Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1668/22.2T8STR.E1
Relator: ANA PESSOA
Descritores: CASO JULGADO
COMPETÊNCIA INTERNACIONAL
PEDIDO
NULIDADE
DECLARAÇÃO CONFESSÓRIA EXTRAJUDICIAL
PREÇO
PAGAMENTO
Data do Acordão: 07/10/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO RECORRIDA
Área Temática: CÍVEL
Sumário: Sumário:

Transitada em julgado a sentença ou o despacho saneador que decida do mérito da causa, a decisão sobre a relação material controvertida fica a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele nos limites fixados pelos artigos 580º e 581º, sem prejuízo do disposto nos artigos 696º a 702º (art.º 619º, n.º 1 do CPC).

Decisão Texto Integral: *

Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora,


*


I. RELATÓRIO


Nos presentes autos de acção declarativa de condenação sob a forma comum que Silma Construções, Comércio e Serviços, Lda. moveu contra AA e BB, foi proferido despacho saneador, no qual, relativamente às exceções de incompetência absoluta, de caso julgado, e de preterição da convenção de foro brasileiro, se decidiu:


“(…) Pelo TRE no âmbito do recurso interposto do despacho saneador proferido, que correu termos no apenso A), foi proferida a seguinte decisão:


“Pelo exposto, decide-se anular a decisão proferida em 1ª instância relativamente à exceção de caso julgado e de incompetência internacional, a fim de o tribunal fundamentar devidamente a decisão por si proferida relativamente aos pontos da factualidade omitida, motivando tal decisão, em face dos meios de prova produzidos nos autos ou outros que necessite de colher ou produzir, em vista dos pressupostos inerentes à exceção de caso julgado (e) em relação à decisão da competência internacional, ao abrigo e nos termos previstos no artigo 662º, nº 2, als. c) e d) e nº 3, al. b) e c) do Código de Processo Civil.”. (sic).


Cumpre, assim, dar cumprimento ao superiormente ordenado, o que passa-se a fazer nos seguintes termos:


DO CASO JULGADO/ DA (IN)COMPETÊNCIA INTERNACIONAL DOS TRIBUNAIS PORTUGUESES


AA e BB, Réus nos autos da presente ação declarativa sob a forma de processo comum instaurada por SILMA CONSTRUÇÕES, COMÉRCIO E SERVIÇOS, LDA., ofereceram contestação, no âmbito da qual excecionaram a existência de caso julgado com relação ao decidido na ação que correu termos no processo n.º 1457/20.9... neste Juízo Central Cível de Santarém – Juiz 3, no sentido da sua absolvição da instância por incompetência absoluta dos tribunais portugueses, dizendo que as partes são as mesmas, a causa de pedir e o pedido idênticos, exceção essa que reiteram aqui existir uma vez que inexiste qualquer fator de conexão que atribua competência aos Tribunais portugueses para conhecer a ação.


SILMA CONSTRUÇÕES, COMÉRCIO E SERVIÇOS, LDA, no exercício do seu direito ao contraditório, advogou pela improcedência de tais exceções, dizendo, quanto ao caso julgado que, quer a causa de pedir, quer o pedido, nas duas ações não são semelhantes, e, por remissão ao exposto na petição inicial, defendeu a competência dos Tribunais portugueses ao abrigo do disposto no artigo 62.º, al. a) do CPC.


Vejamos:


Resulta do disposto no artigo 580.º do CPC, a respeito do conceito de caso julgado, que a exceção do caso julgado pressupõe a repetição de uma causa verificada depois de a primeira causa ter sido decidida por sentença que já não admite recurso ordinário.


Ocorre a repetição de uma causa quando se propõe uma ação idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir.


Há identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica; há identidade de pedido quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico; há identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas ações procede do mesmo facto jurídico – cfr. art. 581.º do CPC.


Visando o caso julgado evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior, o mesmo traduz-se na insusceptibilidade de impugnação de uma decisão, decorrente do respetivo trânsito em julgado, podendo o seu conhecimento ser perspetivado em duas vertentes distintas, mas complementares, ou seja, enquanto a força e autoridade do caso julgado tem por finalidade evitar que a relação jurídica material, já definida por uma decisão com trânsito, possa vir a ser apreciada diferentemente por outra decisão, com ofensa da segurança jurídica, a exceção destina-se a impedir uma nova decisão inútil, com ofensa do princípio da economia processual.


Com vista a ajuizar da existência do alegado caso julgado importa atender à seguinte factualidade, vertida na petição inicial desta ação, na petição inicial da ação que correu termos sob o processo n.º 1457/20.9... que correu termos neste Juízo Central Cível de Santarém – Juiz 3, e nas decisões/acórdãos aí proferidos, de acordo com a certidão daí extraída junta aos autos:

SILMA CONSTRUÇÕES, COMÉRCIO E SERVIÇOS, LDA, sociedade de direito com sede no Brasil propôs a presente ação declarativa de condenação sob a forma de processo comum contra AA e BB, com domicílio em Cidade 1, Portugal pedindo, a final, a condenação dos Réus no pagamento à Autora da quantia de € 549.032,59, acrescidos dos juros de mora vencidos e vincendos à taxa legal.

• Sustenta a Autora o seu pedido, em síntese estreita, na alegada falsidade da declaração confessória de pagamento/recebimento do preço aposta nos contratos de compra de imóveis localizados no Brasil e aí outorgados e, subsequentemente, na obrigação de pagamento a cargo dos Réus, por incumprimento do acordado com o Réu marido, do preço do património vendido no valor de € 420.000,00, bem assim na restituição das quantias cedidas, a título de empréstimo, pela Autora ao Réu através de transferências bancárias realizadas no Brasil para conta bancária aí titulada por ele, com vista a custear as despesas com as escrituras e impostos inerentes, no montante total de €70.207,67.

SILMA CONSTRUÇÕES, COMÉRCIO E SERVIÇOS, LDA, sociedade de direito com sede no Brasil propôs ação declarativa de condenação sob a forma de processo comum contra AA e BB, com domicílio em Cidade 1, Portugal, que correu termos sob o processo n.º 1457/20.9... que correu termos neste Juízo Central Cível de Santarém – Juiz 3, formulando aí, a final, os seguintes pedidos:

a. Ser declarada a nulidade da declaração confessória constante dos contratos de compra e venda celebrados no Brasil entre a A. Silma. LTDA. e o Réu marido, nos termos da qual a A. afirmou: “pelo preço certo e ajustado de…importância essa recebida do outorgado comprador, … em moeda corrente nacional, pelo que dão plena e geral quitação de pago e recebido …”;

b. Serem o Réus condenados a pagarem à A. a quantia de € 509.815,98 a que acrescem juros de mora vincendos, à taxa legal, contados desde 26/06/2020.

• Sustentou a Autora o referido pedido, em síntese estreita, sob a alegação que, no ano 2017, decidiu colocar à venda todo o património, constituído por 50% de oito moradias construídas em parceria com o R. e diversos terrenos na zona de Fortaleza, tendo o Réu marido manifestado interesse em ficar com o património da Autora, propondo e acordando pagar o preço de € 420.000,00 após transmitir os imóveis, no prazo de 1 ano, mais ficando o Réu marido de tratar da documentação necessária, sendo que, não tendo capital no Brasil, solicitou à Autora dinheiro para custear as despesas com a aquisição, impostos, escrituras, registos, honorários e custear os acabamentos das obras, o que a Autora, emprestando-lhe no total € 70.207,67. Mais afirmou que, uma vez realizadas as escritura de compra e venda dos imóveis que constituíam património da Autora e constando das mesmas, falsamente, declaração de pagamento/quitação do preço dos imóveis vendidos, pretende que seja anulada tal confissão do pagamento do preço, e a condenação dos Réus no pagamento da quantia peticionada, a qual inclui juros de mora vencidos, e dos juros de mora vincendos, à taxa legal, desde 26/06/2020.

• Por decisão proferida nos respetivos autos datada de 24/03/2021, considerando o tribunal português internacionalmente incompetente para conhecer do litígio, julgou-se verificada a exceção dilatória de incompetência absoluta deste tribunal, e, em consequência, absolveram-se os Réus da instância.

• A referida decisão, objeto de recurso, foi confirmada pelo Tribunal da Relação de Évora por acórdão datado de 27/01/2022 e, este, objeto de recurso, foi confirmado pelo Supremo Tribunal de Justiça no acórdão datado de 31/03/2022, já transitado em julgado.


Subsumindo a referida factualidade ao Direito a atender, precedentemente exposto, observa-se, desde já, a identidade das partes, Autora e os Réus são os mesmos.


Quanto ao pedido, pese embora na presente ação não tenha sido pedida a declaração da nulidade da declaração confessória constante dos contratos de compra e venda celebrados no Brasil entre a Autora e o Réu marido, o pedido de condenação dos Réus no pagamento da quantia aí contabilizada é o mesmo, na medida que, quer na presente ação, quer na outra, a Autora pretende ser ressarcida da quantia de € 420.000,00, por alegado incumprimento do pagamento do preço dos imóveis vendidos pela Autora e adquiridos pelo Réu marido, e da quantia de € 70.207,67 por alegado incumprimento dos empréstimos cedidos pela Autora ao Réu marido, divergindo os valores peticionados apenas nos alegados juros de mora entretanto vencidos. Com efeito, nesta ação, a Autora optou por não peticionar a declaração de nulidade da declaração confessória constante dos contratos de compra e venda celebrados no Brasil entre a Autora e o Réu marido, mas o reconhecimento da mesma apresenta-se condição sine quo non para a procedência do pedido formulado, uma vez que a falsidade da referida declaração confessória é articulada nesta ação como fundamento para o pedido formulado, constitui a causa de pedir – vide factos articulados na petição inicial nos artigos 87.º, 89.º, 92.º a 100.º, 140.º e ss., 144.º e 146.º. Ou seja, o efeito pretendido da Autora, o fim visado, numa e noutra ação, é o mesmo.


A par, a causa de pedir também é idêntica. Com efeito, a Autora sustenta a sua pretensão na falsidade da sua declaração confessória de pagamento/recebimento do preço dos imóveis da Autora adquiridos pelo Réu marido, no decurso do alegado acordo firmado com ele para transferência do seu património, no âmbito do qual também lhe transferiu diversas quantias para fazer face a despesas e outras necessidades, no valor total de € 70.207,67, do qual pretende ser ressarcida, tal como fez na ação que deu origem ao processo n.º 1457/20.9... que correu termos neste Juízo Central Cível de Santarém – Juiz 3. Ou seja, a pretensão deduzida pela Autora nas duas ações precede do mesmo facto jurídico.


Por fim, aquela primeira causa, que deu origem ao processo n.º 1457/20.9..., mostra-se perfetibilizada, isto é, finda por decisão que já não admite recurso ordinário.


De acordo com tal decisão judicial foi declarada a incompetência dos Tribunais portugueses para julgar a causa, absolvendo-se os Réus da instância. A referida declaração de incompetência, uma vez reconhecida por decisão transitada em jugado, impede que o Tribunal se debruce novamente sobre a mesma por forma a evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir tal decisão, que, por isso, nos abstemos de conhecer.


Destarte, verificam-se todos os requisitos legais previstos no artigo 581.º do CPC, o que impõe a procedência da exceção de caso julgado, prevista no artigo 580.º do CPC, invocada pelos Réus.


O caso julgado é uma exceção dilatória (de conhecimento oficioso) cuja procedência obsta a que o tribunal conheça do mérito da causa e dá lugar à absolvição da instância – arts. 576.º, n.º 2, 577.º, al. i) e 578.º, todos do CPC.


Termos em que, julgando-se procedente a exceção dilatória de caso julgado, absolve-se os Réus da instância.


Custas pela Autora, enquanto parte vencida – art. 527.º, n.º 1 do CPC.


Diante do decidido, quedam-se por prejudicados os despachos proferidos e demais atos praticados pelas partes nos autos no seguimento do conhecimento da exceção em causa.


Notifique.”

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Inconformada com a decisão, a Autora interpôs recurso, apresentando, após alegações, a seguinte síntese conclusiva:


“1. A causa de pedir na presente acção consiste nos factos relacionados com o não pagamento por parte dos Réus do preço de uma compra e venda de imóveis sitos no Brasil e com o não cumprimento por parte do Réu da obrigação de pagar as quantias que a A. lhe mutuou.


2. A acção anterior tinha como pedido que fosse declarada nula uma declaração confessória da A.


3. O julgamento na acção anterior foi apenas de que os Tribunais portugueses eram internacionalmente incompetentes para conhecer e julgar um pedido de nulidade de declaração confessória.


4. Os pedidos nas duas acções são diversos.


5. A causa de pedir em cada uma das acções é também diversa aqui é incumprimento de contratos ali era a falsidade da declaração.


6. Sendo diversos os pedidos e as causas de pedir não se verifica a excepção do caso julgado.


7. Tratando-se de acção respeitante à exigência de cumprimento de obrigações estamos perante o domínio de aplicação do artigo 71º, nº 1 do C.P.C., no campo da repartição de competências internas do ordenamento português, que atribui a competência para julgar a causa ao tribunal do domicilio do Réu.


8. A circunstância prevista na al. a) do artigo 62º do C.P.C. – princípio da coincidência – significa que a competência internacional acompanha, desde logo, a competência interna de matriz territorial. Assim, os factos que, na órbita da competência interna, determinam a competência territorial do tribunal português, determinam, também, na esfera internacional, a competência da jurisdição portuguesa em confronto com as jurisdições estrangeiras.


9. Deve, assim, a douta sentença recorrida ser anulada, por ter deixado violado o disposto no artigo 581º do C.P.C., julgando-se o tribunal solicitado competente para julgar a causa e determinado a continuação dos seus termos com realização de audiência de discussão e julgamento com produção das provas requeridas..”


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Os Réus não apresentaram contra-alegações.


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II. Questões a decidir.


Perante o teor das conclusões formuladas pela parte recorrente que, como é sabido, definem o objeto e delimitam o âmbito do recurso, nos termos do disposto nos artigos 608.º, n.º 2, 609.º, 620.º, 635.º, n.ºs 2 a 4, 639.º, n.º 1, todos do Código de Processo Civil importa apreciar e decidir se deve ser julgada improcedente a exceção de caso julgado e determinado o prosseguimento dos autos.


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III. Fundamentação.


III.1. Fundamentação de facto.


Com interesse para a decisão da causa relevam os factos constantes do relatório relativos ao processo, e os seguintes factos considerados provados pelo Tribunal Recorrido com relevância para a decisão da causa:

SILMA CONSTRUÇÕES, COMÉRCIO E SERVIÇOS, LDA, sociedade de direito com sede no Brasil propôs a presente ação declarativa de condenação sob a forma de processo comum contra AA e BB, com domicílio em Cidade 1, Portugal pedindo, a final, a condenação dos Réus no pagamento à Autora da quantia de € 549.032,59, acrescidos dos juros de mora vencidos e vincendos à taxa legal.

• Sustenta a Autora o seu pedido, em síntese estreita, na alegada falsidade da declaração confessória de pagamento/recebimento do preço aposta nos contratos de compra de imóveis localizados no Brasil e aí outorgados e, subsequentemente, na obrigação de pagamento a cargo dos Réus, por incumprimento do acordado com o Réu marido, do preço do património vendido no valor de € 420.000,00, bem assim na restituição das quantias cedidas, a título de empréstimo, pela Autora ao Réu através de transferências bancárias realizadas no Brasil para conta bancária aí titulada por ele, com vista a custear as despesas com as escrituras e impostos inerentes, no montante total de €70.207,67.

SILMA CONSTRUÇÕES, COMÉRCIO E SERVIÇOS, LDA, sociedade de direito com sede no Brasil propôs ação declarativa de condenação sob a forma de processo comum contra AA e BB, com domicílio em Cidade 1, Portugal, que correu termos sob o processo n.º 1457/20.9... que correu termos neste Juízo Central Cível de Santarém – Juiz 3, formulando aí, a final, os seguintes pedidos:

c. Ser declarada a nulidade da declaração confessória constante dos contratos de compra e venda celebrados no Brasil entre a A. Silma. LTDA. e o Réu marido, nos termos da qual a A. afirmou: “pelo preço certo e ajustado de…importância essa recebida do outorgado comprador, … em moeda corrente nacional, pelo que dão plena e geral quitação de pago e recebido …”;

d. Serem o Réus condenados a pagarem à A. a quantia de € 509.815,98 a que acrescem juros de mora vincendos, à taxa legal, contados desde 26/06/2020.

• Sustentou a Autora o referido pedido, em síntese estreita, sob a alegação que, no ano 2017, decidiu colocar à venda todo o património, constituído por 50% de oito moradias construídas em parceria com o R. e diversos terrenos na zona de Fortaleza, tendo o Réu marido manifestado interesse em ficar com o património da Autora, propondo e acordando pagar o preço de € 420.000,00 após transmitir os imóveis, no prazo de 1 ano, mais ficando o Réu marido de tratar da documentação necessária, sendo que, não tendo capital no Brasil, solicitou à Autora dinheiro para custear as despesas com a aquisição, impostos, escrituras, registos, honorários e custear os acabamentos das obras, o que a Autora, emprestando-lhe no total € 70.207,67. Mais afirmou que, uma vez realizadas as escritura de compra e venda dos imóveis que constituíam património da Autora e constando das mesmas, falsamente, declaração de pagamento/quitação do preço dos imóveis vendidos, pretende que seja anulada tal confissão do pagamento do preço, e a condenação dos Réus no pagamento da quantia peticionada, a qual inclui juros de mora vencidos, e dos juros de mora vincendos, à taxa legal, desde 26/06/2020.

• Por decisão proferida nos respetivos autos datada de 24/03/2021, considerando o tribunal português internacionalmente incompetente para conhecer do litígio, julgou-se verificada a exceção dilatória de incompetência absoluta deste tribunal, e, em consequência, absolveram-se os Réus da instância.

• A referida decisão, objeto de recurso, foi confirmada pelo Tribunal da Relação de Évora por acórdão datado de 27/01/2022 e, este, objeto de recurso, foi confirmado pelo Supremo Tribunal de Justiça no acórdão datado de 31/03/2022, já transitado em julgado.


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III.2. Fundamentação jurídica.


“A figura da excepção de caso julgado – que a reforma de 1995/96 qualificou expressamente como dilatória – tem que ver com um fenómeno de identidade entre relações jurídicas, sendo a mesma relação submetida sucessivamente a apreciação jurisdicional, ignorando-se ou desvalorizando-se o facto de esse mesma relação já ter sido, enquanto objecto processual perfeitamente individualizado nos seus aspectos subjectivos e objectivos, anteriormente apreciada jurisdicionalmente, mediante decisão que transitou em julgado.”


Uma vez decidida uma questão com força de caso julgado, não mais pode a mesma voltar a ser apreciada em ação posterior, quer surja a título principal, caso em que funcionará a exceção de caso julgado, quer surja a título prejudicial ou seja suscitada pelo réu, casos em que a força e autoridade do caso julgado obrigará a ter essa mesma questão como assente.


Está em causa o efeito negativo do caso julgado, que consiste na proibição de repetição de nova decisão sobre a mesma causa, que como é sabido, pressupõe um fenómeno de identidade de relações jurídicas numa tríplice vertente – identidade de sujeitos, identidade de pedido e identidade de causa de pedir (cfr. artigo 581.º, n.º 1 do CPC).


Transitada em julgado a sentença ou o despacho saneador que decida do mérito da causa, a decisão sobre a relação material controvertida fica a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele nos limites fixados pelos artigos 580º e 581º, sem prejuízo do disposto nos artigos 696º a 702º (art.º 619º, n.º 1 do CPC).


“O caso julgado é, evidentemente, uma exigência de boa administração da justiça, da funcionalidade dos tribunais e da salvaguarda da paz social, uma vez que dá expressão aos valores da segurança e certeza fundamentais em qualquer ordem jurídica: a res judicata obsta a que uma mesma acção seja instaurada várias vezes, impede que sobre a mesma situação recaiam soluções contraditórias e garante uma composição, tendencialmente definitiva, dos litígios que os tribunais são chamados a resolver.”1


Ora, como decorre dos factos provados, no âmbito da ação que correu termos sob o n.º 1457/20.9..., entre as mesmas partes, foi proferida decisão que julgou incompetente em razão internacional.


Interposto recurso de tal decisão, por este Tribunal da Relação foi proferido Acórdão em 27.01.2022, no qual pode ler-se:

“(…) A sentença decidiu da forma exposta por ter entendido o seguinte:

«(…) embora a A. pretenda autonomizar a declaração relativa ao recebimento do preço, tal declaração não pode deixar de ser analisada no seu contexto natural, que foi a escritura pública de compra e venda, pelo que, na realidade, se trata de por em causa a aquisição da propriedade dos bens imóveis através das escrituras de compra e venda outorgadas no Cartório (…), sito na Rua (…), 75, Apuiarés, Comarca de Apuiarés, Estado do Ceará, Republica Federativa do Brasil, celebrados entre a A., (…), Ltda. e o Réu marido, ancorada no facto de, apesar de a A. ter declarado ter recebido o preço, na realidade não o recebeu».

Isto porque, na base do pedido de anulação da declaração confessória, estão os contratos de compra e venda de imóveis situados no Brasil.

E conclui:

«Deste modo, estando em causa as escrituras de compra e venda de imóveis, em termos de competência de acordo com as regras estabelecidas pela lei portuguesa, é competente o tribunal da situação dos bens (artigo 70.º, n.º 1, CPC), que no caso dos autos, se situam todos eles no Brasil».

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Contra este modo de ver, a recorrente alega que a acção não é referente a direitos reais ou pessoais de gozo sobre imóveis e não tem aplicação no caso o artigo 70.º, n.º 1, do Código de Processo Civil (este preceito, sob a epígrafe «foro da situação dos bens» determina que as acções que se refiram a direitos reais ou pessoais de gozo sobre imóveis devem ser propostas no tribunal da situação desses bens).

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O artigo 62.º, alínea a), citado, define que o «primeiro critério geral atributivo de competência legal é o da coincidência (…). Os tribunais portugueses são internacionalmente competentes quando a ação possa ser proposta em tribunal português segundo as regras de competência territorial estabelecidas na lei portuguesa. Quer isto dizer que se o elemento de conexão utilizado na norma de competência territorial apontar para um lugar situado no território português os tribunais portugueses competentes são internacionalmente competentes» (Luís Lima Pinheiro DIP, vol. III, t. I, AAFDL Ed., 2019, p. 337).

No nosso caso, e concordando com a recorrente neste ponto, não estamos perante uma acção sobre imóveis ou perante uma acção fundada em «relações contratuais que facultam a utilização de um imóvel» (idem, ibidem) mas sim sobre uma acção de anulação de uma declaração confessória. A A. não pretende a reivindicação dos prédios nem pretende a anulação do negócio, antes dando por firme e válido o respectivo contrato. Sem dúvida que a acção tem na sua raiz um contrato de compra e venda mas o objecto da acção nada tem que ver com a utilização dos prédios vendidos.

Do que aqui se trata é do cumprimento da obrigação de pagamento do preço que, mesmo tendo a recorrente declarado tê-lo recebido, a verdade é que não o recebeu (por isso, a obrigação do comprador não está cumprida).

Assim, e quanto a este aspecto, tem razão a recorrente.

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Não tem razão, contudo, quanto aos demais argumentos.

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Como decorre das conclusões das alegações, a recorrente defende que existe entre o objecto do litígio e a ordem jurídica portuguesa elementos ponderosos de conexão pessoal – a nacionalidade dos representantes da A. e dos Réus e a sua residência em território português, ficando preenchida a previsão da alínea b) do artigo 62.º do C.P.C. atribuindo competência aos tribunais nacionais para julgarem a causa além de que foram praticados em território português factos que integram a causa de pedir – negociações, aceitação de proposta negocial. «Segundo o critério da causalidade, os tribunais portugueses são internacionalmente competentes quando tenha sido praticado em território português o facto que serve de causa de pedir na ação, ou alguns factos que a integram» (Lima Pinheiro, ob. cit., p. 348). Mas, note-se, não basta qualquer facto; ele tem de ser relevante e que «traduza uma conexão suficientemente forte entre o caso e o Estado português» (p. 349). Veja-se, por exemplo, o ac. da Relação de Lisboa, de 6 de Fevereiro de 2020, onde se decidiu que os «factos ilícitos alegados pelos Autores foram todos eles, na sua versão, praticados e consumados no Brasil, sendo irrelevante que os Réus tenham domicílio ou sede social em Portugal ou que os danos tenham ocorrido, também, em Portugal».

Tendo isto presente, temos que o facto relevante, aliás, o fundamental, é a declaração confessória pois que é esta declaração que se pretende ver anulada. Tudo o mais que se indica (a residência, as negociações) não tem relevância para a aplicação do critério aqui em causa. O objecto da acção não tem que ver com as negociações tal como não tem que ver com a nacionalidade das partes (uma delas, a Autora é brasileira) nem com o domicílio dos seus representantes ou dos recorridos. A causa de pedir não é constituída por qualquer destes factos, mas sim pela declaração confessória feita com base em erro, e isto aconteceu no Brasil.

Assim, tem razão a sentença quando afirma que «o facto visado foi praticado no Brasil, pelo que, também à luz deste critério, os tribunais portugueses não têm competência para dirimir o litígio».

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Por último, a recorrente invoca o critério da necessidade constante da al. c) do preceito em análise.

De acordo com ele, o tribunal português é internacionalmente competente quando o «direito invocado não possa tornar-se efetivo senão por meio de ação proposta em território português ou se verifique para o autor dificuldade apreciável na propositura da ação no estrangeiro, desde que entre o objecto do litígio e a ordem jurídica portuguesa haja um elemento ponderoso de conexão, pessoal ou real».

A este respeito, alega a recorrente:

«Há que reconhecer a existência de uma apreciável maior dificuldade na propositura da acção, no Estado Brasileiro quando os Réus e todos os legais representantes da A. residem em Portugal, não sendo, por isso, exigível à A. autora a sua instauração fora de Portugal, sendo indiscutível a presença de um elemento ponderoso de conexão, pessoal (a residência e a nacionalidade dos Réus) e real, entre o objeto do litígio e a ordem jurídica portuguesa, a justificar um novo fator de atribuição da competência internacional dos tribunais portugueses, agora com base no princípio da necessidade, com assento no artigo 62.º, alínea c), do CPC».

Salvo o devido respeito, não concordamos uma vez que o critério é o da dificuldade e não o da comodidade.

Quanto ao «ponderoso elemento de conexão» já acima dissemos que o domicílio e a nacionalidade não são suficientes para determinar a competência internacional de um tribunal português, sendo certo que a residência dos representantes da recorrente é indiferente. Como acima se disse, não basta um qualquer elemento de conexão e a lei, nesta alínea, é clara sobre isto. E este elemento tem que ver ainda com a causa de pedir invocada não bastando uma simples questão de domicílio que hoje pode existir e amanhã não.

Escreve-se na sentença:

«No entanto, existem outros elementos de cariz mais relevante, como sejam, a circunstância de se tratar de escrituras de compra e venda celebradas em cartório notarial brasileiro por oficial público desse país, de se tratar da venda de bens imóveis situados no Brasil, e de a A. ser uma sociedade comercial de direito brasileiro, com sede no Brasil» (p. 12).

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Pelo exposto, julga-se improcedente o recurso.(…)” (o destacado é nosso).

E note-se que, tendo sido interposto recurso de tal decisão, pelo Supremo Tribunal de Justiça foi proferido Acórdão em 31.03.2022, no qual se entendeu:

“(…) Apreciando o mérito do recurso, a competência internacional consiste na atribuição do poder de julgar aos tribunais portugueses, no seu conjunto, em face dos tribunais estrangeiros e a questão apenas se suscita quando uma causa concreta revele alguma conexão com outra ordem jurídica estrangeira. Se qualquer dos seus elementos como sejam, as partes, o pedido, ou a causa de pedir tiverem somente conexão com uma ordem jurídica o problema não se coloca. Existindo essa conexão, importará ainda decidir se uma determinada questão deve ser resolvida pelos tribunais portugueses ou pelos tribunais estrangeiros, isto é, a competência internacional dos tribunais portugueses incide sobre as situações que apesar de possuírem, na perspetiva do ordenamento português, uma relação com ordens jurídicas estrangeiras, apresentam igualmente uma conexão relevante com a ordem jurídica portuguesa.

Sem embargo dos casos em que o nosso ordenamento jurídico admite a possibilidade de a justiça de outro Estado ser igualmente competente para julgar a causa numa aceitação de competência concorrente, podendo a prestação jurisdicional estrangeira ser incorporada nacionalmente através dos mecanismos de revisão de decisão estrangeira, outros casos são estabelecidos (no art. 63 do CPC) em que a autoridade judiciária portuguesa é a competente de forma absoluta, excluindo-se a competência de outra autoridade judiciária estrangeira. Isso significa que, para os processos indicados no referido dispositivo legal, a lex fori reconhece como internacionalmente competente apenas os seus juízes e tribunais, impedindo o reconhecimento da decisão estrangeira.

Centrando a atenção na competência internacional concorrente - a que admite a possibilidade de ocorrência de atividade jurisdicional paralela à exercida pela jurisdição nacional a respeito da mesma causa - podendo cada país estabelecer os elementos de conexão que considere relevantes para se atribuir a competência para julgar determinados litígios, dispõe o art. 59 do CPC que sem prejuízo do firmado em regulamentos europeus ou outros instrumentos internacionais, os tribunais são competentes internacionalmente quando se verifique algum dos elementos de conexão referidos no art. 62º CPC e 63º ou quando as partes lhes tenham atribuído competência nos termos do art. 94º CPC.

O art. 62 al. a) fixa o critério da coincidência: é atribuída competência internacional aos tribunais portugueses, quando a ação deva ser proposta em Portugal, segundo as regras da competência internacional estabelecidas em lei portuguesa e tais regras (da competência internacional) constam do art. 70 e ss CPC. Quando de acordo com as regras da competência territorial previstas na ordem interna, a ação deva ser instaurada em Portugal, os tribunais portugueses terão competência internacional para julgar essa ação, mesmo que existam elementos de conexão com ordens jurídicas estrangeiras. Assim, conforme a alínea a) do art. 62 conjugada com o que dispõe do art. 70 do CPC, as ações relativas a direitos reais ou pessoais de gozo sobre imóveis devem ser propostas no tribunal da situação dos bens. Se os bens estão situados em Portugal, os tribunais portugueses terão competência, não só interna, como internacional, por aplicação do referido princípio da coincidência. Se o elemento de conexão utilizado na norma de competência territorial apontar para um lugar situado no território português os tribunais portugueses competentes são internacionalmente competentes - Luís Lima Pinheiro, DIP, vol. III, t. I, AAFDL Ed., 2019, p. 337.

Um outro critério é o da causalidade, previsto na al. b) do art. 62 do CPC. Os tribunais portugueses são internacionalmente competentes para a propositura da ação quando tiver sido praticado em Portugal o facto que serve de causa de pedir ou algum dos factos que a integram.

Por último, o critério da necessidade com regulação na al. c) do art. 62 citado, alcança não só a impossibilidade jurídica, por inexistência de tribunal competente para dirimir o litígio em face das regras de competência internacional das diversas ordens jurídicas com as quais ele apresenta uma conexão relevante, como também a impossibilidade prática, derivada de factos anómalos impeditivos do funcionamento da jurisdição competente. Exige-se que entre o objeto do litígio e a ordem jurídica portuguesa haja um elemento ponderoso de conexão, pessoal ou real e que, segundo o princípio da necessidade, o direito invocado pelo autor só possa tornar-se efetivo por meio de ação proposta em Portugal ou quando a propositura da ação no estrangeiro representaria para o autor dificuldade apreciável. Configura-se este critério como um último recurso que previne a denegação de justiça que resultaria da circunstância de não ser possível ou ser muito difícil propor uma ação no estrangeiro.

No caso em decisão, discute-se a declaração confessória constante de contratos de compra e venda celebrados no ... entre a autora e o réu marido, declaração que estes querem ver declarada nula. Não se trata de uma ação real, sequer de uma das previstas no nº1 do art. 70 do CPC, antes identifica uma ação de anulação de uma declaração confessória em que se pretende que, continuando o negócio celebrado válido, seja apenas a declaração negocial incidente no pagamento do preço que seja considerada nula, o que afasta o primeiro elemento de conexão estabelecido no art. 62 al. a) do CPC.

Procurando-se nos restantes critérios enunciados nesse preceito se existe entre o objeto do litígio antes delimitado e a ordem jurídica portuguesa algum elemento atributivo de competência adverte-se que a mesmo que a nacionalidade dos representantes da autora e dos réus fosse portuguesa e a sua residência em território português, tal não seria relevante para essa atribuição. A previsão da al. b) desse normativo atribui aos tribunais nacionais competência para julgarem a causa se os factos integrantes da causa de pedir foram praticados em território português – factos esse que podem consistir não só na própria celebração do negócio como também nas negociações tendentes à sua realização ou na aceitação de proposta negocial, desde que estas façam parte do elenco dos factos relevantes que servem a pretensão – cfr. Lima Pinheiro, ob. cit., p. 348 e 349.

No caso em apreciação, o facto essencial, a causa de pedir, é a declaração confessória produzida numa escritura pública de compra e venda celebrada no ..., sendo de todo indiferente a esta causa a nacionalidade das partes envolvidas, a sua residência, o lugar onde tenham ocorrido as negociações tendentes à celebração da aludida escritura, razão para que não se encontre na al. b) do art. 62 do CPC fundamento para considerar o tribunal português como internacionalmente competente.

Por último, a recorrente invoca o critério da necessidade constante da al. c) do normativo em estudo que, como vimos, só terá aplicação quando o “direito invocado não possa tornar-se efetivo senão por meio de ação proposta em território português ou se verifique para o autor dificuldade apreciável na propositura da ação no estrangeiro, desde que entre o objeto do litígio e a ordem jurídica portuguesa haja um elemento ponderoso de conexão, pessoal ou real”.

Para sufrágio desta conexão o recorrente sustenta que tem de reconhecer-se “uma apreciável maior dificuldade na propositura da ação, no ...” e fornece como razão serem os réus e os legais representantes da autora residentes em Portugal. Não seria assim exigível a instauração da ação fora de Portugal porque a conexão pessoal resultante da residência das partes inscreveria a atribuição da competência internacional dos tribunais portugueses com base no princípio da necessidade.

Como se observa com propriedade na decisão recorrida, não é a circunstância de haver maior comodidade na propositura da ação em Portugal que constitui critério de fixação da competência internacional e menos ainda por critérios de necessidade. Aliás, essa comodidade por razões de conveniência pessoal poderia ter sido prevenida através de um pacto atributivo de competência internacional nos termos e com respeito das prescrições do art. 94 do CPC e não foi. Não sendo o domicílio e a nacionalidade das partes suficientes para determinar a competência internacional de um tribunal português, diz-se ainda por acréscimo que a residência dos representantes das partes não substitui, para efeitos de configuração da nacionalidade e residência, a nacionalidade e a residência da própria parte representada.

Não existe no caso em decisão qualquer alegação de impossibilidade prática decorrente de ocorrências anómalas e impeditivas do funcionamento da jurisdição competente (a brasileira) para que a ação seja julgada em Portugal e sem estas fica afastada qualquer ideia de necessidade atributiva de competência para que o direito invocado pelo autor só possa tornar-se efetivo por meio de ação proposta em Portugal ou para que a propositura da ação no estrangeiro representasse para o autor dificuldade apreciável.(destacado nosso) (…)”

Ora, nos presentes autos, não só o pedido consiste também no pagamento da quantia que a Autora considera devida pela transmissão dos imóveis, como na petição inicial, que poucas alterações tem relativamente à que foi apresentada no processo n.º 1457/20.9..., se alega reiteradamente (cf. artigos 87º, 89º, 92º a 105º, 140 e ss. 144, 146 da petição inicial) a falsidade da declaração confessória de pagamento/recebimento do preço – o que integra a causa de pedir, pois se tal não fosse alegado teria de valorar-se tal declaração confessória.


Seja por via da declaração de nulidade da declaração confessória de recebimento de preços alegada naquela outra ação, seja por via da alegação do incumprimento alegado nos presentes autos, é o mesmo o fundamento do pedido de condenação dos Réus no pagamento dos preços constantes da escritura.


Como se refere na decisão recorrida, entre ambas as ações verifica-se a identidade das partes, Autora e os Réus são os mesmos.


Quanto ao pedido, pese embora na presente ação não tenha sido pedida a declaração da nulidade da declaração confessória constante dos contratos de compra e venda celebrados no Brasil entre a Autora e o Réu marido, o pedido de condenação dos Réus no pagamento da quantia aí contabilizada é o mesmo, na medida que, quer na presente ação, quer na outra, a Autora pretende ser ressarcida da quantia de € 420.000,00, por alegado incumprimento do pagamento do preço dos imóveis vendidos pela Autora e adquiridos pelo Réu marido, e da quantia de € 70.207,67 por alegado incumprimento dos empréstimos cedidos pela Autora ao Réu marido, divergindo os valores peticionados apenas nos alegados juros de mora entretanto vencidos. Com efeito, nesta ação, a Autora optou por não peticionar a declaração de nulidade da declaração confessória constante dos contratos de compra e venda celebrados no Brasil entre a Autora e o Réu marido, mas o reconhecimento da mesma apresenta-se condição sine quo non para a procedência do pedido formulado, uma vez que a falsidade da referida declaração confessória é articulada nesta ação como fundamento para o pedido formulado, constitui a causa de pedir – vide factos articulados na petição inicial nos artigos 87.º, 89.º, 92.º a 100.º, 140.º e ss., 144.º e 146.º. Ou seja, o efeito pretendido da Autora, o fim visado, numa e noutra ação, é o mesmo.


A par, a causa de pedir também é idêntica. Com efeito, a Autora sustenta a sua pretensão na falsidade da sua declaração confessória de pagamento/recebimento do preço dos imóveis da Autora adquiridos pelo Réu marido, no decurso do alegado acordo firmado com ele para transferência do seu património, no âmbito do qual também lhe transferiu diversas quantias para fazer face a despesas e outras necessidades, no valor total de € 70.207,67, do qual pretende ser ressarcida, tal como fez na ação que deu origem ao processo n.º 1457/20.9... que correu termos neste Juízo Central Cível de Santarém – Juiz 3. Ou seja, a pretensão deduzida pela Autora nas duas ações precede do mesmo facto jurídico.


Por fim, aquela primeira causa, que deu origem ao processo n.º 1457/20.9..., mostra-se perfetibilizada, isto é, finda por decisão que já não admite recurso ordinário.


De acordo com tal decisão judicial foi declarada a incompetência dos Tribunais portugueses para julgar a causa, absolvendo-se os Réus da instância.


A referida declaração de incompetência, uma vez reconhecida por decisão transitada em jugado, impede que o Tribunal se debruce novamente sobre a mesma.


Verificam-se, pois, todos os requisitos legais previstos no artigo 581.º do Código de Processo Civil, o que impõe a procedência da exceção de caso julgado, prevista no artigo 580.º do Código de Processo Civil, invocada pelos Réus, já que se mostra decidido que o Tribunal Português é internacionalmente incompetente para julgar o litígio em causa.


A decisão recorrida não merece, pois, qualquer censura.


*


IV. DECISÃO


Pelo exposto, acordam em julgar improcedente a apelação e, em consequência, em confirmar a decisão recorrida.


Custas pela Recorrente – artigos 527º, ns. 1 e 2 do Código de Processo Civil.


Registe e notifique.


*


Évora, 10.07.2025

Ana Pessoa

Susana Cabral

José António Moita

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1. Cf. o recente Acórdão do STJ de 15.05.2025 proferido no âmbito do processo n.º 420/20.4T8SSB.E1.S1, em recurso de revista interposto de Acórdão desta Secção.↩︎