Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
3045/21.3T8STR.E1
Relator: MARIA ADELAIDE DOMINGOS
Descritores: REMANESCENTE
TAXA DE JUSTIÇA
REFORMA
ACÓRDÃO
CUSTAS
DISPENSA
Data do Acordão: 05/22/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: CONFERÊNCIA
Decisão: REFORMA DO ACÓRDÃO PROFERIDO NOS AUTOS
Área Temática: CÍVEL
Sumário: Sumário:
I. Não tendo a parte solicitado no recurso interposto para a Relação, a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça devida no recurso, nem tendo tal sido apreciado oficiosamente no acórdão proferido que a condenou no pagamento de custas, e tendo a parte apresentado requerimento, no prazo de 10 dias após a notificação do acórdão, onde solicita o referido pedido de dispensa, deve o mesmo ser convolado oficiosamente, ao abrigo do artigo 193.º, n.º 3, do CPC, como pedido de reforma do acórdão quanto a custas.

II. A dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça justifica-se quando ocorrer desproporcionalidade entre o valor da taxa de justiça e o serviço de justiça prestado.

Decisão Texto Integral: Processo n.º 3045/21.3T8STR.E1 (Conferência)




Acordam em Conferência na 1.ª Secção do Tribunal da Relação de Évora

I. A Recorrente LIBERTY SEGUROS – COMPANHIA DE SEGUROS Y RESSEGUROS, SA – SUCURSAL EM PORTUGAL, notificada do Acórdão proferido em 13-03-2025, veio apresentar, em 14-03-2025, requerimento onde pede a dispensa do pagamento remanescente da taxa de justiça ao abrigo do artigo 6.º, n.º 7, do Regulamento das Custas Processuais (RCP).

II. Alega, no essencial, que o valor da causa foi fixado em €800.505,00; que a causa não revestiu especial complexidade e não acarretou uma tramitação laboriosos e extensa, nem custos acrescidos, tendo o recurso sido tramitado sem quaisquer incidentes, tendo as partes litigado de forma processual colaborante, sem recurso a expedientes dilatórios ou desprovidos de fundamento legal.


Com base nestes pressupostos, entende que o valor da taxa de justiça já pago corresponde de forma adequada ao custo do serviço de justiça prestado.


Terminando o seu requerimento do seguinte modo:«(…) com os fundamentos supra alegados, que se dignem determinar a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça no âmbito do presente recurso, a ter em consideração na conta final.»

III. Foi dado cumprimento ao princípio do contraditório, nada tendo vindo aos autos.

IV. Foi ordenada à Secção que procedesse ao cálculo do valor do remanescente da taxa de justiça, o que foi cumprido.

V. Foram colhidos os vistos e designada Conferência.

VI. Relevam para a apreciação do requerido, os seguintes elementos fáctico-jurídicos:

1. O valor da causa e do recurso corresponde a €800.505,00.

2. A Recorrente pagou de taxa de justiça pela interposição do recurso no valor de €816,00.

3. O valor máximo da taxa de justiça da Tabela I-B é de €275.000,00.

4. O valor da taxa de justiça devida a final é de €4.182,00.

5. O valor do remanescente da taxa de justiça corresponde a €3.366,00.

VII. Cumpre, agora, apreciar o requerido.

Previamente:

1. Meio processual para pedir a dispensa do remanescente da taxa de justiça e respetivo prazo


Esta questão foi objeto de decisões superiores divergentes de tal modo que deu azo à prolação de jurisprudência uniformizadora (AUJ n.º 1/20221) nos seguintes termos:


«A preclusão do direito de requerer a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, a que se reporta o n.º 7 do artigo 6.º do Regulamento das Custas Processuais, tem lugar com o trânsito em julgado da decisão final do processo.»


Em relação ao meio processual para a parte requerer a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, e no caso dos recursos, não tendo a parte apresentado requerimento com essa finalidade, antes da prolação do acórdão, nem tendo o acórdão oficiosamente dispensado o pagamento do remanescente da taxa de justiça, de acordo com a jurisprudência uniformizadora, resta à parte, dentro do prazo de 10 dias após a notificação do acórdão, requerer a reforma quanto a custas (artigo 616.º, n.º 1, e 149.º, n.º 1, do CPC), ou, havendo recurso da decisão do coletivo que condenou a parte em custas, apresentar o pedido de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça na alegação do recurso (artigo 616.º, n.º 3, do CPC).


No caso sub judice, verifica-se que a Apelante, vencida no recurso, foi condenada nas custas devidas pelo recurso sem que tenha havido pedido anterior do mesmo ou apreciação oficiosa da dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça.


Porém, a Apelante, no prazo de 10 dias, apresentou requerimento a pedir a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça. Não o fez, porém, pedindo a reforma do decidido quanto a custas.


Em face dos fundamentos jurídicos prevalecentes na jurisprudência uniformizadora, entende-se que o requerimento autónomo não é o meio adequado para formulação de tal pedido após já ter sido proferida a condenação em custas, mas antes o pedido de reforma.


Todavia, e seguindo a jurisprudência acolhida no Ac. RL, de 19-12-2023, proc. n.º 11962/21.4T8SNT-A.L1-72, por o requerimento ter sido apresentado no prazo de 10 dias após a notificação do acórdão, nada obsta à sua convolação para pedido de reforma da decisão quanto a custas, por aplicação do artigo 193.º, n.º 3, do CPC.


Nestes termos, convola-se o requerimento em conformidade, apreciando-se o mesmo como pedido de reforma do acórdão quanto a custas.


Passando-se, então, a conhecer da questão principal suscitada.

2. Dispensa do remanescente do pagamento da taxa de justiça


Como decorre do artigo 529.º, n.º 2, do CPC, a taxa de justiça é devida pelo impulso processual de cada interveniente e é fixada em função do valor da causa e da complexidade da mesma, nos termos do RCP.


Dispõe o artigo 1.º, n.º 1, do RCP, que todos os processos estão sujeitos a custas nos termos fixados neste diploma e o n.º 2 do mesmo normativo que para esse efeito «considera-se como processo autónomo cada ação, execução, incidente, procedimento cautelar ou recurso, corram ou não por apenso, desde que o mesmo possa dará origem a uma tributação própria.»


Nos termos do n.º 1 do artigo 6.º do RCP, a taxa de justiça corresponde ao montante devido pelo impulso processual do interessado e é fixada em função do valor e complexidade da causa de acordo com o Regulamento, aplicando-se, na falta de disposição especial, os valores constantes da Tabela I-A, que faz parte integrante do mesmo, sendo que, nos termos do n.º 2 do mesmo preceito, nos recursos a taxa de justiça é sempre fixada nos termos da tabela I-B.


A lei permite, contudo, a flexibilização na concreta aplicação ao caso concreto. Tanto permitindo a agravação da tributação aos casos de especial complexidade (artigo 530.º, n.º 7, do CPC e artigo 6.º, n.º 5, do RCP), como permite a redução ou a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça se a situação o justificar, atendendo, nomeadamente, à complexidade da causa e à conduta processual das partes (artigo 6.º, n.º 7, do RCP).


Nos termos do artigo 6.º, n.º 7 do RCP, na redação dada pelo artigo 2.º da Lei n.º 7/2012, de 13/02:

“Nas causas de valor superior a €275.000,00, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento.”

No caso, o valor da ação e do recurso cifra-se em €800.505,00, pelo que a taxa de justiça remanescente pode ser reduzida ou dispensada por o valor da ação ser superior a €275.000,00.


Entendimento que se encontra sufragado pelo Tribunal Constitucional no acórdão n.º 421/20133, que, para além do mais, aferiu da constitucionalidade do artigo 6.º do RCP, pronunciando-se no sentido do juiz, fundamentadamente e em face do caso concreto, poder reduzir a taxa de justiça remanescente, tendo em conta, designadamente, a complexidade do processo e o carácter manifestamente desproporcional do montante exigido a esse título.


A elasticidade do sistema visa salvaguardar o direito de acesso aos tribunais, consagrado no artigo 20.º da CRP, conjugado com o princípio da proibição de excesso, decorrente do artigo 2.º da CRP, uma vez que a violação dos princípios da proporcionalidade e da adequação desembocam numa ilegítima restrição no acesso à justiça.4


Na aferição da proporcionalidade, como refere o STJ5 é de atender «antes de mais, à correlação entre o montante das custas e a utilidade económica da causa, ao princípio da igualdade e ao particular circunstancialismo dos autos.»


A complexidade da causa reporta-se não apenas aos aspetos substantivos do litígio, mas igualmente aos processuais, nomeadamente, à extensão e densidade dos articulados e correlativo esforço de compreensão dos mesmos, à natureza e complexidade dos incidentes suscitados, à complexidade e morosidade na aferição e produção da prova, às questões de facto e de direito suscitadas nos recursos interpostos.


Nos presentes autos, a ação reporta-se a um acidente de viação e as questões apreciadas no recurso consistiam na reapreciação da decisão de facto (foram impugnados 5 pontos de facto) e aferição da justeza do valor das indemnizações fixadas na sentença da 1.ª instância.


A prova reapreciada consistiu na análise de prova documental, testemunhal e declarações de parte, que não revelaram especial complexidade ou morosidade na sua apreciação.


Quanto à conduta processual dos requerentes, a relevar positiva ou negativamente, prende-se com o princípio da colaboração previsto no artigo 7.º do CPC, com vista à resolução célere, eficaz e justa do litígio, sempre sem prejuízo da defesa dos interesses respetivos.


Nada encontramos nos autos que justifique uma valoração negativa do comportamento dos litigantes.


Quanto ao valor da causa e do recurso, o mesmo é elevado, evidenciando pela utilidade económica do pedido, juízo que, naturalmente, tem de se abstrair do concreto resultado da lide.


Para as partes a utilidade económica do recurso deriva do valor da quantia objeto de condenação/absolvição.


Atendendo ao valor da taxa de justiça já pago pela Recorrente e valor do remanescente da taxa de justiça que ascende a €3.366,00, considerado a referida regra de proporcionalidade e adequação, tendo a Recorrente já pago a taxa de justiça devida resposta ao recurso no montante de €816,00, entende-se que este valor é adequado e proporcional ao serviço de justiça prestado, pelo que se justifica, ao abrigo do artigo 6.º, n.º 7, do RCP, a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça devido pela Recorrente.

VIII. Nos termos e pelas razões expostas, acordam, em Conferência, em reformar o Acórdão proferido nos autos, dispensando a Recorrente LIBERTY SEGUROS – COMPANHIA DE SEGUROS Y RESSEGUROS, SA – SUCURSAL EM PORTUGAL do pagamento do remanescente da taxa de justiça aplicável ao recurso .

Sem custas.

Évora, 22-05-2025


Maria Adelaide Domingos (Relatora)


Maria João Sousa e Faro (1.ª Adjunta)


Ricardo Miranda Peixoto (2.º Adjunto)

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1. Publicado no DR n.º 1/2022, Série I de 03-01-2022, pp. 31-71.↩︎

2. Consultável em www.dgsi.pt, tendo o seguinte sumário:«4. O erro de qualificação consistente no pedido de reforma da decisão quanto a custas tendo em vista a dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça dever ser oficiosamente corrigido e convolado, nos termos do art.º 193.º, n.º 3, para simples requerimento tendente àquele fim, ao abrigo do art.º 6.º, n.º 7, do RCP.»↩︎

3. DR, II, n.º 209, de 16/10/2013. Foi concretamente decidido: «Julga inconstitucionais as normas contidas nos artigos 6.º e 11.º, conjugadas com a tabela I-A anexa, do Regulamento das Custas Processuais, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 52/2011, de 13 de Abril, quando interpretadas no sentido de que o montante da taxa de justiça é definido em função do valor da acção sem qualquer limite máximo, não se permitindo ao tribunal que reduza o montante da taxa de justiça devida no caso concreto, tendo em conta, designadamente, a complexidade do processo e o carácter manifestamente desproporcional do montante exigido a esse título.»↩︎

4. Cfr., entre outros, acórdão do Tribunal Constitucional de n.º 471/2007, de 25/09/200, in DR, II, de 31/10/2007.↩︎

5. Ac. STJ, de 12.12.20013, proc. 1319/12.3TVLSB-B.L1.S1, em www.dgsi.pt↩︎