e o réu T.S. casaram-se em 23 de abril de 1983, sob o regime supletivo da comunhão de adquiridos.
2. Através de escritura pública de doação celebrada no Cartório Notarial de (…) no dia 5 de dezembro de 1990, H. declarou que, por conta quota disponível e com reserva de usufruto doava a T.S. e mulher I.S. e L.S. e mulher M.S., em comum e em partes iguais, um prédio misto, no Sítio de (…), freguesia de (…), concelho de (…), descrito na Conservatória de Registo Predial de (…) sob o n.º (…), o que estes aceitaram.
3. Pela Ap. 10 de 21 de dezembro de 1990 a doação do referido imóvel foi registada a favor de L.S., no estado de casado com M.S. e de T.S., no estado de casado com I.S..
4. Pela Ap. 17, de 7 de janeiro de 2005, encontra-se registada uma hipoteca voluntária constituída por Luís e T.S. sobre o imóvel em causa a favor da Caixa de Crédito Agrícola Mútuo do Sotavento Algarvio, CRL, pelo montante máximo assegurado de € 58 543,75 (cinquenta e oito mil, quinhentos e quarenta e três euros e setenta e cinco cêntimos), para garantia da abertura de crédito a favor de T.S. e mulher I.S..
5. Através de escritura pública de compra e venda realizada no cartório Notarial de (…), datada de 21 de maio de 2009, L.S. e T.S. declararam vender à sociedade “VERTIGEM – IMÓVEIS E PARTICIPAÇÕES, S.A.” o imóvel em causa pelo preço global de € 530 000,00 (quinhentos e trinta mil euros), por eles recebido e que sobre o imóvel incide uma hipoteca cujo cancelamento se encontra assegurado.
6. No referido ato notarial intervieram também M.S. e I.S., as quais declararam prestar aos seus cônjuges o necessário consentimento para a validade do ato.
7. Pela Ap. 4982, de 22 de maio de 2009, mostra-se registada a aquisição, por compra, do imóvel em causa, pela sociedade “VERTIGEM – IMÓVEIS E PARTICIPAÇÕES, S.A.”
8. Do Av. – Ap. 4983, de 22 de maio de 2009 mostra-se cancelado o ónus da hipoteca acima referido. 9. Do Av. – Ap. 838, de 15 de junho de 2009 foi retificado o registo referido em 3. (Ap. 10) no sentido de nele passar a constar a aquisição do imóvel a favor de I.S. e M.S.
10. O casamento referido supra foi dissolvido por divórcio decretado por sentença proferida nos autos que correram termos sob o n.º 875/08.5TMFAR – 2.º Juízo do Tribunal de Família e Menores de Faro, datada de 31 de maio de 2010, transitada em 5 de julho de 2010, através da qual, a ré foi declarada a principal culpada do divórcio.
11. Na referida sentença constam, além de outros, os seguintes factos:
“19. A ré não suporta a sua quota parte das despesas inerentes à amortização de três empréstimos que o casal havia contraído, respetivamente, para aquisição de um veículo automóvel e a título de crédito pessoal
20. À data de 22 de abril de 2009 encontrava-se por pagar a quantia de € 17 099,55 acrescida de € 6 023,54 de valor residual respeitante ao contrato n.º (…) do banco CETELEM.
21. À data de 22 de abril de 2009 encontrava-se por pagar € 29 566,96 respeitante ao contrato n.º (…) do banco C.C.A.M. do Sotavento Algarvio.
22. O crédito pessoal que a Caixa de Crédito Agrícola concedeu ao A. e Ré no dia 31.05.2007 no valor de trinta mil euros já se encontra pago.”
12. No apenso C dos referidos autos (inventário para partilha de bens do dissolvido casal) foi proferida sentença onde se pode ler:
“(…)
II. Questões a decidir
a) Se deve ser relacionada a verba de 265 000 € pela venda de imóvel, adquirido pela cabeça de casal, por doação, na pendência do matrimónio
b) Se existe omissão ou excesso de bens relacionados
(…)
IV. Fundamentação de direito
1. A quantia de 265 000 € pretendida relacional pela requerente refere-se à venda de um imóvel, bem próprio do ex-cônjuge, a quem foi doado na pendência do matrimónio, pelo que tendo o casamento sido celebrado no regime da comunhão de adquiridos, sem convenção antenupcial, o referido imóvel e o respetivo valor, obtido com a sua venda, constituem bem próprio do ex-cônjuge marido e, como tal, não pode constar dos bens a partilhar (art.º 1722, n.º 1, alínea b), do CC).
(…).»

III – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
1. O objeto do recurso, delimitado pelas conclusões das alegações, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso e daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras (artigos 635.º, n.ºs 3 e 4, 639.º, n.º 1 e 608.º, n.º 2, do CPC), não estando o tribunal obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito (artigo 5.º, n.º 3, do CPC), consubstancia-se nas seguintes questões:
- (In)existência da exceção de autoridade do caso julgado;
- Não se verificando tal exceção, se o processo deve prosseguir por não existirem elementos suficientes para a que seja proferida decisão de mérito;
- Litigância de má-fé da Autora.

2. (In)existência da exceção de autoridade do caso julgado
Na sentença recorrida foi afastada a existência de caso julgado material, e bem, porquanto atento o disposto no artigo 581.º, n.º 1, do CPC, e a necessidade da verificação da identidade de partes, pedido e causa de pedir entre a presente ação e o processo de inventário para partilha dos bens comuns do dissolvido casal, não se verifica a identidade (jurídica) das partes por aqui também terem sido demandados o 2.º Réu e a 3.ª Ré, que não tiveram intervenção no processo de inventário; o pedido também não ser o mesmo, pois «enquanto ali [no processo de inventário] se pretendia dividir o património comum do dissolvido casal e a inclusão no mesmo da verba proveniente do negócio jurídico em causa, aqui [na presente ação] pretende-se a condenação solidária de todos os intervenientes no negócio na quantia que, no entender da autora, lhe deveria ter sido entregue», embora «a causa de pedir (que, no processo de inventário, assume natureza complexa) é a mesma nos dois processos, ou seja, a celebração, na pendência do matrimónio, da escritura de doação de uma parte de um imóvel e, subsequentemente, da escritura de compra e venda dessa mesma parte que, no entender da autora e em virtude do regime de bens, assume a natureza de bem comum.»
Considerou, porém, e mais uma vez bem, que se verifica a chamada autoridade do caso julgado, explicitando com base na doutrina e jurisprudência o que vem sendo defendido sobre essa questão.
Escrevendo:
«Consideramos pois que, sobre a referida causa de pedir – que, note-se, é semelhante nos dois processos - já se formou o caso julgado material que se impõe, pela sua força e autoridade, em nome do princípio da segurança jurídica (…).»
Explicitando, ainda:
«No campo do caso julgado material, há que distinguir, como ensina Antunes Varela, entre a exceção do caso julgado – se volta a ser proposta uma ação idêntica à anterior – e a força do caso julgado – que respeita às questões prejudiciais já decididas – in “Manual de Processo Civil”, pág. 685, nota (1)[1].
Nesta mesma linha sustentam Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto, citando Castro Mendes, que a exceção do caso julgado se não confunde com a autoridade do caso julgado, já que pela primeira se visa o efeito negativo da inadmissibilidade da segunda ação, configurando-se o caso julgado como obstáculo a nova decisão de mérito, enquanto a segunda tem, diversamente, o efeito positivo de impor a primeira decisão como pressuposto indiscutível da segunda decisão de mérito. Segundo estes autores, “este efeito positivo assenta numa relação de prejudicialidade: o objecto da primeira decisão constitui questão prejudicial na segunda ação, como pressuposto necessário da decisão de mérito que nesta há-de ser proferida.” - in, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. 2º, 2ª edição, pág. 354.
Ainda, segundo Miguel Teixeira de Sousa “O caso julgado da decisão também possui um valor enunciativo: essa eficácia de caso julgado exclui toda a situação contraditória ou incompatível com aquela que ficou definida na decisão transitada. Excluída está, desde logo, a situação contraditória: se, por exemplo, o autor é reconhecido como proprietário, então não o é o demandado (…)” – in, “Estudos Sobre o Novo Processo Civil”, 1997, pág. 579
A autoridade do caso julgado funciona independentemente da verificação da tríplice identidade exigida no art. 581.º, do C.P.C., “pressupondo, porém, a decisão de determinada questão que não pode voltar a ser discutida.” – cfr. Acórdão do STJ de 21.03.2013, Cons. Álvaro Rodrigues, Proc. 3210/07.6TCLRS.L1.S1, e bem assim os demais nele mencionados: de 13.12.2007, processo nº 07A3739; de 06.03.2008, processo nº 08B402, e de 23.11.2011, processo nº 644/08.2TBVFR.P1.S1, todos acessíveis no sítio dgsi.pt.
Por outro lado, é dominante o entendimento jurisprudencial segundo o qual a força do caso julgado material abrange “para além das questões directamente decididas na parte dispositiva da sentença, as que sejam antecedente lógico necessário à emissão da parte dispositiva do julgado.” – cfr. citado Acórdão do STJ de 21.03.2013.
A propósito da extensão do caso julgado, Manuel de Andrade ensina: “Se a sentença reconheceu no todo ou em parte o direito do Autor, ficam precludidos todos os meios de defesa do Réu, mesmo os que ele não chegou a deduzir, e até os que ele poderia ter deduzido com base num direito seu (por ex.: ser ele, Réu, o proprietário do prédio reivindicado). Neste sentido, pelo menos, vale a máxima segundo a qual o caso julgado «cobre o deduzido e o dedutível» ou «tantum judicatum quantum disputatum vel disputari debebat» Por ex.: julgada procedente uma acção de reivindicação, não pode o Réu vir depois com uma nova acção dessas contra o Autor, fundado em que tinha adquirido por usucapião a propriedade do respectivo prédio. Se a nova acção pudesse triunfar e valesse a correspondente decisão, seria contrariada a força do caso julgado que cabe à sentença anterior. Tirava-se ao Réu um bem que a sentença lhe tinha dado.” – cfr. “Direito Processual Civil Declaratório, Vol. III, Almedina, 1982, pág. 394.
Impõe-se, portanto, o respeito pela autoridade do caso julgado formado na anterior decisão judicial proferida nos autos de inventário que já se pronunciou sobre a natureza do bem em causa, considerando que o dinheiro proveniente da venda em causa não deveria ser levado ao inventário para ser partilhado entre o desavindo casal, por se tratar de um bem próprio do ex-cônjuge, o ora réu T.S..»
Concluindo, de seguida:
«Pelos motivos expostos, decido julgar procedente a exceção de autoridade de caso julgado.»
A factualidade que está na base da decisão, para além dos factos referentes ao divórcio, doação, compra e venda e registos dos atos jurídicos de aceitação da doação e alienação (cfr. pontos 1 a 10), consta do ponto 12 dos factos provados nos seguintes termos:
«12. No apenso C dos referidos autos (inventário para partilha de bens do dissolvido casal) foi proferida sentença onde se pode ler:
“(…)
II. Questões a decidir
a) Se deve ser relacionada a verba de 265 000 € pela venda de imóvel, adquirido pela cabeça de casal, por doação, na pendência do matrimónio
b) Se existe omissão ou excesso de bens relacionados
(…)
IV. Fundamentação de direito
1. A quantia de 265 000 € pretendida relacional pela requerente refere-se à venda de um imóvel, bem próprio do ex-cônjuge, a quem foi doado na pendência do matrimónio, pelo que tendo o casamento sido celebrado no regime da comunhão de adquiridos, sem convenção antenupcial, o referido imóvel e o respetivo valor, obtido com a sua venda, constituem bem próprio do ex-cônjuge marido e, como tal, não pode constar dos bens a partilhar (art.º 1722, n.º 1, alínea b), do CC).
(…).»
Resulta, assim, que esteve em discussão na reclamação contra a relação de bens se o valor recebido pela venda do imóvel, que tinha sido objeto da doação mencionada nos supra pontos 5 a 9 dos factos provados, correspondente à quota-parte recebida pelo aqui 1.º Réu T.S., cabeça-de-casal no processo de inventário, no montante de €265.000,00, devia ou não ser objeto de partilha dos bens comuns do dissolvido casal constituído outrora pela Autora e pelo referido T.S..
Tendo sido decidido que não, porque o bem vendido e, consequentemente o produto da sua venda, na parte pertencente ao Réu T.S., correspondia a um bem próprio do ex-cônjuge, a quem foi doado na pendência do matrimónio celebrado seguindo o regime de comunhão de adquiridos (artigo 1722.º, n.º 1, alínea b), do Código Civil).
Discorda a Apelante aduzindo que apenas foi decidida a não inserção do produto da venda na relação de bens, nada tendo sido decidido quanto à retificação do registo para passar a constar que o mesmo também foi adquirido a seu favor, defendendo, ademais, que não foi proferida uma decisão definitiva quanto à natureza do bem, podendo, ainda, as partes recorrer aos meios comuns para discutir a natureza do bem, pelo que o Tribunal a quo violou o disposto no artigo 580.º, n.º 2, do CPC.
Nenhuma razão assiste à Apelante.
O n.º 2 do artigo 580.º do CPC enuncia precisamente a finalidade da exceção do caso julgado – evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer uma decisão anterior – sendo que a autoridade do caso julgado visa exatamente o mesmo fim, enquanto «projeção reflexa do caso julgado no caso de a relação coberta por este entrar na formação doutras relações, como pressuposto ou como elemento necessário, já que fixou e definiu a relação prejudicial.»[2]
Sendo que tem sido consensualmente aceite:
«II - O instituto do caso julgado exerce duas funções: uma função positiva e uma função negativa. A primeira manifesta-se através de autoridade do caso julgado, visando impor os efeitos de uma primeira decisão, já transitada (fazendo valer a sua força e autoridade), enquanto a segunda manifesta-se através de exceção de caso julgado, visando impedir que uma causa já julgada, e transitada, seja novamente apreciada por outro tribunal, por forma a evitar a contradição ou a repetição de decisões, assumindo-se, assim, ambos como efeitos diversos da mesma realidade jurídica.»[3]
Tal entendimento tem como pressuposto a certeza jurídica, a confiança, o evitar-se a contradição de julgados, o prestígio dos tribunais e os valores da eficácia processual.
«Ainda que se não verifique o concurso dos requisitos ou pressupostos para que exista a excepção de caso julgado (exceptio rei judicatae), pode estar em causa o prestígio dos tribunais ou a certeza ou segurança jurídica das decisões judiciais se uma decisão, mesmo que proferida em outro processo, com outras partes, vier dispor em sentido diverso sobre o mesmo objecto de decisão anterior transitada em julgado, abalando assim a autoridade desta».[4]
Lendo-se no sumário do acórdão do STJ proferido em 13-12-2007:
«A autoridade de caso julgado da sentença transitada e a excepção de caso julgado constituem efeitos distintos da mesma realidade jurídica, pois enquanto que a excepção de caso julgado tem em vista obstar à repetição de causas e implica a tríplice identidade a que se refere o art.498º do CPC (…), a autoridade de caso julgado da sentença transitada pode actuar independentemente de tais requisitos, implicando, contudo, a proibição de novamente apreciar certa questão».[5]
Por outro lado, tem-se entendido, como se refere no sumário do acórdão do STJ, de 12-07-2011:
«III - A expressão “limites e termos em que julga”, constante do art. 673.º do CPC, significa que a extensão objectiva do caso julgado se afere face às regras substantivas relativas à natureza da situação que ele define, à luz dos factos jurídicos invocados pelas partes e do pedido ou pedidos formulados na acção.
IV - Tem-se entendido que a determinação dos limites do caso julgado e a sua eficácia passam pela interpretação do conteúdo da sentença, nomeadamente, quanto aos seus fundamentos que se apresentem como antecedentes lógicos necessários à parte dispositiva do julgado.
V - Relativamente à questão de saber que parte da sentença adquire, com o trânsito desta, força obrigatória dentro e fora do processo – problema dos limites objectivos do caso julgado –, tem de reconhecer-se que, considerando o caso julgado restrito à parte dispositiva do julgamento, há que alargar a sua força obrigatória à resolução das questões que a sentença tenha tido necessidade de resolver como premissa da conclusão firmada.»[6]
Como refere TEIXEIRA DE SOUSA, «Não é a decisão, enquanto conclusão do silogismo judiciário, que adquire o valor de caso julgado, mas o próprio silogismo considerado no seu todo: o caso julgado incide sobre a decisão como conclusão de certos fundamentos e atinge estes fundamentos enquanto pressupostos daquela decisão”».[7]
Em relação ao processo de inventário, refere LOPES CARDOSO, «O caso julgado da sentença homologatória da partilha vale “por si mesmo quanto à própria partilha efectuada” e “solidifica os casos julgados que as decisões intercalares foram estabelecendo”, bem como “consolida as resoluções tomadas pelos interessados no decurso do inventário».[8]
No mesmo sentido se pronunciou o STJ no acórdão de 04-11-2021:
«II. O caso julgado da sentença homologatória da partilha vale por si mesmo quanto à própria partilha efectuada, solidifica os casos julgados que as decisões intercalares foram estabelecendo e consolida as resoluções tomadas pelos interessados no decurso do inventário.
III. A partilha, homologada por sentença transitada em julgado, confere aos interessados os bens que lhes foram atribuídos, desde a abertura da herança, atribuindo a cada um dos herdeiros, a partir dessa data, o direito de propriedade, em toda a sua extensão, relativamente a esses bens.»[9]
No caso em apreço, a decisão que decidiu a reclamação dos bens relacionados pelo cabeça-de-casal, ora 1.º Réu, e que determinou a exclusão do produto da venda do imóvel em causa nos autos por ser um bem próprio do mesmo, transitou em julgado, bem como a sentença que homologou a partilha dos bens do ex-casal nos termos decididos naquele processo.
Deste modo, a questão da natureza do bem imóvel encontra-se definitivamente julgada no sentido de se tratar de um bem próprio do 1.º Réu.
Independentemente na maior ou menor extensão da fundamentação jurídica em que tal decisão se alicerçou.
Donde, a autoridade do caso julgado que vem sendo referida impede que nesta ação se volte a discutir a mesma questão.
Bem andou, pois, a sentença recorrida quando julgou procedente a exceção de autoridade do caso julgado, absolvendo o 1.º Réu de todos os pedidos.
Consequentemente, fica prejudicada a supletiva apreciação jurídica levada a efeito pelo Tribunal a quo baseada no pressuposto do imóvel ter a natureza de bem comum (artigo 608.º, n.º 2, do CPC).
Por outro lado, e como decorre do recurso, a Apelante aceitou a decisão proferida em relação ao 3.º Réu e 4.ª Ré, que se fundou na inexistência de responsabilidade por parte dos mesmos, suscetível de gerar o peticionado direito de indeminização.
Assistindo à Apelante o direito de restringir o objeto do recurso, seja na vertente objetiva ou subjetiva (artigo 635.º, n.ºs 1 e 2, do CPC), nada mais há a dizer sobre a absolvição do pedido em relação a estes Réus.
Finalmente, importa considerar que tendo sido confirmada a sentença em relação à exceção de autoridade do caso julgado e não fazendo parte do objeto do recurso a improcedência da ação em relação ao 3.º Réu e 4.ª Ré, encontra-se prejudicada na sua apreciação a questão do prosseguimento dos autos por os mesmos não conterem, em fase de saneamento, todos os elementos para que fosse proferida uma decisão de mérito (artigo 608.º, n.º 2, do CPC).

3. Litigância de má-fé da Autora
Na atuação processual estão as partes vinculadas aos deveres de probidade e de cooperação, agindo de boa-fé, com brevidade e eficácia, de forma a alcançar-se a justa composição do litígio (artigos 7.º a 9.º do CPC).
A condenação da parte como litigante de má-fé obedece aos pressupostos legais mencionados no artigo 542.º, n.º 2, alíneas a) a d), do CPC, abrangendo a sanção tanto o dolo como a negligência grave.
Nas alíneas a) a d) do n.º 2 do artigo 542.º do CPC estão contempladas várias situações subsumíveis ao conceito de litigância de má-fé, violadoras dos referidos deveres.
Assim, atua com má-fé material/substancial a parte que, com dolo ou negligência grave, viola conscientemente o dever de verdade, ao deduzir pretensão ou oposição que sabe ou não podia deixar de saber, ser ilegítima, distorce ou deturpa a realidade de si conhecida ou omite factos relevantes, também por si conhecidos, para a decisão; atua com má-fé instrumental a parte que fizer do processo uso manifestamente reprovável, visando um objetivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecera ação da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.
Todavia, não é tida como litigância de má-fé a lide simplesmente temerária ou ousada ou assente em erro, mesmo que grosseiro.
Como também não corresponde a litigância de má-fé a dedução de pretensão ou oposição em que se decaí por mera fragilidade da prova ou por não lograr-se convencer o tribunal de determinada realidade trazida a julgamento, bem como as situações que resultam de discordâncias na interpretação e aplicação da lei aos factos.
Assim, a proposição de uma ação, a apresentação de uma contestação, ou a interposição de um recurso, embora sem fundamento ou com fundamento jurídico que não se conseguiu demonstrar, não constituiu uma atuação dolosa ou mesmo gravemente negligente da parte, considerando as inúmeras variáveis em confronto, posto que não se apure uma postura da parte conscientemente infundada.
No caso, o Tribunal a quo fundamentou a decisão nos seguintes termos:
«No caso concreto, tendo em conta a factualidade dada como provada temos que a autora instaurou, novamente, uma ação, com base nos mesmos factos sobre os quais anteriormente já havia instaurado o processo de inventário contra o seu ex-marido, não podendo desconhecer a factualidade que ali foi dada como provada ou o decidida por aquele outro tribunal quanto à natureza do bem em causa e do dinheiro proveniente da sua venda.
Por conseguinte, deve a autora ser condenada como litigante de má-fé em multa e indemnização à parte contrária.
A multa deve ser fixada entre 2 e 100 unidades de conta (artigo 27º, n.º 3 do Regulamento das Custas Processuais).
Assim sendo, tendo em conta a gravidade da “falta” cometida e os reflexos que a mesma teve na tramitação do processo (tal como acima referido) entende-se que é justo fixar a multa em 3 (três) unidades de conta.»
E quanto à indemnização a que se reporta o artigo 543.º do CPC:
«Quanto aos custos suportados com a presente ação, incluindo o valor provável dos honorários suportados com advogado e deslocação à audiência prévia cuja realização apenas se ficou a dever à manifestação de vontade, por parte da autora, nesse sentido, o tribunal considera que, atenta a desnecessidade de julgamento, sempre se afigurará justa e equilibrada, ao abrigo da equidade, a fixação da indemnização devida pela autora, a cada uma das contra partes, no valor de € 1 000,00 (mil euros).
Face ao exposto e ao abrigo das citadas disposições legais, decido condenar a autora, como litigante de má-fé, no pagamento de uma multa que se fixa em 3 UC´s e indemnização à cada uma das contra partes (1.º réu e 2.ºs réus) que se fixa em € 1 000,00 (mil euros).»
Discorda a Apelante, pugnando pela revogação da sentença quanto a esta condenação, alegando, em suma, que a sua pretensão é juridicamente válida e defensável a interpretação contrária àquela que vingou na sentença quanto à autoridade do caso julgado.
Vejamos.
A Autora omitiu na p.i. a existência do processo de inventário para partilha dos bens do ex-casal, e bem assim que no mesmo tinha sido decidido que o imóvel sobredito não era uma bem comum, mas sim de um bem próprio do ex-cônjuge subtraído, por essa razão, à partilha.
Veio intentar nova ação colocando uma questão que, pelo menos, em relação ao 1.º Réu, já se encontrava decidida noutro processo, e, como se viu, abrangida pela autoridade do caso julgado.
Portanto, desnecessariamente e sem qualquer possibilidade de ser invertida a decisão proferida, ou seja, intentou uma ação cuja falta de fundamento não devia ignorar.
Bem o sabendo, pois encontra-se patrocinada por I. Mandatária.
Ou seja, não está em causa apenas a dedução de pretensão em que se decaí por mera fragilidade da prova ou por não lograr-se convencer o tribunal de determinada realidade trazida a julgamento, ou por ocorrerem situações que resultam de discordâncias na interpretação e aplicação da lei aos factos.
O que está aqui em causa é a total omissão de fundamentos para a pretensão deduzida, omitidos exatamente para se alcançar uma decisão inversa a uma outra já proferida.
Ademais, também demandou dois outros Réus, na qualidade de comproprietários e covendedores, sem nada de substancial alegar em relação aos mesmos donde decorresse a responsabilidade que lhes imputava.
E se a demanda destes Réus já era incompreensível à luz da (falta) de alegação, ainda mais patente se tornou quanto veio aos autos por via das contestações que, a final, já existia uma decisão judicial que apreciou a natureza do bem e o excluiu da partilha dos bens do casal.
Também neste aspeto, a alegação da Autora foi omissa resultando objetivamente dessa omissão a imediata perceção da falta de fundamento do alegado, donde decorre a má-fé da Autora.
Nestes termos, a conduta da Autora não pode deixar de ser tida como uma atuação negligente de forma grosseira e grave, violadora da boa-fé processual, por ter deduzido pretensão cuja falta de fundamento não devia ignorar e, ainda, por ter omitido factos relevantes para a decisão a proferir, pelo que a mesma reveste má-fé na vertente substantiva, enquadrável nas alíneas a) e b) do n.º 2, do artigo 542.º do CPC.
Nestes termos, bem andou o Tribunal a quo ao condenar a Autora como litigante de má-fé.

4. Dado o decaimento, as custas ficam a cargo da Apelante (artigo 527.º do CPC), sendo a taxa de justiça do recurso fixada pela tabela referida no n.º 2 do artigo 6.º do RCP, e sem prejuízo do benefício do apoio judiciário na modalidade concedida.


IV- DECISÃO
Nos termos e pelas razões expostas, acordam em julgar improcedente a apelação, confirmando a sentença recorrida.
Custas nos termos sobreditos.
Évora, 30-06-2022
Maria Adelaide Domingos (Relatora)
José Lúcio (1.º Adjunto)
Manuel Bargado (2.º Adjunto)

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[1] Consta da nota 1, o seguinte: «No citado Acórdão pode ler-se: “(…)Ainda assim, constituindo a sentença caso julgado nos precisos limites e termos em que julga (art. 621º do CPC), importa não confundir a “exceção do caso julgado” com a “força e autoridade do caso julgado”, esclarecendo que, como tem vindo a ser sustentado, se a primeira pressupõe a aludida tríplice identidade (de sujeitos, de pedido e de causa de pedir), a segunda dispensa-a, ou seja, a autoridade do caso julgado pressupõe uma decisão (transitada) de determinadas questões que já não podem voltar a ser discutidas e, diversamente daquela exceção, pode funcionar independentemente da verificação de tal tríplice identidade”.
[2] Ac. STJ, de 08-01-2019, proc. n.º 5992/13.7TBMAI.P2.S1 (Roque Nogueira), em www.dgsi.-pt
[3] Ac. STJ, de 09-03-2022, proc. n.º 1383/19.4T8VFR.P1.S1 (Isaías Pádua), em www.dgsi.pt
[4] Ac. STJ, de 21-03-2013, proc. n.º 3210/07.6TCLRS.L1.S1 (Álvaro Rodrigues), em www.dgsi.pt
[5] Ac. STJ, de 13-12-2007, proc. n.º 07A3739 (Nuno Cameira), em www.dgsi.pt
[6] Ac. STJ, de 12-07-2011, proc. n.º 129/07.4TBPST.S1 (Moreira Camilo), em www.dgsi.pt
[7] Estudos Sobre o Novo Processo Civil, Lex, 1997, pp. 578-579.
[8] Partilhas Litigiosas, vol. III, Almedina, p. 33.
[9] Ac. STJ, de 04-11-2021, proc. n.º 99/19.6T8GDL.E1.S1 (Fernando Samões), em www.dgsi.pt