Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
436/24.1T8ODM.E1
Relator: MANUEL BARGADO
Descritores: SUBEMPREITADA
NULIDADE DA SENTENÇA
ERRO DE JULGAMENTO
NULIDADE DA CITAÇÃO
ARRESTO
OPOSIÇÃO
Data do Acordão: 10/02/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO RECORRIDA
Área Temática: CÍVEL
Sumário: Sumário

I - A nulidade de uma decisão judicial é um vício intrínseco da mesma e não se confunde com um hipotético erro de julgamento, de facto ou de direito.


II - No contrato de subempreitada o empreiteiro torna-se dono da obra em relação ao subempreiteiro, pelo que, nas relações entre empreiteiro e subempreiteiro, em tudo o que não esteja expressamente previsto, aplicar-se-á o regime legal do vínculo entre o dono da obra e o empreiteiro

Decisão Texto Integral: Proc. nº 436/24.1T8ODM.E1

Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora


I - RELATÓRIO


AA Unipessoal, Lda. instaurou procedimento cautelar de arresto contra BB, Lda., alegando, em síntese, que prestou serviços à Requerida no valor de € 30.187,84, a qual, até à presente data, nada pagou, apesar das diversas interpelações nesse sentido, e que a Requerida está a dissipar bens móveis não sujeitos a registo, sendo que vários credores têm interpelado a Requerida no sentido de esta cumprir as respetivas obrigações.


Conclui peticionando que, na procedência do procedimento cautelar, seja decretado o arresto de bens móveis sujeitos e não sujeitos a registo, de créditos presentes e futuros e de contas bancárias até perfazer o montante da quantia em dívida


Por decisão de 18.12.2024, foi decretada a providência cautelar requerida, determinando-se o arresto dos veículos automóveis identificados no ponto 20 do elenco dos factos provados, assim como de todas as contas bancárias da Requerida até perfazerem o valor da dívida para com a Requerente


Notificada, a Requerida veio deduzir oposição, alegando, em resumo, que a Requerente nunca prestou quaisquer serviços à Requerida, porquanto apenas desempenhava funções de coordenação da obra em causa, tratando das faturações e de sugestão de fornecedores e que apenas recebia uma comissão por ter arranjado a obra à CC Acrescenta que a CC veio mais tarde a ser substituída pela DD e que posteriormente a Requerente entrou na obra, contratada pela DD, para concluir certos trabalhos.


Mais alega que a sua situação patrimonial é estável e não tem qualquer dívida pendente, concluindo pela procedência da oposição e pelo levantamento do arresto.


Foi realizada audiência final, tendo sido proferida decisão em cujo dispositivo se consignou:


«Em face do exposto, com base nos fundamentos de facto e de direito supra expendidos, este Tribunal julga a oposição totalmente procedente e, consequentemente, após trânsito, determina o levantamento de todos os arrestos determinados à ordem dos presentes autos e a devolução dos bens à Requerida».


Inconformada com tal decisão veio a Requerente recorrer da mesma, culminando as alegações por si apresentadas com as conclusões1 que a seguir se transcrevem:


«A. Por Sentença proferida por este Tribunal datada de 18.12.2025, com a ref. 34992871, foi de decidido o seguinte:


“Pelo exposto, julgo o procedimento cautelar de arresto procedente, por indiciariamente provado, e, em consequência, decreto o arresto dos veículos automóveis identificados no facto dado como provado n.º 20 e de todas as contas bancárias da Requerida até perfazerem o valor da dívida para com a Requerente, com os limites que decorrem das disposições conjugadas dos artigos 391.º, n.º 2, 735.º, n.º 3 e 751.º, n.º 1 do Código de Processo Civil e do valor da fatura mencionadas nos factos provados n.ºs 8 e 9 e respetivos juros de mora a contar da data da emissão das mesmas.”


B. Os veículos referidos no ponto 20 são os seguintes:


a. Ligeiro de mercadorias de marca Nissa, com a matrícula ..-UX-...


b. Ligeiro de passageiros elétrica de marca Tesla, com a matrícula BF-..-NI, com hipoteca registada sobre o mesmo, com data de registo de 29.01.2024.


C. A Agente de Execução foi notificada pelo Tribunal a quo, datada de 20.12.2025, com a ref. 35017815, nos seguintes termos: “Solicita-se a V.ª Ex.ª que, na ação acima identificada, proceda à realização do arresto decretado e uma vez efetuado e concretizado o arresto, se proceda à citação da Requerida, abaixo indicada, nos termos e para os efeitos do disposto nos art.ºs 366.º, n.º 6, com a cominação prevista no n.º 5 e 372.º, n.º 1, alíneas a), e b), ambos do Código de Processo Civil.


D. O veículo com a matrícula ..-UX-.. não foi Arrestado uma vez que o legal representante da Recorrida transferiu a propriedade para seu nome pessoal, existindo já uma Ação Judicial a correr termos no Tribunal Judicial da Comarca de Beja – Juízo de Competência Genérica de Odemira – Juiz 2, com o proc. nº 83/25.0... para anular a transferência de propriedade referida.


E. Facto provado pelas declarações de parte do legal representante da Recorrida em sede de Audiência de Julgamento, onde referiu que tinha dívida e vendeu o veículo, faixa magistral, Magistrado Judicial: EE, a quando das Declarações de Parte do legal representante da Recorrida, nos minutos 1:02:33 a 1:03:04, 1:06:44 a 1:06:50 e 1:25:30 a 1:25:52.


F. O Tribunal a quo, após o Arresto do veículo com a matrícula BF-..-NI, que tem uma hipoteca registada desde a data de 29.01.2024, único bem arrestado em nome da Recorrida, notificou a mesma nos termos o nº 6 do art. 366º e nº 1 do art. 372º do Código de Processo Civil da decisão da Providência Cautelar.


G. De acordo como o nº 6 do art. 366º do CPC “6 - Quando o requerido não for ouvido e a providência vier a ser decretada, só após a sua realização é notificado da decisão que a ordenou, aplicando-se à notificação o preceituado quanto à citação.”


H. A Recorrente não deu como concluídas as diligências de Arresto, sendo arrestado apenas um veículo automóvel, com uma Hipoteca averbada, desconhecendo o valor da mesma.


I. O Tribunal a quo na Sentença da providência cautelar decreta o arresto de todas as contas bancárias da Recorrida até perfazerem o valor da dívida para com a Recorrente.


J. Não se mostrando concretizadas estas diligências de arresto de todas as contas bancárias da Recorrida até perfazerem o valor da dívida para com a Recorrente.


K. O Tribunal a quo não podia efetuar a notificação da Recorrida tendo em conta que as diligências de arresto decretadas pelo mesmo não se encontram realizadas,


L. Nem a Recorrente informou o Tribunal a quo de que as diligências de arresto se encontram concluídas.


M. Em sede de Audiência de Discussão e Julgamento, foi arguida a NULIDADE da Citação da Recorrida com os fundamentos supra descritos.


N. O Tribunal a quo considerou que “…as diligências de arresto se encontravam concluídas”, tudo na ata de Audiência de Discussão e Julgamento, datada de 02.06.2025, com a ref. 35482454.


O. O mesmo se podendo asseverar na faixa magistral, Magistrado Judicial: EE, a quando das Declarações de Parte do legal representante da Requerida, nos minutos 01:07 a 19:38.


P. O Tribunal a quo não pode dar como concluídas as diligências de arresto uma vez que não foram arrestadas as contas bancárias da Recorrida até perfazer o montante da dívida nem o veículo arrestado tem valor suficiente para fazer face á dívida da Recorrente, tanto é que tem averbado uma hipoteca.


Q. Deverá ser considerada procedente a NULIDADE alegada, anulando-se a Sentença proferida por este Tribunal, de que se recorre, uma vez que foram praticados atos que a lei não admite, notificação da Recorrida/Requerida sem que as diligências de arresto estivessem todas concretizadas.


R. Decorre do disposto no artigo 607º, nº. 4 e 5 do CPC que “na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; (...).


S. A Sentença deverá, especificamente, os fundamentos de facto e de direito que justifiquem a decisão, nos termos do art. 615º, nº 1, b) do CPC.


T. No ponto III da Sentença, Fundamentação de Direito, não consta qualquer indicação de normativos legais para decidir como decidiu.


U. O Tribunal a quo não efetuou qualquer raciocínio lógico na interpretação de qualquer norma legal geral e abstrata aplicada ao caso concreto e de ordem prática, para dar a conhecer às partes os motivos de direito da sua decisão.


V. Existindo falta de fundamentação de direito quando, não obstante a indicação do universo factual, na Sentença não se revela qualquer enquadramento jurídico de forma a deixar, no mínimo, ininteligível os fundamentos de direito da Decisão.


W. Apenas são referidos factos e conclusões já descritas na fundamentação de facto.


X. Existindo assim uma absoluta falta de fundamentação de direito.


Y. A Nulidade da Sentença prevista no art. 615º, nº 1, al. b) do CPC, prende-se com o disposto no art. 154º do CPC, que fixa o dever do Juiz fundamentar a decisão e concretiza o comando constitucional contido no nº 1 do art. 205º da Constituição da Republica Portuguesa ao estabelecer que “as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei.


Z. NULIDADE da Sentença que para os devidos efeitos legais se invoca, por falta de fundamentação de Direito.


AA. O Tribunal a quo não analisou nem criticou os depoimentos das testemunhas, passando completamente ao lado de todas as suas declarações, e de todos os documentos remetidos aos autos pela Recorrente.


BB. A Recorrente não concorda que apenas tenham sido provados os factos descritos na Sentença de que se recorre, nem não concorda com todos os factos não provados descritos na Sentença de que se recorre.


CC. Toda a fundamentação usada pelo Tribunal a quo não corresponde á realidade nem se funda nos testemunhos prestados em Sede de Audiência de Discussão e Julgamento, deturpando os mesmos para poder decidir como decidiu.


DD. Considera a Recorrente que existiu erro de apreciação da prova que consta dos autos.


EE. O Tribunal a quo não ponderou, principalmente, de forma igual modo as declarações de parte do legal representante da Recorrida e do legal representante da Recorrente, já prestadas em 18.12.2024.


FF. Nem efetuou qualquer juízo crítico, não comparou a prova e os factos dados como provados e os factos não provados referidos na Sentença datada de 18.12.2024 com a Sentença de que se Recorre.


GG. Apenas se bastou com as declarações de parte do Legal Representante da Recorrida, pondo de parte todas as declarações de parte do Legal Representante da Recorrente referidas na Sentença datada de 18.12.2024.


HH. Dando como provado a totalidade das declarações de parte do legal representante da Recorrida sem ter por base qualquer prova documental.


II. Aceita a Recorrente os factos dado como provados na sentença de 18.12.2024, factos 1 a 13.


JJ. Da oposição aceita os factos dados como provados os factos 14, 15, 17 a 21, 24 e 26.


KK. Não aceita o facto 16 e 25 uma vez que o contrato de empreitada foi celebrado em 11.05.2022 e não em 11.04.2022.


LL. No que respeita ao facto 22 não pode o Tribunal a quo dar como provado uma vez que não foi junto qualquer livro de obra aos presentes autos nem foi feita qualquer prova com as testemunhas arroladas pela Recorrida.


MM. O facto 23 não pode ser dado como provado uma vez que existe qualquer prova documental sobre os autos de medição assinados pelo Eng. FF,


NN. A sociedade CC, empreiteira, do Eng. FF, perdeu o Alvará, abandonou a obra, sendo o Alvará substituído pelo Alvará da Recorrente.


OO. No que se refere ao ponto 27 dado como provado, a aqui Recorrente não aceita tal ponto uma vez que não existe qualquer prova nos presentes autos de que o Sr. FF era representante da DD


PP. Quanto aos pontos 28 a 31 não existe presentes autos qualquer prova, nem foi efetuada prova testemunhal para que o Tribunal a quo pudesse dar como provado os factos referidos.


QQ. Quanto aos factos não provados, a aqui Recorrente não aceita que o Tribunal a quo não desse como provados os pontos b), e), h), i) e j).


RR. O ponto b) tem que ser dado como provado pelo Tribunal a quo.


SS. Nas declarações do Legal Representante de Recorrida, indicadas, é referido que a empreiteira CC ficou sem Alvará e que contactou com a aqui Recorrente que teve que dar o seu Alvará para as obras avançarem.


TT. O facto e) é provado pelos diversos emails juntos pela Recorrida em sede de Oposição.


UU. Os pontos h), i) e j) têm que ser dados como provados pelo Tribunal a quo,


VV. O Tribunal a quo deu como provados tais factos em sede de Sentença datada de 18.12.2024, nos pontos 16 a 18, sem agora efetuar qualquer juízo critico, ponderação da prova, essencialmente testemunhal, para agora dar como não provados os factos em causa.


WW. Da motivação da matéria de facto consta que toda a faturação relativa á empreitada em causa passava pela Recorrida, para que esta faturasse á dona da obra com o acrescento de 15% relativo á comissão da Recorrida.


XX. Primeiro no que concerne á faturação efetuada pela empreiteira CC, depois no que concerne á faturação da DD


YY. Devendo também o Tribunal a quo entender que o mesmo acontecia com a Recorrente, uma vez que não existe prova em contrário.


ZZ. A CC perdeu o Alvará e seria necessário o Alvará da Recorrente – Magistrado Judicial: EE, a quando das Declarações de Parte do legal representante da Requerida, nos minutos 00:36:24 a 00:36:33 e 00:51:57 a 00:52:11.


AAA. Não existe qualquer prova nos autos de que o contrato de empreitada junto pela Recorrida tenha sido resolvido pela mesma ou pela CC.


BBB. Todos os intervenientes no contrato de empreitada efetuavam os trabalhos na obra, faturavam á Recorrida e esta, posteriormente faturava á dona da obra, que recebia e pagava ao empreiteiro.


CCC. Ao contrário do descrito na Fundamentação de Direito no qual é referido que “apurou-se que a Requerida BB não é devedora de tal crédito.”


DDD. O Tribunal a quo não pode tirar tal conclusão quando o legal representante da Recorrida afirma que toda a faturação era efetuada á BB que depois faturava á dona da obra, acrescido da sua comissão e que depois de receber pagava ao empreiteiro.


EEE. Não existe qualquer prova documental efetuada pela Recorrida de que a Recorrente foi contratada como subempreiteira da DD


FFF. O Tribunal a quo deve considerar como provado que a relação comercial da Recorrente com a Recorrida era nos mesmos moldes que as anteriores empreiteiras.


GGG. Primeiro quanto á CC, depois quanto á DD e por fim quanto á Recorrente.


HHH. A Recorrida tem dívidas pendentes de acordo com as declarações de parte do Legal Representante da Recorrida uma vez que é referido pelo mesmo que tem uma dívida para com a dona da obra, Magistrado Judicial: EE, a quando das Declarações de Parte do legal representante da Recorrida, nos minutos 01:06:44 a 01:06:50 e 01:25:30 a 01:25:52.


III. O veículo arrestado, de marca Tesla com a matrícula BF-..-NI,tem uma hipoteca registada desde a data de 29.01.2024.


JJJ. Andou mal o Tribunal a quo, mesmo entrando em contradição, quando na sua motivação de facto descreve que do contrato de empreitada não resulta qualquer obrigação da Recorrida proceder a qualquer pagamento.


KKK. Quando antes descreve que a Recorrida recebia uma comissão de 15%, e daí a ... faturar á Recorrida e esta faturar à dona da obra, para depois receber e pagar á empreiteira.


LLL. Bem como pelos factos 19 e 20 dados como provados relativos á oposição da Recorrida.


MMM. No que concerne às alegadas faturas de betão, não consta que o local de descarga é o local da obra referida no contrato de empreitada.


NNN. As faturas referidas são do ano de 2022 e 2023 quando a Recorrente apenas entrou em obra na data de março de 2024, Magistrado Judicial: EE, a quando das Declarações de Parte do legal representante da Recorrida, nos minutos 00:47:06 a 00:47:12.


OOO. Existe pelo menos uma fatura emitida em nome da Recorrida que não foi tida em conta pelo Tribunal a quo, conforme doc. 24, Fatura nº RVD11 L20023/163, emitida e com vencimento em 20-03-2023, no valor de 4.226,16€.


PPP. Não existe nos presentes autos qualquer fatura emitida pela DD á AA, ao contrário do descrito na motivação de facto da Sentença de que se recorre.


QQQ. A declaração do responsável pela direção técnica da obra, assinada pelo Sr. FF, FF, encontra-se datada de 17 de Junho de 2022, e assinada em 18.06.2022, e na mesma encontra-se descrito que o início dos trabalhos está previsto para o dia 01 de mês de junho de 2020 e a respetiva conclusão para o dia 22 do mês de setembro de 2022.


RRR. O contrato de empreitada, junto ao autos pela Recorrida, está datado de 11 de maio de 2022, e na sua cláusula 7º, nº 1 descreve a obra de empreitada contratada deverá ser executada pelo empreiteiro no prazo máximo de 14 (catorze) meses a contar 30 dias após a assinatura do presente contrato.


SSS. Andou mais uma vez mal o Tribunal a quo na sua motivação de facto ao se sustentar em documentos que não têm qualquer correspondência com a realidade dos presentes autos.


TTT. Nunca é referido pelo Tribunal a quo que todos os emails sempre foram com conhecimento do legal representante da aqui Recorrida, remetidos para o email ..., facto esse confirmado pelas declarações de parte do mesmo, Magistrado Judicial: EE, a quando das Declarações de Parte do legal representante da Recorrida, nos minutos 01:05:52 a 01:07:53.


UUU. Não se aceitando ainda que o Tribunal a quo na sua motivação de facto descreva que os emails trocados com o FF fossem na qualidade de responsável da DD quando o mesmo nunca foi sócio ou gerente da mesma.


VVV. Não se aceita que o Tribunal a quo tenha dado como provados os factos 21, 22 e 25 uma vez que o contrato de empreitada foi celebrado em 11.05.2022 e não 11.04.2022,


WWW.Nem que os mesmos tenham sido sempre sob orientação do Sr. Eng. FF tendo em conta que em certa data perdeu o alvará de construção, conforme testemunho do legal representante da empresa fiscalizadora - Diligencia_436-24.1T8ODM_2025-06-02_12-11-28 - Testemunha GG – minutos 07:43 a 07:46.


XXX. Não pode o Tribunal a quo dar como provados os factos 26 e 27 tendo em conta que nos presentes autos não existe qualquer documento sob a alegada subcontratação da AA pela DD e o Sr. FF não tem qualquer poder de representação da DD


YYY. Não existe qualquer prova nos autos do ponto 28 dos factos dados como provados, devendo o mesmo ser considerado como não provado.


ZZZ. O facto 29 dado como provado é facilmente rebatido com o testemunho do legal representante da empresa fiscalizadora, e da legal representante da Dona da Obra em 18.12.2024.


AAAA. Não existe nos autos qualquer prova do ponto 32 dos factos dados como provados, pelo que o mesmo não pode ser considerado como provado pelo Tribunal a quo.


BBBB. Decorre do disposto no artigo 607º, nº. 4 e 5 do CPC que “na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; (...).


CCCC. A “prova” feita em sede de audiência de julgamento foi suficiente para que o Tribunal a quo decida no sentido inverso ao que decidiu.


DDDD. O Tribunal a quo não respeitou as regras na interpretação, valoração e sistematização da prova.


EEEE. A Sentença de que se recorre sofre de qualquer erro, vício e nulidade.


FFFF. Deve ser reparado a Sentença, quer na parte da fundamentação, quer na parte decisória.


GGGG. Assiste toda a razão á Recorrente.


HHHH. Devendo o Tribunal a quo julgar totalmente improcedente a oposição apresentada pela Recorrida, mantendo-se a decisão de Arresto dos bens da Recorrida conforme Sentença proferida em 18.12.2024.»


A Requerida contra-alegou, defendendo a manutenção da decisão recorrida e a consequente improcedência do recurso.


Corridos os vistos, cumpre apreciar e decidir.


II – ÂMBITO DO RECURSO


Sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações, sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso (arts. 608º, nº 2, 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do CPC), as questões a decidir consubstanciam-se em saber:


- se é nula a decisão recorrida;


- se ocorreu erro de julgamento de facto e de direito, devendo considerar-se que a Requerida contratou a Requerente para a prestação de trabalhos de empreitada e não procedeu ao pagamento dos respetivos serviços.


II - FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICO-JURÍDICA


Na 1ª instância foi considerada a seguinte factualidade:


Dos factos indiciariamente dados como provados na sentença de 18.12.2024


1. A Requerente AA, Unipessoal, Lda. tem como atividade, entre outros, atividade de engenharia de construção e de construção civil.


2. A Requerida dedica-se, entre outros, à construção de edifícios e tem um capital social de 15.000 euros.


3. A Requerente AA, Unipessoal, Lda. prestou os serviços, nomeadamente, colocação de pladur em todas as moradias e no edifício de espaço comum bem como, para a construção de uma moradia de T2, entre março e agosto de 2024, num empreendimento turístico, com a designação ... Aparthotel, sito em Local 1, Vila 1.


4. Na execução dos trabalhos referidos em 3), a Requerente AA, Unipessoal, Lda. utilizou os seguintes materiais: betão, tijolos, ferro, gesso, pintura, pladur, velux e cimento.


5. Na execução dos trabalhos referidos em 3), a Requerente AA, Unipessoal, Lda. utilizou uma média de 6 a 14 trabalhadores por dia, nos seguintes termos: a. 2 carpinteiros, cada a 21.50 euros por hora. b. 1 pintor, a 21.50 euros por hora. c. 4 a 8 pedreiros, cada a 19.50 euros por hora. d. 3 a 6 serventes, cada a 16.50 euros por hora. e. Ocasionalmente um armador de ferro.


6. Os materiais referidos em 4) e os trabalhadores referidos em 5) tiveram um custo total de 30.187,84€ (trinta mil cento e oitenta e sete euros e oitenta e quatro cêntimos).


7. Por conta dos serviços referidos em 6) a Requerente emitiu a fatura n.º 1/128, em setembro de 2024.


8. Até à presente data a Requerida não providenciou pelo pagamento da fatura.


9. A partir de maio de 2024 apenas estavam trabalhadores da Requerente AA, Unipessoal, Lda. na aludida obra.


10. Inexistem bens móveis não sujeitos a registo da Requerida na obra referida em 3).


11. Encontram-se registados a favor da Requerida os seguintes veículos automóveis: a. Ligeiro de mercadorias de marca Nissa, com a matrícula ..-UX-... b. Ligeiro de passageiros elétrica de marca Tesla, com a matrícula BF-..-NI, com hipoteca registada sobre o mesmo, com data de registo de 29.01.2024.


12. Encontra-se pendente neste Juízo a ação executiva sob forma sumária n.º 456/21.8..., que corre termos no Juiz 2.


13. Não se encontra pendente, por ora, qualquer processo de insolvência relativamente à Requerida.


Da Oposição resultaram indiciariamente provados os seguintes factos:


14. O dono da obra é a sociedade comercial HH, LDA., NIPC ..., com sede na Rua 1, n.º 7, RC, ... Vila 2.


15. A empreiteira foi a sociedade comercial CC – ENGENHARIA E CONSTRUÇÃO, LDA., NIPC ..., com sede na Rua 2, n.º 135, RC, ... Cidade 2.


16. O contrato de empreitada foi celebrado a 11.04.2022 e teve como objeto a construção de um aparthotel denominado ... Aparthotel, a realizar em Local 1, freguesia de Vila 1, concelho de Vila 2, inscrito na matriz predial sob o art.º 10 da secção Q, descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila 2 sob o n.º 41/19910510.


17. Através daquele contrato a Requerida assumiu, enquanto coordenador da obra, a coordenação dos trabalhos para a execução da obra de empreitada, fazendo a ligação entre o Dono de Obra e/ou os seus representantes e o Empreiteiro, e bem assim, assegurando a realização de reuniões semanais para o acompanhamento dos trabalhos realizados e planeamento dos trabalhos a realizar e, ainda, pela faturação da obra, que será integralmente realizada por si.


18. Quase todos os fornecedores locais foram sugeridos pela Requerida à empreiteira, que por sua vez era quem os contratava.


19. A empreiteira executava os trabalhos que faturava à Requerida.


20. A Requerida, por sua vez, apresentava à dona da obra uma fatura relativa aos trabalhos de construção efetuados, na qual era incluído o valor referente à sua remuneração enquanto coordenadora da mesma.


21. O alvará - alvará n.º 81804 – PUB - que habilitava a execução dos trabalhos em causa era titulado pela CC – ENGENHARIA E CONSTRUÇÃO, LDA.


22. O preenchimento do livro de obra também foi sempre feito pelo Sr. Eng.º FF, em representação da CC – ENGENHARIA E CONSTRUÇÃO, LDA.


23. O Eng.º FF era o responsável pela direção técnica da obra, emitindo declarações, procedendo aos autos de medição, prestando esclarecimentos, alterações em obra e a orçamentação dos trabalhos a mais/menos.


24. A empreiteira fez-se substituir, a partir de agosto de 2022, pela sociedade comercial DD – Construções Unipessoal, Lda., NIPC ..., com sede na Rua 3, Nº51, 2º Esquerdo, ... Cidade 2.


25. A condução dos trabalhos de construção civil objeto do contrato de empreitada celebrado em 11.04.2022, continuou sempre sob a direção do Sr. Eng.º FF, com os mesmos equipamentos e trabalhadores.


26. A Requerida apresentou ao Sr. Eng.º FF o sócio-gerente da Requerente.


27. A Empreiteira DD subcontratou a Requerente AA para que esta concluísse uma série de trabalhos necessários para o término da empreitada do aparthotel.


28. Com exceção dos trabalhos contratados diretamente pelo dono da obra à Requerente, todos os outros seriam pagos pela DD


29. A Requerida não tem qualquer dívida com trabalhadores ou fornecedores da obra, designadamente, com a II, JJ ou com trabalhadores vindos de Cidade 3.


30. A Requerida nunca ofereceu à Requerente materiais ou equipamentos para solver qualquer dívida.


31. A Requerida não tinha na obra quaisquer bens ou equipamentos, que pertenciam na totalidade à DD, designadamente – vibrador monofásico c/bicha 4ml, lixadora orbital, um painel de cofragem 2500x5000x27, prumos de cofragem, vigas Doka 2900, vigas Doka 3900, cabeçotes para vigas, gravata para distanciador de cofragem, esquadro para pilares, máquina apertar castanhas, castanhas, mesas de andaime tradicional completas.


32. Os equipamentos referidos em 32) terão sido entregues pela DD à Requerente em garantia das suas dívidas.


Mais se considerou na decisão recorrida, que não resultaram indiciariamente provados os seguintes factos:


Factos indiciariamente dados como provados na sentença de 18.12.2024


a) ... Aparthotel contratou a Requerida BB, Lda. para a construção de um empreendimento turístico, com a mesma designação, sito em Local 1, Vila 1, tendo em vista a construção um edifício de espaço comum e 10 moradias de tipologia T0 e T2.


b) Em março de 2024, com o conhecimento e consentimento de ... Aparthotel, a Requerida BB, Lda. contratou a Requerente AA, Unipessoal, Lda., para a colocação de pladur em todas as moradias e no edifício de espaço comum bem como, para a construção de uma moradia de T2.


c) Não foi celebrado contrato de prestação de serviços uma vez que a Requerida nunca se prontificou a realizar o mesmo.


d) Os trabalhadores da Requerida BB, Lda. começaram a abandonar a obra referida em 3) por falta de pagamento.


e) A Requerida foi várias vezes interpelada, quer por telefone, por email, quer presencialmente.


f) Quando a Requerente solicitava o pagamento da fatura à Requerida, o legal representante da Requerida dizia que iria efetuar o pagamento e que estava à espera de receber uns pagamentos.


g) A Requerida deixou de atender o telemóvel.


h) O dono da obra providenciou pelo pagamento à Requerida dos serviços prestados pela Requerente, ainda antes de esta os prestar.


i) O dono da obra irá avançar com um processo judicial contra a Requerida devido ao facto de ter emitido e ter recebido faturas, decorrentes de autos de medição, relativo a trabalhos que a Requerida não realizou.


j) Alguns credores compareceram na obra referida em 3), no sentido de cobrarem as suas dívidas, concretamente: a. Um trabalhador de Cidade 3 que compareceu na obra há cerca de 3 meses, peticionando o pagamento de 2.000 euros. b. Um carpinteiro que compareceu na obra há cerca de 1 mês, peticionando o pagamento de 2.000 euros.


k) Quando a Requerente solicitava o pagamento da fatura à Requerida, o legal representante da Requerida dizia que não tinha dinheiro, que estava a atravessar dificuldades.


l) O legal representante da Requerente esteve o dia todo à espera que o representante da Requerida aparecesse nas instalações onde os trabalhos estavam a ser realizados por forma a poderem chegar a um acordo sobre o valor em dívida


m) A Requerida disse das últimas vezes que não podia pagar que não tinha liquidez para efetuar o pagamento da fatura.


n) A Requerente contratou a empresa de Recuperação Créditos, KK - Consultoria e Recuperação de Crédito S.A para a resolução extrajudicial do litígio.


o) A Requerente forneceu à Requerida portas e janelas.


p) A Requerente e Requerida haviam combinado que a segunda cedia à primeira um gerador por forma a abater a dívida, mas quando a Requerente foi levantar o gerador, a Requerida já o tinha vendido pois precisava urgentemente de dinheiro para pagar outras dívidas.


q) A Requerida tem os seguintes bens móveis não sujeitos a registo: um vibrador monofásico c/ bicha 4ml, uma lixadora orbital, um painel de cofragem 2500x5000x27, prumos cofragem, vigas Doka 2900, vigas doka 3900, cabeçotes para vigas, gravata para distanciador de cofragem, esquadro para pilares, máquina apertar castanhas, castanhas, mesas de andaime tradicional completas.


r) Os pedreiros eram pagos 22,50 euros à hora e os serventes eram pagos 19,50 euros à hora.


Da Oposição


s) A requerida apresenta um resultado líquido de exercício provisório para o ano de 2024 de € 85.084,48.


FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICO-JURÍDICA


Da nulidade da citação


Insiste a recorrente em discutir a questão da nulidade da citação da requerida, ora recorrida, mas sem qualquer razão.


A decisão que decretou a providência, sem audição da requerida, foi proferida em 18.12.2024, tendo o arresto, com remoção do veículo BF-..-NI, sido efetuado em 08.04.2025.


A recorrida, por sua vez, foi pessoalmente notificada, através de expediente datado de 16.04.2025, nos termos do nº 6 do art. 366º e nº 1 do art. 372.º do CPC daquela decisão, para recorrer, no prazo de 15 dias, ou deduzir oposição, no prazo de 10 dias (ref.ª 35343114), ou seja, 119 dias após ter sido decretado o arresto sem inquirição prévia da requerida.


Pretendia a requerente/recorrente, sem qualquer fundamento válido, que fosse o agente de execução por si escolhido a determinar o momento em que a requerida deveria ser citada, esquecendo que na decisão que decretou a providência, proferida em 18.12.2024, foi determinada notificação da requerida «apenas após a efetivação do arresto».


Esquece também a recorrente, que a citação/notificação pode ser feita pela secretaria (art. 220º do CPC) e, de todo modo, não estamos perante um caso de falta de citação ou de nulidade da mesma, nos termos dos artigos 188º e 191º do CPC, respetivamente, pelo que carece de total fundamento a invocada nulidade de citação da requerida/recorrida.


Da nulidade da decisão recorrida


Diz a recorrente que existe uma absoluta falta de fundamentação de direito da decisão recorrida, sendo por isso nula a decisão recorrida.


O art. 615º, nº 1, al. b), do CPC prevê a nulidade da sentença que «[n]ão especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão».


A nulidade aqui prevista, tal como é pacificamente admitido, exige a ausência total de fundamentação de facto ou de direito e não se basta com uma fundamentação meramente incompleta ou deficiente2.


Constitui também jurisprudência absolutamente dominante que a falta de motivação, a que se reporta a alínea b) do nº 1 do artigo 615º do CPC, é a total omissão dos fundamentos de facto ou dos fundamentos de direito em que assenta a decisão, e não a sua motivação deficiente, errada ou incompleta, sendo certo, outrossim, que uma fundamentação, apenas, incompleta ou insuficiente, não afeta o valor legal da sentença ou do acórdão3.


A esta luz não pode deixar de se reconhecer a falta de razão da recorrente.


Lê-se na decisão recorrida:


«Na oposição a uma providência cautelar, para obtenção de uma revisão dos fundamentos fácticos de tal decisão favorável ao requerido/impugnante, necessário se torna que os novos meios de prova produzidos (ou, segundo uma interpretação extensiva, a nova instância das testemunhas ou declarantes anteriormente ouvidos) e por aquele indicados nas suas alegações imponham uma decisão diversa sobre os pontos fácticos impugnados, sob pena de se manter o inicialmente considerado provado, certo, para além do mais, que não se exige ao juiz, na reapreciação da medida anteriormente decretada, a utilização de um critério mais rigoroso do empregue na primeira decisão – Acórdão da Relação de Guimarães de 25.02.2021, processo n.º 321/19.9T8PRG.G1, em www.dgsi.pt.».


No caso dos autos, ante o novo acervo fáctico apurado, impõe-se alterar, a final, a decisão outrora proferida.


De facto, pese embora não tenha sido colocado em crise a existência de um crédito por parte da Requerente AA, a verdade é que, ante o novo acervo fáctico, apurou-se que a Requerida BB não é a devedora de tal crédito.


Na verdade, ficou demonstrado que a Requerida BB desempenhava apenas funções de coordenadora de obra na obra em apreço nos presentes autos e que a empreiteira foi num primeiro momento a CC e posteriormente a DD, sendo que, foi esta última quem subcontratou a Requerente AA para concluir os trabalhos necessários nessa obra (factos n.ºs 14 a 28).


Nessa medida, a DD, na qualidade de empreiteira, é a responsável pelos valores que forem devidos à Requerente AA, a qual se apresenta como subempreiteira, sendo que, do clausulado do contrato inicialmente estabelecido entre a dona da obra HH, do empreiteiro inicial CC e da coordenadora de obra/Requerida BB não resulta qualquer obrigação contratual desta no sentido de assumir qualquer dívida.»


Tendo resultado da matéria de facto que a recorrente não era titular de nenhum crédito sobre a requerida, foi dito na sentença o que era preciso dizer, tornando-se desnecessárias outras considerações de natureza jurídica, acrescendo o facto de a própria recorrente reconhecer que a decisão está fundamentada de direito, quando afirma no ponto 68 das suas alegações: «(…) ao contrário do descrito na fundamentação de direito da Sentença de que recorre.”


A nulidade de uma decisão judicial é um vício intrínseco da mesma e não se confunde com um hipotético erro de julgamento, de facto ou de direito. Uma sentença é nula, por falta de fundamentação, quando a decisão concretamente tomada – e não aquela que as partes entendam que deveria ter sido tomada – não se encontra assente em factos apresentados pela própria decisão, diretamente ou por remissão.


Em suma, a decisão recorrida não enferma da nulidade apontada pela recorrente.


Da impugnação da matéria de facto


Como resulta do artigo 662º, nº 1, do CPC, a decisão do tribunal de 1ª instância sobre a matéria de facto pode ser alterada pela Relação se os factos tidos como assentes e a prova produzida impuserem decisão diversa.


Do processo constam os elementos em que se baseou a decisão do tribunal de primeira instância sobre a matéria de facto: prova documental, depoimentos das testemunhas e declarações de parte, registados em suporte digital.


Considerando o corpo das alegações e as suas prolixas conclusões, pode dizer-se que a recorrente cumpriu formalmente os ónus impostos pelo artigo 640º, nº 1, do CPC, já que especificou os concretos pontos da matéria de facto que consideram incorretamente julgados, indicaram os elementos probatórios que conduziriam à alteração daqueles pontos nos termos por ela propugnado, referiu a decisão que no seu entender deveria sobre eles ter sido proferida e indicou as passagens da gravação em que funda o seu recurso, que transcreveu em parte, pelo que nada obsta ao conhecimento deste na parte atinente à impugnação da decisão sobre a matéria de facto.


No que respeita à questão da alteração da matéria de facto face à incorreta avaliação da prova produzida, cabe a esta Relação, ao abrigo dos poderes conferidos pelo artigo 662º do CPC, e enquanto tribunal de 2ª instância, avaliar e valorar (de acordo com o princípio da livre convicção) toda a prova produzida nos autos em termos de formar a sua própria convicção relativamente aos concretos pontos da matéria de facto objeto de impugnação, modificando a decisão de facto se, relativamente aos mesmos, tiver formado uma convicção segura da existência de erro de julgamento da matéria de facto.


Foi auditado o suporte áudio e, concomitantemente, ponderada a convicção criada no espírito da Sr.ª Juíza a quo no sentido de dar como não provada a factualidade objeto de impugnação.


A recorrente começa por discordar dos pontos 16 e 25 dos factos provados, uma vez que que o contrato de empreitada foi celebrado em 11.05.2022 e não em 11.04.2022.


Existe na verdade um lapso de escrita4 nas datas referidas naqueles pontos, pois como se vê do “Doc. 1” junto com a oposição, o contrato de empreitada foi efetivamente celebrado em 11.05.2022, impondo-se a respetiva retificação, sem que tal envolva qualquer alteração substancial da factualidade vertida nos mencionados pontos.


Assim, os referidos pontos passam a ter a seguinte redação:


- «16. O contrato de empreitada foi celebrado a 11.05.2022 e teve como objeto a construção de um aparthotel denominado ... Aparthotel, a realizar em Local 1, freguesia de Vila 1, concelho de Vila 2, inscrito na matriz predial sob o art.º 10 da secção Q, descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila 2 sob o n.º 41/19910510.»


- «25. A condução dos trabalhos de construção civil objeto do contrato de empreitada celebrado em 11.05.2022, continuou sempre sob a direção do Sr. Eng.º FF, com os mesmos equipamentos e trabalhadores.»


Segundo a recorrente, o “facto 22” não podia ter sido dado como provado, «uma vez que não foi junto qualquer livro de obra aos presentes autos nem foi feita qualquer prova com as testemunhas arroladas pela Recorrida».


Deu-se como assente no ponto 22 dos factos provados que «[o] preenchimento do livro de obra também foi sempre feito pelo Sr. Eng.º FF, em representação da CC– ENGENHARIA E CONSTRUÇÃO, LDA.».


Em primeiro lugar, o facto de não ter sido junto o livro da obra, não determina que não se dê como provada a facticidade em causa, dado não estarmos perante prova tarifada, sendo admissível qualquer prova em direito.


Em segundo lugar, não corresponde à verdade que não tenha sido feito prova do facto em análise, através de prova testemunhal, pois a prova desse facto decorre do depoimento da testemunha GG, legal representante da LL, Projectos e Fiscalização, Lda., empresa responsável pela fiscalização da obra em crise, o qual referiu, de forma clara e objetiva, que enviou o livro de obras ao Eng.º FF para este preencher, o que este fez, tendo-lhe remetido o livro há poucos dias (antes da inquirição), razão por que não foi possível proceder à sua junção aos autos, esclarecendo ainda que toda a documentação relativa à obra lhe foi remetido pelo dito FF.


Mantém-se, pois, inalterado o ponto 22 dos factos provados.


Quanto à impugnação do ponto 23, no qual se deu como provado que «[o] Eng.º FF era o responsável pela direção técnica da obra, emitindo declarações, procedendo aos autos de medição, prestando esclarecimentos, alterações em obra e a orçamentação dos trabalhos a mais/menos», remetemos para o que disse a propósito do ponto 22, reiterando que a prova do facto em causa tem o devido respaldo no depoimento da já referida testemunha GG.


Permanece, assim, incólume o ponto 23 dos factos provados.


No ponto 27 deu-se como provado que «[a] Empreiteira DD subcontratou a Requerente AA para que esta concluísse uma série de trabalhos necessários para o término da empreitada do aparthotel».


A recorrente diz não aceitar tal ponto «uma vez que não existe qualquer prova nos presentes autos de que o Sr. FF era representante da DD», mas não tem razão.


O facto em causa resulta das declarações de parte do legal representante da requerida, MM, o qual referiu, além do mais, que a DD começou a enfrentar problemas e, por isso, após sugestão sua, o Eng.º FF decidiu subcontratar a requerente AA para concluir os trabalhos que se encontravam pendentes, não suscitando dúvidas a seriedade de tais declarações.


Mantém-se assim intocado o ponto 27 dos factos provados.


Impugna também a recorrente os pontos 28 a 31, sustentando que não foi efetuada prova testemunhal para que o Tribunal a quo pudesse dar como provados os factos aí referidos.


São os seguintes os factos em causa:


«28. Com exceção dos trabalhos contratados diretamente pelo dono da obra à Requerente, todos os outros seriam pagos pela DD


29. A Requerida não tem qualquer dívida com trabalhadores ou fornecedores da obra, designadamente, com a II, JJ ou com trabalhadores vindos de Cidade 3.


30. A Requerida nunca ofereceu à Requerente materiais ou equipamentos para solver qualquer dívida.


31. A Requerida não tinha na obra quaisquer bens ou equipamentos, que pertenciam na totalidade à DD, designadamente – vibrador monofásico c/bicha 4ml, lixadora orbital, um painel de cofragem 2500x5000x27, prumos de cofragem, vigas Doka 2900, vigas Doka 3900, cabeçotes para vigas, gravata para distanciador de cofragem, esquadro para pilares, máquina apertar castanhas, castanhas, mesas de andaime tradicional completas.»


Porque reflete uma cuidada análise da prova produzida, que suporta parte daquela factualidade, fazemos nossas as seguintes palavras da decisão recorrida:


«(…)temos as faturas de fornecimento de betão passadas em nome da DD, temos as faturas passadas pela DD à AA, temos a declaração do responsável pela direção técnica da obra (no qual figura FF como responsável) e temos os múltiplos e-mails trocados entre FF (responsável da DD) e NN (legal representante da Requerente AA), os quais atestam que, efetivamente, a relação contratual existente era entre essas duas entidades e não envolvia a Requerida - sendo perentório, a título de exemplo, o documento n.º 31, e-mail onde NN pede a FF o pagamento de 4 faturas que se encontram pendentes e o documento n.º 33, e-mail em que se volta a discutir os pagamentos, sendo que o FF refere que não pagou porque não consegue, mas que lhe deu os equipamentos em garantia.»


Acresce que a respeito do facto constante do ponto 29, assumem relevo os depoimentos das testemunhas GG, que referiu terem ido à obra credores perguntando pelo dito FF, mas como não o conseguiram encontrar, pediram para falar com MM (o legal representante da requerida); OO, que afirmou ter uma empresa de trabalho temporário, e que chegou a ceder trabalhadores indiferenciados ao FF, mas que nunca cedeu trabalhadores à requerida, esclarecendo ainda que MM lhe apresentou FF e que as faturas foram passadas em nome da DD; PP, comerciante em materiais de construção (II), que referiu nada lhe dever a requerida; e QQ, empresário da JJ, Lda., o qual atestou que a requerida nunca comprou materiais para a obra em apreço, e que nada lhe deve nada, tendo apenas fornecido materiais à DD do FF.


Mantêm-se assim intocados os pontos 28 a 31 dos factos provados.


Relativamente aos factos dados como não provados, impugna a recorrente a decisão de dar como não provados os factos constantes das alíneas b), e), h), i) e j) que, no seu entender, deveriam ser dados como provados.


Mas não tem razão.


Por tudo quanto se deixou dito supra, atendendo à prova documental e testemunhal referida, não sofre a menor dúvida que a requerida nunca foi empreiteira na obra, e que as alegadas dívidas são inexistentes.


Ademais, é o próprio legal representante da requerente que responsabiliza o Eng.º FF - e as empresas por si controladas - pelas dívidas relativas aos trabalhos que a requerente realizou na obra.


Ficou também demonstrado pela referida prova, que quem solicitou a prestação de serviços de construção civil à requerente foi o Eng.º FF e não a requerida e, deste modo, não podiam deixar se ser considerados não provados os factos das ditas alíneas.


Mantêm-se assim intocadas alíneas b), e), h), i) e j) dos factos não provados.


Resulta do exposto, que não se vislumbra uma desconsideração da prova produzida, mas sim uma correta apreciação da mesma5, não se patenteando a inobservância de regras de experiência ou lógica, que imponham entendimento diverso do acolhido. Ou seja, no processo da formação livre da prudente convicção do Tribunal a quo não se evidencia nenhum erro que justifique a alteração da decisão sobre a matéria de facto, designadamente ao abrigo do disposto no artigo 662º do CPC.


Do mérito da decisão


Permanecendo incólume a decisão do tribunal a quo quanto à matéria de facto dada como provada e não provada, nenhuma censura há a fazer à decisão recorrida, onde se fez uma correta subsunção dos factos ao direito, e se concluiu pela procedência da oposição e o consequente levantamento dos arrestos anteriormente decretados.


Assim, quanto à relação contratual estabelecida entre a requerida, a dona da obra e a empreiteira, ficou a mesma devidamente esclarecida com a junção do contrato de empreitada aos autos.


Ficou igualmente demonstrado que a requerida desempenhava apenas funções de coordenadora na obra em apreço e que a empreiteira foi num primeiro momento a CC e posteriormente a DD, sendo que, foi esta última quem subcontratou a Requerente para concluir os trabalhos necessários nessa obra (pontos 14 a 28 dos factos provados).


Assim, a DD, na qualidade de empreiteira, é a responsável pelos pagamentos que forem devidos à requerente/recorrente, enquanto subempreiteira, sendo que, do clausulado do contrato inicialmente estabelecido entre a dona da obra HH, do empreiteiro inicial CC e da coordenadora de obra – a ora requerida - não resulta qualquer obrigação contratual desta no sentido de assumir qualquer dívida.


A subempreitada é um contrato do mesmo tipo da empreitada, ao qual se aplicam as mesmas regras (art.ºs 1207º e seguintes) - a posição do subempreiteiro em relação ao empreiteiro é, em principio, igual à deste em relação ao dono da obra, pelo que lhe são aplicáveis as normas que regulam as relações entre o dono da obra e o empreiteiro.


Como se lê no sumário do Acórdão da Relação de Coimbra de 22.03.20116, «[n]o contrato de subempreitada o empreiteiro torna-se dono da obra em relação ao subempreiteiro, pelo que, nas relações entre empreiteiro e subempreiteiro, em tudo o que não esteja expressamente previsto, aplicar-se-á o regime legal do vínculo entre o dono da obra e o empreiteiro».


Por conseguinte, o recurso improcede, não se mostrando violadas as normas invocadas pela recorrente ou quaisquer outras.


Vencida no recurso, suportará a requerente/recorrente as respetivas custas – art. 527º, nºs 1 e 2, do CPC.





IV – DECISÃO


Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando a decisão recorrida.


Custas pela recorrente.


*


Évora, 2 de outubro de 2025


Manuel Bargado (Relator)


Maria João Sousa e Faro


Sónia Moura


(documento com assinaturas eletrónicas)

________________________________

1. Apenas com benevolência se pode falar em conclusões, tal a sua prolixidade.↩︎

2. Jacinto Rodrigues Bastos, Notas ao Código de Processo Civil, em anotação ao art. 668º do CPC revogado.↩︎

3. Cfr., inter alia, o Ac. do STJ de 04.05.2010, proc. 2990/06.0TBACB.C1.S1.↩︎

4. Lapso que bem pode considerar-se um erro de simpatia, visto a data de 11.04.2022 ter sido alegada pela requerida no artigo 23º da oposição.↩︎

5. A retificação das datas dos pontos 16 e 25 não assume qualquer relevância para o efeito.↩︎

6. Proc. 157240/09.1YIPRT.C1, in www.dgsi.pt.↩︎