Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
653/22.9T8PTM.E1
Relator: MARIA ADELAIDE DOMINGOS
Descritores: TESTAMENTO
INTERPRETAÇÃO DO TESTAMENTO
Data do Acordão: 09/14/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário:
I. A interpretação do testamento é feita nos termos do artigo 2187.º do Código Civil, do qual resulta que o legislador: (i) deu relevância à vontade do autor do testamento (interpretação subjetivista); (ii) que a intenção do testador é interpretada em face do contexto de todo o testamento e não apenas em face de cada deixa testamentária; (iii) que o texto do testamento foi desconsiderado em prol do contexto do mesmo; (iv) que é admissível a prova complementar (cfr. artigos 394.º a 396.º do Código Civil) que possa contribuir ou esclarecer a vontade do testador, mas, e ainda assim, daí não pode emergir uma interpretação da vontade do testador que não tenha um mínimo de correspondência no contexto do testamento, ainda que imperfeitamente expressa.
II. Tendo o testador declarado que tem herdeiros legitimários e que «lega a sua quota disponível» à sua cuidadora de longa data, não mencionando bens ou valores determinados, em face deste contexto e do teor da deixa testamentária, apesar da errada terminologia jurídica, é de interpretar a vontade do testador no sentido de ter pretendido instituir a beneficiária desta disposição testamentária como herdeira e não como legatária.
(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Integral:
Acordam na 1.ª Secção do Tribunal da Relação de Évora

I – RELATÓRIO
AA, BB, CC e DD intentaram ação declarativa condenatória, sob a forma comum, contra EE formulando os seguintes pedidos[1]:
A) Condenação da Ré a reconhecer que os Autores são os únicos e universais herdeiros de FF;
B) Ser declarada a anulação do testamento lavrado de fls. cinquenta e sete verso a folhas cinquenta e oito do Livro de Notas para Testamentos Públicos número quinze do Cartório Notarial de …, em Silves, por o testador se encontrar em estado de incapacidade acidental aquando da sua outorga;
C) Subsidiariamente, ser declarada nula a deixa testamentária a favor da Ré por a mesma não versar sobre bens ou direitos determinados ou determináveis por interpretação e integração da vontade do testador, tudo com as legais consequências.

Para fundamentarem a sua pretensão, alegaram, em síntese, que a primeira Autora é a viúva e os restantes Autores são filhos de FF, falecido em 21-03-2021.
Que o de cujus deixou testamento lavrado em Cartório Notarial no dia 18-03-2021, constando do mesmo que «lega a quota disponível dos seus bens a EE.»
Porém, na data da outorga do testamento encontrava-se doente, sofrendo de várias patologias, que mencionam, e sob o efeito de medicação que lhe afetava o estado de consciência e a capacidade de decisão ou de vontade, pelo que é de presumir que se encontrava impossibilitado de expressar e entender o sentido e o alcance do que declarou.
O que determina a anulação do testamento.
Subsidiariamente, alegam que a deixa testamentária é nula por instituir um legado de uma quota-alíquota e não de bens concretos.

Contestou a Ré por impugnação, defendendo a improcedência dos pedidos, porquanto o falecido, apesar das doenças e medicação que tomava, não padecia de demência ou incapacidade cognitiva, bem sabendo o que queria, tendo expressado essa vontade no testamento de forma livre e consciente.

Realizado o julgamento foi proferida sentença que julgou a ação totalmente improcedente, absolvendo a Ré de todos os pedidos.

Inconformados, apelaram os Autores, apresentando as seguintes CONCLUSÕES:
«1. Os recorrentes consideram que o tribunal não fez a melhor aplicação da norma do artigo 607º do CPC face à prova produzida nos presentes autos.
2. Merece reparo o facto provado sob o ponto 15, pois o que se deu como provado foi apenas o envio no dia 17 de março de 2021 de uma mensagem por telemóvel da autoria da ré para o terceiro autor, seguido de uma síntese do conteúdo do SMS, quando na realidade se trata de uma troca de mensagens entre a ré e o terceiro autor;
3. As mensagens ou SMS foram enviadas via WhatsApp e não contêm qualquer referência a caráter confidencial, pelo que não se distinguem para efeitos probatórios de comunicações escritas que tivessem sido enviadas, por exemplo, através de correio.
4. Os SMS são considerados documentos eletrónicos com força probatória e não contendo assinatura digital certificada devem ser apreciados de acordo com as regras gerais da prova documental – cf. art. 362º e seguintes do Código Civil.
5. Trata-se de um meio de prova constituído por um documento particular elaborado pela ré e pelo terceiro autor, contemporâneo dos factos que envolvem a assinatura do testamento, dirigidos à parte contrária;
6. O documento foi aceite pela ré na audiência de discussão e julgamento, confirmando o seu envio no âmbito das declarações de parte/depoimento de parte – suporte digital 20230124141145 do minuto 00:12:58 ao minuto 00:31:56.
7. Trata-se de factos de que a ré teve conhecimento direto, tendo tido neles intervenção.
8. Assim, o documento em causa faz prova da materialidade das declarações da ré dele constantes e, ainda, da realidade dos factos afirmados, ou seja, dos factos compreendidos nessas declarações, na medida em que sejam contrários aos interesses do declarante;
9. Das referidas mensagens enviadas pela ré não resultam quaisquer outros factos tendentes a infirmar os primeiros, pelo que nos termos das disposições combinadas dos artigos 376º 1 e 2 e 360º do Código Civil verifica-se uma situação de força probatória plena.
10. Deste modo e com o fundamento supra descrito, deveriam ter sido dados como provados os seguintes factos:
- No dia 17 de março de 2021, pelas 5:56H, sem se ter alimentado previamente, FF, tomou medicamentos para limpar os intestinos e depois uma dose extra de medicação constituída por 1 e ½ comprimido para a ansiedade e 1 para a depressão, pelo que a ré o forçou a ingerir um yogurte, um bocado de bolo e um bocado de pão com chouriço;
- Passado algum tempo não concretamente apurado, FF foi dormir, tendo a ré saído de casa para pagar algumas contas dele perto do local onde viviam;
- Quando a ré regressou FF encontrava-se caído no chão, ressacado por efeito da medicação tomada, só queria dormir, tendo feito as suas necessidades fisiológicas na roupa, pelo que a ré o deixou a dormir deitado no chão;
- FF acordou por volta das 16:10, mas não estava completamente em si, pelo que a ré teve de chamar um seu amigo que chegou em cerca de dez minutos e o colocou no sofá;
- A sonolência que ainda apresentava impedia a ré de o levar para a casa de banho para o limpar;
- Por volta das 23:00H a ré acordou à força FF, limpou-o, deu-lhe banho e alimentou-o.
11. Na redação do Tribunal não era possível sequer perceber que, naquele dia, os factos se iniciaram por volta das 5:56H da manhã e que só terminaram já perto das 23:00H.
12. Em segundo lugar, o desacordo dos recorrentes incide sobre a não atribuição de qualquer relevo probatório às duas cadernetas prediais juntas com a p.i. segundo as quais as frações autónomas a que se reportam estão inscritas em propriedade plena a favor da ré e da herança de FF na proporção de 1/6 e 5/6 respetivamente.
13. Trata-se de documentos aceites pela ré que alegou mesmo em sede de contestação concordar com o seu conteúdo, documentos esses com interesse para a boa decisão da causa.
14. Pelo que deverá ser acrescentado à matéria provada o seguinte facto:
- “Na sequência do testamento as matrizes prediais urbanas das frações autónomas foram inscritas em propriedade plena a favor da ré e da herança aberta por morte de FF na proporção de 1/6 para a primeira e 5/6 para a segunda.”
15. Em terceiro lugar, os recorrentes consideram terem sido produzidas provas que no seu conjunto alteram ou infirmam a matéria de facto constante do ponto 12 e permitem concluir pela prova das alíneas b), c) d), f), h), e i) da matéria tida por não provada.
16. A importância desta prova para a decisão da causa assenta na afirmação em sede de sentença que a única hipótese do discernimento de FF se encontrar afetado no momento da realização do testamento teria de decorrer do consumo em excesso de benzodiazepinas.
17. As provas em causa resultam quer do registo clínico quer das declarações de parte/depoimento de parte da ré quer dos depoimentos das testemunhas GG, médico que assistiu FF e HH, médica que reviu o processo clínico após o falecimento deste.
18. O registo clínico relativo a FF faz prova plena que os aí intervenientes nele registaram os factos que dele constam, pelo que o que o médico assistente/testemunha GG mencionou no registo acerca da medicação habitual de FF deve ser considerado provado, porquanto se trata de um documento particular que faz prova plena do que nele se encontra escrito.
19. Pois não foi alegada a respectiva falsidade, vindo o seu conteúdo a ser aceite pela ré em sede de audiência de discussão e julgamento.
20. Em sede de declarações de parte/depoimento de parte a ré confirmou que lhe foi solicitada a entrega no hospital dessa medicação o que ela fez através do Serviço de Urgência – cf. suporte digital 20230124141145 do minuto 00:29:58 (declarações de parte) ao minuto 00:31:56 e suporte digital 20230124160031 do minuto 00:11:28 a 00:12:02 (depoimento testemunha GG)
21. A inserção daquela informação por parte do médico assistente no registo clínico do doente não pode ser classificada como uma mera indicação, como também o não será a identificação da ré como cuidadora, a anotação do seu primeiro nome (EE) e até o seu telemóvel de contacto, o que mostra a existência de contacto e de comunicação entre aquele e esta.
22. E também não pode ser classificada como uma mera indicação, porquanto os dados clínicos constantes daquele registo e para os quais a ré em nada contribuiu mostram precisamente o contrário do decidido.
23. Na esteira do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 28/04/2020 proferido no Processo 1765/12.2TVLSB.L1-1 o registo clínico é “(…) a prova essencial do ocorrido num episódio de urgência num hospital (…), vislumbrando-se muito pouca probabilidade de sucesso na demonstração de factos que não constem de tais registos ou sejam contrários ao seu conteúdo.”
24. De uma leitura atenta do registo clínico podemos concluir que a FF foi diagnosticada uma insuficiência respiratória, respiração lenta, quando da entrada no serviço de urgência.
25. O primeiro médico de clínica geral que o atendeu medicou-o e solicitou exames complementares, no caso, análises clínicas, raio x torácico e, eletrocardiograma.
26. Tudo aconteceu por volta das 21:00, mas pelas 22:56 o clínico optou por transferir a responsabilidade pelo tratamento do doente para um médico diferenciado, de medicina interna, no caso, GG.
27. Perante os dados constantes do registo clínico e as informações dadas pela ré este médico colocou várias hipóteses de diagnóstico, sendo que em duas delas figurava a suspeita da presença no organismo de FF de excesso de benzodiazepinas – cf. suporte digital 20230124160031do minuto 00:12:15 ao minuto 00:32:07.
28. Por causa dessas informações, a sua única opção terapêutica foi fazer o designado “washout” de benzodiazepinas através da administração a FF de um antagonista do efeito das benzodiazepinas no organismo humano e, em consequência, melhorar a função respiratória do doente – suporte digital 20230124160031do minuto 00:12:15 ao minuto 00:32:07.
29. Para tanto, ordenou a administração a FF da substância flumazenil que é um antídoto para as benzodiazepinas, o que aconteceu pelas 23 horas e 8 minutos – suporte digital 20230124160031do minuto 00:12:15 ao minuto 00:32:07.
30. Passado pouco tempo “segundos ou minutos” a função respiratória de FF melhorou e este que até então se apresentava prostrado e pouco reativo aos estímulos externos recuperou a consciência assim se mantendo, pelo menos pelas 7 horas e 58 minutos – cf. suporte digital 20230124160031do minuto 00:12:15 ao minuto 00:32:07.
31. Por essa hora foi anotado no registo clínico pela enfermeira que FF se encontrava calmo, orientado e colaborante.
32. Entre a administração do antagonista das benzodiazepinas e esta anotação não há qualquer registo da administração de qualquer outra terapêutica, além da manutenção do fornecimento de oxigénio.
33. Deste modo, face aos dados constantes do registo clínico e ao depoimento da testemunha GG mostra-se claramente incorreto o julgamento da matéria de facto, ao menos, quanto ao consumo excessivo de benzodiazepinas por parte de FF.
34. Na realidade, a probabilidade da insuficiência respiratória de que sofria FF se encontrar agravada em contexto de consumo de benzodiazepinas, com alteração do estado de consciência, confirmou-se após administração do antídoto ou antagonista.
35. O que foi confirmado quer pelo médico assistente GG ao confirmar ter inserido os dados no registo clínico e aceitar que eles correspondem à realidade ainda que não se lembrasse do doente quer pela médica HH, igualmente de medicina interna, que analisou o processo clínico e que de forma esclarecedora se pronunciou sobre esta matéria em sede de audiência de discussão e julgamento - cf. suporte digital 20230124160031 do minuto 00:12:15 ao minuto 00:32:07 e suporte digital 202301255104549 do minuto 00:01:46 ao minuto 00:16:03.
36. Do depoimento desta médica resulta ainda que na ausência da toma por FF de alprazolam 1mg, este apresentava sintomas de privação e reclamava a sua administração de forma insistente, só acalmando depois de tomar a referida benzodiazepina, ficando desde logo sonolento ainda que despertável – cf. suporte digital
202301255104549 do minuto 00:01:46 ao minuto 00:16:03.
37. Deste modo, face à prova produzida é seguro afirmar que FF nos últimos dias da sua vida dependia da toma de doses excessivas de alprazolam, substância que o acalmava, mas que também lhe provocava sonolência ou flutuações de consciência, como decorre da troca de mensagens entre a ré e o terceiro autor, do registo clínico e da prova testemunhal supra citada.
38. A testemunha HH indicou no seu testemunho que a probabilidade de FF apresentar aqueles sintomas de sonolência e flutuação de consciência nos dias anteriores ao seu internamento era bastante elevada – cf. suporte digital 202301255104549 do minuto 00:01:46 ao minuto 00:16:03.
39. Acresce que de acordo com as declarações prestadas pela ré ao médico assistente, FF tinha deixado de andar sem ajuda, estando mais prostrado nos últimos dias, não se alimentando sequer – cf. Suporte digital 20230124160031 do minuto 00:12:15 ao minuto 00:32:07.
40. Só a troca de informação entre o médico assistente e a ré podem justificar a presença no registo clínico da informação: “(…) alprazolam SOS posologia variada, conforme necessidade, muitas vezes titulada pelo próprio - cf. suporte digital 20230124160031 do minuto 00:12:15 ao minuto 00:32:07.
41. E a inserção no âmbito da história da doença atual da informação de que “(…) a cuidadora não revelou a dose de benzodiazepinas efetuada nestes últimos dias – cf. suporte digital 20230124160031 do minuto 00:12:15 ao minuto 00:32:07.
42. Se concatenarmos o registo clínico onde se afirma que a cuidadora referiu que neste momento não tem capacidade para cuidar do doente por falta de experiência e conhecimento da patologia de base, com as mensagens trocadas com o terceiro autor, só podemos concluir que a fonte desta informação registada pelo médico assistente foi a própria ré, pois queixa idêntica foi apresentada pela ré quando da troca de mensagens com o terceiro autor – cf. suporte digital 20230124160031 do minuto 00:12:15 ao minuto 00:32:07.
43. Pelo que nada aponta no sentido da alegada falta de credibilidade destas informações por causa de uma qualquer dificuldade linguística.
44. Até porque se provou que no dia 19 de março de 2021 a ré acompanhou FF ao hospital.
45. Assim, a afirmação pela testemunha HH de que FF que ela ainda conheceu enquanto médico, se encontrava nos dias que antecederam o seu internamento numa situação de incapacidade para reger a sua própria pessoa e os bens não pode ser afastada com fundamento numa alegada capacitação da senhora notária para apreciar a situação em que se encontrava o testador quando da assinatura do testamento - – cf. suporte digital 202301255104549 do minuto 00:01:46 ao minuto 00:16:03.
46. Estas razões de ciência e regras da medicina não foram suficientes para o tribunal considerar provado que FF se encontrava sobre o efeito do consumo excessivo do benzodiazepinas e que esta era uma medicação habitual no seu dia a dia.
47. Todavia, não foram invocados pelo Tribunal quaisquer conhecimentos especiais de medicina que pudessem infirmar esta realidade nem o tribunal recorreu ao apoio de especialistas que o pudessem esclarecer, pelo que não pode manter-se o julgamento da matéria de facto quanto aos pontos que vimos referindo.
48. Foi considerada pelo Tribunal uma realidade que embora possa ter assento nos depoimentos das testemunhas apresentadas pela ré e nas suas próprias declarações, colide com a lógica e as probabilidades que decorrem dos elementos de prova de registos efetuados por quem nenhuma relação tinha com FF, além da relação profissional, ao invés das testemunhas da ré com envolvimento pessoal nos factos.
49. Mais prova dessa desconformidade entre a matéria dada como não provada e a realidade dos factos retratada nos autos é a matéria que consta da alínea h) do elenco dos factos não provados.
50. Não só consta do registo clínico que o diagnóstico de entrada de FF foi uma insuficiência respiratória como quando da triagem se registou um valor de saturação de oxigénio no sangue com ar atmosférico, ou seja sem qualquer auxílio respiratório, de 76% quando o normal é cerca de 95% como referiu o médico assistente GG – cf. Suporte digital 20230124160031 do minuto 00:12:15 ao minuto 00:32:07.
51. Pelo exposto, entendem os recorrentes que sofrendo o testador de ansiedade provocada pelas várias doenças de que sofria, nomeadamente pela doença degenerativa neuromuscular, ansiedade que combatia através do recurso à substância alprazolam cujos efeitos adversos se faziam já sentir através de comportamentos tais como dormir no chão, não estar em si mesmo quer no dia anterior ao testamento quer no dia posterior é de presumir que tal situação também se verificasse no dia de assinatura do testamento.
52. Em consequência, pelas razões supra expostas entendemos que deve ser alterada a matéria de facto provada do seguinte modo;
1. Alteração dos factos provados:
12. Porque era médico reformado, prescrevia a si próprio medicamentos.
2. Dos factos não provados que se devem ter por provados:
a) A sua medicação habitual consistia em Clomipramina, alprazolam SOS, magnésiocard, AAS, Riluzol e Amlodipina SOS;
d) FF na fase final da sua vida tomava em excesso benzodiazepinas que lhe provocavam alterações de consciência e agravavam a insuficiência respiratória decorrente da doença neuromuscular de que padecia.
f) A ansiedade de que sofria era tratada por FF através da auto prescrição de alprazolam que é uma benzodiazepina.
g) À data de realização do testamento FF não tinha condições para se deslocar pelos seus próprios meios, nem para se determinar a fazê-lo;
h) Quer no dia que antecedeu o testamento quer no dia posterior à sua realização estava sob o efeito de alprazolam que é uma benzodiazepina.
i) Quando do acompanhamento de FF ao hospital a ré declarou ao médico assistente que aquele estava mais prostrado nos últimos dias, estado de prostração que foi verificado também em ambiente hospitalar.
53. Deste modo, salvo melhor opinião, o estado de saúde do testador no dia anterior à realização do testamento e no dia seguinte quando foi hospitalizado apontam para que seja razoável presumir que ao longo desses dias, e por efeito da utilização das benzodiazepinas, o seu estado de consciência era oscilante.
54. E que por via disso, FF se encontrava à data do testamento diminuído na sua capacidade de tomar decisões assentes numa vontade sã fosse sobre a sua vida ou sobre os seus bens.
55. Na sequência da impugnação da matéria de facto, entendem os recorrentes encontrar-se demonstrada uma situação de incapacidade acidental por consumo excessivo de benzodiazepinas com efeitos no estado de consciência do testador e na manifestação de uma vontade sã, situação que preenche os requisitos da anulabilidade do testamento previstos no artigo 2199º do Código Civil.
56. De outro lado, e assim se não entender, entendem os recorrentes que nos presentes autos não se fez qualquer prova sobre qual foi a vontade manifestada pelo testador: instituir um legado ou instituir a ré herdeira da quota disponível.
57. Sinal disso mesmo é a completa ausência de factos no elenco dos factos provados que versem acerca dessa vontade.
58. Apenas uma expressão nesse elenco se reporta ainda que indiretamente a esta matéria e que consiste no ponto 16 da matéria de facto provada, segundo o qual e apesar da reconhecida falta de rigor, quando no testamento se referiu lega a quota disponível dos seus bens, foi o mesmo que dizer deixa a quota disponível dos seus bens.
59. Esta afirmação não é um facto, é uma conclusão.
60. E estes factos não se encontram porque pura e simplesmente não foram alegados pela ré, limitando-se esta a fazer equivaler a expressão lega à expressão deixa ou, em rigor, à instituição de herdeira da quota disponível.
61. Como se referiu supra, o facto se encontrarem inscritas na matriz predial urbana duas frações autónomas a favor da ré e da herança na proporção de 1/6 e 5/6 respectivamente, mostra que quando uma autoridade pública perante a qual é obrigatório apresentar um testamento como foi o caso da administração tributária para efeitos de imposto do selo teve de interpretar o testamento, o que dele retirou foi a instituição de um legado e não a instituição de um herdeiro.
62. Como dispõe o artigo 238º do Código Civil no texto dos negócios formais não pode a declaração valer com um sentido que não tenha o mínimo de correspondência no texto do documento, salvo no caso do testamento, mas é então necessário provar qual a vontade efectiva do testador.
63. No caso dos presentes autos, não pode, sem mais, afastar-se a prova de qual tenha sido essa vontade através de uma conclusão inserta no elenco dos factos provados, ainda por cima cujo rigor jurídico é reconhecidamente frágil, até pela sentença.»

A Ré respondeu ao recurso, pugnando pela não apreciação da impugnação da decisão de facto e, de qualquer modo, pela confirmação da sentença recorrida.

II- FUNDAMENTAÇÃO
A- Objeto do Recurso
Considerando as conclusões das alegações, as quais delimitam o objeto do recurso, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso e daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras (artigos 635.º, n.ºs 3 e 4, 639.º, n.º 1 e 608.º, n.º 2, do CPC), não estando o tribunal obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito (artigo 5.º, n.º 3, do CPC), no caso, sucessivamente impõe-se apreciar:
- Impugnação sobre a decisão de facto;
- Anulação do testamento por incapacidade acidental do testador;
- Subsidiariamente, nulidade da deixa testamentária.

B- De Facto
A 1.ª instância deu como provada a seguinte matéria de facto:
Factos Provados:
«1. A primeira Autora é a viúva e os segundo, terceiro e quarto Autores são os filhos de FF.
2. No dia 18 de março de 2021, no Cartório Notarial da Notária , em Silves, FF outorgou a favor da Ré um testamento.
3. Do testamento referido em 2) consta que FF “lega a quota disponível dos seus bens a EE”.
4. A notária lavrou o testamento, após se certificar que o testador se encontrava em condições de testar, consciente e capacitado.
5. Em 19 de março de 2021, a Ré acompanhou FF ao hospital.
6. FF faleceu em 21 de março de 2021 na unidade de Portimão do CHUA, EPE.
7. FF vivia em Portugal, desde data não concretamente apurada, mas pelo menos desde 1989, país onde exerceu a profissão de médico e onde pretendeu continuar a viver depois de se reformar.
8. Tinha 82 anos e sofria de cardiopatia isquémica, de monoparesia do membro superior esquerdo, doença neuromuscular, e de insuficiência respiratória crónica restritiva.
9. Tinha já sido submetido a três bypass.
10. Era uma pessoa fisicamente debilitada, com algumas limitações motoras que lhe causavam dependência de terceiros e o obrigavam a ser assistido constantemente.
11. Todas estas doenças causavam-lhe dores e ansiedade.
12. Porque era médico reformado, prescrevia a si próprio, medicamentos não concretamente apurados, e em quantidades não concretamente apuradas, que lhe aliviavam as dores.
13. Sofria desta doença há muito tempo e também usava medicação há muito tempo (datas não concretamente apuradas).
14. Há muito tempo que tinha como cuidadora, por si escolhida, a ora Ré.
15. No dia 17 de março de 2021, a Ré enviou ao terceiro Autor uma mensagem via telemóvel, pelas 19:40H em que o informava que o pai, nesse dia, tinha tomado 1 e ½ comprimido para a ansiedade e 1 para a depressão, que nesse dia teve de o forçar a comer um iogurte e um pouco de pão, que o encontrou caído no chão e que este só queria dormir, tendo feito as suas necessidades fisiológicas na roupa, e que teve de o deixar deitado no chão.
16. Quando no testamento referido em 2) se referiu “Lega a quota disponível dos seus bens”, foi o mesmo que dizer “deixa a quota disponível dos seus bens”.»

Factos Não Provados:
«a) Foi anotado na ficha clínica do doente que a Ré se recusou a informar os médicos da quantidade de Benzodiazepinas ingeridas por FF nos dias que antecederam a ida ao hospital.
b) A sua medicação habitual consistia em Clomipramina, Alprazolam SOS, Magnesiucard, AAS, Riluzol e Amlodipina SOS.
c) A medicação a que se refere em 13) é Clomipramina e Alprazolam e causavam-lhe alteração do estado de consciência, ansiedade, agitação, dificuldade de concentração e despersonalização.
d) FF tomava grandes quantidades de medicamentos para a ansiedade, que lhe causavam alteração do estado de consciência.
e) Alteração do estado de consciência que era agravado pela Hipercapnia, ou seja, aumento do nível de dióxido de carbono no sangue.
f) As patologias de que sofria e a medicação que fazia alteravam o estado de consciência.
g) Não tinha condições para se deslocar pelos seus próprios meios, nem para se determinar a fazê-lo.
h) Estava com dificuldade em respirar, com cansaço extremo por falta de oxigénio e por dificuldades cardíacas, desorientado e ansioso devido ao elevado uso de benzodiazepinas.
i) Nas circunstancias referidas em 5) a Ré declarou que FF estava mais prostrado nos últimos dias”, estado de prostração confirmado pelos médicos quando da realização do exame objetivo.
j) A Ré, enquanto cuidadora, levou FF, a um cartório notarial para fazer um testamento, quando intuiu que não teria muito mais tempo de vida e o estado de vulnerabilidade e incapacidade para tomar decisões do pai dos Autores era já muito grande.
k) Nas circunstâncias referidas em 15), a Ré informou que, por FF ter tido um comportamento tonto, deu-lhe os comprimidos aí referidos.»

C- Do Conhecimento das questões suscitadas no recurso
1. Impugnação da decisão de facto
Os Apelantes impugnam a redação dada ao ponto 15 dos factos provados, propondo que a sua redação seja a que consta dos vários itens da Conclusão 10.
Para o efeito, entendem que tal redação decorre do documento junto com a petição inicial, correspondendo a mensagens SMS enviadas por WhatsApp entre a Ré e o 3.º Autor, que, dizem, corresponde a documento com força probatória plena dada a aceitação da Ré da existência e do conteúdo do referido documento.
Na fundamentação da decisão e facto sobre o ponto 15 dos factos provados consta o seguinte: «A resposta positiva a 15) adveio do teor da mensagem de WhatsApp, devidamente traduzida e junta com a petição inicial, que aqui se dá por integralmente reproduzida, conjugada com as declarações prestadas pela Ré, que confrontada com a mesma, a confirmou, tendo inclusive esclarecido, de forma calma e que se nos afigurou sincera, o que em concreto pretendeu dizer com a referida mensagem.»
Analisando a impugnação, a mesma improcede uma vez que a redação do ponto 15 dos factos provados corresponde ao alegado pelos Autores nos artigos 12.º a 15.º da p.i., e que remete, em termos de prova, precisamente para o doc. 3, que corresponde às mensagens de SMS trocadas entre a Ré e o 3.º Autor, facto reconhecido pela Ré em sede de julgamento.
Nestes termos, a factualidade dada como provada corresponde ao alegado e ao modo como o foi, encontrando-se a mesma provada pelo referido documento e depoimento de parte da Ré, acrescentando-se, ademais, que os documentos servem para provar os factos alegados e não o inverso.
Acrescentando-se, ainda, que a redação proposta pelos Apelantes insere vários elementos valorativos dos factos relatados nas mensagens em causa que extravasam o relato factual que as mesmas inserem, o que sempre determinaria a não alteração da decisão de facto como pretendido.
Assim, improcede a impugnação quanto ao ponto 15 dos factos provados.

Também pretendem os Apelantes que seja aditado aos factos provados a factualidade que referem na Conclusão 14, com a seguinte redação:
“Na sequência do testamento as matrizes prediais urbanas das frações autónomas foram inscritas em propriedade plena a favor da ré e da herança aberta por morte de FF na proporção de 1/6 para a primeira e 5/6 para a segunda.”
Para o efeito invocam o teor das cadernetas prediais juntas com a p.i. onde constam as inscrições nas matrizes nos termos acima referidos.
A impugnação não tem qualquer razão de ser, pois não está controvertido nesta ação como se encontram inscritos nas respetivas matrizes prediais os prédios urbanos após o falecimento do de cujus.
Mesmo na perspetiva da interpretação da deixa testamentária por parte das finanças, a inclusão dessa matéria é irrelevante para a presente causa, pois a interpretação da vontade do testador tem de ser aferida pelo tribunal em face do testamento e não do modo como outras entidades públicas o interpretaram.
Nestes termos, improcede o pedido de aditamento desta factualidade à decisão de facto.

Também impugnam os Apelantes o ponto 12 dos factos provados pretendendo a redação da sua alteração e que a matéria das alíneas a), b), c), d), e), f), h) e i) dos factos não provados passe a constar dos factos provados com a redação que mencionam na Conclusão 52.
Invocam para o efeitos os meios de prova que vão referindo ao longo das Conclusões 17 a 51, invocando mais concretamente, o registo clínico do falecido, as declarações/depoimento de parte da Ré, os depoimentos dos médicos GG (que assistiu o falecido) e HH (que reviu o processo clínico após o falecimento).
Basicamente, defendem os Apelantes que a prova correspondente ao registo clínico, em parte com base nas informações prestadas pela Ré, e a decorrente dos depoimentos dos referidos médicos, pelo que deveria ter sido dado como provado que: (i) o consumo excessivo de benzodiazepinas pelo falecido agravavam a insuficiência respiratória de que padecia; (ii) alteração do estado de consciência por essa razão por a dita medicação lhe causar sonolência e flutuações de consciência, prostração, dificuldade de andar e de se alimentar (o que, acrescentam, também decorre também dos SMS trocadas entre a Ré e o 3.º Autor); (iii) que nos dias anteriores ao internamento hospitalar se encontrava incapaz para reger a sua pessoa e bens, presumindo-se também tal suceder no dia em que assinou o testamento (contrariamente ao que foi o testemunho da Sr.ª Notária).
Na fundamentação da decisão de facto em relação ao ponto 12 dos factos provados (em conjunto com outros), consta o seguinte: «No que tange a 7), 10), 11), 12), 13), 14), resultou do teor das declarações prestadas pela Ré, conjugadas com as prestadas pelo Autor CC, sendo que ambos confirmaram tais factos.»
O ponto 12 dos factos provados tem a seguinte redação: «12. Porque era médico reformado, prescrevia a si próprio, medicamentos não concretamente apurados, e em quantidades não concretamente apuradas, que lhe aliviavam as dores.», pretendendo os Apelantes que a redação passe a ser a seguinte: «12. Porque era médico reformado, prescrevia a si próprio, medicamentos.»
A impugnação não procede, porquanto foram os próprios Autores que no artigo 10.º da p.i. alegaram:«10º- Porque era médico reformado, prescrevia a si próprio Clomipramina e Alprazolam que lhe aliviavam as dores (…) », ou seja, foi alegado que o falecido prescrevia a si próprio vários medicamentos, tendo até os Autores concretizado os nomes dos mesmos (o que não lograram demonstrar), tendo também alegado no artigo 17.º da p.i., com base nas informações que receberam da Ré, que o falecido «(…) tomava grandes quantidades de medicamentos (…)».
Factos estes que a Ré não desmente quando no artigo 14.º da contestação, alegou reportando-se à medicação que o falecido tomava: «(…) cuja composição, quantidades e momentos de toma, se desconhece em absoluto (…).»
Ademais, e como se refere na fundamentação da decisão de facto, decorre das declarações de parte do Autor CC que o pai, até à data da morte, prescrevia a si próprio medicamentos e que comprava muitos medicamentos, ou seja, também deste depoimento (que os Apelantes omitem na impugnação) decorre o que ficou a constar da redação do ponto 12 dos factos provados, improcedendo, assim, a respetiva impugnação.
No que concerne aos factos não provados e impugnados, consta da fundamentação da decisão de facto:
«Quanto a b), importa referir que, não obstante constar do relatório de urgência, tal surge como mera indicação, uma vez que não foi feita prova suficiente de quais eram os concretos medicamentos que FF tomava, uma vez que nem a Ré (que o acompanhava), nem o Autor, o conseguiram confirmar.
Quanto a c), d), e), f), e h), resultou da total ausência de prova no sentido da sua verificação, desde logo porque não foi feita prova da quantidade de medicamentos e quais em concreto que FF tomava, nem os que tomou nos dias que antecederam a sua morte. Mais, porque a hipótese de o estado em que se encontrava no dia em que foi internado no Hospital, advir da toma excessiva de benzodiazepinas, foi apenas um dos possíveis diagnósticos traçados pelos médicos, de entre vários. E também porque foi referido pelas diversas testemunhas, médicos de profissão (remetendo-se para os depoimentos melhor referidos supra), que, caso a toma excessiva daquele medicamente lhe causasse alteração do estado de consciência, tal era percetível por qualquer pessoa que contatasse com o mesmo e que, como se verificou, com exceção do dia em que esteve internado no hospital e que antecedeu a sua morte, nunca aconteceu. E, finalmente, porque todos os médicos ouvidos neste Tribunal (além das restantes testemunhas), e até o próprio Autor (que mencionou que o seu pai interrogava-se do motivo pelo qual tinha aquela doença, dizendo porquê eu?, o que denota o estado de consciência em que se encontrava), foram unânimes em referir que a doença degenerativa neuro muscular de que padecia FF não lhe afetava o estado cognitivo, e por isso a sua consciência e o seu discernimento.
Quanto a g), resultou do facto de não se ter feito prova de que assim era, pois, não obstante se ter verificado que FF tinha dificuldade em se deslocar, a verdade é que ainda se deslocava na via publica pelos seus meios, com auxilio de uma bengala. Quanto à falta de determinação, remete-se para a motivação a propósito dos factos anteriores.
A resposta negativa dada a i) adveio do facto de não se ter provado que assim foi, pelo menos, não no sentido pretendido pelos Autores, pois, e a título de exemplo, veja-se que na nota de alta do serviço de internamento de medicina junta com a petição inicial, na página 2, na história clínica, relativo à noite de 20-21, consta “Doente muito apelativo durante a noite a solicitar continuamente alprazolam. Recusou colheita de análises de manhã. Mal cheguei ao serviço insistiu-me para lhe administrar alprazolam 1 mg.e assim o fiz. Agora mais sonolento mas facilmente despertável.ACP.coração rítmico a boa frequência. Plegia do MSE com alguma edema. O doente veio a falecer no dia 21.03”, o que significa que este estado de prostração que os Autores pretendem fazer provar, mais não foi do que um momento na vida de FF, pouco tempo antes de falecer e já em contexto hospitalar.
E também não se diga que podia ter uma consciência flutuante, pois, com exceção do seu estado de saúde em contexto hospitalar e de serviço de urgência, nenhuma outra prova foi feita.»
Como se pode ler das Conclusões do recurso que se reportam à impugnação deste segmento da decisão de facto, os Apelantes não fazem uma impugnação alínea por alínea, referenciando em relação a cada uma delas, os meios de prova que impunham decisão diversa, com referenciação das concretas passagens das gravações da prova gravada como é seu ónus em face do disposto no artigo 640.º, n.ºs 1 e 2, alíneas a) a c) e n.º 2, do CPC.
Optaram, ao invés, por mencionarem o que, no seu entender, consta do registo clínico e realçar aspetos do depoimento de parte da Ré e dos depoimentos das testemunhas GG e HH, centrando-se na fita do tempo do período do internamento, para concluírem que se provaram os factos dados como não provados, embora com a redação que apresentam na Conclusão 52, ponto 2, alíneas a) a i) e que não corresponde exatamente aos factos dados como não provados nas mencionadas alíneas, introduzindo outra factualidade ou alterando a ali mencionada.
Ora, esta forma de impugnação não cumpre os ónus de impugnação previstos no preceito supra citado.
O STJ tem proferido inúmeros acórdãos onde analisa o modo como deve ser interpretado o disposto no artigo 640.º do CPC no que diz respeito ao acatamento dos ónus ali previstos por parte do impugnante, existindo uma nítida evolução jurisprudencial no sentido da interpretação do normativo, como se colhe dos seguintes arestos:
- Ac. STJ, de 21-03-2023, cujo sumário tem o seguinte teor:
«O facto de o recorrente, ter indicado os concretos pontos de facto que considerava incorrectamente julgados, sem os relacionar com cada um dos meios de prova, com cada uma passagens relevantes dos meios de prova gravados, ou com a transcrição de cada uma das passagens relevantes dos meios de prova gravados prejudica a inteligibilidade do fim e do objecto do recurso e, em consequência, a possibilidade de um contraditório esclarecido.»;
- Ac. STJ, de 21-03-2023, cujo sumário tem o seguinte teor:
«O facto de o recorrente não ter indicado os concretos pontos de facto que considerava incorrectamente julgados, pretendendo relacionar, em bloco, um conjunto de documentos e de depoimentos com o conjunto dos factos dados como não provados, prejudica a inteligibilidade do fim e do objecto do recurso e, em consequência, a possibilidade de um contraditório esclarecido.»
- Ac. STJ, de 25-05-2023, cujo sumário é o seguinte:
«Numa interpretação do artigo 640.º do Código de Processo Civil em termos adequados à função e conformes com os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, para que possa considerar-se observado o ónus da impugnação é preciso que, através das indicações do recorrente dos concretos pontos de facto impugnados e dos meios de prova relevantes para cada um, fique assegurada a inteligibilidade do fim e do objecto do recurso e, em consequência, a possibilidade de um contraditório esclarecido.»
No aresto do STJ proferido em 21-03-2023, já citado[5], lê-se na sua fundamentação:
«O Supremo Tribunal de Justiça tem distinguido um ónus primário e um ónus secundário — o ónus primário de delimitação do objecto e de fundamentação concludente da impugnação, consagrado no n.º 1, e o ónus secundário de facilitação do acesso “aos meios de prova gravados relevantes para a apreciação da impugnação deduzida”, consagrado no n.º 2.
(…) O ónus primário de delimitação do objecto e de fundamentação concludente da impugnação, consagrado no n.º 1, analisa-se ou decompõe-se em três:
Em primeiro lugar, “[o] recorrente deve indicar sempre os concretos pontos de facto que julgou incorrectamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões” [6]. Em segundo lugar, “deve […] especificar, na motivação, os meios de prova que constam do processo ou que nele tenham sido registados que […] determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos” [7]. Em terceiro lugar, deve indicar, na motivação, “a decisão que deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas” [8].
(…) O critério relevante para apreciar a observância ou inobservância dos ónus enunciados no art. 640.º do Código de Processo Civil — logo, da observância ou inobservância do ónus primário de delimitação do objecto — há-de ser um critério adequado à função [9], conforme aos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade [10] [11].
(…) O requisito de que o critério seja adequado à função coloca em evidência que os ónus enunciados no art. 640.º pretendem garantir uma adequada inteligibilidade do fim e do objecto do recurso [12] e, em consequência, facultar à contraparte a possibilidade de um contraditório esclarecido [13]. Os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade pronunciam-se sobre a relação entre a gravidade do comportamento processual do recorrente — inobservância dos ónus do art. 640.º, n.ºs 1 e 2 — e a gravidade das consequências do seu comportamento processual: a gravidade do consequência prevista no art. 640.º, n.ºs 1 e 2 — rejeição do recurso ou rejeição imediata do recurso — há-de ser uma consequência adequada, proporcionada e razoável para a gravidade da falha do recorrente [14].
(…) Entre os corolários dos requisitos de que o critério seja adequado à função e conforme aos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade está o de que “a decisão de rejeição do recurso […] não se deve cingir a considerações teoréticas ou conceituais, de mera exegética do texto legal e dos seus princípios informadores, mas contemplar também uma ponderação do critério legal […] face ao grau de dificuldade que [a inobservância dos ónus do art. 640.º] acarrete para o exercício do contraditório e para a própria análise crítica por parte do tribunal de recurso” [15].[6]»

Seguindo esta interpretação quanto aos requisitos da impugnação da decisão de facto, e voltando a nossa análise para o recurso dos Apelantes, não nos suscita qualquer dívida que os recorrentes indicaram os concretos pontos de facto que consideravam incorretamente julgados, referenciando-o no corpo da alegação e nas conclusões, e indicaram nas conclusões a decisão que deveria ter sido proferida.
Porém, e salvo o devido respeito por opinião contrária, não cumpriram o ónus de fundamentação concludente da impugnação.
Como decorre do artigo 640.º, n.º 1, al. b), do CPC, o impugnante deve relacionar cada um dos concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados com cada um dos meios de prova relevantes.
Como se refere o Acórdão do STJ proferido em 25-05-2023, supra citado, a propósito do incumprimento do dever de relacionar cada um dos concretos pontos de facto incorretamente julgador com cada um dos meios de prova relevantes, apresentando-se, ao invés, uma impugnação por blocos de factos e sem a consequente discriminação de cada meio de prova em relação a cada facto impugnado:
«Sucede que esta circunstância inviabiliza a compreensão clara do fim e do objecto do recurso e, em consequência – o que é de destacar –, prejudica a possibilidade de um contraditório esclarecido[12] .
Confirma-se, em suma, a inobservância do ónus de fundamentação concludente da impugnação, o que, numa interpretação do artigo 640.º do Código de Processo Civil em termos adequados à função e conformes com os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, determina a rejeição da impugnação[13][7]

No caso sub judice, os recorrentes em vez de relacionar especificadamente cada um dos concretos pontos de facto que consideravam incorretamente julgados com cada um dos meios de prova que invocam, optaram por indicar, em bloco, todos os concretos pontos de facto que consideravam incorretamente julgados e relacionaram-nos, também em bloco, com aqueles meios de prova, ou seja, não discriminaram cada facto impugnado e a respetiva prova que, no seu entender, impunha decisão diferente da proferida.
Ora, o modo como os recorrentes impugnaram este segmento da decisão de facto, por um lado, coloca em causa a possibilidade da parte contrária exercer um contraditório esclarecido e, por outro lado, transpõe para o julgador que reaprecia a prova, o ónus de identificar e procurar não só os meios de prova que, em relação a determinada e concreta factualidade, impunham decisão diversa, como ainda o de perscrutar quais os segmentos relevantes do(s) depoimento(s) que militam no sentido propugnado pelos recorrentes em relação a cada facto, impondo com tal conduta um grau de dificuldade excessivo e desadequado à reapreciação da decisão de facto. Ou seja, o incumprimento do ónus de relacionar os concretos meios de prova com os concretos pontos impugnados, situando os depoimentos com exatidão nas passagens da gravação, tem consequências manifestamente graves, pelo que não pode deixar de conduzir à rejeição do recurso quanto a este segmento da impugnação.
Mas mesmo que assim não se entendesse, e à cautela, sempre se dirá que a impugnação nunca poderia proceder, porquanto os Apelantes fazem tábua rasa da fundamentação expressa na decisão de facto quanto à não prova dos concretos medicamentos e quantidades que o falecido prescrevia a si próprio como já se referiu a propósito da impugnação do ponto 12 dos factos provados, bem como do depoimento da Sr.ª Notária que lavrou o testamento e da patente inexistência de prova quanto à afetação das capacidades cognitivas do testador quando assinou o testamento, prova que competia aos Apelantes e que os mesmos não lograram fazer (artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil).
Sendo que do estado clínico do falecido à data do internamento e do óbito, posterior, embora contemporâneo da assinatura do testamento, não se pode inferir com a necessária segurança que, no momento em que foi assinar o testamento, estivesse afetado ou diminuído nas suas capacidades cognitivas, ainda que acidental e momentaneamente, ou seja, que estivesse afetado na sua capacidade de querer e decidir. Seria sempre necessário que os Autores lograssem provar que, naquele concreto momento, as doenças que acometiam o testador e/ou os medicamentos que tomava o impediam de consciente e voluntariamente declarar a sua vontade. Mas na verdade, não resulta da prova que, nessa altura, tivesse o seu estado de consciência alterado ou diminuído.
Donde, também por este prisma da análise da impugnação, a mesma não poderia proceder.

Já em relação ao ponto 16 dos factos provados, a alegação dos Apelantes é assertiva e não pode deixar de ser atendida.
Consta deste ponto o seguinte: «16. Quando no testamento referido em 2) se referiu “Lega a quota disponível dos seus bens”, foi o mesmo que dizer “deixa a quota disponível dos seus bens”
O modo como este ponto se encontra escrito, sobretudo quando refere «foi o mesmo que dizer», tem caráter nitidamente conclusivo encerrando já um juízo apreciativa e valorativo, ou seja, um juízo de direito, não de facto, donde deve este ponto ser expurgado dos factos provados, por não ter estritamente essa natureza, como é imposto pelo disposto no artigo 607.º, n.º 4, do CPC.
Nestes termos, procede este segmento da impugnação, eliminando-se dos factos provados o ponto 16.

2. Anulação do testamento por incapacidade acidental
Alegam os Apelantes que «Na sequência da impugnação da matéria de facto, entendem os recorrentes encontrar-se demonstrada uma situação de incapacidade acidental por consumo excessivo de benzodiazepinas com efeitos no estado de consciência do testador e na manifestação de uma vontade sã, situação que preenche os requisitos da anulabilidade do testamento previstos no artigo 2199º do Código Civil.» (Conclusão 55).
Não tendo sido alterada a decisão de facto quanto aos pontos impugnados, sendo que a eliminação do ponto 16 dos factos provados apenas releva para a questão da interpretação da deixa testamentária, improcede esta Conclusão do recurso.

3. Nulidade da deixa testamentária
Alegam os Apelantes que «não se fez qualquer prova sobre qual foi a vontade manifestada pelo testador: instituir um legado ou instituir a ré herdeira da quota disponível» (Conclusão 56), sublinhando que «o artigo 238º do Código Civil no texto dos negócios formais não pode a declaração valer com um sentido que não tenha o mínimo de correspondência no texto do documento, salvo no caso do testamento, mas é então necessário provar qual a vontade efectiva do testador» (Conclusão 62) e que «No caso dos presentes autos, não pode, sem mais, afastar-se a prova de qual tenha sido essa vontade através de uma conclusão inserta no elenco dos factos provados, ainda por cima cujo rigor jurídico é reconhecidamente frágil, até pela sentença.» (Conclusão 63).
Vejamos, então, se lhes assiste razão.
A eliminação do ponto 16 dos factos provados determina que não se possa corroborar a fundamentação da sentença na parte em que se baseia nesse ponto para interpretar a vontade do testador.
Decorre do artigo 2188.º do Código Civil que «Podem testar todos os indivíduos que a lei não declare incapazes de o fazer» e, por sua vez, o artigo 2191.º estipula que «A capacidade do testador determina-se pela data do testamento.»
Os artigos 2192.º a 2199.º do Código Civil estabelecem os casos de indisponibilidade relativa, cominando com o vício de nulidade as disposições feitas às pessoas ali mencionadas ou nos termos ali referidos.
Os artigos 2199.º a 2203.º do Código Civil prescrevem sobre a falta e vícios da vontade que determinam a anulação do testamento.
No caso em apreço, ficou provado, para além da existência do testamento, que o testador à data do mesmo dispunha de capacidade para emitir tal declaração de vontade, o que afasta a aplicação dos artigos 2192.º a 2199.º do Código Civil, conforme já supra tinha sido referido.
Por outro lado, a situação factual descrita nos autos também não se enquadra nos pressupostos dos artigos 2192.º a 2198.º do Código Civil.
Resta, assim, interpretar a vontade do testador expressa no testamento.
Para esse efeito, dispõe o artigo 2187.º do Código Civil os princípios que presidem à interpretação dos testamentos, dispondo do seguinte modo:
«1. Na interpretação das disposições testamentárias observar-se-á o que parecer mais ajustado com a vontade do testador, conforme o contexto do testamento.
2. É admitida a prova complementar, mas não surtirá efeito a vontade do testador que não tenha no contexto do testamento um mínimo de correspondência, ainda que imperfeitamente expressa.»
Como emerge do preceito, o legislador deu relevância à vontade do testador apurada em face do contexto do testamento, não prevalecendo aquela que não tenha um mínimo de correspondência com esse contexto, adotando claramente uma interpretação subjetivista, posição oposta à prevista para os negócios jurídicos em geral no artigo 236.º do Código Civil (teoria da impressão do destinatário) de pendor objetivista.
De acordo com Galvão Telles[8], no artigo 2187.º do Código Civil há quatro traços fundamentais que regem a interpretação do testamento: (i) deu-se relevância à vontade do autor do testamento (interpretação subjetivista); (ii) atende-se ao contexto de todo o testamento e não apenas a cada deixa testamentária para se averiguar a intenção do testador; (iii) o texto do testamento foi desconsiderado em face do contexto do mesmo; (iv) admitiu-se a prova complementar (cfr. artigos 394.º a 396.º do Código Civil) que possa contribuir ou esclarecer a vontade do testador, mas, e ainda assim, daí não pode emergir uma interpretação da vontade do testador que não tenha um mínimo de correspondência no contexto do testamento, ainda que imperfeitamente expressa.
Assim, na interpretação do testamento releva a verdadeira vontade do testador, ou seja, há que procurar perceber qual o sentido mais ajustado à intenção do testador não apenas em face do texto mas do contexto em que foi elaborado o testamento.
No caso em apreço, o testamento foi lavrado em Cartório Notarial, no dia 18-03-2021, sendo um testamento público, tendo comparecido perante a notária o outorgante FF, que declarou «que tem herdeiros legitimários e que faz o seu testamento, que é o primeiro, do seguinte modo: Lega a quota disponível dos seus bens a EE (…).»
Trata-se da única deixa testamentária, nada mais constando do testamento para além da identificação das testemunhas e das assinaturas dos intervenientes.
A vontade do testador é inequivocamente a de contemplar no testamento a referida EE. A menção à existência de «herdeiros legitimários» e à «quota disponível» indicia que o testador sabia que EE não era sua herdeira e que não podia deixar todos os seus bens à referida EE, mas apenas a parte dos bens de que podia dispor, fazendo, assim, sentido que mencione que a deixa se reporta à quota disponível, ou seja, à quota parte da herança que o testador pode deixar a quem quiser, deixando, assim, intocável a quota indisponível (ou legítima) que, no caso, teria de ser repartida entre o cônjuge sobrevivo e os descendentes (filhos) do testador (artigos 2156.º a 2158.º do Código Civil).
Argumentam, porém, os Apelantes que ao constar do testamento o termo «lega» significa que a vontade do testador foi a de instituir um legado e não a de instituir a Ré como herdeira da quota disponível.
Efetivamente, o testador poderia ter instituído um legado (de bens ou valores determinados) ou constituir a Ré como herdeira da parte de que podia dispor (artigo 2030.º, n.ºs 1 e 2, do Código Civil).
Como acima referido, não é o elemento literal que deve prevalecer na interpretação do testamento, mas sim a procura da vontade do testador em face do contexto que existia à data da celebração do testamento.
No caso, não eram os Autores que cuidavam do falecido, que faleceu com 82 anos, sofrendo de várias doenças que o debilitavam fisicamente e lhe causavam dependência de terceiros (pontos 7 a 11 dos factos provados). A Ré era a pessoa que há muito tempo cuidava do falecido e tinha sido por ele escolhida para dele cuidar (ponto 14 dos factos provados).
É nesse contexto que o testamento é celebrado e que não pode ser ignorado na procura da vontade do testador.
Este ao mencionar no testamento que tem herdeiros legitimários e ao dispor da sua quota disponível a favor da Ré, evidencia que é sua vontade que o acervo hereditário também seja distribuído à Ré, ou seja, coloca-a em posição semelhante à dos seus herdeiros legitimários.
A deixa testamentária ao mencionar «quota disponível» e ao não mencionar os concretos bens que eram legados, também indica claramente que, apesar da errada terminologia jurídica, a vontade do testador foi a de contemplar a Ré como beneficiária da sua herança (como herdeira) e não apenas de determinados bens (como legatária).
O que também decorre da lei por o artigo 2030.º, n.º 3, do Código Civil estipular que «É havido como herdeiro o que sucede no remanescente dos bens do falecido, não havendo especificação destes.»
Competia aos ora Apelantes provar que a vontade do testador foi a de instituir a Ré como legatária e não como herdeira (artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil), o que, manifestamente, não lograram provar, em face do teor do testamento e do contexto em que o mesmo foi outorgado.
Em face de todo o exposto, não procede a apelação, mantendo-se o decidido na sentença recorrida.

Responsabilidade tributária:
Dado o decaimento, as custas ficam a cargo dos Apelantes (artigo 527.º do CPC), sendo a taxa de justiça do recurso fixada pela tabela referida no n.º 2 do artigo 6.º do RCP.

III- DECISÃO
Nos termos e pelas razões expostas, acordam em julgar improcedente a apelação, confirmando a sentença recorrida.
Custas nos termos sobreditos.
Évora, 14-09-2023
Maria Adelaide Domingos (Relatora)
Manuel Bargado (1.º Adjunto)
Maria João Sousa e Faro (2.ª Adjunta)

__________________________________________________
[1] Na redação do peticionado levou-se em conta o Requerimento dos Autores de 06-07-2022, com a Ref.ª 42792486 e o despacho proferido em 29-09-2022, com a Ref.ª 125521138.
[2] Proferido no proc. 296/19.4T8ESP.P1.S1, em www.dgsi.pt
[3] Proferido no proc. 2947/17.6T8LSB.L1.S1, em www.dgsi-pt
[4] Proferido no processo 6713/19.6T8GMR.G1.S1, em www.dgsi.pt
[5] Proferido no proc. 296/19.4T8ESP.P1.S1. (Nuno Pinto de Oliveira), em www.dgsi.pt
[6] As notas de rodapé do aresto citado têm o seguinte conteúdo:
[6] Cf. António dos Santos Abrantes Geraldes, anotação ao art. 640.º, in: Recursos no novo Código de Processo Civil, cit., pág. 165.
[7] Cf. António dos Santos Abrantes Geraldes, anotação ao art. 640.º, in: Recursos no novo Código de Processo Civil, cit., pág. 165.
[8] Cf. António dos Santos Abrantes Geraldes, anotação ao art. 640.º, cit., in: Recursos no novo Código de Processo Civil, pág. 166.
[9] Vide, p. ex., os acórdãos do STJ de 31 de Maio de 2016 — processo n.º 889/10.5TBFIG.C1-A.S1 —, de 2 de Junho de 2016 — processo n.º 725/12.8TBCHV.G1.S1 — e de 14 de Dezembro de 2017 — processo n.º 2190/03.1TBPTM.E2.S1.
[10] Vide, p. ex., na jurisprudência das Secções Cíveis, os acórdãos do STJ de 31 de Maio de 2016 — processo n.º 889/10.5TBFIG.C1-A.S1 —, de 8 de Fevereiro de 2018 — processo n.º 8440/14.1T8PRT.P1.S1 —, de 11 de Julho de 2019 — processo n.º 121/06.6TBOBR.P1.S1 —ou de 3 de Outubro de 2019 — processo n.º 77/06.5TBGVA.C2.S2 — e, na jurisprudência da Secção Social, os acórdãos do STJ de 11 de Setembro de 2019 — processo n.º 42/18.0T8SRQ.L1.S1 — ou de 6 de Novembro de 2019 — processo n.º 1092/08.0TTBRG.G1.S1.
[11] Como sintetiza António dos Santos Abrantes Geraldes, “… o Supremo tem realçado a necessidade de extrair do texto legal soluções capazes de integrar os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, dando prevalência aos aspectos de ordem material” (anotação ao art. 640.º, in: Recursos no novo Código de Processo Civil, cit., pág. 174).
[12] Cf. acórdão do STJ de 22 de Março de 2018 — processo n.º 290/12.6TCFUN.L1.S1 —, em que se diz que “os requisitos formais de admissibilidade da impugnação da decisão de facto, mormente os constantes do artigo 640.º, n.º 1, alíneas a) e c), do CPC, têm em vista, no essencial, garantir uma adequada inteligibilidade do objecto e alcance teleológico da pretensão recursória”.
[13] Expressão dos acórdãos do STJ de 15 de Fevereiro de 2018 — processo n.º 134116/13.2YIPRT.E1.S1 — e de 22 de Março de 2018 — processo n.º 290/12.6TCFUN.L1.S1.
[14] Vide, p. ex., António Santos Abrantes Geraldes / Paulo Pimenta / Luís Filipe Pires de Sousa, anotação ao art. 640.º, in: Código de Processo Civil anotado, vol. I — Parte geral e processo de declaração (artigos 1.º a 702.º), cit., pág. 770.
[15] Cf. acórdão do STJ de 15 de Fevereiro de 2018 — processo n.º 134116/13.2YIPRT.E1.S1.
[7] As notas 12 e 13 do acórdãos têm o seguinte teor:
«[12] Cfr., em termos semelhantes, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 6 de Maio de 2021 (Proc. 618/18.5T8BJA.E1.S1). Veja-se ainda o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14.01.2021 (Proc. 1121/13.5TVLSB.L2.S1), em que se admitiu a impugnação em bloco da factualidade, se adverte: “[n]ecessário é, que seja compreensível quais os meios de prova e quais as razões pelas quais o impugnante sustenta que o resultado da prova, relativamente a esses factos, deve ser alterado”.
[13] Como diz Abrantes Geraldes (Recursos no novo Código de Processo Civil, cit., p. 167), “pretendendo o recorrente a modificação da decisão de um tribunal de 1.ª instância e dirigindo essa pretensão a um tribunal superior, que nem sequer intermediou a produção de prova, é compreensível uma maior exigência no que concerne à impugnação da matéria de facto, impondo, sem possibilidade de paliativos, regras muito precisas”.»
[8] O artigo 2187.º do Código Civil tem como fonte o artigo 190º do Anteprojeto do Código Civil. Cfr. TELLES, INOCÊNCIO GALVÃO, Sucessão testamentária, Coimbra Editora, 2006, p. 24.