Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
4432/25.3T8STB-A.E1
Relator: VÍTOR SEQUINHO DOS SANTOS
Descritores: DECLARAÇÃO DE INSOLVÊNCIA
FACTOS-ÍNDICE
ARGUIÇÃO DE NULIDADES
Data do Acordão: 10/30/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: 1 – A interposição de recurso de apelação não constitui o meio processual próprio para as partes arguirem nulidades processuais, nomeadamente daquelas que se encontram previstas nos artigos 188.º (falta de citação) e 191.º (nulidade da citação) do CPC.
2 – Estando provado que a acção executiva que a requerente da insolvência instaurou contra a requerida foi declarada extinta devido à inexistência de bens para pagar o crédito exequendo, verifica-se o facto indiciário da insolvência previsto na alínea e) do n.º 1 do artigo 20.º do CIRE. Tendo em conta o disposto na 2ª parte do n.º 5 do artigo 30.º do CIRE, é quanto basta para fundamentar o decretamento da insolvência.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Integral: Processo n.º 4432/25.3T8STB-A.E1

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(…), Transportes Soc. Coop., NIF ES (…), com sede em Calle (…), (…), Salamanca, Espanha, requereu a declaração da insolvência de (…)– Agro Florestal e Turístico, Unipessoal, Lda., NIPC (…), com sede na Av. (…), n.º 14, 1.º Esq.º, (…).

A requerida não contestou, em face do que, na sentença, foram julgados assentes os factos alegados pela requerente, tendo-se concluído pela declaração da insolvência da requerida.

A requerida interpôs recurso de apelação da sentença, tendo formulado as seguintes conclusões:

a) Não tendo sido deduzida oposição, foram considerados confessados os factos alegados na petição inicial e proferida sentença que declarou a requerida, ora recorrente, em estado de insolvência.

b) Salvo o devido respeito, a sentença é nula, por violação flagrante de preceitos legais.

Da arguição de nulidade por falta de citação para o processo de insolvência:

c) A requerida apenas teve conhecimento dos presentes autos de insolvência através de casual consulta do Portal E-Informa, onde constatou que já tinha sido proferida sentença a declarar a sua insolvência. Isto é, conheceu a sentença de insolvência proferida casuisticamente e não após ter sido citada para a acção.

d) Por essa razão – falta de citação – não teve, a requerida, em momento próprio, a possibilidade de apresentar a sua oposição à insolvência ou pronunciar-se sobre o respectivo pedido de insolvência, porque nunca tomou conhecimento da pendência deste processo falimentar contra si, nem sequer da petição inicial apresentada pela requerente.

e) À falta absoluta aplica-se o disposto nos artigos 187.º, alínea a) e 188.º, n.º 1, alínea e), do CPC, ex vi do artigo17.º do CIRE.

f) A requerida nem sequer foi citada.

g) Não foi sequer demonstrado ter sido dado cumprimento ao disposto no artigo 246.º, n.º 11, quanto a uma eventual repetição da «…citação, enviando-se nova carta registada com aviso de recepção à citanda e advertindo-a da cominação constante do n.º 2 do artigo 230.º, observando-se o disposto no n.º 5 do artigo 229.º», todos do Código de Processo Civil.

h) Pese embora o artigo 228.º, n.º 1, do CPC, disponha que «A citação de pessoa singular por via postal faz-se por meio de carta registada com aviso de recepção, de modelo oficialmente aprovado, dirigida ao citando e endereçada para a sua residência ou local de trabalho, incluindo todos os elementos a que se refere o artigo anterior e ainda a advertência, dirigida ao terceiro que a receba, de que a não entrega ao citando, logo que possível, o faz incorrer em responsabilidade, em termos equiparados aos da litigância de má fé», também não deixa de ser verdade que o referido preceito legal estabelece uma presunção que pode ser ilidida, pois que, refere o n.º 5 do mesmo artigo que «Não sendo possível a entrega da carta, será deixado aviso ao destinatário, identificando-se o tribunal de onde provém e o processo a que respeita, averbando-se os motivos da impossibilidade de entrega e permanecendo a carta durante oito dias à sua disposição em estabelecimento postal devidamente identificado».

i) Tudo indica que não foi deixado nenhum aviso destinatário, pelo que não só a citação não foi entregue ao citando, como este nunca a recebeu.

j) Não tendo ocorrido o depósito aviso postal a que se refere o artigo 228.º, n.º 5, do CPC, nem cumprido o disposto no referido artigo 246.º, n.º 11, do CPC, a não recepção da citação não pode ser imputada à ora recorrente.

k) A requerida (destinatário da citação pessoal) não chegou a ter conhecimento do acto, por facto que não lhe foi imputável. Pelo que, a cominação para essa inobservância vem plasmada no artigo 187.º, alínea a), do CPC, onde se determina a anulação de todo o processado posterior à petição inicial.

l) Deverá ser declarada a nulidade emergente da «falta de citação» para o processo falimentar, não só anulando-se subsequentemente todos os actos praticados após a apresentação da correspondente petição inicial, como ainda ser a requerida citada para efeito dos presentes autos.

n) Para a eventualidade de assim não se entender, mas sem conceder e considerar que foram cumpridos todos os requisitos arrolados nos artigos 228.º, 230.º e 246.º do CPC e se vier a concluir não se verificou, no presente caso, a «falta da citação» da requerida, não deixa de haver, no seu entendimento e ainda que com outros pressupostos, a nulidade da citação da requerida.

Da nulidade da citação:

o) Ao invés da figura da «falta de citação» que se tem vindo a sustentar e que se traduz na inexistência pura e simples do acto de citação ou quando se verifiquem determinadas circunstâncias legalmente equiparadas a essa falta de citação, a «nulidade de citação», que, doravante se vem arguir, pressupõe desde logo a realização do acto de citação, embora com preterição de formalidades prescritas na lei quanto ao respectivo cumprimento.

p) Nos termos do disposto no artigo 191.º, n.º 1, do CPC, aplicável ex vi artigo 17.º do CIRE, é nula a citação quando não hajam sido, na sua realização, observadas as formalidades prescritas na lei.

q) No presente caso, é convicção da ora recorrente que não foram observadas as formalidades prescritas na lei quanto à regularidade da citação.

r) Com efeito, a aplicação do processo de insolvência a pessoas colectivas, como é o caso da requerida, ora recorrente, bem como a pessoas singulares incapazes e meros patrimónios autónomos, exige a identificação das pessoas que os representem no âmbito do processo, e a quem, porventura, possam ser imputadas responsabilidades pela criação ou agravamento da situação de insolvência do devedor. Naturalmente que tais pessoas serão aquelas que disponham ou tenham disposto, nalguma medida, e tanto por força da lei como de negócio jurídico, de poderes incidentes sobre o património do devedor, o que legitima a sua reunião na noção de «administradores» contida no n.º 1 do artigo 6.º do CIRE.

s) O preceito em causa deverá ser desde logo conjugado com o artigo 2.º, n.º 1, alínea a), do mesmo diploma legal, que afirma «Podem ser objecto de processo de insolvência…quaisquer pessoas…colectivas», sendo que, para efeito do CIRE são considerados administradores de pessoa coletiva «…aqueles a quem incumba a administração ou liquidação da entidade ou património em causa, designadamente os titulares do órgão social que para o efeito for competente…»; (cfr. artigo 6.º, n.º 1, alínea a), do CIRE).

t) No processo de insolvência, a devedora, sendo uma pessoa coletiva, como sucede com a ora requerida, é citada nos termos do artigo 29.º, n.º 1, do CIRE, que, por remissão legal contida no artigo 17.º, n.º 1, desse diploma legal, determina que tal citação se enquadra no regime especial do artigo 246.º, n.º 1, do CPC, que acaba por remeter para o regime do artigo 223.º do C.P.C., onde se estabelece que «Os incapazes, os incertos, as pessoas colectivas, as sociedades, os patrimónios autónomos e o condomínio são citados ou notificados na pessoa dos seus legais representantes, sem prejuízo do disposto no artigo 19.º».

u) Estabelecendo ainda, embora presuntivamente e de modo ilidível, que «As pessoas colectivas e as sociedades consideram-se ainda pessoalmente citadas ou notificadas na pessoa de qualquer empregado que se encontre na sede ou local onde funciona normalmente a administração».

v) No caso concreto, não foi encontrado, para efeito da realização da citação, qualquer empregado na sede ou local onde funciona normalmente a administração, pelo que a citação não se realizou, pois que, reitera-se, a pessoa colectiva/sociedade só se considera citada na sua própria pessoa quando é citada na pessoa dos seus representantes legais (cfr. artigo 223.º, n.ºs 1 e 3, do CPC).

w) E assumindo que o não cumprimento do preceituado no artigo 233.º do CPC, quando seja legalmente imposto, não será gerador de «falta de citação» da requerida, não pode igualmente deixar de se considerar que a violação desse preceituado determinar a «nulidade da citação» a que se alude no artigo 191.º, n.ºs 1 e 2, do CPC.

x) Nulidade da citação essa que, aqui e agora, expressamente se invoca e pretende ver declarada, por violação da formalidade legal que obriga a que a citação das pessoas colectivas seja feita na pessoa dos seus legais representantes. O que, manifestamente, não sucedeu.

y) Em abono da tese que vem agora defendida pela recorrente, também o artigo 195.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, determinam que «…a prática de um acto que a lei não admita, bem como a omissão de um ato ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa».

z) É imperioso constatar que face ao disposto no artigo 223.º do C.P.C. (e da sua violação) que a irregularidade cometida influiu (ausência de citação da pessoa coletiva na pessoa dos seus legais representantes), acrescenta-se definitivamente no exame ou decisão da causa, porquanto veio a ser proferida sentença de insolvência da requerida sem que esta tivesse a oportunidade de se pronunciar sobre os factos e argumentos contidos na petição inicial, exercendo assim o seu direito ao contraditório legal e constitucionalmente consagrado.

aa) A nulidade ora invocada tem como cominação que «Quando um acto tenha de ser anulado, anulam-se também os termos subsequentes que dele dependam absolutamente…» (cfr. artigo 195.º, n.º 2, do CPC.

bb) Isto é, e no caso concreto, serão igualmente objecto de anulação ou declaração de nulidade todas as decisões judiciais e a própria sentença que veio a declarar a insolvência da requerida.

cc) A sentença é nula, por violação flagrante de preceitos legais!

dd) A citação padece assim de um vício, o que impede o exercício do direito de defesa e do contraditório, na sua plenitude, não tendo tido a recorrente oportunidade de se pronunciar quanto aos factos e quanto ao teor dos documentos juntos.

ee) Pelo que não tendo sido respeitadas as formalidades prescritas na lei, a citação é nula, nos termos do disposto no artigo 191.º do CPC, com as consequências legais daí decorrentes, devendo ser anulados todos os actos posteriormente praticados.

Acresce que,

ff) A sentença declaratória de insolvência foi decretada, tendo sido confessados os factos em face da não oposição ao pedido insolvência, nos termos do artigo 30.º do CIRE e assim a sentença de declaração de insolvência apenas é proferida se os factos alegados preencherem alguma das alíneas do n.º 1 do artigo 20.º.

gg) A argumentação da requerente é toda ela lacónica, redundante e formal, não tendo a requerente alcançado fazer prova dos factos alegados, cujo ónus sobre a mesma impendia.

hh) Sendo, pois, que não se subsumindo em nenhuma das hipóteses previstas no artigo 20.º do CIRE, deveria ter-se o tribunal a quo abstido de declarar de imediato a insolvência da aqui recorrente e deveria ter instado pela realização de outros meios de prova, por forma a integrar num daqueles fundamentos para decretação da insolvência.

ii) A declaração de insolvência deve obedecer a uma análise cuidada e séria dos factos em causa, bem ainda exigir um juízo fundamentado, ponderado e prudente, o que, em nosso singelo entender, não ocorreu nos autos.

jj) Assim, a revelia torna-se inoperante se a causa de pedir não se integrar numa das hipóteses previstas no artigo 20.º do CIRE.

kk) A ausência de oposição pela requerida não dispensa o juízo de submissão dos factos alegados aos factos-índice do artigo 20.º do CIRE.

ll) Os factos não indiciam a insolvência da ora recorrente pelo que esta não podia ter sido decretada. Sendo, pois, a sentença nula, por omissão de pronúncia, nos termos do disposto no artigo 615.º do CPC, ex vi do artigo 17.º do CIRE, por violação do disposto no artigo 30.º, n.º 5, do CIRE.

mm) A insolvente, ora recorrente, não está em situação de insolvência, uma vez que não está impossibilitada de cumprir as suas obrigações vencidas nem o seu passivo é manifestamente superior ao activo.

nn) A sentença deve ser revogada na sua totalidade, não produzindo a mesma quaisquer efeitos, por ter origem nas várias ilegalidades.

oo) Desde logo, sendo a citação (ou, neste caso, a falta dela) nula.

pp) Nulidade essa que se vem invocar e determina a anulação de todos os atos judiciais praticados após a apresentação da petição inicial, incluindo a sentença proferida nos autos a declarar a insolvência da ora requerida.

qq) Foram assim violados os artigos 187.º, alínea a) e 188.º, n.º 1, alínea e), do CPC, ex vi do artigo17.º do CIRE, artigos 221.º, 228.º, 229.º, 246.º, todos do CPC, bem como artigo 191.º, n.º 1, do CPC, aplicável ex vi do artigo 17.º do CIRE, assim como o artigo 20.º do CIRE e artigo 615.º do CPC, ex vi do artigo 17.º do CIRE, por violação do disposto no artigo 30.º, n.º 5, do CIRE.

rr) E também, devendo a sentença ser revogada na sua totalidade, por violação clara dos princípios da defesa, contraditório, justiça, certeza e segurança jurídicas e Estado de Direito.

E, sem conceder,

ss) Caso assim não se entenda, revogar a decisão em dissídio por a mesma se fundar em factos incertos e dúbios, não tendo ficado provado que a situação da recorrente se subsuma a qualquer uma das situações elencadas no artigo 20.º do CIRE.

As questões a resolver são as seguintes:

1 – Se o recurso é o instrumento processual adequado para a arguição de nulidades processuais alegadamente cometidas pelo tribunal recorrido;

2 – Se se verificam os pressupostos da declaração de insolvência.


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1.ª questão:

A recorrente não arguiu a falta de citação ou a nulidade desta perante o tribunal de 1.ª instância. Em vez disso, na sequência da prolação da sentença que a declarou insolvente, interpôs o presente recurso, no qual arguiu aquelas nulidades processuais perante o tribunal de 2.ª instância.

A interposição de recurso de apelação não constitui o meio processual próprio para as partes arguirem nulidades processuais, nomeadamente daquelas que se encontram previstas nos artigos 188.º (falta de citação) e 191.º (nulidade da citação) do CPC. Decorre dos artigos 196.º a 201.º do CPC que esse meio processual é a reclamação perante o tribunal que, no entendimento da parte, cometeu tais nulidades (salvo na hipótese excepcional prevista no n.º 3 do artigo 199.º do CPC, em que a arguição pode ser feita perante o tribunal superior, mas que não se verifica no caso dos autos), e não o recurso de uma decisão proferida na sequência destas. A arguição das descritas nulidades processuais através da interposição do presente recurso é, pois, legalmente inadmissível, não podendo ser conhecida pelo tribunal de 2.ª instância, que carece de competência para o efeito.

No caso dos autos, verifica-se uma razão acrescida para que assim seja. Apercebendo-se de que a recorrente arguíra, indevidamente, as nulidades processuais acima referidas nas alegações de recurso, o tribunal de 1ª instância convolou implicitamente essa parte das alegações de recurso num requerimento de arguição de nulidades processuais perante si próprio, decidindo-o nos seguintes termos:

«Quanto à nulidade arguida, entendemos que a mesma improcede.

Se não vejamos.

A requerida tem sede na Av. (…), 14, 1º-Esq., (…).

A citação da requerida foi efetuada por depósito na morada da sua sede social, nos termos do art. 246º, n.º 13, al. b) do CPC, não tendo sido deduzida oposição no prazo legal, pelo que, cumpre julgar improcedente a arguida nulidade.»

Esta decisão, proferida na sequência da admissão do presente recurso, não faz, obviamente, parte do objecto deste último.

Tendo o tribunal de 1ª instância decidido a arguição das nulidades processuais em questão e não sendo essa decisão objecto do presente recurso, reforçada fica a conclusão de que se encontra vedado o conhecimento daquela arguição ao tribunal de 2ª instância.

Contudo, insistimos: ainda que o tribunal de 1ª instância não tivesse convolado a primeira parte das alegações de recurso em requerimento de arguição de nulidades processuais perante si próprio e, nessa sequência, conhecido dessa arguição, o tribunal de 2ª instância continuaria a ser incompetente para esse conhecimento em 1ª instância. Em tal hipótese, apenas seria de ponderar a convolação, pela 2ª instância, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 193.º do CPC e à luz dos princípios da economia processual e do aproveitamento dos actos processuais, da primeira parte das alegações de recurso em requerimento de arguição de nulidades processuais perante a 1ª instância e determinar que esta dele conhecesse. O que, obviamente, não poderá ter lugar no caso dos autos uma vez que o próprio tribunal de 1ª instância tomou essa iniciativa, sanando o erro cometido pela recorrente na escolha da forma processual adequada para a arguição de nulidades processuais.

2.ª questão:

O tribunal a quo declarou a insolvência da recorrente com fundamentação que assim se resume:

- A recorrente, apesar de ter sido regularmente citada, não deduziu oposição, pelo que, nos termos do n.º 5, do artigo 30.º, do CIRE e tendo em conta os documentos juntos, consideram-se assentes os factos alegados pela recorrida;

- O património da recorrente não é suficiente para pagar o passivo, encontrando-se aquela impossibilitada de cumprir as suas obrigações vencidas;

- A acção executiva que a recorrida instaurou contra a recorrente foi declarada extinta por insuficiência de bens para pagar o crédito exequendo;

- Pelo que se verificam, relativamente à recorrente, os factos indiciários de uma situação de insolvência previstos nas alíneas a), b) e e) do n.º 1 do artigo 20.º do CIRE.

A recorrente considera que não existe fundamento para a sua declaração como insolvente, com argumentação que assim se resume:

- A argumentação constante da petição inicial é lacónica, redundante e formal;

- A recorrida não logrou fazer prova dos factos que alegou;

- Não se verificando qualquer das hipóteses previstas no artigo 20.º do CIRE, o tribunal a quo devia ter-se abstido de declarar de imediato a insolvência da recorrente e «deveria ter instado pela realização de outros meios de prova, por forma a integrar num daqueles fundamentos para decretação da insolvência»;

- A revelia é inoperante se a causa de pedir não se integrar numa das hipóteses previstas no artigo 20.º do CIRE, como acontece no caso dos autos;

- Afirma-se, na sentença recorrida, que há desconhecimento quanto ao activo existente, pelo que este pode existir; ora, o pressuposto da declaração de insolvência é a insuficiência de bens em face do passivo, pelo que, se o activo é desconhecido, não pode concluir-se de que tal insuficiência se verifique;

- Desconhece-se se existem mais acções executivas contra a recorrente.

Analisemos a questão.

Na petição inicial, a recorrida alegou, nomeadamente, o seguinte:

- A recorrente deve-lhe a quantia de € 4.878,72, correspondente ao preço de um serviço de transporte que ela, recorrida, prestou;

- A acção executiva que a recorrida instaurou contra a recorrente com vista à cobrança daquela dívida, cujo valor ascendia, então, a € 5.381,92, foi declarada extinta devido à inexistência de bens da segunda;

- À recorrente não é conhecido qualquer bem móvel ou imóvel, sendo patente que, através do processo executivo, a recorrida nunca conseguirá obter a satisfação do seu crédito.

Na sua 1ª parte, o n.º 5 do artigo 30.º do CIRE estabelece que, se a audiência do devedor não tiver sido dispensada nos termos do artigo 12.º e o devedor não deduzir oposição, consideram-se confessados os factos alegados na petição inicial.

Tendo o tribunal a quo considerado a recorrente regularmente citada e não tendo esta deduzido oposição, consideram-se provados, por confissão, os factos alegados pela recorrida. Carece, pois, de sentido a afirmação da recorrente de que a recorrida não logrou fazer prova dos factos que alegou. Essa prova foi feita, através da confissão da recorrente.

A alegação de facto constante da petição inicial é suficiente para, ao ser, como foi, julgada provada, integrar, pelo menos, a previsão da alínea e) do n.º 1 do artigo 20.º do CIRE. Com efeito, estando provado que a acção executiva que a recorrida instaurou contra a recorrente foi declarada extinta devido à inexistência de bens para pagar o crédito exequendo, é indiscutível que se verifica aquele facto indiciário da insolvência. Tendo em conta o disposto na 2ª parte do n.º 5 do artigo 30.º do CIRE, nos termos da qual a insolvência é declarada se os factos confessados preencherem a hipótese de alguma das alíneas do n.º 1 do artigo 20.º, é quanto basta para o decretamento da insolvência da recorrente.

Sendo assim, o tribunal a quo decidiu bem ao julgar a acção procedente e declarar a recorrente em situação de insolvência, com as legais consequências. A sentença recorrida deverá ser confirmada, improcedendo o recurso.


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Dispositivo:

Delibera-se, pelo exposto, julgar o recurso improcedente, confirmando-se a sentença recorrida.

Custas a cargo da recorrente.

Notifique.


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Sumário: (…)

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30.10.2025

Vítor Sequinho dos Santos (relator)

Maria Isabel Calheiros (1ª adjunta)

Cristina Dá Mesquita (2ª adjunta)