Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
6604/22.3T8STB.E1
Relator: PAULA DO PAÇO
Descritores: RESOLUÇÃO PELO TRABALHADOR
JUSTA CAUSA
COMUNICAÇÃO
SANEADOR-SENTENÇA
Data do Acordão: 05/09/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário:
I- As questões a decidir pelo julgador, de acordo com o estatuído no artigo 608.º, n.º 2 do Código de Processo Civil, estão diretamente ligadas ao pedido e à respetiva causa de pedir.
II- Se findos os articulados, o objeto processual ficou perfeitamente definido, resumindo-se a 3 questões - (i) existência de justa causa para a resolução do contrato de trabalho pelo trabalhador; (ii) verificação da caducidade do direito à resolução do contrato; (iii) apreciação do pedido – e todas elas foram apreciadas e decididas no saneador-sentença, não se verifica a nulidade da sentença por omissão de pronúncia.
III- Numa ação em que o trabalhador pede que seja reconhecida a licitude da justa causa de resolução do contrato de trabalho por si operada, apenas são atendíveis os factos que tenham sido invocados pelo trabalhador como fundamento da resolução, na comunicação escrita oportunamente endereçada ao empregador.
IV- Dito de outro modo, a petição inicial não serve para alegar factos que visem fundamentar a justa causa e que não foram expressamente indicados na carta de comunicação da resolução contratual enviada para o empregador com o objetivo de pôr termo ao contrato de trabalho.
V- O artigo 395.º, n.º 1, do Código do Trabalho exige que o trabalhador comunique a resolução do contrato ao empregador, por escrito, «com indicação sucinta dos factos que a justificam».
VI- A indicação sucinta dos factos que justificam a justa causa invocada pelo trabalhador, ainda que não tenha o grau de exigência em termos de descrição factual associado normalmente à nota de culpa, tem, no mínimo, de dar a conhecer ao empregador, de uma forma esclarecedora e precisa, o concreto fundamento da resolução contratual, não só para que este possa compreender as causas que conduziram, na perspetiva do trabalhador, à rutura contratual e, querendo, impugná-las em tribunal, como também para permitir a possibilidade de sindicância judicial do especifico fundamento invocado.
VII- O cumprimento da exigência da indicação sucinta dos factos que justificam a justa causa invocada pelo trabalhador na comunicação escrita que este dirige ao empregador, é uma condição essencial para a licitude da resolução.
VIII- Se analisando a carta de resolução do contrato de trabalho remetida pelo trabalhador ao empregador se chega à conclusão de que o seu conteúdo se resume a conclusões, generalidades e juízos valorativos, sem que haja a indicação sucinta da sua base factual, justifica-se que o tribunal conheça do mérito da causa em saneador-sentença, ao abrigo do artigo 61.º, n.º 2 do Código de Processo do Trabalho, se não existirem factos controvertidas a apurar.
IX- Chegando-se à conclusão de que o trabalhador não indicou quaisquer factos concretos para fundamentar a justa causa de resolução do contrato de trabalho, o conhecimento da invocada exceção da caducidade do direito à resolução do contrato de trabalho, por ultrapassagem do prazo previsto no n.º 1 do artigo 395.º do Código de Processo Civil, fica prejudicado, nos termos previstos pelo artigo 608.º, n.º 2, do Código de Processo Civil.
(Sumário elaborado pela relatora)
Decisão Texto Integral:
P.6604/22.3T8STB.E1

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora

I. Relatório
Na presente ação declarativa emergente de contrato individual de trabalho, sob a forma de processo comum, que AA (Autora) intentou contra UPS - PORTUGAL - Transportes Internacionais de Mercadorias, Sociedade Unipessoal, LDA. (Ré), foi proferido saneador-sentença que julgou a ação totalmente improcedente e, em consequência, absolveu a Ré dos pedidos.
Inconformada, a Autora interpôs recurso da sentença, extraindo das suas alegações as seguintes conclusões:
«I – A sentença recorrida é nula por o tribunal não se ter pronunciado em relação aos factos constantes da prova gravada, no entender do recorrente a sentença recorrida é nula pelas razões seguintes razões autor, aqui recorrente no decurso da tramitação processual, e nomeadamente em audiência de julgamento aquando da audição das suas testemunhas cujo testemunho é absolutamente essencial na denúncia da existência de um procedimento de BULLYING ou coação moral que ocorre e que continuará a ocorrer para os trabalhadores se encontram vinculados à UPS, gorou provar factos que efetivamente deveriam determinar a prova dos factos da aqui autora.
II – Salvo melhor opinião não está aqui em causa uma situação de caducidade como pretende a Ré, uma vez que estamos aqui perante uma questão que é simultaneamente de categoria profissional e de remuneração, uma vez que associada à categoria profissional estará sempre associado o valor económico paga ao trabalhador como contrapartida da sua prestação, ou seja, a remuneração/retribuição.
III – Assim sendo e uma vez que o art.º 395 não contempla apenas as situações, dos 30 dias consideradas no seu n.º 1, mas também 60 dias considerados no seu n.º 2, e uma vez que a carta apresentada pela trabalhadora era sintética acerca dos motivos, mas não desenvolvia o direito até porque não tem de o fazer, existe aqui uma incompreensão daquilo que foi arguido em sede desse mesmo documento.
IV – Explicando melhor, o que é a autora pretende e não só reconhecimento da sua categoria profissional como toda a progressão na carreira a correção dos valores e o pagamento das diferenças, ou seja, remuneração retribuição que não foi entregue pela entidade patronal ao fazer cessar ilegitimamente o vínculo contratual, e é precisamente por essa razão que o prazo a contar é de 60 dias e não de 30 uma vez que a progressão na carreira implica também um pagamento diferente remuneração/retribuição.
V – Cai assim por Terra a tese da hora Ré, de que a autora não impugnou em termo útil, ou seja, não enviou a carta registada com vice receção no prazo imediatamente a seguir à verificação dos factos, é que a razão pela qual os trabalhadores têm de aguardar mais 30 dias, sempre que se trate situação remuneratória/retributiva, é precisamente para dar tempo à entidade patronal para pagar tudo aquilo que é devido e reconhecer a categoria e o valor remuneratório respetivo.
VI – Assim sendo não podemos considerar que o prazo se encontra prescrito uma vez que a comunicação entrou dentro dos 60 dias após o despedimento pelo que dúvidas não há que não se encontra prescrito o procedimento e o processo consequentemente deverão ser julgados improcedentes e a exceção perentória de caducidade aqui levantada pela ré mais bem identificada nos autos, considerada improcedente.
VII - Igualmente e relativamente as razões pelas quais o tribunal entende não realizar julgamento, porque entende que a comunicação que segundo o mesmo foi efetuada fora de tempo e ininteligível, chegando mesmo ao ponto de considerar a alegação de coação no local de trabalho como um arroto, apenas podemos dizer que foram preteridos os direitos de defesa fundamentais e o direito ao contraditório que assiste à aqui trabalhadora e autora AA.
VIII - Assim sendo entendemos que existe da parte do Tribunal intenção não realização de julgamento, sem que para isso haja um fundamento já que apesar da carta não ser tão explícita quanto a petição inicial não deixa de ter no essencial ao invés do que é dito expressões vagas clareza relativamente ao facto de o mesmo ter sido preterido em termos de progressão de carreira e ao mesmo tempo ter sido vítima situações de bullying e pressão que como devemos compreender um trabalhador sujeito ao mesmo tem receio de medo de ir mais Longe na expressão dos factos.
IX - É igualmente importante dizer que a autora não se encontrava na altura mandatada de advogado e fez a carta de acordo com aquilo que ela pensava ser a expressão correta do que se tinha passado e isso também fica claro do discurso da petição inicial e da forma como é feita a contestação por parte da ré no entanto o tribunal a quo, entendeu não conceder qualquer veleidade ou possibilidade da mesma exercer o seu direito de contraditório para a realização da mais elementar justiça.
X – Resulta assim de forma clara e inequívoca que o Senhor Juiz, proferiu a sentença recorrida, deixando de se pronunciar sobre questões de que se devia ter pronunciado, violando deste modo o disposto na alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil, razão por que o Autor entende que a sentença recorrida é nula.
XI – Foi dada como provada à exceção de caducidade que nós entendemos aqui não ter qualquer fundamento e que na verdade apenas serve para que se promova uma manifesta injustiça do mesmo modo que a carta encontra-se suficientemente fundada acompanhada da defesa apresentada nos moldes acima defendidos pelo que deveria ser realizado necessariamente o julgamento para prova dos factos e nesse sentido para que a autora possa fazer prova e nesse sentido e ser condenada ao pagamento das indemnizações justamente devidas à aqui trabalhadora e autora.
XII - Igualmente cumpre aqui em nome da autora, deixar patente uma vez mais a indignação pela forma como o tribunal a quo se referiu à sua causa nomeadamente classificando de arroto aquilo que foram as suas comunicações feitas de acordo com a lei que só não foram mais precisas atendendo ao facto de a mesma não se encontra na altura mandatada de advogado e ter escrito sozinho e desacompanhada as conclusões daquilo que estava a sentir mas que não conseguiu exprimir da melhor maneira, de todo modo não deixou de deixar claro tudo aquilo que se estava a passar nomeadamente a pressão de coação moral a que estava a ser sujeita pela sua entidade patronal não só através do facto de não permitirem as progressões de carreira da mesma como também dos insultos pressões constantes foram ao ponto de brigar com seu estado de gravidez pela sua superior hierárquica e colaboradora da UPS BB.
XIII – A decisão do tribunal a quo deve ser anulada, a forma deve ser devolvida o processo à primeira instância para realização do julgamento que foi em nosso entender evitado de forma injusta e lesiva para aqui a autora já que não existem fundamentos ou razões para a aceitação da exceção de caducidade e também para a não realização da audiência de discussão e julgamento que faça prova da coação moral no local de trabalho que foi vítima a aqui autora AA.
XIV – O poder disciplinar aplicável aos trabalhadores da Empresa pelo regime disciplinar comum do trabalho (Código do Trabalho de Regulado pela Lei 7/2009 de 12 de fevereiro).
XV – Considerando-se que o Código do Trabalho regula especificamente esta matéria e a Autora não pode aceitar, pelas razões que se seguem, o comportamento adotado pela sua entidade patronal porque a mesma enquadra uma clara violação do art.º 394.º do Código do Trabalho, uma vez que o mesmo prescreve que:
1 - Ocorrendo justa causa, o trabalhador pode fazer cessar imediatamente o contrato.
2 - Constituem justa causa de resolução do contrato pelo trabalhador, nomeadamente, os seguintes comportamentos do empregador:
b) Violação culposa de garantias legais ou convencionais do trabalhador;
c) Aplicação de sanção abusiva;
d) Falta culposa de condições de segurança e saúde no trabalho;
e) Lesão culposa de interesses patrimoniais sérios do trabalhador;
f) Ofensa à integridade física ou moral, liberdade, honra ou dignidade do trabalhador, punível por lei, praticada pelo empregador aplicável a trabalhadora da UPS e aqui Autora, é esta a lei aplicável ao caso “sub judice”.
XVI – O Senhor Juiz do Tribunal recorrido, não poderia pura e simplesmente aceitar a alegação de que se encontrava aqui verificada uma exceção de caducidade e ao mesmo tempo aproveitar o facto de a carta ter sido escrita pela própria autora e nesse sentido não ser tão precisa quanto a petição inicial para afastar de forma veemente qualquer possibilidade de defesa ou prova daquilo que foram os comportamentos abusivos da sua entidade empregadora e patronal nomeadamente através da pessoa da colaboradora BB que tanto prejudicou a autora como os restantes trabalhadores e que tudo seria provado em Tribunal de acordo com as testemunhas que estavam enroladas e queria que iriam fazer necessariamente prova dos factos que sustentam necessariamente o fundamento essencial desta ação.
XVII - Igualmente deve ser tida em conta designadamente os factos de ter mais 23 anos de serviço, (alínea a) dos factos provados) e não ter averbado no seu registo das sanções disciplinares, obrigatório nos termos do disposto no art.º 332.ºdo Código do Trabalho.
XVIII - Resulta dos elementos juntos ao processo e das aludidas disposições legais que na decisão recorrida não se aplicou o direito adequado, pois a recorrente AA, sabe bem que o Tribunal conhece o direito e que já os romanos diziam que “jura novit cura”, e por isso se requer e espera a sentença recorrida seja revogada e substituída por outra que declare sem efeito a pena disciplinar que lhe foi aplicada.
XIX- Caso assim se não entenda a sentença recorrida deverá ser declarada nula e ordenar-se a repetição do julgamento dando desse modo a oportunidade a Recorrente de fazer prova de que a sua conduta correta e também das posturas incorretas nomeadamente da colaboradora BB que concorrer diretamente para que esta ação se originasse pois tratou aqui a autora de forma abusiva fazendo coação moral no local de trabalho e nomeadamente fazendo discriminação na progressão da mesma relativamente àquilo que a mesma pretendia da sua carreira na UPS.
Nestes termos e nos demais de direito requer a V.ª s Ex.ª s, que seja julgada procedente a arguida nulidade ou se assim não for entendido, que a prova existente nos autos seja apreciada em conformidade com os factos que efetivamente ocorreram durante os anos de serviço da aqui autora, seja revogada a decisão recorrida e, substituída por outra que anule a decisão do tribunal a quo e reconheça o elementar direito de defesa da Autora, trabalhadora da UPS há mais de 23 anos sem ter sido e caso seja aplicada alguma pena disciplinar ao autor, ela deve ser suspensa na sua execução nos termos do disposto nos termos da Código do Trabalho, ou alternativamente pagos os valores solicitados a título de compensação o valor de 51.858,00 € nos termos do art.º 394.º n.º 1 e 2 alíneas b), c, d), e) e f), reconhecer que não cumpriu o seu dever de respeito, nomeadamente por violação culposa de garantias legais ou convencionais do trabalhador; aplicação de sanção abusiva; falta culposa de condições de segurança e saúde no trabalho; lesão culposa de interesses patrimoniais sérios do trabalhador;
ofensa à integridade física ou moral, liberdade, honra ou dignidade do trabalhador, punível por lei, praticada pelo empregador ou seu representante, devendo ainda ser condenada a pagar a mesma a título de indemnização de 5.000,00 €, acrescido de juros vencidos e vincendos até ao seu integral pagamento, igualmente se requer a junção de documentos em posse da parte contrária nos termos do art.º 429.º do Código Processo Civil ex vi art.º 2.º n.º 1 do Código do
Processo de Trabalho, bem como se pede a intervenção inspetiva do ACT no sentido de perceber da violação do art.º 53.º do Decreto-Lei nº 405/93 de 10-12-1993, assim se fazendo a acostumada JUSTIÇA!».[2]
Contra-alegou a Ré, invocando que o recurso deveria ser liminarmente rejeitado em face das prolixas alegações e das incipientes, vagas e confusas conclusões, pugnando, porém e cautelosamente, pela improcedência do recurso.
A 1.ª instância entendeu que não se verificava a arguida nulidade da sentença e admitiu o recurso como apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.
Tendo o processo subido à Relação, foi dado cumprimento ao disposto no n.º 3 do artigo 87.º do Código de Processo do Trabalho.
A Exma. Sra. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer, no qual referiu que as alegações do recurso são quase ininteligíveis. Ainda assim, pugnou pela anulação da sentença recorrida, por entender que a comunicação da resolução do contrato possui uma indicação sucinta dos factos, cumprindo, assim, as exigências legais quanto ao seu conteúdo.
Não foi oferecida resposta.
O recurso foi mantido nos seus precisos termos.
Foram colhidos os vistos legais.
Cumpre apreciar e decidir.
*
II. Objeto do Recurso
É consabido que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da recorrente, com a ressalva da matéria de conhecimento oficioso (artigos 635.º n.º 4 e 639.º n.º 1 do Código de Processo Civil, aplicáveis por remissão do artigo 87.º n.º 1 do Código de Processo do Trabalho).
Em função destas premissas, são as seguintes as questões que fundamentam o recurso:
1.ª Nulidade da sentença.
2.ª Existência de fundamento para a ação prosseguir para julgamento.
3.ª Não verificação da exceção da caducidade invocada.
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III. Matéria de Facto
A 1.ª instância julgou provados os seguintes factos:
1. A A. e R. celebraram entre si um contrato de trabalho.
2. A antiguidade da A. ao serviço da R. é reportada a 10/12/2002.
3. A A. remeteu à R. a seguinte comunicação datada de 22/08/2022, já depois do gozo de férias:

4. Em 2022, a A. regressa ao Escritório – TELEWORK, sendo que por razões financeiras, teve de ir morar a 45 km de distância do trabalho.
*
IV. Nulidade da sentença
A recorrente arguiu a nulidade da sentença por omissão de pronúncia, ao abrigo do artigo 615.º, n.º 1, alínea d) do Código de Processo Civil, invocando, para o efeito, que o tribunal a quo deixou de apreciar questões que deveria apreciar.
No despacho que se pronunciou sobre a admissibilidade do recurso - artigo 617.º, n.º 1, do Código de Processo Civil – a 1.ª instância julgou improcedente a arguida nulidade.
Tendo a questão sido suscitada no recurso e, por isso, integrar o seu objeto, importa apreciar e decidir sobre a mesma.
Analisemos, pois.
De harmonia com o disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea d) do Código de Processo Civil, aplicável “ex vi” do artigo 77.º do Código de Processo do Trabalho, a sentença é nula quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não devia tomar conhecimento.
A causa de nulidade prevista nesta alínea está em correspondência direta com o artigo 608.º, n.º 2 do Código de Processo Civil. Estabelece-se nesta norma que o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, não podendo ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.
Assim, verifica-se a omissão de pronúncia quando o juiz deixe de apreciar as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação.
Por seu turno, o excesso de pronúncia ocorre quando o tribunal conhece de questões que não tendo sido colocadas pelas partes, também não são de conhecimento oficioso.
Neste âmbito, não se deverão confundir questões com razões ou argumentos invocados pelos litigantes em defesa do seu ponto de vista, pois esses não têm que ser obrigatoriamente conhecidos pelo tribunal. Já o Professor Alberto dos Reis ensinava, a propósito da nulidade de sentença por omissão de pronúncia, que: «São, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer a questão de que devia conhecer-se e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzido pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão»[3].
No vertente caso, a recorrente parece entender que o tribunal a quo não deveria ter conhecido logo do mérito da ação em saneador-sentença, mas, antes, deveria ter mandado prosseguir a ação para que pudesse ser produzida prova sobre os factos alegados, pelo que, no seu entender, ficaram diversas questões por apreciar e decidir (omissão de pronúncia).
Ora, as questões a decidir pelo julgador, de acordo com o estatuído no artigo 608.º, n.º 2 do Código de Processo Civil, estão diretamente ligadas ao pedido e à respetiva causa de pedir.
Nos presentes autos, o objeto do processo relaciona-se com a invocada existência de justa causa para a resolução do contrato de trabalho pela trabalhadora, a ora recorrente, sendo o pedido formulado uma consequência indemnizatória para essa forma de cessação do contrato.
Na petição inicial, a ora recorrente veio alegar que no dia 22 de agosto de 2022, apresentou à empregadora, a ora recorrida, a carta de resolução do contrato de trabalho que constitui o documento n.º ... junto com o referido articulado, ao abrigo do artigo 394.º, n.ºs 1 e 2, alíneas b) a f), do Código do Trabalho.
Na sequência, arrogou-se titular do direito a receber a indemnização prevista no artigo 396.º do Código do Trabalho.
Nessa lógica, pediu ao tribunal que condenasse a Ré a pagar-lhe:
«a título de compensação o valor de 51.858,00 € nos termos do art.º 394.º n.º 1 e 2 alíneas b), c, d), e) e f), reconhecer que não cumpriu o seu dever de respeito, nomeadamente por violação culposa de garantias legais ou convencionais do trabalhador; aplicação de sanção abusiva; falta culposa de condições de segurança e saúde no trabalho; lesão culposa de interesses patrimoniais sérios do trabalhador; ofensa à integridade física ou moral, liberdade, honra ou dignidade do trabalhador, punível por lei, praticada pelo empregador ou seu representante,
devendo ainda ser condenada a pagar a mesma a título de indemnização de 5.000,00 €, acrescido de juros vencidos e vincendos até ao seu integral pagamento,
igualmente se requer a junção de documentos em posse da parte contrária nos termos do art.º 429.º do Código Processo Civil ex vi art.º 2.º n.º 1 do Código do Processo de Trabalho,
bem como se pede a intervenção inspetiva do ACT no sentido de perceber da violação do art.º 53.º do Decreto-Lei nº 405/93 de 10-12-1993».
Fazemos aqui um pequeno parêntesis para deixar claro que o requerimento relativo à junção de documentos na posse da parte contrária não integra, obviamente, a pretensão deduzida na ação, tratando-se apenas de um requerimento relacionado com meios de prova que a Autora pretende apresentar. E, quanto à solicitada intervenção inspetiva da ACT, o requerido também não integra o pedido da ação, pois não está em causa o reconhecimento de qualquer direito e subsequente condenação. Recordemos as palavras de A. Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora[4]: «O pedido é o meio de tutela jurisdicional pretendido pelo autor (o reconhecimento judicial da sua propriedade sobre determinada coisa; a entrega ou restituição dessa coisa; a condenação do réu numa prestação de certo montante, etc)». Ademais, nem se compreende este requerimento, porquanto o Decreto-Lei n.º 405/93, aprova o regime de empreitada de obras públicas, não se percebendo que ligação pode o mesmo ter com os presentes autos.
Terminado o parêntesis, prossigamos a análise da tramitação processual.
Depois de gorada a tentativa de conciliação realizada na audiência de partes, a Ré veio contestar a ação, por impugnação (admitindo somente que manteve um contrato de trabalho com a Autora; que a antiguidade desta se reportava a 10-12-2002; e que a trabalhadora lhe enviou a carta junta como documento n.º ...) e por exceção. Na defesa por exceção, foi invocada a caducidade do direito de resolução do contrato de trabalho, por ter sido ultrapassado o prazo previsto no n.º 1 do artigo 395.º do Código do Trabalho.
A autora respondeu à exceção invocada, pugnando pela sua improcedência.
Depois dos articulados, o objeto processual ficou perfeitamente definido, ou seja, as questões submetidas à apreciação do tribunal, em função da causa de pedir e do pedido formulados, bem como da defesa apresentada, eram as seguintes:
- existência de justa causa para a resolução do contrato operada pela trabalhadora;
- verificação da caducidade do direito à resolução do contrato pela trabalhadora;
- apreciação do pedido.
É certo que a Autora, na petição inicial, alegou muitíssimos factos (alguns deles que nem lhe diziam respeito, como é o caso da carta de despedida enviada por um colega à empresa – artigo 43.º da p.i.), porém, tendo em consideração o objeto processual e o principio da economia processual consagrado no artigo 130.º do Código de Processo Civil, subsidiariamente aplicável ao processo laboral, o tribunal a quo apenas podia atender aos factos relevantes para a boa decisão da causa, segundo as várias soluções plausíveis de direito, factos esses que se encontravam necessariamente balizados pelo objeto do processo, isto é, pelas 3 questões em que o mesmo se desdobrava.
Ora, o que sucedeu foi que, após os articulados, o Meritíssimo Juiz a quo entendeu: (i) dispensar a realização da audiência prévia, ao abrigo do artigo 62.º do Código de Processo do Trabalho; (ii) conhecer do mérito da ação por o processo dispor de todos os elementos necessários para tanto e a simplicidade da causa o permitir.
Assim, em sequência, pronunciou-se sobre a matéria de facto que considerava assente e apreciou e decidiu as três questões elencadas supra, que haviam sido submetidas à apreciação do tribunal.
Sobre as 1.ª e 3.ª questões pronunciou-se assim:
«A presente ação tem por base uma questão lapidar: a licitude da resolução do contrato de trabalho, por iniciativa do trabalhador, com justa causa eventualmente assente num incumprimento, reiterado e continuado ao longo de anos.
Comecemos, pois, por verificar se, efetivamente, a A. tinha o direito que pretende ter sido violado, por forma culposa, pela R.
Como ponto prévio, cumpre referir que a relação de trabalho entre A. e R. constituiu-se à luz das leis do trabalho pré-codicísticas e depois, sucessivamente, pelo Código de Trabalho de 2003 e Código de Trabalho de 2009.
É ponto assente que entre a A. e R. vigorava um contrato de trabalho, tal como definido no art. 11º, do CT, pelo que não perderemos tempo com a sua análise.
Enquanto a A. pretende que este se extinguiu por resolução por justa causa, de modo lícito, a R. entende que a resolução em causa é ilícita por duas ordens de razões:
- na data em que foi comunicada já se encontrava extinto, por caducidade o direito;
- a A. não faz uma alegação concretizada, ainda que sucinta, dos factos em que alicerça a sua pretensão extintiva, bastando-se com uma alegação genérica e vaga (que tenta compor com a os factos que articula na petição inicial – muitos deles também de forma genérica e vaga – mas que não constam daquela comunicação.
Dispõe o art. 340º, do CT, que:
Para além de outras modalidades legalmente previstas, o contrato de trabalho pode cessar por:
(…)
g) Resolução pelo trabalhador;
h) denúncia pelo trabalhador.
Pretende a A. se declare a resolução do contrato de trabalho que a unia à R., com justa causa.
Ocorrendo justa causa, o trabalhador pode fazer cessar imediatamente o contrato, nos termos do disposto no art. 394º, n.º 1, do CT.
Nos termos do n.º 2, daquele artigo legal:
Constituem justa causa de resolução do contrato pelo trabalhador, nomeadamente, os seguintes comportamentos do empregador:
a) Falta culposa de pagamento pontual da retribuição;
b) Violação culposa de garantias legais ou convencionais do trabalhador;
c) Aplicação de sanção abusiva;
d) Falta culposa de condições de segurança e saúde no trabalho;
e) Lesão culposa de interesses patrimoniais sérios do trabalhador;
f) Ofensa à integridade física ou moral, liberdade, honra ou dignidade do trabalhador, punível por lei, praticada pelo empregador ou seu representante.
3 - Constituem ainda justa causa de resolução do contrato pelo trabalhador:
a) Necessidade de cumprimento de obrigação legal incompatível com a continuação do contrato;
b) Alteração substancial e duradoura das condições de trabalho no exercício lícito de poderes do empregador;
c) Falta não culposa de pagamento pontual da retribuição.
4 - A justa causa é apreciada nos termos do n.º 3 do artigo 351.º, com as necessárias adaptações.
5 - Considera-se culposa a falta de pagamento pontual da retribuição que se prolongue por período de 60 dias, ou quando o empregador, a pedido do trabalhador, declare por escrito a previsão de não pagamento da retribuição em falta, até ao termo daquele prazo.
Como já decidiu o Ac. da Rel. do Porto, de 12/09/2016 (Dr. António José Ramos), “Nos termos do artigo 395º nº 1 do Código do Trabalho, o trabalhador tem de invocar factos concretos na comunicação de resolução do contrato com justa causa. Não pode limitar-se a invocar as conclusões que extrai dos factos, relegando a alegação destes para a petição inicial de ação que venha a intentar contra o empregador, para efetivação dos direitos resultantes da resolução com justa causa, sob pena de esta ser ilícita.”
Mais recentemente decidiu o Ac. da Rel. do Porto, de 18/09/2023 (Dr. Jerónimo Freitas):
“I - O trabalhador deve fazer a comunicação da resolução do contrato de trabalho com invocação de justa causa por escrito, com a “indicação sucinta dos factos que a justificam” [n.º1, do art.º 395.º], sendo a partir dessa indicação que se afere a procedência dos motivos invocados para a resolução, já que “apenas são atendíveis para a justificar” os factos que dela constarem [n.º 3, do art.º 398.º].
II - E, justamente porque na apreciação judicial da licitude da resolução apenas são atendíveis os factos que foram invocados para a justificar, mas também porque essa comunicação tem que permitir que para o empregador sejam percetíveis os fundamentos invocados na resolução do contrato, a expressão “indicação sucinta dos factos”, embora possa sugerir outra leitura, deve ser entendida no sentido de que o trabalhador não está dispensado de concretizar, com o mínimo de precisão, os factos que estão na base da sua decisão.” – sublinhado nosso
E desenvolve este último aresto:
“No mesmo sentido, Maria do Rosário Palma Ramalho, observa que «Nos termos desta norma, a declaração de resolução deve ser emitida sob forma escrita e com a indicação sucinta dos respetivos factos justificativos (art.º 395.º n.º 1). Apesar da referência da lei ao carácter “sucinto” desta indicação, a descrição clara dos factos justificativos da resolução é importante, uma vez que, em caso de impugnação judicial da resolução, são estes factos os únicos atendíveis pelo tribunal, nos termos do art.º 398.º n.º 3» [Tratado de Direito do Trabalho, Parte II - Situações Laborais Individuais, 6ª Edição, Almedina, Coimbra, p.949].
Partilha o mesmo entendimento João Leal Amado, que ao tratar do procedimento para resolução do contrato defende: «Não é, pois, indispensável proceder a uma descrição circunstanciada dos factos, bastando uma indicação sucinta dos mesmos, de modo a permitir, se necessário, a apreciação judicial da justa causa invocada pelo trabalhador», para depois, em nota de rodapé, acrescentar que «Isso mesmo resulta do n.º 3 do art.º 398.º, norma relativa à impugnação da resolução pelo empregador, na qual se esclarece que em tal ação judicial apenas são atendíveis para justificar a resolução os factos constantes da comunicação escrita prevista no art.º 395.º, n.º 1» [Contrato de Trabalho, Noções básicas, 2016, Almedina, Coimbra, p. 384].
Esse entendimento é pacífico na jurisprudência dos tribunais superiores, como o ilustram os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, que passamos a indicar e a transcrever os respetivos sumários [disponíveis em www.dgsi.pt]:
i) de 14-07-2016 [Proc.º 1085/15.0T8VNF.G1.S1, Conselheiro Pinto Hespanhol]:
-«1. A carta de resolução do contrato enviada pelo trabalhador à empregadora em que se faz consignar como justa causa da resolução, apenas, a «falta de pagamento do trabalho suplementar prestado e da retribuição legal» e o «incumprimento das obrigações legais relativas ao tempo de trabalho e descanso do trabalhador», não especifica qualquer facto concreto, mas antes afirmações de natureza conclusiva, reproduzindo fórmulas legais.
2. A indicação dos factos concretos e da temporalidade dos mesmos, na carta de resolução do contrato de trabalho, mostra-se indispensável para, além do mais, se aferir se o direito foi exercido no prazo legal, condição formal de que, também, depende a licitude da resolução.
3. A verificada preterição dos requisitos de natureza procedimental previstos no n.º 1 do artigo 395.º do Código do Trabalho, determina a ilicitude da resolução operada pelo trabalhador, ainda que por razões meramente formais, incorrendo este, nos termos dos artigos 399.º e 401.º do mesmo Código, em responsabilidade perante a empregadora».
(…)
Já nos referimos ao art.º 394.º do CT, mas para além do que se disse, cabe relembrar que o trabalhador pode fazer cessar imediatamente o contrato de trabalho, sem observância de pré-aviso e com direito a indemnização, quando se verifique um comportamento do empregador que constitua justa causa de resolução, sendo “a justa causa apreciada nos termos do n.º3, do art.º 351.º, com as necessárias adaptações” [n.º 4 do art.º 394.º], ou seja, atendendo-se, no quadro de gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses do trabalhador, ao carácter das relações entre este e o empregador e às demais circunstâncias relevantes.
Dito de outro modo, para além da verificação das condutas que sejam imputadas ao empregador, é também necessário que se verifique a característica essencial do conceito de justa causa, ou seja, é preciso que esse comportamento lhe seja imputável a título de culpa e que pela sua gravidade e consequências, torne inexigível a manutenção do vínculo laboral [Cfr. Furtado Martins, Op. cit., pp. 534].
Vale isto por dizer, que tal como no despedimento por iniciativa do empregador com fundamento em justa causa por facto imputável ao trabalhador, a noção de justa causa para resolução do contrato de trabalho pelo trabalhador assenta na ideia de inexigibilidade do prosseguimento da relação laboral, o que pressupõe respeitar a situações anormais e particularmente graves, mas agora apreciada na perspetiva do trabalhador [Cfr. Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, 14.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2009, p.644].
Para que a resolução seja lícita, é preciso que o trabalhador invoque e demonstre a existência de justa causa, ou seja, que alegue os factos constitutivos do direito a fazer cessar imediatamente o contrato de trabalho, bem assim que deles faça prova [art.º 342.º 1, do Código Civil].
Feita aquela prova pelo trabalhador, a culpa do empregador presume-se, nos termos gerais da responsabilidade contratual, por aplicação do artigo 799.º do CC. Assim, cabe à entidade empregadora afastar a presunção, alegando e provando os elementos suficientes para habilitar o tribunal a formular um juízo de não censurabilidade da sua conduta [artigos 344.º 1 e 350.º 1 e 2, do Código Civil].
(…)
Ora, como já ficou devidamente explicado e ilustrado com a jurisprudência citada, o trabalhador deve fazer a comunicação da resolução do contrato de trabalho com invocação de justa causa por escrito, com a “indicação sucinta dos factos que a justificam” [n.º1, do art.º 395.º], sendo a partir dessa indicação que se afere a procedência dos motivos invocados para a resolução, já que “apenas são atendíveis para a justificar” os factos que dela constarem [n.º 3, do art.º 398.º]. E, justamente porque na apreciação judicial da licitude da resolução apenas são atendíveis os factos que foram invocados para a justificar, mas também porque essa comunicação tem que permitir que para o empregador sejam percetíveis os fundamentos invocados na resolução do contrato, a expressão “indicação sucinta dos factos”, embora possa sugerir outra leitura, deve ser entendida no sentido de que o trabalhador não está dispensado de concretizar, com o mínimo de precisão, os factos que estão na base da sua decisão.
Por isso mesmo, os factos alegados na petição inicial, que contrariamente ao defendido pelos AA não são “factos circunstanciais conectos com os fundamentos sucintamente invocados na carta de rescisão”, mas antes factos essenciais, que a terem sido invocados consubstanciariam um fundamento concreto diverso e para além do invocado na comunicação, não poderiam ser de todo considerados pelo Tribunal a quo e, logo, nenhuma razão exigia que o processo prosseguisse para julgamento. Se porventura motivaram a decisão dos AA resolverem os respetivos contratos de trabalho com invocação de justa causa, para serem considerados, esses alegados factos não poderiam deixar de ter sido invocados na aludida comunicação.
Assim sendo, o Tribunal a quo não errou o julgamento quer ao decidir a causa no saneador, quer ao concluir pela inexistência de fundamento para sustentar os pedidos formulados pelos Autores de condenação da Ré no pagamento a cada um deles “de indemnização devida pela antiguidade, nos termos do n.º 1 e 2, al. a) do art.º 94.º e 395.º do Código do Trabalho”. – sublinhados nossos
Revertendo para a situação em análise, são três as razões em a A. alicerça a sua decisão de resolução do contrato de trabalho:

A A. não identifica a que candidaturas concorreu e em que foi preterida; que candidatos foram escolhidos; qual o perfil solicitado e qual o perfil do candidato escolhido, e qual a desconformidade entre um e outro; já agora importava que a A. mencionasse o perfil que entende ter e que está conforme ao perfil solicitado e que não foi atendido pela R.
Mais vago do que a alegação constante deste parágrafo afigura-se-nos quase impossível.
Afirma a A., em segundo lugar, que:

Conforme alega a A., e está assente por acordo, importa não esquecer que o contrato de trabalho já tem uma antiguidade de vinte anos.
É, por isso, natural que o trabalhador vinte anos volvidos não faça a mesma função para a qual foi contratado.
Mas para além disso, a alteração de função não significa, por si só, um incumprimento por parte do empregador.
Note-se que a A. não alega que a R. lhe atribuiu de forma unilateral funções que não correspondem ao programa contratual.
A A. não alega, ali, nomeadamente que essa alteração do conteúdo funcional constitui uma despromoção (e em que medida), viola direitos e garantias (quais). É que há mudanças de funções que beneficiam o trabalhador.
Finalmente, e como se viu supra, é necessário que se alegue que aquela mudança de função se traduz numa violação culposa do contrato. E, de facto, lendo a singeleza da alegação não conseguimos surpreender a culpa e o seu grau de intensidade.
Veja-se que da alegação feita (de forma individualizada ou cotejada com outra ou outras) tem que resultar apreensível porque razão se tornou inexigível ao trabalhador manter o contrato de trabalho com a R.
Nada disso ali conseguimos encontrar.
Finalmente, sustenta R.:

Invoca a A. as tentativas de resolução “destes” de conflitos (ou seja, dos conflitos provocados pelos motivos alegados nos 1º e 2º parágrafos: rejeição nas candidaturas e mudança de funções) resultaram em assédio, que se “traduz” (?):
- a entidade empregadora dá privilégios aos colegas que exercem as mesmas funções.
Mas que privilégios? A A. acrescenta que variam entre os acima descritos – e já vimos que o alegado acima é um nada de vaguidão e “outros”: “como ficarem em casa em regime de teletrabalho, enquanto que contrariamente aos colegas que exercem as mesmas funções, eu tenho que viajar 90 km para ir às instalações da empresa, castigando-me e discriminando-me assim, o que constitui violação culposa de garantias legais ou convencionais do trabalhador, ofensa à integridade física, moral, liberdade, honra e dignidade do trabalhador”.
Ou seja, para a A. a exigência que a R. faz à trabalhadora para comparecer no seu local de trabalho é uma “violação culposa de garantias legais ou convencionais do trabalhador, ofensa à integridade física (?), moral (?), liberdade (?), honra e dignidade do trabalhador”.
Para além do absurdo alegado, sempre ressalvado o devido respeito, não há um mínimo de concretização que nos permita ver uma réstia de sentido lógico.
A A. uma vez mais não concretiza qualquer facto, nomeadamente do porquê de fazer 90 Km para ir às instalações da R., quando antes não os fazia (?) ou fazia (?).
É que é obrigação básica e elementar do trabalhador, face ao seu dever de assiduidade, comparecer no seu posto de trabalho; o que significa que a deslocação do trabalhador ao local de trabalho faz parte da execução do contrato de trabalho, a menos que ocorra uma circunstância que seja imputável a conduta culposa do empregador que, como vimos, não está alegada, ou que torne inexigível ao trabalhador essa deslocação – o que também não está alegado.
Finalmente, e face ao facto confessado pela A., na sua petição inicial, foi ela que decidiu mudar de casa. O seu local de trabalho permaneceu o mesmo. Não se trata aqui de uma modificação geográfica do local de trabalho decida pelo empregador, com prejuízo para a trabalhadora.
Foi a trabalhadora que, exercendo a sua liberdade individual, decidiu sem qualquer interferência da empregadora mudar de casa para uma residência que dista cerca de 45 Km do seu local de trabalho.
Foi uma opção sua e com a qual a A. tinha que viver.
Quanto ao mais, a invocação do dito assédio tem o sentido de um “arroto”… ou seja, é só mais um som sem qualquer densidade significante. Lida a alegação não se percebe no que dito assédio se traduz. E o mesmo se diga quanto à aludida fragilização. O que é isso?? Lida a comunicação, não se percebe.
Tudo visto, entendemos que a A. deduzindo uma pretensão compensatória/indemnizatória relacionado com a licitude da resolução do contrato de trabalho com justa causa teria que ter feito uma comunicação com um conteúdo diverso daquele que agora analisamos.
A comunicação em causa não observa as exigências legais, pelo que equivale a falta de comunicação.
Desta feita, e em bom rigor, o contrato de trabalho findou não por resolução, por iniciativa do trabalhador, mas por denúncia feita pela A. trabalhadora sem observância do pré-aviso: art. 401º, do CT.
Ora, a denúncia do contrato pelo trabalhador é livre, opera a extinção do contrato de trabalho (mesmo que não observe o pré-aviso, pois a sua violação apenas dá direito ao empregador de ser indemnizado pelo período de tempo que não foi respeitado – art. 399º, do CT) e não atribui ao trabalhador qualquer direito a uma compensação/indemnização.
Tanto basta para que se julgue a improcedência da ação, com a consequente absolvição da R. dos pedidos.».

E, mais adiante, ainda no âmbito da apreciação do pedido formulado (3.ª questão suscitada), escreveu-se na sentença recorrida:
«Finalmente, e apenas como argumento adicional para fundamentar a improcedência da pretensão da A. a uma indemnização de 5.000,00 €, importa referir que a A. pede, simultaneamente, a uma compensação pela resolução do contrato de trabalho com justa causa no valor de 51.858,00 € e uma indemnização por danos não patrimoniais associados ainda àquela resolução e gravidade dos fundamentos que invoca, no valor de 5.000,00 €.
Ora, dispõe o art. 396º, do CT, que:
1 - Em caso de resolução do contrato com fundamento em facto previsto no n.º 2 do artigo 394.º, o trabalhador tem direito a indemnização, a determinar entre 15 e 45 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo de antiguidade, atendendo ao valor da retribuição e ao grau da ilicitude do comportamento do empregador, não podendo ser inferior a três meses de retribuição base e diuturnidades.
2 - No caso de fração de ano de antiguidade, o valor da indemnização é calculado proporcionalmente.
3 - O valor da indemnização pode ser superior ao que resultaria da aplicação do n.º 1 sempre que o trabalhador sofra danos patrimoniais e não patrimoniais de montante mais elevado.
4 - No caso de contrato a termo, a indemnização não pode ser inferior ao valor das retribuições vincendas.
5 - Em caso de resolução do contrato com o fundamento previsto na alínea d) do n.º 3 do artigo 394.º, o trabalhador tem direito a compensação calculada nos termos do artigo 366.º
Nos termos deste preceito normativo, e cumprindo o desiderato último de responsabilizar o empregador por todos os danos patrimoniais e não patrimoniais a que a sua conduta deu causa, é hoje claro que pode a indemnização devida ao trabalhador ir para além da compensação prevista no n.º 1. Porém, tal só sucederá quando a compensação encontrada através do mecanismo previsto no n.º 1, não for apta a cobrir todos os danos (patrimoniais e não patrimoniais do trabalhador).
Quando a compensação assim arbitrada satisfaça já a finalidade reparatória, permitindo eliminar/compensar o dano, não há que fixar um valor indemnizatório para além do valor da compensação encontrado nos termos do art. 396º, n.º 1, do CT.
Isso mesmo resulta do seu n.º 3.
A A. pede que se fixe a compensação no seu limite máximo e pede, ainda, que se arbitre a indemnização em 5.000,00 €.
Ora, é manifesto que, face à alegação da A., e na falta de qualquer outra alegação no que tange aos danos por si eventualmente sofridos, nunca o tribunal estaria habilitado a concluir que se impunha a fixação de um valor de indemnização superior ao que resultaria da aplicação do n.º 1, porquanto a trabalhadora sofreu danos patrimoniais e não patrimoniais de montante mais elevado do que os peticionados 51.858,00 € (v. art. 68º, da PI).
Face ao exposto, julgamos que, também esta pretensão a uma indemnização de 5.000,00 €, com base em justa causa de resolução do contrato, improcede na totalidade.»

Quanto à 2.ª questão elencada supra, a mesma foi, deste modo, apreciada:
«Notificada da contestação, a A. respondeu contra a matéria de exceção alegando que não se podem contar 30 dias para efeitos de operância do prazo de caducidade, pois:
“2) Salvo melhor opinião estamos aqui perante uma questão que é simultaneamente de categoria profissional e de remuneração, uma vez que associada à categoria profissional estará sempre associado o valor económico paga ao trabalhador como contrapartida da sua prestação, ou seja, a remuneração/retribuição.
3) Assim sendo e uma vez que o art.º 395 não contempla apenas as situações, dos 30 dias consideradas no seu n.º 1, mas também 60 dias considerados no seu n.º 2, e uma vez que a carta apresentada pela trabalhadora era sintética acerca dos motivos, mas não desenvolvia o direito até porque não tem que o fazer, existe aqui uma incompreensão daquilo que foi arguido em sede desse mesmo documento.
4) Explicando melhor, o que é a autora pretende e não só reconhecimento da sua categoria profissional como toda a progressão na carreira a correção dos valores e o pagamento das diferenças, ou seja, remuneração retribuição que não foi entregue pela entidade patronal ao fazer cessar ilegitimamente o vínculo contratual, e é precisamente por essa razão que o prazo a contar é de 60 dias e não de 30 uma vez que a progressão na carreira implica também um pagamento diferente remuneração/retribuição.
5) Cai assim por Terra a tese da hora Ré, de que a autora não impugnou em termo útil, ou seja, não enviou a carta registada com vice receção no prazo imediatamente a seguir à verificação dos factos, é que a razão pela qual os trabalhadores têm de aguardar mais 30 dias, sempre que se trate situação remuneratória/retributiva, é precisamente para dar tempo à entidade patronal para pagar tudo aquilo que é devida e reconhecer a categoria e o valor remuneratório respetivo.
6) Assim sendo não podemos considerar que o prazo se encontra prescrito uma vez que a comunicação entrou dentro dos 60 dias após o despedimento pelo que dúvidas não há que não se encontra prescrito o procedimento e o processo consequentemente deverão ser julgados improcedentes e a exceção perentória de caducidade aqui levantada pela ré mais bem identificada nos autos, considerada improcedente.”
A A. não tem qualquer razão no que diz.
De facto, e conforme resulta da análise que fizemos da comunicação, em momento algum ela invoca nessa declaração ao empregador a violação da sua categoria profissional e de remuneração.
Mesmo no que tange à ali mencionada mudança de funções (face à funções contratadas), não nos é possível verificar perante ao que ali foi escrito uma relação entre aquela mudança e a alteração da categoria profissional.
De facto, se é certo que uma função permite a recondução do trabalhador a uma determinada categoria, não é menos certo que há categorias profissionais que importam uma multiplicidade de funções, certo sendo que o trabalhador não tem que desempenhar todas elas, ou a entidade empregadora não tem que as atribuir in totum ao trabalhador, para que ele passe a integrar aquela categoria.
A A. alega que desempenha funções diversas daquelas que constam do contrato. Não diz que desempenha funções que integram o conteúdo funcional de outra categoria diversa daquela para a qual foi contratada.
Assim, se uma categoria profissional compreende no seu conteúdo funcional a função B e C, e a A. foi contratada para exercer a função B, se no futuro deixar de exercer esta função B para passar a exercer a função C, apesar da mudança de função, face ao que foi contratado, não ocorre qualquer mudança de categoria profissional.
No que respeita à retribuição, nem uma só palavra ali é dita a esse respeito.
Por identidade de razão, face ao que se disse, se a mudança de função não importar uma mudança de categoria, não há mudança de retribuição associada àquela mudança de função, pelo que o que ali é alegado na comunicação dirigida ao empregador, nada permite retirar quanto a estes dois novos fundamentos de resolução do contrato de trabalho que, ali, não constam invocados.
Não tem por isso razão a A.
De todo o modo, e no que tange ao incumprimento da obrigação de pagamento da retribuição importa considerar o que já foi decidido no Ac. da Rel. de Lisboa, de 12/07/2017 (Dr.ª Maria José Costa Pinto), que:
“No caso específico da falta de pagamento da retribuição que se prolongue no tempo, entendemos que se verifica um incumprimento contratual continuado, não restando dúvidas de que, à medida que vai persistindo a mora patronal, se vai igualmente agravando a situação do trabalhador no contexto do contrato, podendo vir a tornar-se para ele insustentável a persistência do vínculo. Pelo que, dentro da lógica que vimos expondo, o prazo de caducidade não deveria iniciar-se a partir da falta de pagamento de qualquer uma das referidas parcelas, mas a partir da data da cessação da situação de incumprimento continuado ou, então, a partir do momento em que os efeitos nefastos dessa falta, no contexto da relação laboral, assumem tal gravidade que a subsistência do contrato de trabalho se torna intolerável para o trabalhador[10].
Importa, contudo, ter presente o disposto no artigo 395.º, n.º 2, do Código do Trabalho de 2009 que, de forma inovatória, estabeleceu que, no caso do n.º 5 do artigo 394.º, o prazo de 30 dias para resolver o contrato se conta a partir do termo do período de 60 dias por que se prolongou a falta de pagamento pontual da retribuição. Assim, em caso de atraso no pagamento da retribuição por período superior a 60 dias, o trabalhador, findo este período, dispõe [diremos nós, apenas dispõe] de mais 30 dias para resolver o contrato, sob pena de caducar o direito de resolução[11].”
Ora, do que se deixa dito, e reportando-se aqueles créditos a valores eventualmente vencidos há décadas, há muito se mostra decorrido o prazo de 30 dias contados a partir do fim do período de 60 dias de não pagamento do trabalho suplementar/diuturnidades alegadamente prestado pela A.
E o que fica de fora considerando a comunicação feita a 22/08/2022, resume-se a muito pouco.
E sempre seria a esse remanescente que importaria apreciar a existência de justa causa para a resolução do contrato.
Não tendo a A. dito uma palavra que fosse naquela comunicação acerca das retribuições em atraso, fácil é de verificar que nenhuma exposição fez quanto à relação entre esse eventual incumprimento e a inexigibilidade de manutenção do contrato de trabalho.
Tenha-se, no entanto, sempre em mira que não é permitido ao trabalhador corrigir as deficiências da comunicação ao empregador alegando factos na petição inicial que ali não constam alegados, ainda que de forma sucinta, conforme se viu supra.».

Ora, em face dos segmentos transcritos da decisão recorrida, mostra-se evidente que houve pronúncia sobre as questões submetidas à apreciação do tribunal e que, em consequência da linha de raciocínio lógico-jurídico seguido, inexistiam outras questões para apreciar, designadamente, não havia fundamento para a ação prosseguir para a realização do julgamento e produção de prova.
A realização do julgamento ficou, pois, prejudicada, conforme se infere do sentido da fundamentação transcrita – artigo 608.º, n.º 2 do Código de Processo Civil.
Sendo assim, não se verifica a “acusada” omissão de pronúncia.
Destarte, resta-nos concluir pela improcedência da arguida nulidade da sentença.
*
V. Da alegada existência de fundamento para a ação prosseguir para julgamento
Apreciemos agora se a ação deveria ter seguido para julgamento, ao invés de ter sido logo decidida em saneador-sentença.
Mostra-se pacifico, ao nível jurisprudencial, que numa ação em que o trabalhador pede que seja reconhecida a licitude da justa causa de resolução do contrato de trabalho por si operada, apenas são atendíveis os factos que tenham sido invocados pelo trabalhador como fundamento da resolução, na comunicação escrita oportunamente endereçada ao empregador.
Sobre esta matéria, cita-se, entre muitos, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29-11-2022 (Proc. n.º 1591/18.5T8CTB.C3.S1):[5]
«Na apreciação da justa causa de resolução, o tribunal apenas pode considerar a factualidade indicada pelo trabalhador na comunicação escrita enviada ao empregador, como resulta do disposto no artigo 395.º, n.º 1, do CT, à semelhança do previsto no artigo 357.º, n.º 4, último segmento, do mesmo diploma, para o despedimento por facto imputável ao trabalhador.».
E cita-se, ainda, o Acórdão do mesmo tribunal de 29-10-2014 (Proc. n.º 1930/05.9TTPRT.P1.S1): [6] [7]
«II – Na apreciação da invocada justa causa de resolução, operada, ex vi do n.º 4 do art. 441.º, por reporte à noção aberta prevista no art. 396.º/2 (com as necessárias adaptações), apenas são atendíveis os factos (provados) que tenham sido invocados pelo trabalhador como fundamento da resolução, na comunicação escrita oportunamente endereçada ao empregador.».
Dito de outro modo, a petição inicial não serve para alegar factos que visem fundamentar a justa causa e que não foram expressamente indicados na carta de comunicação da resolução contratual enviada para o empregador com o objetivo de pôr termo ao contrato.
E quanto ao conteúdo da carta de resolução prescreve o artigo 395.º, n.º 1, do Código do Trabalho que o trabalhador deve comunicar a resolução do contrato ao empregador, por escrito, «com indicação sucinta dos factos que a justificam».
Joana Vasconcelos, em anotação ao mencionado artigo[8], escreveu:
«Na concretização do que seja esta “indicação sucinta”, a jurisprudência dos nossos tribunais superiores, após assinalar o contraste e a patente menor exigência face à “descrição circunstanciada dos factos” que marca a nota de culpa, insiste, não obstante, na necessidade de “enunciar os fundamentos da resolução imediata do contrato” e de “concretizar, com o mínimo de precisão, os factos que estão na base da sua decisão” – de forma a permitir ao empregador apreender e avaliar tais motivos e, se assim o entender, reagir contra os mesmos, bem como possibilitar uma eventual “apreciação judicial da justa causa” – a que a comunicação da resolução não se pode esquivar: v. neste sentido os Acs. RP de 9-3-2015 (Proc. n.º 64/14, Isabel São Pedro Soeiro), RP de 8-9-2014 (Proc. n.º 58/11, João Nunes) e RP de 7-12-2018 (Proc. n.º 1953/17, Jerónimo Freitas), bem como os Acs. RP de 18-6-2012 (Proc. n.º 728/10, Eduardo Petersen Silva), RG de 18-2-2016 (Proc. n.º 1085/15, Manuela Fialho), RP de 29-5-2017 (Proc. n.º 2364/15, Jerónimo Freitas), RP de 20-11-2017 (Proc. n.º 10948/14, Nelson Fernandes), RE de 12-7-2018 (Proc. n.º 638/17, Moisés Silva), RP de 7-12-2018 (Proc. n.º 1953/17, Jerónimo Freitas) e STJ de 31-10-2018 (Proc. n.º 16066/16, Chambel Mourisco), acessíveis em www.dgsi.pt».
Concordamos.
A indicação sucinta dos factos que justificam a justa causa invocada pelo trabalhador, ainda que não tenha o grau de exigência em termos de descrição factual associado normalmente à nota de culpa, tem, no mínimo, de dar a conhecer ao empregador, de uma forma esclarecedora e precisa, o concreto fundamento da resolução contratual, não só para que este possa compreender as causas que conduziram, na perspetiva do trabalhador, à rutura contratual e, querendo, impugná-las em tribunal, como também para permitir a possibilidade de sindicância judicial do especifico fundamento invocado.
Pela relevância, cita-se o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 05-11-1997 (Proc. n.º 97S105):[9]
«II - A existência de justa causa de rescisão não pode considerar-se verificada por declaração na carta de despedimento, de meras ilações e consequências de factos não concretizados, em termos manifestamente opinativos e conclusivos, omitindo os factos suscetíveis de sustentar logicamente a realidade dessas situações.».
E também se cita o Acórdão da Relação do Porto de 18-09-2018 (Proc. n.º 4704/21.6T8MAI-B.P1):[10]
«I - O trabalhador deve fazer a comunicação da resolução do contrato de trabalho com invocação de justa causa por escrito, com a “indicação sucinta dos factos que a justificam” [n.º1, do art.º 395.º], sendo a partir dessa indicação que se afere a procedência dos motivos invocados para a resolução, já que “apenas são atendíveis para a justificar” os factos que dela constarem [n.º 3, do art.º 398.º].
II - E, justamente porque na apreciação judicial da licitude da resolução apenas são atendíveis os factos que foram invocados para a justificar, mas também porque essa comunicação tem que permitir que para o empregador sejam percetíveis os fundamentos invocados na resolução do contrato, a expressão “indicação sucinta dos factos”, embora possa sugerir outra leitura, deve ser entendida no sentido de que o trabalhador não está dispensado de concretizar, com o mínimo de precisão, os factos que estão na base da sua decisão.»
Acresce referir que o cumprimento da exigência da indicação sucinta dos factos que justificam a justa causa invocada pelo trabalhador na comunicação escrita que este dirige ao empregador, é uma condição essencial para a licitude da resolução. A sua preterição conduz à ilicitude do meio de cessação contratual visado pelo trabalhador e tudo se passa como se o mesmo tivesse, unilateralmente, denunciado o contrato, sem aviso prévio.
Posto isto, retornemos ao caso que nos ocupa.
A 1.ª instância entendeu que na carta escrita pela Autora com o intuito de resolver o seu contrato de trabalho não se mostram indicados os factos que justificam a justa causa, pois apenas foram mencionadas situações vagas, genéricas e conclusivas e, como tal, não existiam factos a demonstrar em julgamento, pelo que, em saneador-sentença, ao abrigo do artigo 61.º, n.º 2 do Código de processo do Trabalho, declarou logo a ilicitude da resolução contratual.
Compete-nos reapreciar esta decisão.
Lendo a carta que a recorrente dirigiu à sua empregadora, constatamos que depois de se identificar e de comunicar que pretende resolver o contrato de trabalho, com efeitos imediatos, ao abrigo do disposto no artigo 394.º do Código do Trabalho, a trabalhadora escreveu, para fundamentar a alegada justa causa de resolução:
«De facto, neste momento, apesar das inúmeras promessas de critério igualitário e claro nas promoções a cargos que entram a concurso na empresa, continua e mantem-se o comportamento da parte da UPS Portugal, de preterir as minhas candidaturas às devidas posições que abrem na empresa, sendo que são sistematicamente escolhidos candidatos cujo perfil não corresponde ao perfil solicitado.
Acresce ainda que neste momento me encontro a exercer funções que não correspondem à função designada em contrato.
Mais informo que todas as tentativas que efetuei, de resolução destes conflitos ao longo dos anos, lamentavelmente resultaram em assédio e na fragilização à minha pessoa, pela parte da entidade empregadora, a qual, constantemente e sem outro critério, dá privilégios aos colegas que exercem de momento as mesmas funções que eu, privilégios estes que variam entre o descrito acima e outros, como ficarem em casa em regime de teletrabalho, enquanto que contrariamente aos colegas que exercem as mesmas funções, eu tenho de viajar 90 km para ir às instalações da empresa, castigando-me e discriminando-me assim, o que constitui violação culposa de garantias legais ou convencionais do trabalhador e ofensa à integridade física, moral, liberdade, honra e dignidade do trabalhador.».
Ora, a carta enviada é rica em acusações conclusivas, genéricas, julgadoras, mas absolutamente omissa em termos de factos concretos.
Como refere Alberto Augusto Vicente Ruço[11], «quando aludimos a factos, o senso comum, diz-nos que nos referimos a algo que aconteceu ou está acontecendo na realidade que nos envolve e percecionamos.»
Nesse sentido intuitivo captado pelo senso comum, referem igualmente A. Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora[12] que os factos «abrangem as ocorrências concretas da vida real», aqui cabendo «os acontecimentos do mundo exterior (da realidade empírico-sensível, diretamente captável pelas perceções do homem)», assim como os «eventos do foro interno, da vida psíquica, sensorial ou emocional do individuo (v.g. vontade real do declarante (…))»
Deste modo, juízos valorativos ou conclusivos e generalidades não constituem factos.
Ora, o que a trabalhadora fez na carta que se analisa foi invocar que:
a) as suas candidaturas aos concursos da empresa são sempre preteridas, sendo escolhidos candidatos que não se adequam ao perfil, sem concretizar a que concursos se reporta e sem identificar quem foi escolhido sem o dever ser.
Impossível a empregadora compreender a que concreta realidade, designadamente a que específicos concursos e candidatos se reporta a trabalhadora.
Ou seja, a referido não dá a conhecer a base factual em que assenta a conclusão manifestada.
b) está a exercer funções que não correspondem à função designada em contrato.
É impossível também, em face do declarado, descortinar a que funções se refere a trabalhadora, de modo a permitir a compreensão e sindicância da acusada violação de direitos profissionais e contratuais.
c) foi vítima de assédio cometido pela empregadora, mas não especifica que concretos comportamentos foram assumidos por esta última, suscetíveis de serem qualificados como assédio.
É impossível a empregadora ou o tribunal perceberem que atitudes e/ou condutas especificas, estão na base de tão grave acusação.
E quanto à referência à discriminação e “castigo” por ter de viajar 90 km para se deslocar para a empresa enquanto alguns colegas, que exercem as mesmas funções da Autora, estão em teletrabalho, ficamos igualmente sem saber quais os colegas com quem a trabalhadora se está a comparar, que funções concretas os mesmos exercem, que funções exerce a Autora, etc.
Em suma, não resultam da carta remetida à empregadora factos concretos que justificassem que o processo avançasse para julgamento (e, como já referimos anteriormente, a petição inicial não serve para alegar factos que não foram sucintamente indicados no procedimento legal previsto para a resolução do contrato de trabalho).
Bem andou, pois, o tribunal a quo ao proferir saneador-sentença, apreciando e decidindo sobre a comunicação escrita que foi dirigida à empregadora, uma vez que o processo continha todos os elementos necessários para a decisão da causa – artigo 61.º, n.º 2 do Código de Processo do Trabalho.
Por outras palavras, a análise do conteúdo da mencionada comunicação escrita permitia que fosse proferida decisão sobre o mérito da causa.
Concluindo, o segundo fundamento do recurso (alegada existência de fundamento para a ação prosseguir para julgamento) improcede totalmente.
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VI. Da alegada não verificação da exceção da caducidade invocada
Na decisão recorrida, decidiu-se que a ação não podia proceder porquanto a comunicação escrita dirigida à empregadora não observou as exigências legais (designadamente, a indicação sucinta dos factos que justificavam a justa causa invocada) e por se verificar a invocada exceção perentória da caducidade.
Em sede de recurso, impugna-se esta parte da decisão.
Vejamos.
Extrai-se do n.º 1 do artigo 395.º do Código do Trabalho que a comunicação escrita de resolução do contrato de trabalho deve ser feita nos 30 dias subsequentes ao conhecimento dos factos.
Apenas nos casos previstos no n.º 5 do artigo 394.º do mesmo compêndio legal – falta de pagamento pontual da retribuição que se prolongue por período de 60 dias, ou quando o empregador, a pedido do trabalhador, declare por escrito a previsão de não pagamento da retribuição em falta, até ao termo daquele prazo – o prazo para a resolução do contrato de trabalho se conta a partir do termo do período de 60 dias ou da declaração do empregador.
Ora, tendo em conta o teor da “carta de resolução do contrato de trabalho” sob apreciação, desde logo, se destaca que nenhuma das situações previstas no n.º 5 do artigo 394.º é aí mencionada para fundamentar a invocada justa causa, pelo que, não é de considerar aplicável o prazo previsto no n.º 2 do artigo 395.º.
Apenas se mostra, assim, aplicável o prazo previsto no n.º 1 do artigo 395.º.
Sucede que não tendo a trabalhadora invocado factos concretos para fundamentar a justa causa invocada, conforme anteriormente analisámos, entendemos que a questão da caducidade se mostra prejudicada, nos termos previstos pelo artigo 608.º, n.º 2, do Código de Processo Civil.
Deste modo, embora não acompanhemos a decisão recorrida na parte que decidiu que a ação improcedia por verificação da caducidade do direito de resolução (por consideramos que esta questão ficou prejudicada em face do anteriormente decidido), acompanhamos a decisão na parte que julgou a ação improcedente por a trabalhadora não ter logrado provar a licitude da resolução contratual.
Concluindo, o recurso improcede na totalidade, devendo as custas inerentes ao mesmo ser suportadas pela recorrente, nos termos previstos pelo artigo 527.º do Código de Processo Civil, sem prejuízo da isenção de que beneficia nos termos previstos pelo artigo 4.º, n.º 1, alínea h) do Regulamento das Custas Processuais.
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VII. Decisão
Nestes termos, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em julgar o recurso improcedente, e, em consequência, confirma-se a decisão recorrida.
Custas pela recorrente, sem prejuízo da isenção de custas de que beneficia.
Notifique.

Évora, 9 de maio de 2024
Paula do Paço
João Luís Nunes
Mário Branco Coelho
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[1] Relatora: Paula do Paço; 1.º Adjunto: João Luís Nunes; 2.º Adjunto: Mário Branco Coelho.
[2] Ainda que as conclusões do recurso não se possam considerar exemplares, no sentido de efetuarem uma verdadeira síntese dos fundamentos da impugnação da decisão recorrida, como é exigido pelo artigo 639.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, subsidiariamente aplicável ao processo laboral, a ora relatora, na apreciação liminar do recurso, entendeu que é possível extrair das mesmas as “verdadeiras questões” que fundamentam o recurso, separando-as do que é supérfluo e, como tal, inócuo. Aliás, nas contra-alegações as “verdadeiras questões” foram devidamente identificadas e refutadas, o que demonstra que as mesmas se revelaram inteligíveis e viabilizaram o contraditório. Por conseguinte, a relatora manteve o recurso, valorizando a justiça material em detrimento de uma justiça meramente formal.
[3] Alberto dos Reis, “Código de Processo Civil anotado”, volume V, pág. 143.
[4] In Manual de Processo Civil, 2.ª edição, Coimbra Editora, pág. 245.
[5] Acessível em www.dgsi.pt.
[6] Idem.
[7] Ainda que este aresto mencione artigos do Código de Trabalho de 2003, o mesmo mantém atualidade.
[8] In Código do Trabalho Anotado, 12.ª edição, 2020, Almedina, págs. 910 e 911.
[9] Publicado em www.dgsi.pt.
[10] Idem.
[11] In Prova e Formação da Convicção do Juiz, Almedina-Coletânea de Jurisprudência”, 2016, pág. 55
[12] In Manual de Processo Civil, 2.ª edição, Coimbra Editora, págs. 406-407.