Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | MANUEL BARGADO | ||
Descritores: | ACESSO AO DIREITO FALTA DE CITAÇÃO PROCURAÇÃO FORENSE NULIDADE DA FALTA DE CITAÇÃO SANAÇÃO DA NULIDADE | ||
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Data do Acordão: | 10/22/2020 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Sumário: | Tendo presente a realidade social, económica e a própria evolução tecnológica, inclusivamente na dimensão do acesso ao direito através do recurso a ferramentas informáticas, no domínio da Tramitação Eletrónica dos Processos Judiciais preconizada pela Portaria nº 280/2013, de 26.08, não é legítimo concluir-se que a mera apresentação de uma procuração, que é condição de acesso ao sistema eletrónico e constitui pressuposto de qualquer atuação processual futura, implica a sanação de eventual falta de citação de uma das partes e preclude a posssibilidade de suscitar a respetiva nulidade. (sumário do relator) | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora I - RELATÓRIO No Juízo de Execução de Setúbal – Juiz 2, em execução com processo comum para pagamento de quantia certa instaurada por C…, S.A. contra N…, veio este arguir a sua falta de citação, requerendo que se declare nulo todo o processado posterior à falta de citação e que seja determinada a citação do executado na morada da sua atual residência na Holanda. Sobre este requerimento recaiu despacho a indeferir o requerido, com fundamento em suprimento da nulidade de falta de citação. Inconformado, o executado apelou do assim decidido, tendo finalizado a respetiva alegação com as conclusões que se transcrevem: «a) Em 25/01/2019 a exequente interpôs a presente acção executiva, para pagamento de quantia certa, contra o executado, ora recorrente; b) Em 02/04/2019 o executado juntou aos autos a procuração forense passada ao advogado signatário; c) Em 18/04/2019 o mandatário do executado/recorrente informa o Sr. Agente de Execução que o executado se encontra a residir no estrangeiro e indica a morada da residência do mesmo, para efeitos de citação; d) Em 06/05/2019 o Sr. Agente de Execução efectuou a citação do executado, na pessoa do seu mandatário; e) Em 26/09/2019 o ora recorrente deduziu incidente de falta de citação (art, 188º, nº 1, al. a) do CPC), requerendo que fosse considerado nulo todo o processado posterior à falta de citação e que fosse ordenada a citação do executado na morada da sua actual residência; f) Tendo os autos sido conclusos ao Mmo. Juiz a quo, foi proferido despacho que indeferiu o incidente de falta de citação, com o argumento de que “a apresentação do requerimento de junção da procuração forense, sem que o executado arguisse logo a falta de citação, sana aquela nulidade e convalida o acto de citação”, pelo que se decidiu “considerar sanada a nulidade de citação do executado e considerar também a citação “quase pessoal” do executado efectuada”; g) Ora, salvo o devido respeito e melhor opinião, não pode o ora recorrente concordar com a decisão proferida pelo Mmo. Juiz a quo; h) No caso sub judice a citação do executado foi realizada na pessoa do seu mandatário, mas sem que o mesmo tivesse poderes para o acto; i) O incidente de falta de citação deve ser arguido aquando da primeira intervenção do citando no processo (cfr. art. 189º do CPC), independentemente da data em que se teve conhecimento do vício, situação que - no caso em apreço - ocorreu através do requerimento do executado/recorrente de 26/09/2019; j) Todavia, apesar de no despacho recorrido se reconhecer que “patenteada está que a citação foi feita na pessoa do ilustre advogado do executado, mas sem poderes para o acto” e que a “falta da citação tem o mesmo efeito que a falta de citação do executado”, o Mmo Juiz a quo entendeu que tendo em conta que “o executado teve a sua primeira intervenção processual nos presentes autos, ainda antes da data em que arguiu a nulidade de citação, demonstrando pleno conhecimento dos elementos essenciais do processo (…)” a nulidade encontra-se sanada nos termos do artigo 189º do CPC; k) Não se pode concordar com tal entendimento; I) Em primeiro lugar, importa referir que não é verdade que o executado/ recorrente (ou os seus mandatários) tinha ou passasse a ter “pleno conhecimento dos elementos essenciais do processo” aquando da junção da procuração forense aos autos, visto que esses “elementos essenciais” estavam ocultos para efeitos de visualização eletrónica no sistema citius, tal como estipula o artigo 164º, nº 2 do CPC e é praxis da secretaria do juízo de execução e assim permaneceram até ter sido junto aos autos a nota citação do executado efectuada na pessoa do seu mandatário; m) Por outro lado, a simples junção autos de uma procuração forense pelo executado não configura qualquer “intervenção processual” da sua parte no processo e nem dela se pode extrair a conclusão de que o mesmo tomou conhecimento do seu processado, por forma a ficar em condições de assegurar o seu efetivo direito de defesa (neste sentido vd. Ac. TRC de 24/04/2018); n) De facto, atenta a gravidade da cominação imposta na norma em causa (art. 189º do CPC), o saneamento do vício pressupõe sempre e obrigatoriamente uma atuação ativa no processo por parte do executado, através da prática ou intervenção de acto judicial, que lhe permita tomar pleno conhecimento de todo o processado; o) Uma interpretação em sentido contrário (tal como foi seguida pelo Mmo. Juiz a quo) colide com o princípio de tutela jurisdicional efetiva e do acesso aos Tribunais (consagrado no artº. 20º da CRP) e bem assim com o princípio da tutela da confiança que decorre do princípio do Estado de Direito Democrático também consagrado no artº. 2º da mesma Lei fundamental; p) Face ao supra exposto, deve considerar-se que a primeira intervenção processual do executado/recorrente ocorreu através do requerimento de 26/09/2019 (no qual arguiu o incidente da falta de citação do executado) e não quando juntou a procuração forense aos autos em 02/04/2019; q) Quanto ao facto de o executado/recorrente ter "invocado aquele vício, já no decurso das diligências de venda", importa dizer que esse circunstancialismo não releva para o efeito ele ser sanada a nulidade; r) De facto, este vício pode ser arguido cm qualquer estado do processo, enquanto não deva considerar-se sanado, sendo certo que no caso em apreço o executado/recorrente o fez atempadamente nos termos dos artigos 198º, nº 2 e 851º, nº 1 do CPC e validamente de harmonia com o artigo 189º do CPC; s) Relativamente ao entendimento (plasmado no despacho recorrido) de considerar “a citação “quase pessoal” do executado efectuada”, importa relembrar que as modalidades da citação de pessoas singulares estão definidas no art. 225º do CPC e, salvo melhor entendimento ou opinião, não se vislumbra a possibilidade de realizar citações “quase pessoais”, mas sim citações pessoais e/ou citações editais (cfr. art. 225º, nº 1 do CPC); t) Finalmente, impõe-se ainda referir que - após ter tomado conhecimento do “incidente de falta de citação” deduzido pelo ora recorrente - o Sr. Agente de Execução penitenciou-se pelo erro cometido e informou os autos que remeteu a citação (via postal) para a morada do executado na Holanda, por forma a sanar a nulidade de falta de citação (vd. notificação de 14/10/2019); u) Em suma, ao decidir da forma como o fez, o Mmo. Juiz a quo violou o disposto nos artigos 188º, nº 1, al. a), 189º, 198º, nº 2, 225º, nºs 1,2 e 5 e 851º, nºs 1 e 2 do CPC e os princípios da tutela jurisdicional efetiva e do acesso aos Tribunais (artº. 20º da CRP) e da tutela da confiança que decorre do princípio do Estado de Direito Democrático (artº. 2º CRP); v) A consequência legal da falta de citação do executado é clara e implica que seja declarado nulo todo o processado posterior ao requerimento executivo, conforme dispõem os artigos 187º e 851º, nº 2 do CPC; w) Face ao supra exposto, deve o despacho em crise ser revogado, e julgar-se o incidente de falta de citação arguido pelo executado/recorrente procedente, por provado, com as legais consequências.» Não foram apresentadas contra-alegações. Dispensados os vistos, cumpre apreciar e decidir. II – ÂMBITO DO RECURSO Sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações, sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso (arts. 608º, nº 2, 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do CPC), a questão a decidir consubstancia-se em saber se está ou não sanada a falta de citação do executado efetuada na pessoa do seu mandatário. III – FUNDAMENTAÇÃO OS FACTOS Os factos relevantes para a decisão do presente recurso, além dos que constam do relatório precedente, são os seguintes: 1 – Em 25.01.2019 a exequente instaurou a presente execução com processo comum para pagamento de quantia certa, contra o executado, ora recorrente. 2 - Em 02.04.2019 o executado juntou aos autos procuração forense a favor do seu mandatário, datada de 28.03.2019, conferindo-lhe «os mais amplos poderes forenses por lei permitidos, com a faculdade de substabelecer e os especiais para o representar no Proc. nº 926/19.8T8STB (…), confessando a acção, transigindo sobre o seu objeto e/ou desistindo (total ou parcialmente) do pedido ou da instância». 3 - Em 18.04.2019 o mandatário do executado/recorrente informou o Sr. Agente de Execução que o executado se encontrava a residir no estrangeiro, indicando a morada da sua residência para efeitos de citação. 4 - Em 06.05.2019 o Sr. Agente de Execução efetuou a citação do executado na pessoa do seu mandatário. 5 - Em 26.09.2019 o executado/recorrente deduziu incidente de falta de citação, requerendo que fosse considerado nulo todo o processado posterior à falta de citação e que fosse ordenada a citação do executado na morada da sua atual residência na Holanda. 6 - Em 11.10.2019 o Sr. Agente de Execução efetuou a citação por via postal do executado na morada da residência a que se alude no ponto 5. 7 – Em 14.10.2019 o Sr. Agente de Execução notificou o mandatário do executado, dando-lhe conta «de que, por forma a sanar a arguição de nulidade de citação, que desde já muito me penitencio, foi expedida no dia 11/10/2019, a citação via postal para a morada indicada por V/Exa. (…)». 8 – Em 18.10.2019 foi proferido despacho que julgou improcedente a arguição de nulidade de falta de citação do executado, considerando estar a mesma sanada. O DIREITO As nulidades de processo, importando a anulação do processado, são desvios do formalismo processual: prática de um ato proibido, omissão de um ato prescrito na lei e a realização de um ato imposto ou permitido por lei, mas sem o formalismo requerido[1]. A não citação do réu/executado implica a nulidade do processado posterior (art. 187º do CPC), desde que a falta não se encontre sanada. Como é sabido, existem duas modalidades de nulidade da citação: a falta de citação propriamente dita, prevista no artigo 188º do CPC, e a nulidade da citação, em sentido estrito, regulada no artigo 191º do mesmo Código. Há falta de citação nas situações descritas nas várias alíneas do nº 1 do artigo 188º do CPC, designadamente «[q]uando se demonstre que o destinatário da citação pessoal não chegou a ter conhecimento do ato, por facto que não lhe seja imputável» [alínea e)]. A nulidade (falta) da citação (nulidade principal) deve ser arguida com a primeira intervenção no processo, em qualquer estado do mesmo, enquanto não deva considerar-se sanada (artigos 189º e 198º do CPC). Como ensina o Prof. Alberto dos Reis[2], para a arguição da falta de citação não há prazo; enquanto o réu se mantiver em situação de revelia, ou melhor, enquanto se mantiver alheio ao processo, está sempre a tempo de arguir a falta da sua citação, só perdendo o direito de o fazer se intervier no processo e não reagir imediatamente contra ela. Também Rodrigues Bastos[3], depois de referir que o réu deve arguir a falta de citação logo que intervenha no processo, isto é, no ato que constitua a sua primeira intervenção, observa que ainda que o réu tenha conhecimento do processo, desde que não intervenha nele, pode arguir em qualquer altura a falta da sua citação. Por sua vez, a nulidade da citação existe quando não hajam sido observadas, na sua realização, as formalidades prescritas na lei (art. 191º do CPC), preceituando o nº 2 do preceito que «[o] prazo para a arguição da nulidade é o que tiver sido indicado para a contestação; sendo, porém, a citação edital, ou não tendo sido indicado prazo para a defesa, a nulidade pode ser arguida quando da primeira intervenção do citado no processo». Exposto o quadro legal e a doutrina, revertendo ao caso concreto, o que se verifica é que, o executado/recorrente juntou aos autos procuração forense a 02.04.2019, sem que nesse momento tivesse invocado qualquer vício, tendo vindo posteriormente, em 26.09.2019, arguir a nulidade da sua falta de citação. A questão que se coloca, e que foi apreciada no despacho recorrido, é assim a de saber, se em razão de uma tal intervenção (junção de procuração), e consideradas todas as circunstâncias em que se deu, se deve ou não concluir pela sanação da nulidade. O Tribunal a quo respondeu afirmativamente a esta questão nos seguinte termos: «(…), a partir da data da junção da procuração forense, o executado teve conhecimento das pretéritas diligências de penhora efectuadas em Março de 2019 pelo Sr. Agente de Execução, tendo juntado a procuração forense naquela data e apenas em 26.06.2019, invocado aquele vicio, já no decurso das diligências de venda. Daqui resulta que a apresentação do requerimento de junção da procuração forense sem que o executado arguisse logo a falta de citação sana aquela nulidade e convalida o acto de citação.» Já o recorrente entende que a simples junção autos de uma procuração forense pelo executado não configura qualquer “intervenção processual” da sua parte no processo, nem dela se pode extrair a conclusão de que o mesmo tomou conhecimento do seu processado, por forma a ficar em condições de assegurar o seu efetivo direito de defesa. Entendemos que a razão está do lado do recorrente. Senão vejamos. A Portaria nº 280/2013, de 26 de agosto (na redação que lhe foi dada pela Portaria n.º 267/2018, de 20/09) regula os aspetos da tramitação eletrónica dos processos judiciais nos tribunais de primeira instância. E, prescreve o artigo 27º, nº 2, desse diploma que o acesso ao sistema informático de suporte à atividade dos tribunais para efeitos de consulta de processos requer o prévio registo dos advogados e solicitadores, nos termos do nº 2 do artigo 5º, o qual, por sua vez, dispõe: «[o] registo e a gestão de acessos ao sistema informático referido no número anterior por advogados, advogados estagiários e solicitadores são efetuados pela entidade responsável pela gestão de acessos ao sistema informático, com base na informação transmitida, respetivamente, pela Ordem dos Advogados e pela Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução, respeitante à validade e às vicissitudes da inscrição junto dessas associações públicas profissionais». Assim sendo, mesmo existindo um processo físico em suporte de papel, o acesso à tramitação eletrónica do mesmo, que permite uma análise completa e detalhada, implica necessariamente a junção de uma procuração forense, que, assim, constitui, em si mesma, o pressuposto de qualquer intervenção nos autos[4]. Escreveu-se no Acórdão desta Relação de 03.11.2016[5]: «(…), a única forma de compatibilizar o direito constitucional de acesso ao direito no caso das acções tramitadas electronicamente é fazer uma interpretação actualista quanto aos efeitos relacionados com a apresentação de uma procuração forense, de modo a evitar que a simples junção de instrumento de mandato forense não implique directa e necessariamente a preclusão de possibilidade de invocação da nulidade por falta de citação. A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada (artigo 9º, nº1, do Código Civil). O enunciado textual da lei é, assim, o ponto de partida de toda a interpretação, mas exerce também a função de um limite, já que não pode «ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso», como decorre do nº2 do preceito sub judice. Por último, na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (nº3 do artigo 9º do Código Civil). (…). Tendo presente a realidade social, económica e a própria evolução tecnológica, inclusivamente na dimensão do acesso ao direito através do recurso a ferramentas informáticas, de acordo com os cânones de uma boa interpretação, estando a hermenêutica actualista legitimada pelo Código Civil e pela Teoria do Direito, o julgador tem de tomar em consideração as circunstância de tempo e de modo em que a lei deve ser aplicada e, como corolário lógico, no domínio da Tramitação Electrónica dos Processos Judiciais preconizada pela Portaria nº 280/2013, de 26/08, não é legítima a conclusão que a simples apresentação de uma procuração, que é condição de acesso ao sistema electrónico e constitui pressuposto de qualquer actuação processual futura, implica a sanação de eventual falta de citação de uma das partes e preclude a hipótese de suscitar a competente nulidade”. Subscrevemos integralmente este entendimento, o qual foi também seguido em outros arestos, referindo-se, a título de exemplo, os seguintes: - Ac. Relação de Lisboa de 05.11.2019[6], em cujo sumário se consignou: «I- Ainda que exista um processo físico em suporte de papel, o acesso à tramitação electrónica do mesmo – indispensável a uma análise completa e detalhada do processo – implicará a junção de uma procuração forense que, nessa medida, constitui, em si mesma, o pressuposto de qualquer intervenção nos autos; II- Encontrando-se a execução sujeita a tramitação electrónica, não pode considerar-se que a mera junção de procuração forense a mandatário judicial é suficiente para pôr termo à revelia absoluta, constituindo intervenção processual que faz pressupor o conhecimento do processo, nos termos e para os efeitos do art. 189 do C.P.C.». - Ac. Relação de Guimarães de 23.01.2020[7], com o seguinte sumário: «I - O acesso à tramitação electrónica dos processos implica a junção de uma procuração forense, que constitui, em si mesma, o pressuposto de qualquer intervenção nos autos. II - Encontrando-se o processo sujeito a tramitação electrónica, não pode considerar-se que a mera junção de procuração forense a mandatário judicial é suficiente para fazer pressupor o conhecimento do processo, nos termos e para os efeitos do disposto pelo art. 189º do Código de Processo Civil». Entendemos, pois, que uma interpretação atualista da lei, em conformidade com o disposto no artigo 9º, nº 1, in fine, do Código Civil, leva a considerar que se encontra desatualizada a corrente jurisprudencial que reputava como intervenção relevante - para efeitos do atual artigo 189º do CPC - a simples apresentação de uma procuração. Desta forma, entendendo que a junção da referida procuração não é suficiente para pôr termo à revelia absoluta, nem meio idóneo de tomar conhecimento do processo, de modo a presumir-se que logo aí o executado prescindiu, conscientemente, de arguir a falta de citação, é de concluir que não ficou sanada a nulidade da falta de citação com a junção da aludida procuração. Daqui não decorre, porém, que a sanação de tal nulidade não tenha operado por outra via. Com efeito, ainda em data anterior à prolação da decisão recorrida (18.10.2019), em 11.10.2019, o Sr. Agente de Execução efetuou a citação do executado por via postal na morada da residência indicada pelo seu mandatário, sendo que com a efetivação de tal citação deixou, evidentemente, de haver falta de citação, e o executado ficou em condições de poder exercer no processo todos os direitos conferidos por lei. E também nada há anular nos autos, pois anteriormente à citação do executado não foi praticado no processo qualquer ato que dependesse dessa citação, sabendo-se que a penhora realizada sempre teria de ser efetivada antes da citação (cfr. art. 855º, nº 3, do CPC), como foi. Na verdade, tendo sido dado à execução uma escritura pública de compra, venda e mútuo com hipoteca, a mesma constitui título executivo nos termos do artigo 703º, nº 1, al. b) do CPC, correspondendo aos presentes autos a forma do processo sumário, de acordo com o disposto na alínea c) do nº 2 do artigo 550º do CPC. Por conseguinte, ainda que por fundamentos diversos, o recurso improcede. IV – DECISÃO Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando a decisão recorrida, ainda que com fundamentação não coincidente. Custas pelo recorrente. * _______________________________________________
Évora, 22 de outubro de 2020 (Acórdão assinado digitalmente no Citius) Manuel Bargado (relator) Albertina Pedroso (1º adjunto) Tomé Ramião (2º adjunto) [1] Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, p. 176, e Antunes Varela/J. Miguel Bezerra/Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2ª edição, 1985, p. 387. [2] Comentário ao Código de Processo Civil, Vol. 2º, pp 466/467 e Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, 3ª ed., p. 313. [3] Notas ao Código de Processo Civil, 2ª ed., Vol. I, pp. 397/398. [4] Cfr. Acórdão da Relação de Guimarães de 23.01.2020, proc. 17/19.1T8PVL.G1, disponível, como os demais citados sem outra referência, em www.dgsi.pt. [5] Proc. 1573/10.5TBLLE-C.E1. [6] Proc. 66733/05.5YYLSB-C.L1-7. [7] Citado supra (nota de rodapé 4). |