Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
193/25.4GTSTB.E1
Relator: HENRIQUE PAVÃO
Descritores: CONDUÇÃO SEM HABILITAÇÃO LEGAL
REGIME DE PERMANÊNCIA NA HABITAÇÃO COM VE
PENAS DE SUBSTITUIÇÃO
PENA DE PRISÃO
Data do Acordão: 12/10/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: I - O percurso criminal do arguido (que já sofreu quatro condenações pela prática do crime de condução sem habilitação legal, a última das quais em pena de prisão suspensa na sua execução, tendo o crime pelo qual responde neste processo sido cometido no período da suspensão da execução daquela pena) revela a sua forte inclinação para a prática de crimes rodoviários e a circunstância de não se ter deixado influenciar pelas penas que anteriormente lhe foram aplicadas (penas de multa e pena de prisão suspensa na sua execução), o que legitima a conclusão de que não é admissível a aplicação de penas de substituição como a suspensão da execução da pena de prisão que agora lhe foi imposta (por não ser possível fazer um prognóstico de que, com tal pena, o arguido não voltará a cometer crimes) ou a sua substituição pela pena de prestação de trabalho a favor da comunidade, uma vez que, por esta via, não se realizam, de forma adequada e suficiente, as finalidades da punição.
II - A evolução legislativa do regime de cumprimento da pena de prisão em regime de permanência na habitação denota bem a ideia do legislador, segundo a qual o cumprimento em meio prisional das penas curtas de prisão deve ser evitado por não contribuir necessariamente para a ressocialização efetiva do condenado, e por ela própria, situando-se a meio caminho entre a suspensão da execução da pena de prisão e a reclusão efetiva do condenado, poder realizar os fins das penas.
III - Levando em consideração a integração familiar e profissional do arguido e a circunstância de ao mesmo nunca ter sido aplicada uma pena efetiva privativa da liberdade, não se vislumbra que apenas o cumprimento efetivo da pena em estabelecimento prisional satisfaça de forma adequada as necessidades preventivas que o caso reclama, afigurando-se que a ressocialização do arguido será ainda possível se o mesmo se mantiver recluído no seu domicílio, evitando-se o efeito estigmatizante do cumprimento da pena em meio prisional.
Decisão Texto Integral:

Acordam os Juízes na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:

I - Relatório.

Nos presentes autos de processo especial sumário que correm termos no juízo local criminal de Setúbal, juiz 5, do Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal, foi o arguido AA condenado pela prática de um crime de condução de veículo a motor sem habilitação legal, previsto e punível pelo art.º 3.º, n.ºs 1 e 2 do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de janeiro, por referência aos art.º 121.º, do Cód. Estrada, na pena de sete meses de prisão.


Inconformado, o arguido recorreu, tendo apresentado, após a motivação, as seguintes conclusões:

1. (…)

“2. A pena de prisão efectiva aplicada ao arguido, não se conforma com a lei, não se revelando justa, nem adequada às circunstâncias do caso, em violação do estatuído nos artigos 40.º, n.º 1 e 2, 71.º, 72.º n.º 1 e 2, alínea c), e 73.º, todos do Código Penal;

3. Além dos seus dois filhos, menores de idade, a quem paga pensão de alimentos no montante de € 350,00 (trezentos e cinquenta euros). Em ... do presente ano nasceu o terceiro filho do arguido.

4. O arguido reside com a sua companheira, o filho bebé de ambos e, com os seus pais. Sendo que, apenas a sua mãe e, o arguido é que trabalham para liquidar as despesas todas do lar.

5. Hoje o arguido, de 35 anos de idade é um elemento válido, produtivo, honesto e respeitador da sociedade em que o envolve;

6. Hoje o arguido pode mudar o rumo da sua vida, procurando ser um cidadão responsável e digno. Amanhã, quem sabe, aniquila-se a pessoa, cria-se um dependente e potencia-se uma personalidade deformada, limitada e frustrada, porque impossibilitada de prosseguir uma vida normal, pelo estigma da prisão e, do longo afastamento da sua família.

7. O arguido confessou os factos, de forma livre, integral e sem reservas, tendo adoptado uma atitude de total colaboração com a justiça, assumindo, portanto, a responsabilidade por todas as acções.

8. Aplicar-lhe uma pena de prisão efectiva de 7 meses, será colocar em sério risco, para além da sua estabilidade emocional, a sua própria vida familiar e profissional.

9. Atento os factos, nenhuma fundamentação encontramos na douta sentença para aplicar ao arguido aquela pena em concreto.

10. Ora, na determinação concreta da medida da pena, como impõe o art. 71.º, n.º 2 do Código Penal, o Tribunal tem de atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depõem a favor do agente ou contra ele, designadamente quanto a este caso em concreto, a reintegração do arguido que deveria ser valorada favoravelmente, o facto de ter três filhos menores de idade, a sua companheira encontrar-se desempregada, bem como a confissão livre e sem reservas e, o arrependimento;

11. E, deveria ter atendido, igualmente, ao carácter humanitário do artigo 40.°, n.º 1 do Código Penal, no sentido de ressocializar o agente.

12. Ao contrário do que acontece com a pena de prisão, atribui-se elevada potencialidade ressocializadora a essas medidas, que podem ser variadas, pelo que haverá que escolher a mais adequada ao caso concreto com que o julgador se depara. Aplicar ao arguido uma pena privativa de liberdade viola o chamado princípio da proporcionalidade e, portanto, o artigo 18.º CRP, na medida em que existem outras medidas não privativas da liberdade que realizavam perfeitamente as finalidades da punição;

13. Ao determinar a concreta medida da pena, o tribunal a quo assentou na prevenção e repressão do crime, alheando-se da recuperação e ressocialização do delinquente.

14. Através da conjugação do disposto nos artigos 70.º, 40.º, n.º 1, 44.º, 45.º, 50.º e 58.º, nº 1, todos do Código Penal, deveria o Tribunal a quo optar, in casu, pela aplicação de uma pena de substituição que consubstanciasse a sua não privação da liberdade, por exemplo, na suspensão da pena aplicada, na prestação de trabalho a favor da comunidade, prisão em regime de permanência na habitação ou prisão por dias livres; Com efeito, as finalidades da punição realizam-se plenamente com a aplicação de uma destas medidas punitivas;

15. A sentença recorrida não se conforma ainda com as disposições dos art.º 75.º a 76.º máxime artigo 71.º n.º 3 do Código Penal.

16. Esses aspectos deviam ter sido tidos em consideração para efeitos de

determinação da medida da pena concretamente aplicada, pelo que, não o tendo sido, o Tribunal a quo violou o estatuído nos artigos 40.º, n.º 2 e, 71.º, 72.º, n.º 1 e 2, alínea c) e 73.º, todos do Código Penal;

Assim,

17. Quanto à medida da pena a aplicar ao recorrente, atenta a violação do disposto no art.º 71.º, do Código Penal e, atentas todas as atenuantes existentes e não valoradas pela violação do art.º 72.º, n.º 1 e 2. alínea c), e 73.º, todos do Código Penal, deve a pena aplicada pelo Tribunal Recorrido, ser suspensa na sua execução, conforme disposto no art.º 50.º do Código Penal;

18. Não sendo este o douto entendimento, deve a pena aplicada ao recorrente ser substituída por prestação de trabalho a favor da comunidade, nos termos do art.º 58.º do Código Penal;

19. Não sendo este o douto entendimento, deve a pena aplicada ao recorrente, ser executada em regime de permanência na habitação, conforme consta do art.º 43.º, do Código Penal.

Assim sendo e, dada a notória falta de fundamentação da douta Sentença, bem como da excessiva pena aplicada, entende o recorrente que deverá a mesma:

a) ser suspensa, na sua execução,

b) ou caso V.Exas., assim não o entendam, deve a mesma ser substituída por trabalho a favor da comunidade, ou pela prisão em regime de permanência na habitação, por serem mais adequadas, por suficientes, às finalidades da punição, representando a sua aplicação uma censura suficiente dos factos e, simultaneamente, uma garantia para a comunidade da validade e vigência da norma violada.”

Respondeu o Ministério Público, contrariando os argumentos do recorrente, sustentando, a final, que a sentença recorrida aplicou o direito corretamente pelo que deverá ser mantida nos seus precisos termos.


O Excelentíssimo Senhor Procurador-Geral Adjunto neste Tribunal da Relação emitiu desenvolvido parecer, no qual, pelas razões constantes da resposta do Ministério Público na 1ª instância, sustenta o acerto da decisão recorrida na parte em que decidiu não substituir a pena de prisão aplicada pela suspensão da execução da pena e pelo trabalho a favor da comunidade.


Considerando, porém, os factos julgados provados e que o arguido nunca cumpriu pena de prisão efetiva, nem em regime de permanência na habitação, entende que, apesar dos antecedentes criminais que possui, o arguido demonstra capacidade de trabalho, tem trabalho certo e remunerado e possui estabilidade familiar, pelo que se afigura que o cumprimento da pena de sete meses de prisão, pelo crime de condução de veículo automóvel, sem habilitação legal, em regime de permanência na habitação, com vigilância eletrónica, ainda realiza, de forma adequada e suficiente as finalidades visadas com a execução da pena, exigidas no artigo 42º do Código Penal.


Adianta ainda que se afigura adequado que, ao abrigo do disposto no nº 3, do artigo 43º do Código Penal, o arguido seja autorizado a ausentar-se da sua residência para o exercício da sua profissão e que o regime de cumprimento da pena seja, nos termos do disposto no artigo 43º, nº 4, alínea a) do Código Penal, subordinado à inscrição do arguido numa escola de condução, com documentação desse facto nos autos, em 15 dias após o inicio do cumprimento da pena e à frequência das aulas teóricas e de condução que sejam marcadas durante o período de cumprimento da pena, com autorização para se ausentar da sua residência, para esse efeito.


Foi cumprido o disposto no art.º 417.º, n.º 2 do Código de Processo Penal, não tendo sido apresentada resposta.


Procedeu-se a exame preliminar.


Colhidos os vistos legais e tendo sido realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.


II – Fundamentação.


II.I Delimitação do objeto do recurso.


Nos termos consignados no artigo 412º nº 1 do Código de Processo Penal e atendendo à jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95, de 19 de outubro de 1995, publicado no DR, I-A de 28 de dezembro de 1995, o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente na sua motivação, as quais definem os poderes cognitivos do tribunal ad quem, sem prejuízo de poderem ser apreciadas as questões de conhecimento oficioso.


Em obediência a tal preceito legal, a motivação do recurso deverá enunciar especificamente os fundamentos do mesmo e deverá terminar pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, nas quais o recorrente resume as razões do seu pedido, de forma a permitir que o tribunal superior apreenda e conheça das razões da sua discordância em relação à decisão recorrida.


No presente recurso e considerando as conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação, as únicas questões a apreciar consistem em saber se:

a. A pena de 7 meses de prisão a que o arguido foi condenado deve ser substituída por outra pena (concretamente, na suspensão da execução da pena, ou, não sendo esse o entendimento deste tribunal, pena de prestação de trabalho a favor da comunidade) e,

b. Na negativa, se aquela pena deve ser executada sob o regime de obrigação de permanência na habitação (com as condições sugeridas pelo Excelentíssimo Senhor Procurador-Geral Adjunto ou outras) ou se se impõe o seu cumprimento efetivo em meio prisional.



*




II.II - A decisão recorrida


A sentença recorrida é, nos segmentos que aqui interessa considerar (factos provados e fundamentação da espécie e medida da pena), do seguinte teor:

1. No dia ... de ... de 2025, pelas 00h00, na rua ...., na ..., em ..., o arguido conduziu o veículo ligeiro de passageiros da marca «BMW™», com a matrícula ..-..-ZT.

2. Na referida data, o arguido não era titular de carta de condução ou de qualquer outro título válido que o habilitasse à condução do referido veículo na via pública.

3. O arguido sabia que para conduzir veículo a motor na via pública ou equiparada em território nacional tinha de estar habilitado com carta de condução ou outro documento válido que para tal o habilitasse e que, naquela data, não era possuidor de tal documento e, não obstante, representou, quis e logrou conduzir veículo automóvel na via pública.

4. O arguido agiu de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida por lei e criminalmente punida.

5. O arguido confessou livre, integral e sem reservas tais factos, explicando que apenas procedeu da forma apurada, mesmo sem ser titular de carta de condução, para se deslocar ao seu local de trabalho.

Das condições económico-sociais do arguido e seus antecedentes criminais em especial

6. O arguido nasceu em ...-...-1991, e está solteiro.

7. O arguido vive com a sua companheira, sua filha menor com os seus pais.

8. O arguido tem mais uma filha menor, a quem presta a título de pensão de alimentos a quantia mensal de € 350,00 (trezentos e cinquenta euros).

9. O arguido trabalha numa fábrica, auferindo uma retribuição mensal de € 1.100,00 (mil e cem euros).

10. O arguido contribui para o pagamento das despesas doméstica, em média, com a entrega da quantia mensal de € 100,00 (cem euros).

11. Como habilitações literárias, o arguido tem o 9.º ano de escolaridade.

12. O arguido detém o certificado de registo criminal n.º 270326-E, tendo sido condenado:

i. Pela prática de factos que consubstanciam 1 (um) crime de condução de veículo sem habilitação legal, cometidos em 5-3-2017, na pena de 50 (cinquenta) dias de multa, à taxa diária de € 6,00 (seis euros), por sentença proferida pelo Juízo C. Genérica de Sesimbra – Juiz 2, em ...-...-2017 e transitada em julgado em 24-4-2017 (processo sumário n.º 181/17.4...); tal pena de multa, entretanto, foi declarada extinta, pelo cumprimento, por referência a 6-5-2018;

ii. Pela prática de factos que consubstanciam 1 (um) crime de condução de veículo sem habilitação legal, cometidos em 9-11-2015, na pena de 60 (sessenta) dias de multa, à taxa diária de € 5,50 (cinco euros e cinquenta cêntimos), por sentença proferida pelo Juízo C. Genérica de Sesimbra – Juiz 2, em 14-9-2017 e transitada em julgado em 14-9-2017 (processo sumaríssimo n.º 851/15.1...); tal pena de multa, entretanto, foi declarada extinta, pelo cumprimento, por referência a 10-7-2018;

iii. Pela prática de factos que consubstanciam 1 (um) crime de condução de veículo sem habilitação legal, cometidos em 17-5-2022, na pena de 110 (cento e dez) dias de multa, à taxa diária de € 5,00 (cinco euros), por sentença proferida pelo Juízo C. Genérica de Sesimbra – Juiz 2, em 17-5-2022 e transitada em julgado em 20-6-2022 (processo sumaríssimo n.º 316/22.5...); tal pena de multa, entretanto, foi declarada extinta, pelo cumprimento, por referência a 10-1-2024;

iv. Pela prática de factos que consubstanciam 1 (um) crime de condução de veículo sem habilitação legal, cometidos em 23-2-2025, na pena de 10 (dez) meses de prisão, suspensa na sua execução, com regime de prova e com sujeição a deveres de inscrição e submissão a exames para obtenção do título de condução, no prazo máximo de 6 (seis) meses, por sentença proferida pelo Juízo C. Genérica de Fronteira, em ...-...-2025 e transitada em julgado em 2-5-2025 (processo sumário n.º 30/25.0...).

Factos Não Provados

Com relevância para a boa decisão da causa, inexistem factos por provar.

(…)

IV ─ DA ESCOLHA E MEDIDA DA PENA A APLICAR AO ARGUIDO

Feito o enquadramento jurídico-penal da matéria de facto dada como provada, importa, agora, determinar qual a natureza e a medida da pena a aplicar ao arguido.

Na determinação da pena aplicável, deve o juiz socorrer-se dos critérios que o legislador penal consagrou nos artigos 40.º, 70.º e 71.º, todos do Cód. Penal.

A operação a efectuar consiste na construção de uma moldura legal de prevenção geral, entendida na sua modalidade positiva, de integração e de reforço da consciência jurídica comunitária enquanto forma de proceder à estabilização das expectativas comunitárias na validade e na vigência da norma violada, que nos dá o limite mínimo da pena a aplicar.

A culpa, por sua vez, irá dar-nos o limite máximo inultrapassável das exigências da prevenção – directamente relacionado com a preservação da dignidade da pessoa humana.

Em caso algum a pena poderá ultrapassar a medida da culpa.

De acordo com o ensinamento do Prof. Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, 1993 (Reimp.), Coimbra Editora, pp. 114 e ss., a medida concreta da pena é determinada em função das particulares e concretas exigências de prevenção especial.

DA ESCOLHA DA NATUREZA DA PENA

No que toca à escolha da pena, sempre que o crime seja punível em alternativa com pena privativa da liberdade e pena não privativa da liberdade, a lei penal dá preferência à aplicação de penas não privativas da liberdade sempre que as mesmas realizem de forma adequada e suficiente as necessidades da punição, ou seja, a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade − [artigos 70.º e 40.º, n.º 1, ambos do Cód. Penal]

Com efeito, a norma ínsita no art.º 40.º do Cód. Penal, apresenta nas palavras de Anabela Miranda Rodrigues, O Modelo de Prevenção na Determinação da Medida Concreta da Pena Privativa de Liberdade, in Problemas Fundamentais de Direito Penal, Homenagem a Claus Roxin, Lisboa, 2002, pp. 179 e ss., mormente pp. 185 e 186: «Uma forma plástica de um programa político criminal, cujo conteúdo e principais proposições cabe ao legislador fixar, condensando em três proposições fundamentais – a de que o Direito penal é um direito de protecção de bens jurídicos, que a culpa é tão-só um limite da pena, mas não o seu fundamento, e de que a socialização é a finalidade da aplicação da pena.».

As finalidades das penas [na previsão, na aplicação e na execução] são assim, na filosofia da Lei penal portuguesa expressamente afirmada, a protecção de bens jurídicos e a integração do agente do crime nos valores sociais afectados. Na protecção dos bens jurídicos vai ínsita uma finalidade de prevenção de comportamentos danosos que afectem tais bens e valores, ou seja, de prevenção geral. A previsão, a aplicação ou a execução da pena devem prosseguir igualmente a realização de finalidades preventivas, que sejam aptas a impedir a prática pelo agente de futuros crimes, ou seja uma finalidade de prevenção especial. As finalidades das penas [de prevenção geral positiva e de integração e de prevenção especial de socialização] conjugam-se na prossecução de um objectivo comum, qual seja: o de por meio da prevenção de comportamentos danosos, proteger bens jurídicos comunitariamente valiosos cuja violação constitui um crime.

O fundamento da preferência pela pena não privativa da liberdade deriva do princípio da subsidiariedade do Direito penal, pois, como ensina J. Figueiredo Dias, Direito Penal Português – Parte Geral II – As Consequências Jurídicas do Crime, 1993, (Reimp.), Coimbra Editora pp. 74, 75 e 113: «Resulta deste princípio que as medidas detentivas só têm lugar quando as não detentivas se revelem inadequadas ou insuficientes à prevenção. Optando-se pela pena privativa de liberdade esta tem de necessariamente de se dirigir para a socialização do delinquente. A pena privativa da liberdade pelos efeitos que causa (dessocialização derivada do corte de relações familiares e profissionais do condenado, infâmia social e inserção na subcultura prisional, em si mesmo criminógena), só deve ser aplicada como ultima ratio da política criminal.».

Por sua vez, Anabela Miranda Rodrigues, Critério e Escolha das Penas de Substituição no Código Penal Português, in Separata do número especial do Boletim da Faculdade de Direito de Coimbra – Estudos em Homenagem ao Prof. Eduardo Correia, p. 24, sustenta que: «decisivas para a escolha da pena são só razões de prevenção, não cabendo aqui à culpa qualquer papel autónomo ou independente.». E, no que se refere à relação entre os dois tipos de prevenção, a mesma autora, op. cit., p. 23, sustenta que: «é a prevenção especial que deve estar na base da escolha da pena pelo juiz». Esta «preponderância da prevenção especial na escolha da pena é algo que não resulta de qualquer preceito que verse directamente sobre a matéria, mas da concepção geral dominante do nosso ordenamento jurídico.».

Vale por dizer que a preponderância primordial da prevenção especial na escolha da pena: «é resultado da imposição jurídico-constitucional própria do Estado de Direito material, de intenção social, em que não há alternativa para a realização do dever de auxílio e de solidariedade em que se analisa aquele princípio e em que se traduz a acção de socialização exercida sobre o delinquente.» − [op. cit. pp. 23 e 24]

A prevenção geral surge aqui unicamente sob a forma de conteúdo mínimo de prevenção de integração indispensável à defesa do ordenamento jurídico. Tal «resulta do facto de nenhum ordenamento jurídico suportar pôr-se a si próprio em causa, sob pena de deixar de existir enquanto tal. A sociedade tolera uma certa «perda» de efeito preventivo geral – isto é, conforma-se com a aplicação de uma pena de substituição; mas quando a sua aplicação possa ser entendida pela sociedade, no caso concreto, como injustificada indulgência e prova de fraqueza face ao crime, quaisquer razões de prevenção especial que aconselhassem a substituição cedem, devendo aplicar-se a prisão.» − [op. cit., p. 23]

Dispõe, nesta sede, o art.º 70.º, do Cód. Penal, que: «se ao crime forem aplicáveis em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.».

Neste preceito legal, como bem enfatiza Adelino Robalo Cordeiro, Escolha e Medida da Pena, in Jornadas de Direito Criminal, CEJ, 1983, p. 238, concentra-se toda a filosofia subjacente ao actual sistema punitivo: «uma reacção contra penas institucionalizadas ou detentivas, por sua própria natureza lesivas do sentido ressocializador que deve presidir à execução das reacções penais.». Ensina o mesmo autor, op. cit, p. 237 e ss., que esta opção, que deverá ser feita caso a caso, exige do tribunal uma selecção criteriosa dos delinquentes que hão-de ser sujeitos a umas e outras. Vale por dizer que sempre que a pena alternativa da pena de prisão realize as finalidades da punição [ou seja a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade], é por ela que se deverá optar, já que a pena de prisão deve ser a última medida a aplicar no âmbito de qualquer ordenamento jurídico-penal integrado num Estado de Direito material.

Concretizando.

No caso concreto, levando em devida consideração que o arguido já não é primário, longe disso… contando com várias condenações justamente por crimes de condução de veículo sem habilitação legal (quatro no total!), o que, convenhamos, incrementa decerto as necessidades de prevenção especial, sendo outrossim prementes as necessidades de prevenção geral e o grau de culpa, considera este Tribunal que a aplicação ao arguido de uma pena não privativa da liberdade já não se mostra adequada e suficiente para acautelar as necessidades de punição aqui reclamadas, razão pela qual opta por uma pena de prisão.

DA DETERMINAÇÃO DA MEDIDA CONCRETA DA PENA DE PRISÃO

Nesta sede, rege o disposto no art.º 71.º, do Cód. Penal, que: «A determinação da medida da pena dentro dos limites definidos na lei, far-se-á em função da culpa do agente, tendo ainda em conta as exigências de prevenção de futuros crimes.».

Vários modelos têm surgido para solucionar a questão de saber a forma como estas entidades distintas [culpa e prevenção] se relacionam no processo unitário da medida da pena.

Face ao art.º 40.º, do Cód. Penal, que veio tomar posição expressa quanto à questão dos fins das penas, afigura-se-nos inquestionável que é o modelo da «moldura da prevenção» proposto por J. Figueiredo Dias, op. cit., pp. 227 a 231, aquele que melhor se adequa ao espírito desta norma, quanto mais não seja por «nela ter sido consagrado o seu pensamento.» − [vd., neste ponto, José Gonçalves da Costa, in RPCC, Ano III, 1993, p. 327]

Segundo aquele modelo, primordialmente, a medida da pena há-de ser dada por considerações de prevenção geral positiva, isto é, prevenção enquanto necessidade de protecção dos bens jurídicos que se traduz na tutela das expectativas da comunidade na manutenção da vigência da norma infringida, que fornece uma «moldura de prevenção», que fornece um quantum de pena que varia entre um ponto óptimo e o ponto ainda comunitariamente suportável de medida da tutela dos bens jurídicos e das expectativas comunitárias e onde, portanto, a medida da pena pode ainda situar-se até atingir o limiar mínimo, abaixo do qual já não é comunitariamente suportável a fixação da pena sem pôr irremediavelmente em causa a sua função tutelar.

Através do requisito da culpa, dá-se tradução à exigência de que aquela constitui um limite inultrapassável de todas e quaisquer considerações preventivas − [limite máximo – ligado ao mandamento incondicional de respeito pela dignidade da pessoa do agente]

Por último, dentro dos limites consentidos pela prevenção geral positiva – entre o ponto óptimo e o ponto ainda comunitariamente suportável – podem e devem actuar do ponto de vista de prevenção especial de socialização, sendo eles que vão determinar, em último termo, a medida da pena. Esta deve, em toda a sua extensão possível, evitar a quebra da inserção social do agente e servir a sua reintegração na comunidade − [vd., para uma análise mais desenvolvida, J. Figueiredo Dias, op. cit., pp. 227 e ss. e, quanto ao juízo de culpa, Anabela Miranda Rodrigues, A Determinação da Medida da Pena Privativa da Liberdade, (tese de doutoramento), Coimbra Editora, pp. 478 e ss.]

Tendo presente o modelo adoptado, importa infra eleger, no caso concreto, os critérios de aquisição e de valoração dos factores da medida da pena, mormente os referidos nas diversas alíneas do n.º 2, do art.º 71.º, do Cód. Penal.

Neste âmbito, importa ter presente o princípio da proibição da dupla valoração, consagrado no referido art.º 71.º, n.º 2, segundo o qual não devem ser tomadas em consideração, na medida concreta da pena, as circunstâncias que façam já parte do tipo de crime.

Tal princípio deve também valer para as restantes operações de determinação da pena, ou seja, a concreta circunstância que deva servir para determinar a moldura penal aplicável ou para escolher a pena não deve ser de novo valorada para a quantificação da culpa e da prevenção relevantes para a medida da pena − [vd., neste exacto sentido, J. Figueiredo Dias, op. cit. pp. 234 a 238]

Ainda neste âmbito, importa referir que os factores que influem na determinação da medida são, muitas vezes, dotados de particular ambivalência. Por exemplo, um mesmo factor, na perspectiva da culpa, pode funcionar como agravante e, na perspectiva da prevenção, funcionar como atenuante.

Em suma: no que respeita à medida concreta da pena, a mesma terá como limite máximo a culpa do agente revelada nos factos por si praticados [vd., neste domínio, o art.º 40.º, n.º 2, do Cód. Penal], e terá de se mostrar adequada a assegurar as exigências de prevenção geral ― que são consideráveis, tendo em conta as mais elementares regras de convivência social que afastam este tipo de comportamento, potencialmente geradores de consequências gravíssimas, razão pela qual se impõe a afirmação, de modo urgente e indubitável, da efectividade e da validade das normas que punem tais condutas, através da condenação de quem incorra nas mesmas ―, e especial, nos termos do disposto nos artigos 40.º, n.º 1, e 71.º, n.º 1, ambos do Cód. Penal.

Sendo certo que na determinação da medida da pena ter-se-ão em conta todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra o arguido, nomeadamente, as enumeradas no art.º 71.º, n.º 2 do Cód. Penal.

Há assim que ponderar:

Contra o arguido depõem:

- O grau de ilicitude dos factos é considerável, atendendo ao modo de execução dos factos nos termos supra descritos, ademais, em pleno decurso do período da suspensão da pena de prisão decretada no âmbito do processo sumário n.º 30/25.0...

- O grau de culpa do arguido: que se afigura outrossim mediano, atendendo a que o arguido tinha liberdade para se conformar com a norma violada, demonstrando a sua conduta delituosa, ao invés, uma censurável atitude de violar tal norma.

- O grau de intensidade do dolo do arguido: que reveste a forma de dolo directo, de acordo com o art.º 14.º, n.º 1 do Cód. Penal.

- As necessidades de prevenção especial mostram-se elevadas, dado que o arguido já não é primário, contando o seu CRC com quatro condenações por crimes de condução de veículo sem habilitação legal, o que importará salvaguardar.

A favor do arguido depõem:

- As condições pessoais do arguido e a sua situação económica: que resultaram provadas e aqui se dão por reproduzidas.

- A confissão dos factos.

Sopesados estes elementos, considera-se justa, adequada e proporcional a aplicação ao arguido, pela prática de 1 (um) crime de condução de veículo sem habilitação legal, de uma pena concreta de 7 (sete) meses de prisão, pois tal dosimetria penal não excede a culpa e salvaguarda as necessidades de prevenção geral e especial.

Cumpre agora apreciar de que forma deverá esta pena de prisão ser executada.

Tendo em consideração que a pena de prisão concretamente aplicada ao arguido nestes autos é uma pena de prisão de curta duração e inferior a dois anos, devemos ainda ponderar a possibilidade da sua substituição por outra medida não privativa da liberdade nos termos legalmente previstos.

Neste domínio, como bem ensina Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, p. 334: «(…), desde que imposta ou aconselhada à luz das exigências da prevenção especial de socialização, a pena de substituição só não será aplicada se a execução da prisão se mostrar indispensável para que não seja posta em causa a necessária tutela dos bens jurídicos, e a estabilização das expectativas comunitárias.».

DA NÃO SUBSTITUIÇÃO DA PENA DE PRISÃO POR MULTA

Ora, apesar do art.º 45.º, do Cód. Penal consentir até à pena de um ano a pena de prisão que se possa substituir por multa, certo é que, face aos factos apurados, [mormente por o arguido demonstrar um total desprezo pela censura do facto ínsita nas anteriores condenações], a manutenção da pena de prisão se mostra necessária para prevenir o cometimento de novos crimes.

Com efeito, não pode deixar-se de ter em consideração o facto de o arguido ter anteriormente sido condenado pela prática de quatro crimes de condução de veículo sem habilitação legal, tendo sido condenado, além do mais, em penas de multa, reacção penal esta que, no entanto, não o inibiu de voltar a prevaricar, enfim...

Assim sendo e tendo em consideração a conjugação de ambas as finalidades preventivas, afigura-se-nos não ser manifestamente suficiente e inadequada a substituição da pena de prisão por multa, porquanto a mesma não realiza os limiares mínimos de prevenção geral de defesa da ordem jurídica, posta em causa pelo comportamento desviante do arguido.

Entende-se, assim, inadequada e insuficente a substituição da pena de prisão ora aplicada, por multa.

DA NÃO SUSPENÇÃO DA EXECUÇÃO DA PENA DE PRISÃO

Dispõe, nesta sede, o art.º 50.º, n.º 1 do Cód. Penal, que: «O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 5 anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.».

Desde já se diga que o instituto da suspensão da execução da pena de prisão previsto no citado art.º 50.º, do Cód. Penal está dependente da verificação de um pressuposto formal, qual seja a aplicação de uma pena previamente determinada não superior a cinco anos, e de um pressuposto material, consistente numa avaliação da personalidade do agente e das circunstâncias do facto que permita concluir por um prognóstico favorável relativamente ao comportamento do delinquente, de tal modo que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizem de forma adequada e suficiente as finalidades de punição.

Como ensina Jorge de Figueiredo Dias, op. cit. p. 343: «O Tribunal atenderá especialmente às condições de vida do agente e à sua conduta anterior e posterior ao facto. (…) A finalidade político-criminal que a lei visa com o instituto da suspensão é clara e determinante: o afastamento do delinquente, no futuro, da prática de novos crimes e não qualquer «correcção», «melhora» ou – ainda menos – «metomania» das concepções daquele sobre a vida e o mundo. É em suma, como se exprime ZIPF, uma questão de «legalidade» e não de «moralidade» que aqui está em causa. Ou, como porventura será preferível dizer, decisivo é aqui o «conteúdo mínimo» da ideia de socialização, traduzida na «prevenção da reincidência.».

E, por sua vez, como refere Hans-Heinrich Jescheck, Tratado de Derecho Penal, Parte General, 2.º vol., edição castelhana, p. 1154: «A prognose favorável do réu, que deve verificar-se em todos os casos, consiste na esperança de que o condenado sentirá a condenação como uma advertência e que não cometerá no futuro nenhum delito. Com razão não se exige já a perspectiva de uma « vida futura ordenada e conforme à lei», já que para o fim preventivo da suspensão é suficiente que não volte a delinquir no futuro. Esperança não significa certeza. O Tribunal deve estar disposto a assumir um risco prudencial; mas se existem sérias dúvidas sobre a capacidade do condenado para compreender a oportunidade de ressocialização que se lhe oferece, a prognose deve ser negativa o que de facto supõe um «in dubio contra reo». – [tradução da língua castelhana para português da nossa lavra]

Efectivamente, deve dizer-se que a suspensão da execução da pena de prisão não superior a 5 anos é, assim, imposta por aquele preceito (art.º 50.º do C.P.), a menos que esteja contra-indicada em face das exigências de prevenção especial e geral em defesa da ordem jurídica, mas já não da culpa.

Com efeito, como bem enfatiza Anabela Miranda Rodrigues, in RPCC, Ano I, 1991, pp. 24 e ss.: «(...) à face da lei penal vigente, a culpa só pode (e deve) ser considerada no momento que precede o da escolha da pena ― o da determinação da medida concreta da pena de prisão ―, não podendo ser ponderado para justificar a não aplicação de uma pena de substituição: tal atitude é tomada tendo em conta critérios de prevenção.».

Sendo que a prevalência não pode deixar de ser atribuída a considerações de prevenção especial de socialização, por serem sobretudo elas que justificam, em perspectiva político-criminal, todo o movimento de luta contra a pena de prisão.

Quanto à prevenção geral, surge aqui unicamente sob a forma de conteúdo mínimo de prevenção de integração indispensável à defesa do ordenamento jurídico.

Ou seja, o pressuposto material do instituto é que o tribunal, atendendo à personalidade do agente e às circunstâncias do facto, conclua por um prognóstico favorável relativamente ao comportamento do arguido, sendo que este prognóstico terá como ponto de partida, não a data da prática do crime, mas antes o momento da decisão − [vd., neste sentido, acórdão do S.T.J., de 24-5-2001, in CJ, t.II, p. 201]

Concretizando.

Resulta da factualidade provada que o arguido regista quatro antecedentes criminais justamente pela prática de crimes de condução de veículo sem habilitação legal, enfim, desde, pelo menos, 2017 que o arguido não se coíbe de conduzir viaturas automóveis nas vias públicas sem ter carta de condução, incrementando o perigo para os outros utentes das estradas que importa salvaguardar, tendo sido já condenado, na última vez, em pena de prisão, conquanto ainda suspensa na sua execução, o que denota uma preocupante tendência do arguido para a prática deste tipo-de-ilícito rodoviário, comportamento desviante este que importa acautelar, tendo em vista a vida em sociedade em segurança, que afasta este tipo de comportamento perigoso, e cujas consequências poderão ser graves.

Ademais, não se poderá aqui olvidar que o ilícito pelo qual vai o arguido aqui condenado foi cometido em plena vigência do período de suspensão da execução da pena de prisão decretada no âmbito do processo sumário n.º 30/25.0..., o que, convenhamos, bem nos diz que tal reacção penal nenhum efeito dissuasor teve para o arguido, tendo frustrado o juízo de prognose favorável que ainda havia sido emito.

Vale por dizer que o comportamento do arguido revela, assim, um censurável sentimento de impunidade, bem como uma personalidade desviante, irresponsável e inconsequente, que leva este julgador a concluir que a (mera) suspensão da execução da pena de prisão ora aplicada, já não satisfaz manifestamente as finalidades da punição, porquanto não podemos olvidar que ele voltou a cometer o crime aqui em apreciação justamente em plena vigência da suspensão da pena de prisão que lhe foi aplicada no âmbito do processo sumário n.º 30/25.0..., o que, por sua vez, obsta a que se possa voltar emitir um juízo de prognose favorável. Parece linear.

Nesta conformidade, entende o julgador que, face às especiais necessidades de prevenção especial, ponderando ainda as circunstâncias acima expostas, a simples ameaça da prisão e a censura do facto já não tutelarão de forma suficiente os bens jurídicos atingidos e não permitirão a reintegração do arguido na sociedade − [art.º 40.º, n.º 1 do Cód. Penal]

Termos em que se decide não suspender a pena de prisão aplicada.

DA NÃO APLICAÇÃO DO INSTITUTO DO TRABALHO A FAVOR DA COMUNIDADE

Conquanto nos termos do art.º 58.º, n.º 1 do Cód. Penal, se permita, verificados que sejam os seus pressupostos, a substituição da pena de prisão por trabalho a favor da comunidade, tal apenas deverá acontecer se o Tribunal ainda concluir que por este meio se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades de punição.

Ora, in casu, considera o Tribunal não estarem reunidas as condições minimamente exigidas para a implementação desta pena substitutiva, porquanto, como já se enfatizou, não consegue, infelizmente, o tribunal emitir um juízo de prognose favorável à reinserção social do arguido, indispensável para que se considere que esta pena de substituição realizaria de forma adequada e suficiente as necessidades de punição, exigidas no caso concreto. Com efeito, não pode deixar de se ter em consideração o facto do arguido ter anteriormente sido condenado em penas não privativas e privativas da liberdade, reacções penais estas que, no entanto e manifestamente, não o inibiram de voltar a praticar crimes, frustrando os anteriores juízos de prognose favorável, que foram sendo sucessivamente emitidos pelos tribunais.

Assim sendo e tendo em consideração a conjugação de ambas as finalidades preventivas, afigura-se-nos não ser suficiente a substituição da pena de prisão por prestação de trabalho a favor da comunidade, porquanto a mesma não realizaria, a nosso ver, os limiares mínimos de prevenção geral de defesa da ordem jurídica, posta em causa pelo comportamento desviante do arguido, nem outrossim as finalidades de prevenção especial do arguido aqui reclamadas.

Entende-se, assim, inadequada e insuficiente, para se acautelar as necessidades de punição aqui reclamadas, a substituição da pena de prisão ora aplicada, por dias de trabalho a favor da comunidade.

DA NÃO APLICAÇÃO DO REGIME DE PERMANÊNCIA NA HABITAÇÃO COM VIGILÂNCIA ELECTRÓNICA

Após as alterações introduzidas ao Cód. Penal pela referida Lei n.º 94/2017, temos que tal pena substitutiva de prisão em permanência na habitação está agora prevista no art.º 43.º, do citado diploma legal, onde se estabelece que: «1 - Sempre que o tribunal concluir que por este meio se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da execução da pena de prisão e o condenado nisso consentir, são executadas em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância:

a) A pena de prisão efetiva não superior a dois anos;

b) A pena de prisão efetiva não superior a dois anos resultante do desconto previsto nos artigos 80.º a 82.º;

c) A pena de prisão não superior a dois anos, em caso de revogação de pena não privativa da liberdade ou de não pagamento da multa previsto no n.º 2 do artigo 45.º

2 - O regime de permanência na habitação consiste na obrigação de o condenado permanecer na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, pelo tempo de duração da pena de prisão, sem prejuízo das ausências autorizadas.

3 - O tribunal pode autorizar as ausências necessárias para a frequência de programas de ressocialização ou para atividade profissional, formação profissional ou estudos do condenado.

4 - O tribunal pode subordinar o regime de permanência na habitação ao cumprimento de regras de conduta, suscetíveis de fiscalização pelos serviços de reinserção social e destinadas a promover a reintegração do condenado na sociedade, desde que representem obrigações cujo cumprimento seja razoavelmente de exigir, nomeadamente:

a) Frequentar certos programas ou atividades;

b) Cumprir determinadas obrigações;

c) Sujeitar-se a tratamento médico ou a cura em instituição adequada, obtido o consentimento prévio do condenado;

d) Não exercer determinadas profissões;

e) Não contactar, receber ou alojar determinadas pessoas;

f) Não ter em seu poder objetos especialmente aptos à prática de crimes.

g) Não se aplica a liberdade condicional quando a pena de prisão seja executada em regime de permanência na habitação.».

Resulta de tal normativo legal que um dos critérios à luz do qual o julgador, perante uma solicitação do condenado nesse sentido, deverá apreciá-la será o seguinte: «sempre que o tribunal concluir que por este meio se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades [da execução] da pena de prisão.».

Desde já deixamos assente que esta nova «abordagem jurídica» da permanência na habitação com VE efectuada pela citada Lei n.º 94/2017, pretendendo, contra o entendimento da doutrina majoritária, configurá-la como um simples «meio de cumprimento» e não como uma verdadeira pena substitutiva da pena de prisão efectiva, não nos impressiona juridicamente, nem tão-pouco merece a nossa adesão, porquanto continuamos a encará-la materialmente como uma verdadeira pena substitutiva, dado que entendemos, tal como o faziam a doutrina e jurisprudência maioritária 1, que a permanência na habitação com VE não se reduz a um mero meio de cumprimento da pena de prisão, antes se assume [e continua a assumir, diga-se] como uma verdadeira pena autónoma, com natureza de pena de substituição, pese embora formalmente se tivesse intencionalmente conferido tal «rotulagem» de meio de cumprimento.

In casu, tal regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância [cf. o art.º 43.º, do Cód. Penal], em termos abstractos, mostra-se aplicável no presente caso, uma vez que ao arguido foi aplicada pena de prisão inferior a dois anos; existe consentimento do arguido nisso.

Porém, a aplicação de tal pena substitutiva sempre carece de passar pelo crivo da conclusão de que por «este meio se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades [da execução] da pena de prisão», sendo que in casu entendemos que a execução da pena de prisão através deste regime se revela igualmente inadequada, uma vez que, atento o comportamento refractário do arguido, se nos afigura que esta forma de execução da pena de prisão se mostra manifestamente inadequada e insuficiente para salvaguardar as finalidades da “execução” pena de prisão, que por sua vez têm subjacente as necessidades de punição aqui reclamadas, as quais exigem o efectivo contacto do arguido com o sistema prisional.

Efectivamente, ao nível da forma de execução da pena de prisão, atenta a personalidade desviante do arguido apurada nos termos supra indicadas, afigura-se-nos que as prementes necessidades de prevenção geral e especial que, in casu, se fazem sentir desaconselham, quanto a nós, outra forma de execução da pena de prisão que não seja a de cumprimento efectivo em estabelecimento prisional. Também, neste domínio, parece linear o acerto desta opção, dado que, em face do evidente percurso criminal do arguido, espelhado nos quatro antecedentes criminais pela prática sempre do mesmo crime de condução de veículo sem habilitação legal, este julgador, de forma séria e isenta, não consegue mais emitir um juízo de prognose favorável apto a estribar a convicção de que o arguido não mais iria conduzir sem habilitação legal, caso lhe fosse permanecesse extra-muros, quiça, com possibilidade de continuar a trabalhar…, no âmbito da aplicação de uma pena executada em regime de permanência na habitação com vigilância electrónica, dado que nada parece demover o arguido de conduzir veículos sem habitação legal, ou seja, entende-se que tal seria uma decisão destituída de razoabilidade, artificial e sem apoio na teleologia que esteve subjacente no pensamento do legislador ao tutelar este tipo de crime cuja ocorrência está envolvido na ocorrência de acidentes de viação que infelizmente ceifam a vida de cidadãos todos os anos.

É que ficámos com a legítima percepção que subjacente ao comportamento delituoso e persistente assumido pelo arguido de conduzir um veículo automóvel na via pública, estaria, ao que se crê, uma “auto-justificação” (rectius “desculpável”) traduzida na necessidade de conduzir para ir trabalhar, sempre enfatizando tal necessidade ao longo do seu discurso, enfim… o que nos leva a supor que o arguido assume no seu intimo que poderá continuar a prevaricar por tal conduta estar, por assim dizer, «desculpada» pelos motivos que o levam a tal, nada mais de errado, importando fazer ver ao arguido, mais uma vez, é certo, que tal motivação não o habilita a conduzir, como é óbvio.

Basta.

É que o sentir da comunidade, cada vez mais, não tolera este tipo de comportamentos irresponsáveis, atentatórios da vida em comunidade, reivindicando, assim, que tais comportamentos sejam sancionados de forma justa, adequada e proporcional, sendo que, como supra já se enfatizou, para esta primeira instância tal reacção penal passará inelutavelmente pelo cumprimento do arguido de uma pena de prisão em estabelecimento prisional, por forma a assegurar-se que, sendo submetido a tal pena, não volte de futuro a insistir na prática de crimes. Se bem que nada parece demover o arguido de prevaricar a este nível rodoviário, enfim…

Em suma, como já enfatizamos, entendemos que o caso sub iudice, além de exigir a aplicação de uma pena de prisão, reclama ainda que esta execução seja efectiva e com contacto com o estabelecimento prisional, o que, por sua vez, afasta, quanto a nós, a aplicação no caso vertente da possibilidade prevista no art.º 43.º, do Cód. Penal, por se considerar que a mesma não assegura suficiente e adequadamente as prementes necessidades de punição que se fazem sentir.

Na verdade, a este respeito, consideramos que atento o evidente percurso criminal do arguido a pena de prisão ora aplicada não deve ser substituída por uma pena de diferente espécie, por tal não se revelar suficiente nem eficaz do ponto de vista das intensas exigências de prevenção especial que se fazem sentir ao mesmo, pelo que somente a execução da pena de prisão se mostra apta a prevenir a prática de novos crimes pelo arguido.

Do que ficou supra exposto, deve entender-se que o arguido demonstra uma acentuada insensibilidade pelos bens jurídicos tutelados pelas normas em apreço, nos quais se incluem, para além da segurança das comunicações rodoviárias, conquanto reflexamente, a vida e a integridade física de terceiros [até por força do elevadíssimo número de acidentes de viação que ocorrem no nosso país, muitas vezes associados à prática deste tipo de criminalidade rodoviária, relacionado com a condução de veículo sem habilitação legal na via pública, atenta a insegurança que tal conduta suscita]

Evidencia-se, assim, a sua incapacidade para manter uma conduta conforme ao Direito, conforme o atesta o seu passado ligado à criminalidade, diga-se!

Por outras palavras, não só o arguido manifesta, neste particular, carência de socialização, como a segurança da comunidade impõe a sua inoculização temporária, sob pena do mesmo persistir na prática de comportamentos desviantes [que só por um acaso – felizmente – não terão dado causa a consequências mais graves]

É que não se poderá aqui olvidar que o ilícito pelo qual vai o arguido aqui condenado foi cometido em plena vigência do período de suspensão da execução da pena de prisão decretada no âmbito do processo sumário n.º 30/25.0..., que, ademais, transitou em julgado em 2-5-2025, pelo que decorreram pouco mais de dois meses até o arguido ser novamente detectado a reincidir na condução de um veículo automóvel em via pública, sem habilitação legal, enfim…, o que, convenhamos, bem nos diz que tal reacção penal nenhum efeito dissuasor teve para o arguido.

Isto para concluir que o Tribunal entende que as exigências de prevenção especial e geral, demonstradas, além do mais, pelos seus vastos antecedentes criminais, não permitem outra forma de execução que não seja a do cumprimento efectivo da pena de prisão ora aplicada ao arguido em estabelecimento prisional, onde, aliás, já se encontra, conquanto em situação de preso preventivo.

Portanto, está-se perante um caso em que se justifica o cumprimento de uma pena efectiva de prisão, conquanto de curta duração, fenómeno conhecido pela signa Short Sharp Shock 2 , pelo arguido em estabelecimento prisional, com base nas razões supra expendidas.”


***




II.III - Apreciação do mérito do recurso.


O recorrente não impugna a prática dos factos que determinaram a sua condenação, não questiona a qualificação jurídica dos mesmos, nem mesmo a medida concreta da pena de prisão que lhe foi aplicada. O que põe em causa é unicamente a decisão do tribunal recorrido de não aplicar a pena substitutiva de suspensão da execução da referida pena ou, não sendo tal possível, a pena de trabalho a favor da comunidade. Ainda no entender do recorrente, na eventualidade de se entender não poderem estas penas ser aplicadas, deveria a pena aplicada ser executada em regime de permanência na habitação com vigilância eletrónica.



*




O recorrente, na motivação que apresentou e nas conclusões que dela extraiu refere-se a factos que não foram julgados provados na sentença. Em causa estão, concretamente, factos relativos ao número de filhos do arguido e à composição do seu agregado familiar (cf. conclusão nº 3).


Não tendo sido impugnada, por qualquer via, a decisão de facto, não poderá este tribunal atender à nova aludida factualidade.


Na motivação, o recorrente alude à possibilidade de a pena que lhe foi aplicada poder ser cumprida segundo o regime de dias livres. Ora, a prisão por dias livres estava prevista no artigo 45º do Código Penal, na redação que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de março, tendo sido revogada pela Lei nº 94/2017, de 23 de agosto. Esta questão não foi trazida para as conclusões do recurso pelo que não será conhecida pelo tribunal (admitindo-se, até, que a sua referência na motivação se fique a dever a mero lapso).



*




Concorda-se que tudo o que o tribunal "a quo" fez constar da fundamentação da sentença relativamente à não aplicação das penas de substituição de trabalho a favor da comunidade e de suspensão da execução da pena, dispensando-nos de repetir tal parte da sentença que, de resto, já acima se deixou transcrita.


Com efeito, o recorrente já foi alvo de 4 condenações pela prática de outros tantos crimes de condução sem habilitação legal, crimes esses cometidos, respetivamente, em 2015, 2017, 2022 e 2025 (tendo as sentenças condenatórias transitado em julgado nos mesmos anos em que os crimes foram cometidos). Colhe-se, ainda, dos factos provados que pela prática dos primeiros 3 crimes, o recorrente foi condenado em penas de multa. Na última condenação, cuja decisão transitou em julgado no dia 2 de maio de 2025 (2 meses e 5 dias antes de ter praticado os factos pelos quais responde neste processo), foi o recorrente condenado numa já pesada pena de prisão (10 meses), embora suspensa na sua execução.


Isto posto, importa considerar, como considerou a sentença recorrida, que a aplicação da pena de substituição de trabalho a favor da comunidade só pode ser aplicada, para além do mais, se for de “concluir, nomeadamente em razão da idade do condenado, que se realizam, por este meio, de forma adequada e suficiente, as finalidades da punição” (artigo 58º, nº 1 do Código Penal). Essas finalidades estão definidas no artigo 40º, nº 1 do mesmo código: a proteção dos bens jurídicos prosseguidos pela norma incriminadora (prevenção geral positiva) e a reintegração do agente na sociedade (prevenção especial).


São precisamente os antecedentes criminais do arguido, máxime, a sua condenação no processo 30/25.0..., que impedem que se acredite que a mera aplicação de uma pena de trabalho a favor da comunidade pela prática de um crime cometido cerca de dois meses após o trânsito em julgado de uma sentença que lhe impôs pena de prisão suspensa vá corresponder às finalidades da pena.


O mesmo se diga, mutatis mutandis, relativamente à substituição da pena por uma pena de prisão suspensão da sua execução.


A suspensão da execução da pena de prisão assentará sempre na existência de uma prognose favorável ao arguido e só deverá ser decretada quando o tribunal concluir, em face da personalidade do agente, das condições da sua vida e das demais circunstâncias elencadas no artigo 50º do Código Penal, ser essa pena adequada e suficiente para afastar o delinquente da criminalidade. Constitui uma advertência solene ao condenado, visando produzir um efeito positivo sobre o seu comportamento futuro, em benefício da sua reintegração social.


Ora, a condenação no processo 30/25.0..., após outras três condenações pela prática do mesmo crime, inviabiliza que se faça um juízo de prognose segundo o qual o arguido não voltará a cometer crimes (já que foi durante a execução de uma pena de prisão suspensa na sua execução que o arguido praticou os factos a que respeitam este processo). Aliás, o passado criminal do arguido demonstra, até agora, duas coisas: a sua forte inclinação para a prática de crimes rodoviários e a circunstância de não se ter deixado influenciar pelas penas que anteriormente lhe foram aplicadas, retirando qualquer eficácia às mesmas e às solenes censuras nelas contidas para o reencaminhar para um comportamento conforme aos bens jurídicos tutelados pelas normas jurídicas violadas.


Assente a inviabilidade, no caso presente, de a pena de prisão aplicada ao arguido ser substituída pela suspensão da execução da pena e pelo trabalho a favor da comunidade, resta aferir se deve aquela pena ser executada em regime de obrigação de permanência na habituação com vigilância eletrónica.


Nos termos do disposto no artigo 44º, nº 1 do Código Penal, na redação que lhe foi dada pela Lei nº 59/2007, de 4 de setembro, o cumprimento de pena de prisão em regime de obrigação de permanência na habitação era consentido, para além de outros pressupostos formais, nos seguintes casos:

a. A pena de prisão aplicada em medida não superior a um ano;

b. O remanescente não superior a um ano da pena de prisão efetiva que exceder o tempo de privação da liberdade a que o arguido esteve sujeito em regime de detenção, prisão preventiva ou obrigação de permanência na habitação.


O nº 2 do citado preceito legal previa que aquele limite máximo pudesse ser elevado para dois anos quando se verifiquem, à data da condenação, circunstâncias de natureza pessoal ou familiar do condenado que desaconselham a privação da liberdade em estabelecimento prisional, designadamente, as circunstâncias previstas nas diversas alíneas desse inciso legal (que se prendem com a idade ou estado de saúde do condenado ou circunstâncias familiares específicas).


A Lei n.º 94/2017, de 23 de agosto alargou o regime do cumprimento da pena de prisão em regime de obrigação de permanência na habitação, passando o artigo 43º do Código Penal a dispor, no segmento que aqui interessa considerar:

1 - Sempre que o tribunal concluir que por este meio se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da execução da pena de prisão e o condenado nisso consentir, são executadas em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância:

a) A pena de prisão efetiva não superior a dois anos;

b) A pena de prisão efetiva não superior a dois anos resultante do desconto previsto nos artigos 80.º a 82.º;

c) A pena de prisão não superior a dois anos, em caso de revogação de pena não privativa da liberdade ou de não pagamento da multa previsto no n.º 2 do artigo 45.º

2 - O regime de permanência na habitação consiste na obrigação de o condenado permanecer na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, pelo tempo de duração da pena de prisão, sem prejuízo das ausências autorizadas.

3 - O tribunal pode autorizar as ausências necessárias para a frequência de programas de ressocialização ou para atividade profissional, formação profissional ou estudos do condenado.

Atualmente, o cumprimento da pena de prisão em regime da obrigação de permanência na habitação deixou de consistir apenas numa mera pena de substituição, passando também a ser uma forma de execução de pena de prisão.


A evolução legislativa apontada denota bem a ideia do legislador segundo a qual o cumprimento em meio prisional das penas curtas de prisão deve ser evitado por não contribuir necessariamente para a ressocialização efetiva do condenado e por ela própria, situando-se a meio caminho entre a suspensão da execução da pena de prisão e a reclusão efetiva do condenado, poder realizar os fins das penas.


Como pressupostos formais deste regime, exige-se que a condenação em pena de prisão efetiva não seja superior a dois anos (artigo 43.º, n.º 1, al. a) do Código Penal) e, bem assim, o consentimento do condenado e das pessoas maiores de 16 anos que com ele coabitem (artigo 43.º, n.º 1, do Código Penal e artigo 4.º, n.ºs 1, 4 e 7, da Lei n.º 33/2010, de 2 de setembro), para além de condições para instalação dos meios técnicos da vigilância eletrónica.


Como pressuposto material, o artigo 43.º, n.º 1 do Código Penal exige que o tribunal conclua que por este meio se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da execução da pena de prisão, ou seja, as finalidades preventivas, no sentido da reintegração social do recluso, “preparando-o para conduzir a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes”, sem prejuízo de satisfazer também exigências de prevenção geral positiva, “servindo a defesa da sociedade e prevenindo a prática de crimes” (artigo 42.º, n.º 1, do Código Penal).


É no âmbito deste enquadramento jurídico que importa ponderar se a factualidade provada na decisão recorrida suporta a aplicação do regime de permanência na habitação.


Está em causa pena de prisão efetiva de sete meses, sendo que, não se encontrando prestados os devidos consentimentos, a averiguação de tal requisito formal, bem como da verificação das demais condições materiais para instalação da vigilância eletrónica caberá ao tribunal recorrido.


Quanto ao requisito material, o Excelentíssimo Senhor Procurador-Geral Adjunto, no seu parecer, sustenta:

“Neste quadro, tendo em especial atenção que o arguido nunca cumpriu pena de prisão efectiva, nem em regime de permanência na habitação.

Apesar dos antecedentes criminais que possui, o arguido demonstra capacidade de trabalho, tem trabalho certo e remunerado e possui estabilidade familiar, pelo que se afigura que o cumprimento da pena de sete meses de prisão, pelo crime de condução de veículo automóvel, sem habilitação legal, em regime de permanência na habitação, com vigilância eletrónica, ainda realiza, de forma adequada e suficiente as finalidades visadas com a execução da pena, exigidas no art. 42º do Código Penal.”

Concordamos com tal posição.


Aliás, numa situação semelhante, escreveu-se em recente acórdão deste Tribunal da Relação: “levando em consideração a integração social e profissional do arguido e, bem assim, a circunstância de ao mesmo nunca ter sido aplicada uma pena privativa da liberdade, não se vislumbra que apenas o cumprimento efetivo da pena em estabelecimento prisional satisfaça de forma adequada as necessidades preventivas que o caso reclama. Pelo contrário, o contacto do condenado com o nocivo ambiente do meio prisional sempre será de evitar caso aquele reúna as condições necessárias ao cumprimento da pena de prisão em regime domiciliário devidamente controlado por meios de controlo à distância. Nestes termos, afigura-se-nos que a ressocialização do arguido será ainda possível se o mesmo se mantiver recluído, junto da sua família, evitando-se o carácter estigmatizante do cumprimento da pena em meio prisional, mas restringindo-o, ainda assim, na sua liberdade e fazendo-o sentir a reprovação dos crimes praticados em razão do seu confinamento à habitação” (acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 14 de outubro de 2025, publicado em www.dgsi.pt, processo 2507/24.5PAPTM.E1).


Este entendimento, que se ajusta na perfeição ao presente caso, merece a nossa concordância.


Divergindo da sentença recorrida e sem prejuízo da fundamentação aprofundada que nela se fez para afastar a aplicação do cumprimento da pena em regime de obrigação de permanência na habitação, importa ter presente que uma pena curta de prisão dificilmente será aplicada a delinquentes sem passado criminal. A mera existência de antecedentes criminais (ainda que relevantes, como é o caso) não pode, por si só, afastar a aplicabilidade do artigo 43º do Código Penal.


O cumprimento da pena de prisão segundo o regime previsto neste preceito legal prevê, no seu nº 3, que possam ser concedidas autorizações para ausências necessárias para a frequência de programas de ressocialização ou para atividade profissional, formação profissional ou estudos do condenado, o que, a par de outras obrigações que lhe possam ser impostas (designadamente, as previstas no nº 4), confere à pena eficácia.


Conclui-se, assim, que se encontra verificado o requisito material do qual a lei faz depender a aplicação do cumprimento da pena de prisão em regime de permanência na habitação, com meios de fiscalização de controlo à distância, o que se determinará, na condição de vir a atestar-se a verificação dos requisitos formais acima enunciados, verificação que deverá ser feita pelo tribunal recorrido.


Na sentença recorrida refere-se que “em termos abstractos, [o regime de permanência na habitação] mostra-se aplicável no presente caso, uma vez que ao arguido foi aplicada pena de prisão inferior a dois anos; existe consentimento do arguido nisso”. Compulsados os autos, não se deteta que tal consentimento tenha sido prestado com as formalidades impostas pelo artigo 4º, nº 2, da Lei nº 33/2010, o que importa que o tribunal "a quo" acautele.


Considerando que todos os crimes que o arguido cometeu foram crimes de condução sem habilitação legal, é adequado sujeitar o cumprimento da pena à obrigação de o condenado se inscrever numa escola de condução e à frequência das aulas teóricas e de condução que sejam marcadas durante o período de cumprimento da pena, sujeitando-se aos exames que venham a ser marcados, com autorização para se ausentar da sua residência, para esse efeito (artigo 43º, nº 4, alínea b) do Código Penal), devendo o arguido comprovar a sua inscrição no prazo de 30 dias a contar do início do cumprimento de pena e a frequência das aulas e exames, sempre que for notificado para o efeito (pelo tribunal ou pelos serviços da DGRSP).


Deverá ainda ser concedida autorização para o condenado se ausentar do domicílio para cumprir as suas obrigações profissionais.


Atendendo às razões enunciadas, o recurso merece provimento, pelo que se decidirá alterar a decisão recorrida em conformidade.


III - Dispositivo.


Por tudo o exposto e considerando a fundamentação acima consignada, acordam os Juízes na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em conceder provimento ao recurso, decidindo, consequentemente, revogar a decisão recorrida no que tange à pena de substituição concretamente aplicada, fixando-se a pena da seguinte forma:

1. - Pena de sete meses de prisão, que o arguido cumprirá em regime de permanência na habitação (artigo 43º do Código Penal), desde que seja prestado o seu consentimento, bem como das restantes pessoas que o devam prestar, e desde que se verifiquem as condições materiais e técnicas necessárias à instalação dos meios de vigilância e controlo eletrónico, autorizando-se as seguintes ausências, que deverão ser fiscalizadas e monitorizadas pela competente equipa da DGRSP:

a. As necessárias para trabalhar, dentro do horário respetivo (e enquanto o emprego subsistir), incluindo o tempo adequado para as respetivas deslocações;

b. As necessárias para a frequência das aulas teóricas e práticas em escola de condução e para a submissão aos respetivos exames habilitantes à condução de veículos com motor, incluindo o tempo adequado para as respetivas deslocações, devendo o arguido comprovar, no prazo de 30 dias a contar do início da execução da pena, a sua inscrição em escola de condução;

2. Em conformidade com o decidido, deverá o tribunal de primeira instância dar cumprimento ao disposto nos artigos 4º nºs 1 a 5 e 7º n.º 2 todos da Lei nº 33/2010 de 2 de setembro, consignando-se que a falta de algum dos consentimentos legalmente exigidos ou das condições materiais e técnicas necessárias à instalação dos meios de vigilância e controlo eletrónico determinará o cumprimento da pena em meio prisional.

3. Sem custas


*




Redigido com apelo ao Acordo Ortográfico (ressalvando-se os elementos reproduzidos a partir de peças processuais, nos quais se manteve a redação original).


Processado em computador pelo relator e revisto integralmente pelos signatários.


Évora, 10 de dezembro 2025


Henrique Pavão


Maria José Cortes


Renato Barroso


1. 1 A natureza do regime de permanência na habitação tem sido questionada pela doutrina, rectius existindo quem defenda que esta consubstancia uma pena substitutiva [vd., neste sentido, LATAS, António João, O Novo Quadro Sancionatório das Pessoas Singulares/Revisão do Código Penal de 2007, in «A Reforma do Sistema Penal de 2007, Garantias e Eficácia», sob a coordenação de Conceição Gomes e José Mouraz Lopes, pp. 106 e ss.; e ANTUNES, Maria João, Consequências Jurídicas do Crime, Coimbra Editora, p. 23] e, ao invés, há quem entenda que tal constitui uma mera forma de execução da pena de prisão [cf., neste sentido, GONÇALVES, Manuel Lopes Maia, Código Penal Anotado e Comentado, 18.ª ed., Almedina, pp. 198 e 199]. Ao nível jurisprudencial, a tese que vem merecendo maior acolhimento pelas nossas instâncias superiores vai no sentido de considerar que tal reacção penal configura uma verdadeira pena substitutiva, ou seja: «A obrigação de permanência na habitação prevista no art.º 44.º do Código Penal corresponde a uma nova pena de substituição e não uma forma de execução da pena. Consequentemente, o momento próprio da sua aplicação é o da sentença condenatória» − [vd., neste domínio, o acórdão da Relação do Porto, de ...-...-2013]; em sentido idêntico, pode ler-se: «O regime de permanência na habitação, sendo uma pena autónoma, com natureza de pena de substituição e não um específico regime de execução da pena só pode ser aplicada na sentença, (…)» − [vd., neste domínio, acórdão da Relação de Coimbra, de ...-...-2013]; ou ainda que: «O regime de permanência na habitação é uma verdadeira pena de substituição da pena de prisão e, deste modo, como sucede com a prisão por dias livres ou com o regime de semidetenção, apenas pode ser decidida na sentença, pelo tribunal de julgamento, (…)» − [vd., neste ponto, o acórdão da Relação de Coimbra, de ...-...-2012]; todos estes arestos estão disponíveis em www.dgsi.pt.

2. Não se deverá subestimar a especial eficácia que este tipo de pena tem, dado o cariz intimidatório sobre as pessoas – [vd., por todos e neste sentido, o acórdão do S.T.J., datado de ...-...-2003, relatado por Pereira Madeira, disponível em www.dgsi.pt]