Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
415/22.3GBSSB.E1
Relator: MARIA PERQUILHAS
Descritores: REJEIÇÃO DO RECURSO
MANIFESTA IMPROCEDÊNCIA
DECISÃO SUMÁRIA DO RELATOR
Data do Acordão: 05/21/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: I - A rejeição dos recursos, por “decisão sumária” do Relator, pode ter como base a “manifesta improcedência” do recurso.
II - A “manifesta improcedência” ocorre quando, atendendo à factualidade apurada, à letra da lei e à jurisprudência dos tribunais superiores, é patente a sem razão do recorrente.
III - Nessa situação, a figura da rejeição dos recursos, por “decisão sumária”, destina-se a potenciar a economia processual, numa ótica de celeridade e de eficiência, com vista a obviar ao reconhecido pendor para o abuso de recursos.
Decisão Texto Integral:

Acordam, em conferência, na 2ª Sub-Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora

Por decisão sumária proferido no dia 18 de abril de 2024 decidimos rejeitar o recurso interposto com fundamento na ausência de indicação das normas violadas o que determina que o mesmo deve ser rejeitado, art.º 417.º, n.º 6, al. b), 417.º, n.º 6, al. b) e 420.º, n.º 1, al. a), todos do CPP.
Inconformada com a Decisão Sumária proferida veio a arguida M Reclamar para a Conferência nos termos que se seguem:
M, recorrente nos autos à margem identificados em que é recorrido O MINISTÉRIO PÚBLICO, não se conformando com a douta decisão singular que rejeitou o recurso, vem ao abrigo do disposto no artigo 417º nº 8 CPP, apresentar reclamação para a conferência, nos termos e com o seguintes fundamentos:
1. O artigo 417º nº 3 do CPP que prescreve que : Se das conclusões do recurso não for possível deduzir total ou parcialmente as indicações previstas nos nºs. 2 a 5 do artigo 412º CPP, o relator convida o recorrente a completar ou esclarecer as conclusões formuladas, no prazo de 10 dias, sob pena de o recurso ser rejeitado ou não ser conhecido na parte afetada.
2. Quando a recorrente expõe consistentemente as razões concretas da sua discordância na motivação do seu recurso, mas depois, por lapso, não as assinala devidamente nas conclusões existem razões que se fundamentam na proibição de excesso, no princípio da proporcionalidade constitucionalmente consagrado no artigo 18º nº 2 da CRP que justificam a convite e a consequente possibilidade de correção.
3. Se as conclusões finais da motivação da recorrente não satisfizerem os requisitos formais do artigo 412º do CPP, impõe-se que o tribunal o convide a corrigi-las nos pontos considerados afetados, sob pena de interpretação inconstitucional do preceito que leve logo à rejeição do recurso, dada a sua evidente desproporcionalidade, por violação do disposto no artigo 32º nº 1 da Constituição da República Portuguesa.
4. Pelo que, se requer a anulação da decisão sumária e seja proferido despacho de aperfeiçoamento.
5. Mais se requer, que sobre a decisão que venha a ser proferida recaia um acórdão.
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A decisão Reclamada é do seguinte teor:
I – RELATÓRIO
1 – No dia 06 de novembro de 2023, após julgamento com intervenção do Tribunal Singular, foi proferida Sentença através da qual se decidiu:
(i) Condenar a arguida M, pela prática, em autoria material e na forma consumada, de 1 (um) crime de ofensa à integridade qualificada, previsto e punido pelos artigos 143.º, n.º 1, e 145.º, n.º 1, alínea a), por referência ao artigo 132.º, n.º 2, alínea b), todos do Código Penal, na pena de 7 (sete) meses de prisão, substituída por 210 (duzentos e dez) dias de multa, à taxa diária de € 6,00 (seis euros), no quantitativo global de € 1.260,00 (mil duzentos e sessenta euros).
(ii) Condenar a arguida M nas custas criminais, fixando a taxa de justiça em 2 UC (artigos 513.º e 514.º, do Código de Processo Penal, e artigo 8.º, n.º 9, do Regulamento das Custas Processuais e tabela III anexa).
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Inconformada com a decisão veio a arguida interpor recurso, apresentando as seguintes transcritas Conclusões:
A - A motivação do presente recurso prende-se:
I - Objeto e delimitação do Recurso:
C) Fundamentação de Facto: Fatos Provados
D) Fatos Não provados
II - Matéria de Facto:
a. Erro notório na apreciação da prova - estatuída no art.0 410°, n° 2, alínea c) do CPP e impõe uma decisão diversa - art.0 412°, n° 3, alínea b) do CPP;
b. Violação dos princípios de Presunção de Inocência e “in dubio pro reo” – consagrado no artº 32° da CRP
III - Matéria de Direito - Enquadramento Jurídico-Penal
B - O objeto do recurso visa a impugnação da decisão sobre a matéria de facto e, por entender merecer uma valoração diversa da aplicada, considerando ter sido um manifesto erro de apreciação da prova produzida, nomeadamente por insuficiência da prova produzida e por erro grosseiro na apreciação desta, quer pericial, quer testemunhal, quanto aos factos concretamente imputados à Arguida, e, ainda, para reapreciação da matéria de direito, considerando incorreta a aplicação do direito aos fatos e à medida da pena que foi determinada.
C - Por douta sentença proferida e depositada em 06.11.2023, o Tribunal a quo decidiu condenar a Arguida/Recorrente M pela prática:
(i) em autoria material e na forma consumada, de 1 (um) crime de ofensa à integridade qualificada, previsto e punido pelos artigos 143.°, n.° 1, e 145.°, n.° 1, alínea a), por referência ao artigo 132.°, n.° 2, alínea b), todos do Código Penal, na pena de 7 (sete) meses de prisão, substituída por 210 (duzentos e dez) dias de multa, à taxa diária de € 6,00 (seis euros), no quantitativo global de € 1.260,00 (mil duzentos e sessenta euros).
- Condenar a Arguida nas custas do processo, fixando-se a taxa de justiça individual em 2 UC.
D - Porém, com o devido respeito, que é muito, não pode a Recorrente acompanhar e aplaudir tal entendimento, versando a matéria de facto, o identificado Acórdão padece dos seguintes vícios:
- Erro notório na apreciação da prova - estatuída no art. 410°, n° 2, alínea c) do CPP e impõe uma decisão diversa - art.º 412°, n° 3, alínea b) do CPP;
- Violação dos princípios de Presunção de Inocência e “in dubio pro reo" - consagrado no art0 32° da CRP.
E – O Tribunal A Quo não valorou a prova produzida e andou mal ao considerar que:
5. Nessa sequência, após o início de uma discussão entre ambos sobre quem ficaria com L, a arguida M dirigiu-se ao ofendido N, que tinha a filha ao colo, puxou a sua filha e, após, desferiu no ofendido, duas pancadas com a sua mão, atingindo-o na sua face do lado esquerdo e com as unhas atingiu o pescoço do mesmo arranhando-o.
6. Como consequência direta e necessária, o ofendido N sentiu dores físicas nas zonas atingidas.
7. A arguida bem sabia que, com tal conduta, conseguiria molestar fisicamente o corpo e a saúde do ofendido N, o que quis e conseguiu.
8. Mais sabia a arguida que agia contra o seu antigo companheiro, com quem manteve uma relação de cama, mesa e habitação, pai da sua filha, e que aquele tinha a filha de ambos ao colo e, ainda assim, atuou com manifesto desprezo e insensibilidade pelo ofendido, não obstante se encontrar bem ciente dos especiais deveres que sobre si impendiam na qualidade de mãe da filha em comum e como antiga companheira daquele, o que quis e conseguiu.
9. A arguida M agiu de forma livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punido por lei.
F - O vício do erro notório na apreciação da prova ocorre quando resulta evidente uma conclusão sobre o significado da prova contrária àquela a que o tribunal chegou a respeito de factos relevantes para a decisão de direito, ou, pelo menos, quando a prova poderia fundamentar a decisão do tribunal sobre essa matéria fáctica.
G - Na decisão sub judice verifica-se um erro notório na apreciação da prova, ressaltando da sentença que o tribunal valorou incorretamente a prova produzida e a constante dos autos, vindo a redundar na subsunção jurídica - crime de de ofensa à integridade qualificada, previsto e punido pelos artigos 143.°, n.° 1, e 145.°, n.° 1, alínea a), por referência ao artigo 132.°, n.° 2, alínea b), todos do Código Penal.
H - Cotejando os factos não provados, o Tribunal a quo não logrou provado que:
- Como consequência direta e necessária da queda sofrida o ofendido N sofreu estigmas ungueais (feridas lineares superficiais em número de três) sobre a omoplata esquerda e paralela entre si e cada uma com 3 cm e estigmas ungueais (feridas lineares superficiais em número de três) cada um com cerca de 4 cm, paralelas entre si e na face externa do braço.
- Tais lesões determinaram ao ofendido N, direta e necessariamente, 10 dias para a sua cura, sem afetação da capacidade de trabalho geral e sem afetação da capacidade de trabalho profissional.
I - O Tribunal A Quo fez uma apreciação discricionária e subjetiva da prova.
J - Partindo de uma presunção de culpa, ao invés da “antítese da presunção de culpa “, a presunção de inocência, proclamada em 1789, na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão(artº 9º), que se veio a tornar um dos princípios fundamentais do processo penal do Estado de Direito, à semelhança dos da autonomia das entidades acusadora e julgadora, da contraditoriedade, da publicidade, da oralidade e da livre convicção probatória.
K - Todo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação, devendo ser julgado no mais curto prazo compatível com as garantias de defesa.
L - Por força da presunção de inocência, só podem dar-se como provados quaisquer factos ou circunstâncias desfavoráveis ao arguido, quando eles se tenham, efetivamente, provado, para além de qualquer dúvida, então é inquestionável que, em caso de dúvida na apreciação da prova, a decisão nunca pode deixar de lhe ser favorável.
M - No caso vertente, a douta Sentença recorrida enferma de um erro notório na apreciação da prova produzida nos autos, bem como da aplicação das normas legais, o que, consequentemente resultou em erro, traduzido na inadequada condenação da arguida.
N - Efetivamente, afigura-se-nos, com o devido respeito, que a douta sentença recorrida não poderia considerar como provados os factos provados 5 a 9 da douta decisão condenatória, pelo que, neste campo, o mesmo viola o disposto no artigo 410.°, n.° 2, alínea c),do C.P.P., .
O - O Tribunal A Quo não valorou a prova produzida e andou mal ao considerar que a Recorrente desferiu no ofendido duas pancadas com a sua mão, atingindo-o na face do lado esquerdo e com as suas unhas atingiu o pescoço do mesmo arranhando-o.
P - O Ofendido, se tal fosse processualmente admissível, queria desistir da queixa.
Q - O Ofendido, caiu em diversas contradições no seu depoimento, nomeadamente, que tinha sofrido dores, todavia, não se apercebeu dos arranhões.

R - Que, a Recorrente lhe desferiu um murro, que foi atingido, que foi um murro, que nem se apercebeu que estava arranhado, que não sabe se foi a Recorrente ou o atual companheiro desta - o Sr. André que o atingiu.
S - Ora, um murro desfere-se com a mão fechada, pelo que é inadmissível que tivesse provocado as lesões – arranhões que constam da perícia.
T - Porque motivo o ofendido imputou à Recorrente a prática de ofensas à sua integridade física e como lesões indica as constantes da perícia médica, onde consta 3 arranhões com 4 cms. de distância uns dos outros?
U - Aliás, Tribunal a Quo não deu como provado que essas lesões tivessem sido consequência da atuação da Recorrente.
V - O Ofendido também não soube concretizar se os arranhões foi a Mónica ou se foi o A.
X - Ora, o A é precisamente o outro arguido no presente processo e que foi proferido despacho de arquivamento quanto aos factos que lhe foram imputados pelo ofendido, dois meses depois da ocorrência em apreço.
Z - O Ofendido, quanto às lesões no braço da Recorrente confessou a sua autoria e quanto às escoriações no nariz disse que não se lembrava.
AA - A testemunha D, militar da GNR, foi perentório em confirmar que houve um abraço da Recorrente com o ofendido e a menor; que não houve agressões, que ninguém apresentava lesões.
AB - A testemunha J a admitir que houve alguma ofensa á integridade física do ofendido, apenas refere o ombro, e mais nenhuma parte do corpo do ofendido; ora, em parte alguma do processo se faz referência ao ombro!
AC - A testemunha A confirmou a intenção do ofendido levar a criança, afirmando para. A Recorrente : “ diz-lhe adeus, nunca mais a vês”.
AD – Nessa sequência, o receio da Recorrente em que levasse a filha, atendendo às precárias condições do ofendido, residência sem água e luz, a falta de higiene, é que a impeliu a tentar que o ofendido levasse a menor.
AE – Qualquer boa mãe, tentaria defender o interesse superior da criança.
AF – Mesmo que tivesse havido ofensas à integridade física, o que não se concede, sempre se diria que a Recorrente agiu em legitima defesa da sua filha.
AG - O preenchimento do tipo legal de crime de ofensa à integridade física qualificada previsto no artº 145º CPenal, no que ao presente caso importa, pressupõe a verificação de uma lesão da integridade física simples (artº 143º CPenal), sendo necessário, ainda, que a conduta do agente revele especial censurabilidade ou perversidade acrescida, a qual poderá decorrer das circunstâncias previstas no artº 132º nº 2 CPenal.
O elemento objetivo, é assim, causar uma ofensa no corpo ou na saúde de outrém.
Para que o tipo subjetivo do crime de ofensa à integridade física qualificada se mostre preenchido é necessário que o resultado seja imputado ao agente a título de dolo, já que se exige um verdadeiro dolo de dano ou de resultado. O elemento objetivo, é assim, causar uma ofensa no corpo ou na saúde de outrém.
AH - Ora, não tendo resultado provado que a Recorrente causou quaisquer ofensas no corpo ou na saúde do ofendido,
AI - Devendo, assim, ser dado como não provado os 5. A 9. Da sentença recorrida e a Recorrente ser absolvida!
AJ – A Recorrente não tem antecedentes criminais.
AK – A Recorrente aufere 860,00 euros mensais.
AL – A pena de prisão em que foi condenada mostra-se excessiva : 7 meses, convertida em 210 dias de multa à taxa diária de 6,00 euros.
AM - Face ao exposto, a condenação da Arguida é um erro grosseiro não é compaginável com um estado de direito, pelo que deve a Arguida M ser absolvida do crime de que vem acusada.
Nestes termos, requer a V/ Exas. que concedam provimento ao presente recurso e, em consequência, se proceda à revogação da decisão ora recorrida, farão, assim, V/ Exas., a acostumada Justiça !
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Os recursos foram recebidos e o recebido o MP na primeira instância apresentou resposta, onde conclui nos seguintes termos:
1. A arguida foi condenada pela prática como autora material, de um crime de 1 (um) crime de ofensa à integridade qualificada, previsto e punido pelos artigos 143.º, n.º 1, e 145.º, n.º 1, alínea a), por referência ao artigo 132.º, n.º 2, alínea b), todos do Código Penal, na pena de 7 (sete) meses de prisão, substituída por 210 (duzentos e dez) dias de multa, à taxa diária de € 6,00 (seis euros), no quantitativo global de € 1.260,00 (mil duzentos e sessenta euros).
2. Discordando da sentença proferida, veio a recorrente alegar que não deviam ter sido dados como provados os factos constantes de sentença, sem que para o efeito os tenha individualizado.
3. Sucede que a recorrente não invocou em sede de recurso as normas que entende terem sido violadas pela douta sentença proferida.
4. Inexistindo nas conclusões apresentadas a referência a qualquer norma violada pela sentença proferida, salvo melhor opinião, nos termos dos artigos 414.º, n.º 2 e 417.º, n.º 3 do Código de Processo Penal, deverá ser realizado o convite ao aperfeiçoamento, sob pena de rejeição do recurso interposto.
5. No que se reporta ao “erro de julgamento”/ “insuficiência de prova” afirmado, a recorrente não cumpriu o ónus que lhe incumbia de especificar as passagens concretas em que funda a sua pretensão e apreciação da prova motivo pelo qual, salvo o devido respeito por opinião contrária, não deverá o Tribunal conhecer do recurso.
6. Caso assim não se considere, desde já deverá referir-se que o Tribunal a quo elucidou na sentença proferida quais os elementos de prova a que atendeu para dar como provados os factos elencados, não se vislumbrando qualquer erro na formação da convicção do Tribunal.
7. Ademais, tal como se fez questão de analisar os depoimentos colocados em causa pela recorrente foram devidamente analisados pela Mm.ª Juiz do Tribunal a quo, de onde decorre a forma como a testemunha J e N prestaram o seu depoimento e os condicionalismos dos mesmos.
8. Salvo o devido respeito quanto a opinião diversa, denota-se dos depoimentos pontos em comum que fazem alicerçar a posição demonstrada pelo Tribunal.
9. Acresce que, as passagens indicadas pela recorrente, reconduzem-se, algumas delas a frases, sem contextualização e que não traduzem a prova produzida.
10. Assim, salvo o devido respeito por opinião contrária, crê-se que não deverá proceder a argumentação expendida pelo recorrente.
11. Importa ressalvar que, salvo o devido respeito por posição diversa, não foi violado o princípio da presunção da inocência, porquanto a prova carreada para os autos permite efectivamente dar como provada toda a factualidade.
12. Ademais, crê-se que também não prestando a arguida quaisquer declarações, tal não a pode desfavorecer, mas também não a pode favorecer, porquanto não foi infirmada sequer a versão apresentada pelo ofendido.
13. Crê-se ainda que, não prestando a arguida declarações também não poderá ser alegada qualquer situação de legitima defesa, porquanto ainda com o que foi referido pelo ofendido considera-se que não estão cumpridos os pressupostos para considerar tal causa de exclusão da ilicitude.
14. Por último, quanto ao tipo de crime cometido pela arguida diga-se que a mesma agiu sobre o ex-companheiro, pai da sua filha, com a mesma ao colo, colocando o ofendido na impossibilidade de se defender e ainda assim atingiu-o, demonstrando indiferença perante o seu bem estar físico.
15. Por todo o exposto, crê o Ministério Público que se encontra preenchido o tipo objectivo e subjectivo do crime pelo qual foi a arguida condenada.
16. Em suma, crê-se que o Tribunal a quo com a decisão proferida não violou qualquer normativo legal e nenhuma censura se pode dirigir à decisão recorrida, uma vez que a mesma nos parece justa e equilibrada, devendo improceder o recurso apresentado.
Face ao supra exposto e pelos fundamentos invocados, entende-se que deve ser negado provimento ao recurso interposto e, em consequência, manter-se a sentença recorrida, assim se fazendo Justiça.
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II - O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões do recorrente. Só estas o tribunal ad quem deve apreciar art.ºs 403º e 412º nº 1 CPP[1] sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso – art.º 410º nº 2 CPP.
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Questões a decidir:
(i) Falta de indicação pela recorrente das normas jurídicas violadas;
(ii) Erro de julgamento;
(iii) Erro notório na avaliação da prova;
(iv) Violação do princípio da presunção da inocência e do in dúbio pro reo;
(v) Erro na qualificação jurídica dos factos;
(vi) Da adequação e justeza da pena aplicada;
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III.
A - É do seguinte teor da decisão de facto impugnada por via do presente recurso:
II – Fundamentação:

III. Fundamentação de facto

Factos provados:

Da discussão da causa, com relevância para a decisão, resultaram provados os seguintes factos:

1. Entre março de 2014 e janeiro de 2021, a arguida M e o ofendido N, residiram em comunhão de cama, mesa e habitação, como se de marido e mulher se tratassem, tendo-se separado em 13 de janeiro de 2021.

2. Da relação existente entre a arguida M e o ofendido N, nasceu, no dia (…..) de 2015, L.

3. No dia 1 de julho de 2022, pelas 19 horas e 40 minutos, a arguida M e o ofendido N encontravam-se na Avenida (…..), na Quinta do Conde, para L se encontrar com o ofendido.

4. Nas circunstâncias de tempo e lugar supra descritas, o ofendido N falou com a sua filha e pegou na mesma ao colo e dirigiu-se à arguida M.

5. Nessa sequência, após o início de uma discussão entre ambos sobre quem ficaria com L, a arguida M dirigiu-se ao ofendido N, que tinha a filha ao colo, puxou a sua filha e, após, desferiu no ofendido, duas pancadas com a sua mão, atingindo-o na sua face do lado esquerdo e com as unhas atingiu o pescoço do mesmo arranhando-o.

6. Como consequência direta e necessária, o ofendido N sentiu dores físicas nas zonas atingidas.

7. A arguida bem sabia que, com tal conduta, conseguiria molestar fisicamente o corpo e a saúde do ofendido N, o que quis e conseguiu.

8. Mais sabia a arguida que agia contra o seu antigo companheiro, com quem manteve uma relação de cama, mesa e habitação, pai da sua filha, e que aquele tinha a filha de ambos ao colo e, ainda assim, atuou com manifesto desprezo e insensibilidade pelo ofendido, não obstante se encontrar bem ciente dos especiais deveres que sobre si impendiam na qualidade de mãe da filha em comum e como antiga companheira daquele, o que quis e conseguiu.

9. A arguida M agiu de forma livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punido por lei.

Mais se provou:

10. A arguida auferiu em setembro de 2023, em virtude de trabalho por conta de outrem, remuneração no valor de € 810,66.

11. Do Certificado de Registo Criminal da arguida nada consta.

Factos não provados:

a) Como consequência direta e necessária da queda sofrida o ofendido N sofreu estigmas ungueais (feridas lineares superficiais em número de três) sobre a omoplata esquerda e paralela entre si e cada uma com 3 cm e estigmas ungueais (feridas lineares superficiais em número de três) cada um com cerca de 4 cm, paralelas entre si e na face externa do braço.

b) Tais lesões determinaram ao ofendido N, direta e necessariamente, 10 dias para a sua cura, sem afetação da capacidade de trabalho geral e sem afetação da capacidade de trabalho profissional.

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Não se consignam os demais factos constantes dos articulados por os mesmos serem repetidos, irrelevantes, conclusivos e/ou de Direito, cuja consignação está legalmente vedada ao Tribunal.

Motivação da decisão de facto:

A convicção do Tribunal baseou-se na ponderação crítica do conjunto da prova produzida em julgamento, apreciada segundo as regras da experiência comum e de acordo com o princípio da livre apreciação da prova, ínsito no artigo 127.º, do Código de Processo Penal.

Assim, o Tribunal valorou em concreto:

i. Prova testemunhal, valorando-se o depoimento das seguintes testemunhas:

a) J, vizinho da arguida;

b) D, militar da GNR;

c) F e A, respetivamente mãe do companheiro da arguida e companheiro da arguida;

d) N, ofendido nos presentes autos;

ii. Prova pericial, em concreto o Relatório da perícia de avaliação do dano corporal, de fls. 48;

iii. Prova documental constante dos autos, designadamente o Auto de notícia, fls. 5 a 7; Assento de Nascimento de L, de fls. 186; Pesquisas às bases de dados da Segurança Social, de Ref.ª 7590873; Certificado de Registo Criminal, de Ref.ª 7469236.

A arguida não prestou declarações, nem quanto aos factos, nem quanto às suas condições socioeconómicas, no exercício do seu direito ao silêncio.

Da prova produzida em sede de audiência de julgamento, resultam factos que não foram infirmados, nem contrariados, não tendo sido colocada em causa a relação pretérita entre a arguida e o ofendido, a filha em comum de ambos (que ressalta do assento de nascimento junto aos autos a fls. 186), e bem assim a data, hora e local em que os factos ocorreram, a efetiva interação entre arguida e ofendido naquele momento, e a existência de um desentendimento entre aqueles, e que se relacionava com os convívios com a L, filha comum de ambos, uma vez que nesta matéria a prova foi consentânea e coincidente, corroborando-se mutualmente o depoimento das testemunhas inquiridas neste conspecto.

No mais, tendo tal circunstância por assente, ressalta a prova testemunhal, sendo certo que a arguida recusou-se validamente a prestar declarações, o que igualmente não permitiu aquilatar da sua versão dos factos.

E tendo por base os concretos depoimentos que foram prestados em Tribunal, urge atentar em cada um deles individualmente, não fossem as particularidades que os pautaram.

Começando pelo depoimento de J, vizinho da arguida, de forma objetiva e encadeando os eventos logicamente, esclareceu o momento em que se apercebeu de uma “gritaria enorme”, explicando que se encontrava na cozinha da sua casa, cuja varanda é virada precisamente para a Avenida (…..). Da sua casa (situada no 2.º andar frente direito), visualizou o ofendido, que tinha a criança ao colo, e a arguida a discutir com este, irritada e enervada, e a querer tirar a criança do colo do pai. Neste conspecto, espontaneamente, disse ter ouvido a criança a dizer ao pai que já estava toda borrada nas cuecas. Aliás, concretizou, afirmando ter visto a mãe a puxar pelo braço da criança, e esta a dizer que estava toda borrada nas cuecas, mais dizendo que o pai estava calmo e tranquilo. É neste momento que diz ter descido e convidado o ofendido a ir a sua casa limpar a menina (aproveitando, como disse, para ver se os ânimos se acalmavam), o que aquele aceitou e assim fez. Após a GNR chegou ao local e o ofendido voltou à rua.

Ainda concretizando o por si relatado, disse ter visualizado a criança ao colo do pai, a arguida enervada e a gritar e a tentar tirar a criança do colo daquele, particularizando que a criança estava agarrada ao pescoço do pai.

Questionado sobre a existência de contacto físico entre a arguida e o ofendido, e numa reviravolta da sua postura no depoimento, começou por afirmar “foi aquilo que estive a falar com a M…”, negando a existência de contacto físico, e ter visto apenas os braços e mãos no ar, tendo visto a arguida a levantar a mão várias vezes. Questionado se atingiu o ofendido, afirmou várias vezes já não se recordar, e já ter passado muito tempo, alterando, nesta altura, para um discurso hesitante, dizendo “dá-me a sensação que possa ter acertado uma vez ou duas… não me recordo se houve contacto físico.. se fosse antes…vi a mão no ar e a descer em direção ao progenitor… com o braço direito agarrada à criança (referindo-se à arguida)… vi a M a levantar várias vezes e tentou atingir o ofendido… uma vez até atingiu no ombro... a M levantou a mão várias vezes e deu-me a sensação que tentou atingir (referindo-se ao ofendido)…”, negando depois recordar-se do exato local onde o ofendido foi atingido, mas que não foi na cara, e que não viu lesões. Após, referiu que o ofendido nunca ripostou, manteve-se sempre quieto, e que não viu nenhuma agressão por parte do ofendido à arguida. Concluiu dizendo que a criança, já após a chegada da GNR, permanecia num choro compulsivo.

Se já era evidente ao Tribunal que a conversa entre a testemunha e a arguida tinha efetivamente existido, não fora a própria testemunha o ter confirmado, tal resulta por demais evidente quando a testemunha, ao furtar-se a abordar a questão do contacto físico faz referência a elementos que não lhe foram perguntados, como o fez quando negou de imediato a arguida ter atingido o ofendido na cara, e sobretudo quando afirma não ter visto arranhões (pormenores que, como se disse, não foram questionados ou referidos, mas que prontamente foram negados, o que apenas convenceu o tribunal da sua efetiva ocorrência, porquanto assim não fosse, assim não haveria a necessidade de os negar sem questionado para tal ou sequer, e sobretudo, sem lhe ter sido dado conhecimento de tais condutas/eventos). Ainda que se possa admitir a necessidade de um esforço de memória atento o lapso temporal decorrido, igualmente foi manifestada compreensão do sucedido pela testemunha, que evidenciou empatia pela arguida, e que não deixou de afetar o seu depoimento.

Certo é que, não obstante esta última circunstância relatada, todo o seu depoimento imediatamente anterior a esta concreta questão, foi prestado de forma detalhada e encadeada logicamente, permitindo aquilatar das circunstâncias ocorridas, da atuação da arguida, e em particular do estado da criança, tudo o que concatenado com a demais prova, não deixou tal depoimento ser valorado.

Por outro lado, a testemunha D, militar da GNR, relatou de forma isenta e objetiva o motivo pelo qual foi chamado ao local, tendo relatado o esforço, por parte dos Senhores Militares, diante os pais (arguida e ofendido), para que alcançassem um entendimento quanto aos convívios com a criança. Nesta sede, não deixou de notar, de forma consentânea com o depoimento da testemunha J, que quando chegou ao local apenas se deparou com a arguida, tendo o ofendido surgido momentos depois, uma vez que tinha ido limpar a criança, que tinha ficado suja em virtude do desentendimento entre os pais.

No mais, relatou que a intervenção da GNR foi no sentido de tentar que os dois se entendessem, mais relatando que, já com o pai no local, este quis levar a criança consigo, a qual não se opunha, mas que a arguida não deixou, tendo nesse momento havido a necessidade de separar os pais, e a criança ficado à guarda dos Senhores Militares para que os pais pudessem conversar. Quanto à atuação que referiu de a arguida não ter deixado levar a criança, ocorrida já na presença dos Senhores Militares, referiu que esta abraçou o ofendido e a criança no sentido de não os deixar sair do local, não tendo assistido a agressões, e confirmando que tanto ofendido como arguida encontravam-se exaltados.

Por fim, confirmou integralmente o auto de notícia junto aos autos, por si elaborado.

Por seu turno, temos o depoimento do ofendido, N, que de forma escorreita referiu-se aos factos em causa como tendo decorrido de uma discordância em levar a menina, na sequência da qual a arguida lhe teria dado um soco na cara no lado esquerdo. Concretizando disse: quando chegou falou com a arguida e, aliás na presença da criança, que culminou numa discussão, designadamente quanto aos convívios com a filha; relatou que acabou por dizer à arguida que era o seu fim de semana e que disse para lhe dizer adeus, tendo a arguida agredido o ofendido, puxado a perna da menina, que estava ao seu colo, e que é neste momento que a criança faz, nas suas palavras (emocionando-se ao relatar o sucedido), xixi e cocó no seu braço, referindo, de seguida, uma segunda agressão, mencionando já a presença de outra pessoa. Relatou ter no entremeio saído do local para ir limpar a menina a casa de um senhor que ali apareceu.

Neste momento do seu depoimento, concretizou ter sido atingido pela arguida com o braço direito na sua face esquerda, após o que denotou hesitação no relato do sucedido posteriormente a tal ocorrência, sem prejuízo de ter referido a segunda agressão e marcas no pescoço, dizendo que teria arranhado ligeiramente a cara, e ficado dorido. Confirmou, acabado por dizer saber que a arguida lhe bateu, com a menina ao colo e outra vez a seguir, negando que lhe tivesse batido, continuando com a criança ao colo, e que ficou, novamente nas suas palavras, muito perturbada.

Da prova produzida e em particular do depoimento das supra aludidas testemunhas, dúvidas não restam que a arguida efetivamente atingiu o ofendido na face esquerda deste.

Decorre tal conclusão do depoimento do ofendido, que de forma escorreita e encadeada, não teve dúvidas em confirmar que, no decurso daquela discussão, a arguida desferiu uma pancada na sua face esquerda.

Certo é que tanto convenceu o tribunal do sucedido pela forma objetiva como prestou o seu depoimento, como ainda e sobretudo por ter fornecido pormenores, dados espontaneamente, e que só são descritos quando quem os relata efetivamente se encontra num estado de reviver os acontecimentos, como sucedeu quando de forma muito imediata afirmou que a arguida o “apanhou o lado esquerdo” uma vez que tinha a criança ao colo no seu lado direito, tendo ficado vulnerável no lado contrário, isto é, precisamente, no seu lado esquerdo.

E quanto a isto, em momento algum o ofendido evidenciou qualquer hesitação.

A sua hesitação apenas surge quanto à “segunda pancada”.

Foram lidas as suas declarações, prestadas perante Magistrado do Ministério Público, no dia 12-10-2022, e que foram as seguintes:

“Mais esclareceu que, a criança se agarrou a si com muita força e este para a proteger, agarrou o braço da arguida com força para conseguir soltar a perna da criança.

Mais refere que quando largou o braço da arguida, a mesma começou a agredi-lo.

Questionado referiu que como a criança estava ao seu colo, não se recorda concretamente se existiu uma pancada de mão aberta ou fechada, mas que com uma mão a mesma atingiu a sua face do lado esquerdo, após com a mãos e unhas atingiu o pescoço, arranhando-o.

Nesse momento, o depoente disse à arguida o seguinte “Não me voltas a bater”.

Acto contínuo, o companheiro da arguida, que não se apercebeu que tinha chegado ao local onde estavam, desferiu duas pancadas com a mão fechada na sua face do lado esquerdo, junto ao olho e ouvido.”.

Após tal leitura confirmou as declarações por si prestadas, inclusive quanto à “segunda pancada”.

Não podemos deixar de notar que a referida hesitação foi por diversas vezes justificada pelo ofendido pela longinquidade dos factos, por ter existido, a dada altura, a intervenção de terceira pessoa, e até por, citando, “isto ter sido uma estupidez”.

Certo é que ficou o tribunal convencido que tal hesitação não decorre de qualquer dúvida quanto aos factos ocorridos, mas sim da desculpabilização, por parte do ofendido, de pessoa sua familiar, neste caso a sua ex-companheira e mãe da sua filha (aliás, postura relevada logo ab initio quando refere querer desistir do processo), ainda que compreensível considerando a relação existente e o lapso de tempo decorrido que terá permitido a sanação das divergências.

A verdade é que não teve o ofendido qualquer dúvida ao relatar os factos ocorridos aquando das suas declarações perante Magistrado do Ministério Público, pouco tempo após tais eventos (contrariamente ao que sucede no seu recente depoimento, prestado em Tribunal mais de um ano após os mesmos), decorrendo da sua leitura um relato detalhado e lógico, com pormenores que lhe atribuem inteira credibilidade, como o são a sequência de eventos e a cadeia de ações-reações dos seus intervenientes, a que acresce a circunstância de, escassos quatro dias após os factos, ter fornecido descrição consentânea aquando da realização do exame pericial de fls. 48 (“(…) refere ter sofrido agressão com murros e unhadas que terá sido infligida por companheiro(a) e conhecido. Do evento terá(ão) resultado lesão no pescoço, braço esquerdo e tórax.”).

A tudo isto acresce ainda o depoimento das testemunhas J e D, sendo certo que quanto ao primeiro relatou a cadeia de eventos de forma consentânea com a do ofendido, não podendo deixar de notar que se trata de pessoa estranha às relações familiares de ambas as partes, e como tal, não obstante o que supra se expendeu quanto a parte deste depoimento, não deixa de lhe conferir o suficiente afastamento atribuidor de credibilidade.

Tal conclusão não é infirmada por qualquer elemento constante dos autos, nem pela prova produzida, designadamente pelo depoimento das testemunhas F, mãe do companheiro da arguida, e A, companheiro da arguida.

Quanto à primeira testemunha, foi evidente que não assistiu aos factos em causa. De forma nervosa e muito imediata, negou ter visto agressões por parte da arguida. E tal não deixa de ser verdade, uma vez que, após lhe terem sido solicitados esclarecimentos, verificou-se que enquanto os mesmos ocorriam a testemunha encontrava-se a dar banho e a cuidar de um bebé, o que fez durante cerca de 15 a 20 minutos, não podendo e não tendo, como tal, assistido aos factos.

Quanto à segunda testemunha, A, companheiro da arguida, prestou um depoimento díspar e contrário aos demais depoimentos, designadamente do ofendido, sendo certo que o seu carece de lógica, dizendo que a sua intervenção foi de afastar o ofendido e a arguida, mas por outro lado dizendo que não tinha existido contacto físico, assim carecendo de lógica a necessidade da sua intervenção, e que em dado momento o ofendido tinha desaparecido com a criança, sendo certo que, tanto do depoimento de J como do ofendido, resulta coisa distinta, e que é que o ofendido estava na casa daquela primeira testemunha a limpar a filha. Destarte, atentas as incongruências e não deixando de relevar a relação que tem com a arguida, não se atribuiu qualquer credibilidade a este depoimento.

Assim, toda a prova coligida e produzida em sede de audiência de julgamento, nos termos supra expostos, e concatenada com as regras da experiência comum e a normalidade dos acontecimentos da vida, formou a convicção do tribunal no sentido da prática dos factos pela arguida nos moldes descritos, e bem assim das consequências para o ofendido.

Os factos relacionados com o elemento subjetivo têm assento nos demais factos provados, sendo certo que a arguida não podia ignorar que com a sua conduta molestava fisicamente o ofendido, e bem assim que tal conduta é proibida e punida por lei penal, mais não podendo ignorar que se tratava do seu ex-companheiro e pai da sua filha.

Para prova das condições económico-sociais atendeu o tribunal à pesquisa da base de dados da Segurança Social, e bem assim ao Certificado de Registo Criminal no que toca aos antecedentes criminais do arguido.


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Quanto aos factos não provados, resultam os mesmos infirmados pela ausência de prova que os demonstrasse.

Efetivamente, não obstante ser evidente a existência de tais lesões no ofendido, as descritas no relatório pericial não se afiguram coincidentes com as agressões dadas por provadas terem sido infligidas pela arguida, notando o ofendido nesta sede que teria existido uma terceira pessoa envolvida na contenda.

Note-se apenas que, pese embora as agressões infligidas pela arguida não tenham respaldo no relatório pericial, tal não significa que não tenham sido produzidas, considerando que a ausência de lesões não significa que não exista agressão, que não depende da verificação de marca evidente, não colidindo assim com a convicção do tribunal, tendo em conta a concreta atuação da arguida que foi dada por provada.


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B - Decidindo:
Decidindo:
(i) Falta e indicação pela recorrente das normas jurídicas violadas pela decisão recorrida:
O Ministério público na resposta ao recurso chama a atenção para o facto de a recorrente não indicar as normas jurídicas violadas pela decisão recorrida, o que determina a rejeição do recurso. Vejamos:
Estabelece o art.º 412.º do CPP, Motivação do recurso e conclusões
1 - A motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido.
2 - Versando matéria de direito, as conclusões indicam ainda:
a) As normas jurídicas violadas;
b) O sentido em que, no entendimento do recorrente, o tribunal recorrido interpretou cada norma ou com que a aplicou e o sentido em que ela devia ter sido interpretada ou com que devia ter sido aplicada; e
c) Em caso de erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, deve ser aplicada.
3 - Quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;
c) As provas que devem ser renovadas.
4 - Quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na ata, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 364.º, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação.
No presente caso, e como bem nota o MP, a recorrente não indica qualquer norma jurídica que tenha sido violada pelo tribunal a quo, como com facilidade se conclui da mera leitura das suas motivações e conclusões.
Ora, como se pode ler na Decisão Sumária do TRL de 08-03-2023, proferida no Proc. 216/19.6PILRS.L1-9, in www.dgsi.pt, de que se transcreve o sumário, mas para cujo texto integral se remete,
I- Quando o recorrente expõe consistentemente as razões concretas da sua discordância na motivação do seu recurso, mas depois, por lapso, não as assinala devidamente nas conclusões existem razões que se fundamentam na proibição de excesso, no princípio da proporcionalidade constitucionalmente consagrado no art.º 18º nº 2 da CRP que justificam a convite e a consequente possibilidade de correção;
II- No entanto o mesmo já não sucede, quando o recorrente no corpo da motivação do recurso não enunciou as especificações legais, pelo que o convite à correcção já não se justifica, porque para se obter a harmonização entre as conclusões, o corpo da motivação e a obrigação legal de especificação seria necessária uma reformulação substancial das motivações e das conclusões, o que significaria a concessão da possibilidade da dedução de um novo recurso, com novas conclusões e inovação da motivação, precludindo assim a peremptoriedade de prazo de apresentação do recurso. Donde, se a deficiência ou imperfeição se manifestar na motivação e nas conclusões – como, sem margem para dúvida, sucede no caso dos autos, já não poderá haver lugar ao convite ao aperfeiçoamento.
A falta de indicação das normas violadas afeta todo o recurso, isto é, motivações e conclusões, não havendo lugar no caso convite a aperfeiçoamento.
Contudo, ainda que assim não fosse sempre o recurso não pode proceder devendo ser rejeitado porque manifestamente improcedente como se verá de seguida da análise e decisão das questões colocadas.
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(ii) Do erro de julgamento:
A arguida impugna os factos julgados provados pelo tribunal a quo, concretamente os descritos sob os n.ºs 5. (na parte em que desferiu no ofendido, duas pancadas com a sua mão, atingindo-o na sua face do lado esquerdo e com as unhas atingiu o pescoço do mesmo arranhando-o), 7, 8 e 9, que devem ser julgados não provados.
Depois desta indicação, identifica os depoimentos que considera sustentarem o que defende, transcrevendo algumas frases que terão sido proferias pelas testemunhas ás quais as atribui.
Não obstante, não concretiza em que minuto exato da gravação se mostram gravadas tais afirmações nem esclarece ou refere quaisquer declarações exatamente proferidas e que determinam um decisão diversa da tomada pelo tribunal a quo.
Na verdade, relativamente ao ofendido, N indica 10:07 a 10:21, o mesmo se verificando no que ao depoimento das testemunhas D e J, e todas as outras, de que apenas indica o intervalo de minutos onde se mostram gravados os depoimentos - 02-10-2023, 15:09 a 15:18., 02-10-2023, 14:550 as 15:09 (que se indicam a título meramente exemplificativo, pois o que se afirma pode ser confrontado através das motivações de recurso) – e não os minutos exatos onde constam as afirmações que determinam alteração do decidido.
O recurso da matéria de facto não está previsto na lei como um direito ilimitado tendente à reapreciação do julgamento ou repetição do julgamento na segunda instância. Este recurso foi concebido e deve ser usado como remédio jurídico quando o julgamento realizado seja manifestamente erróneo. Deste modo, o tribunal de recurso apenas intervém de forma a corrigir erros de julgamento de facto apontados pelo recorrente, devendo proceder à sua correção se for caso disso. Não se trata, pois, de um novo julgamento da matéria de facto, antes sendo a forma de sanar os vícios de julgamento em primeira instância, como sejam, erro manifesto no julgamento no caso em que se dê como provado facto com base em depoimento de testemunha que não o afirmou, ou com base em depoimento de testemunha que declarar algo que apenas lhe foi relatado por terceiro, ou ainda com base em valoração de prova proibida, etc. Sobre o erro de julgamento, conceito e limites, o Ac. da Relação de Lisboa de 04-02-2016, Proc. n.º 23/14.2PCOER.L1-9, Relator Antero Luís[2], disponível in www.dgsi.pt.
Ou seja, visa-se reparar os erros de perceção da prova que se verificam quando o juiz justifica o julgamento de um facto com base num documento cujo conteúdo o não demonstra, ou julga não provado um facto existe nos autos prova pericial cujo valor taxativo não foi afastado, ou documento autêntico que o demonstre ou ainda quando indique como fonte da sua convicção o depoimento de uma testemunha que sobre tais factos não se pronunciou ou se pronunciou em sentido contrário ao julgado, ou ainda quando no próprio texto da decisão imputa a uma testemunha, e com base nessa imputação julga factos, afirmações que a mesma não prestou. São, pois, erros evidentes quando comparamos a prova produzida, por declarações, depoimentos, pericial, documental ou outra com a motivação do julgamento.
Por isso a jurisprudência e a doutrina unanimemente têm afirmado que o recurso da matéria de facto não se destina a postergar o princípio da livre apreciação da prova, com consagração expressa no artigo 127º do C. Processo Penal, mas sim a reparar erros que antecedem esta mesma convicção nos termos expostos.
A livre apreciação da prova é indissociável da oralidade e imediação com que decorre o julgamento em primeira instância. Aquela tem por limites as regras da experiência comum e a obediência à lógica, sendo que, se face à prova produzida, for possível mais do que uma conclusão, a decisão do Tribunal a quo que, devidamente fundamentada, se basear numa das possíveis, é válida.
Ora, o erro de julgamento pode suscitar dois tipos de recurso[3], embora com alcances diferentes e não confundíveis[4]:
- Um com fundamento no próprio texto da decisão, por ocorrência dos vícios a que alude o artº 410º/2 do C.P.P (impugnação em sentido estrito);
- E outro que visa a reapreciação da prova produzida, ao abrigo do artº 412º/3 do C.P.P (impugnação em sentido lato).
A recorrente não obstante indicar o vício do erro notório na apreciação da prova, previsto no art.º 410-º, n.º 2, al. c) do CPP, acaba por depois indicar a impugnação da matéria de facto referindo-se expressamente ao art.º 412.º, n.º 3 do CPP, lançando mão da impugnação em sentido lato, indicando prova que entende ter sido erradamente apreciada e valorada pelo que cumpre apreciar a decisão do recurso a partir da texto e em confronto com a prova produzida, impugnação em sentido lato, cf. art.º 412.º do CPP nos termos explicitados.
Dispõe o nº 3 do artigo 412º, do Código de Processo Penal, relativo à impugnação em sentido lato “Quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar:
a) os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;
c) as provas que devem ser renovadas.
Da análise deste preceito legal resulta que o recorrente, quando impugna a decisão proferida sobre a matéria de facto nos termos do art.º 412º do C.P.P, tem que especificar os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, bem como indicar as provas que, no seu entendimento, impunham decisão diversa da recorrida e aquelas que devem ser renovadas.
Por sua vez a norma indicada, dispõe no seu n.º 4 - Quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na ata, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 364.º, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens[5] em que se funda a impugnação.
Por sua vez, determina o 364.º, n.º 3 - Quando houver lugar a registo áudio ou audiovisual devem ser consignados na ata o início e o termo de cada um dos atos enunciados no número anterior.
Ora, como se disse já acima, porque é patente no recurso apresentado, a arguida não cumpre os pressupostos de que depende a sindicância do julgamento de facto com recurso à prova produzida, já que não indica os minutos exatos onde se mostra gravado o depoimento que determina uma resposta diferente a este ou aquele facto em concreto. Não basta dizer que a testemunha x declarou o que transcrevem entre o minuto 8 a 22, sem que esta afirmação esteja diretamente interligada com um facto em concreto, isto é deveriam ter indicado que o depoimento x gravado no minuto y determina que o facto a) seja julgado de forma diversa, “provado” ou “não provado”, tendo o tribunal julgado o facto com base nessa mesma testemunha que não afirmou ou afirmou o contrário do que lhe foi atribuído. No fundo, o erro de julgamento consiste ou na ausência de prova – quando se considera provado um facto sem que tenha sido produzida qualquer prova sobre o mesmo – direta ou indireta (ou por presunção), ou quando o tribunal indique o meio de prova em que se baseou o qual é inábil para tal propósito, isto é para se provar o que se dele extraiu – erro de perceção sobre o conteúdo do meio probatório.
Para além disso, e ainda que tivessem cumprido as formalidades respeitantes à indicação concreta dos minutos e do facto erradamente julgado, sempre o recurso de impugnação da matéria de facto estaria vedado ao fracasso desde logo porque a própria arguida não afirma que existe um erro de julgamento nos termos sobreditos, entendimento que a jurisprudência uniformemente definiu como corresponder ao erro de julgamento a ser reparado pelo recurso de impugnação com recurso á prova produzida – art.º 412.º, n.º 3 e 4 do CPP. Na verdade, a arguida afirma de forma clara e sem margem para dúvidas que pretendem a reapreciação da prova produzida, sendo patente que o que faz no seu recurso é uma reapreciação da prova produzida, tentando fazer valer a sua leitura e avaliação da prova sobre a realizada pelo tribunal a quo. Estamos no campo do convencimento, da convicção e não do erro de julgamento.
Na verdade, o tribunal a quo não justificou a sua convicção relativamente aos factos que foram impugnados com base nem nos depoimentos e declarações que indicou e muito menos com base no que a arguida transcreve e que, não obstante não estar em conformidade com as exigências formais já analisadas ouvimos através do sistema de gravação, ou seja, não existe qualquer desconformidade entre o que o tribunal imputa ao meio de prova fundante da sua convicção que de forma expressa indica, pois como da simples leitura da decisão recorrida se conclui o Tribunal indica a fonte e a valoração da prova, expondo o seu raciocínio, meio de prova, valoração e convicção, sem que se vislumbre a existência de qualquer erro de julgamento nos termos já acima conceptualizados em confronto, repita-se com a audição das gravações, por faltar desde logo, a coincidência entre o meio de prova que fundou a convicção e os indicados pelos arguidos.
Aqui chegados, e reafirmando tudo o que se disse, analisada a decisão, o recurso apresentado e ouvida a prova indicada, impõe-se concluir pela total improcedência da impugnação da matéria de facto.
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Destarte sempre se dirá que esquece a recorrente que desde que seja possível mais do que uma leitura ou avaliação da prova em conformidade com as regras da experiência e da lógica, a realizada pelo tribunal a quo, desde que conforme com tais regras, cf. art.º 127.º e 410.º, n.º 2 do CPP, é válida, como aliás constitui entendimento jurisprudencial e doutrinal atualmente unânime.
Os depoimentos não são avaliados de forma desgarrada. São analisados e avaliados tendo em conta a restante prova produzida, pelo que muitas vezes um depoimento apenas é relevante em parte, não porque a pessoa em causa esteja a mentir, mas porque o que relata não se coaduna com a restante prova produzida que se mostra mais conforme com factos objetivos já adquiridos, prova pericial e ou regras da experiência e da lógica. Ou seja, a análise e valoração da prova é uma operação complexa realizada de forma conjugada à luz das regras da experiência comum e da lógica.
E o que podemos dizer sobre a análise da prova realizada pela primeira instância é que o tribunal indica os depoimentos e em que parte lhe mereceram credibilidade, a prova de forma conjugada com apelo às regras da experiência e da lógica.
Assim, não podemos, por esta via, alterar a matéria de facto considerada provada pela primeira instância dado que não nos encontramos perante um erro de julgamento nos termos expostos[6].
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(ii) Vícios de julgamento previsto no art.º 410.º, n.º 2 do CPP.
Improcedendo a impugnação da matéria de facto, pode ainda este Tribunal de Relação proceder à modificação da decisão proferida em sede de matéria de facto se se verificarem os vícios a que alude o nº 2 do artº 410º do C. P. Penal.
Contudo, do que se escreveu, resulta já claro que igualmente não se verifica qualquer dos vícios referidos
Não há dúvida que o art.º 410.º do CPP estabelece que qualquer dos vícios a que alude o seu nº 2, tem de dimanar da própria decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, sem recurso, portanto, a quaisquer elementos externos à decisão, designadamente declarações ou depoimentos exarados no processo durante o inquérito ou a instrução, ou até mesmo o julgamento, sendo que, por regras da experiência comum deverá entender-se as máximas da experiência que todo o homem de formação média conhece.
“A insuficiência para a decisão, da matéria de facto, a que se reporta a alínea a) do nº 2 do art.º 410º do C.P.P[7] é um vício que ocorre quando a matéria de facto provada é insuficiente para fundamentar a solução de direito encontrada, porque não foi investigada toda a matéria de facto com relevo para a decisão da causa. Ou seja, esta insuficiência só existe quando a matéria de facto não é suficiente para a decisão de direito encontrada.
O vício só ocorre quando o Tribunal recorrido, podendo fazê-lo, deixou de investigar toda a matéria de facto relevante, de tal forma que essa materialidade não permite, por insuficiência, a aplicação do direito ao caso que foi submetido à sua apreciação, por faltarem elementos necessários para se poder formular um juízo seguro de condenação ou de absolvição (cf. Acórdão do S.T.J de 15.1.98 processo 1075/97 acessível em www.dgsi.pt).
Por outras palavras, os factos provados são insuficientes para fundamentar a solução de direito encontrada, sendo que no cumprimento do dever da descoberta da verdade material, o Tribunal poderia e deveria ter procedido a mais profunda averiguação, de modo a alcançar, justificadamente, a solução legal e justa (cf. Acs. do S.T.J de 20.4.2006 no proc. nº 06P363 e de 16.4.1999 em www.dgsi.pt e Ac. do S.T.J de 2.6.99, proc.288/99, acessível em www.dgsi.pt).
Ou seja, a “insuficiência para a decisão da matéria de facto provada”, ocorre quando a matéria de facto provada seja insuficiente para fundamentar a decisão de direito alcançada pelo tribunal a quo e ainda o tribunal não investigou toda a matéria de facto com interesse para a decisão, podendo fazê-lo. Esta falta de investigação de factos com relevância para a decisão não se pode confundir com insuficiência da prova para a matéria de facto provada que apenas pode ser atacada por via da impugnação de facto, através dos competentes recursos. Assim, para que se verifique este vício é necessário que a matéria de facto dada como provada não permita uma decisão de direito, necessitando de ser completada (Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, pag.339/340).
Como se verifica da análise da decisão recorrida a mesma não enferma desta nulidade. Os factos apurados e julgados provados preenchem os elementos objetivos e subjetivos do tipo legal de crime de imputado ao arguido, como de forma clara resulta da análise atenta do Acórdão proferido.
- Contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão
Por sua vez o vício da contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão [al. b)], consiste na incompatibilidade entre os factos provados e os não provados, ou entre eles e a fundamentação, ou entre esta e a decisão, isto é quando o mesmo facto é julgado provado e não provado, ou julgados provados factos incompatíveis entre si, e ainda quando o facto considerado provado ou não provado estiver em contradição ou incompatível com a sua fundamentação. Dito de outro modo, como se decidiu no Ac. do STJ de 18/03/2004, Proc. nº 03P3566, citado por Vinício Ribeiro, Código de Processo Penal, Notas e Comentários, Coimbra Editora, 2008, págs. 914/915, a contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão, apenas se verificará quando, analisada a matéria de facto, se chegue a conclusões irredutíveis entre si e que não possam ser ultrapassadas ainda que com recurso ao contexto da decisão no seu todo ou às regras da experiência comum” (Ac. Relação de Lisboa, de 30-10-2018, Proc. 672/17.7IDLSB.L1-5, Relator Artur Vargues, disponível in http://www.dgsi.pt).
Analisada a decisão, não se vislumbra qualquer contradição entre os factos provados, entre qualquer destes e a fundamentação ou entre os factos provados e as conclusões ou apreciações de direito.
- Do erro notório na apreciação da prova, art.º 410.º, n.º 2, al. c) do CPP
Debrucemo-nos, agora, sobre o vício previsto no artº 410º/2/c) do C.P.P. de erro notório na apreciação da prova.
Tal vício, configura-se quando se retira de um facto dado como provado uma conclusão ilógica, arbitrária ou visivelmente violadora do sentido da decisão e/ou das regras de experiência comum. E tem, pois, que resultar impreterivelmente do próprio teor da sentença; existindo este erro, quando considerado o texto da decisão recorrida por si só ou conjugado com as regras de experiência comum se evidencia um erro de tal modo patente que não escapa à observação do cidadão comum ou do jurista com preparação normal.
Ocorre este vício quando se dão por provados factos que face às regras de experiência comum e à lógica normal, traduzem uma apreciação manifestamente ilógica, arbitrária, de todo insustentável e por isso incorreta, quando resulta do próprio texto da motivação da aquisição probatória que foram violadas as regras do “in dúbio” (cfr Ac. do S.T.J de 24.3.2004 proferido no processo nº 03P4043 em www.dgsi.pt, Ac. do S.T.J 3.3.1999 in proc. 98P930 e Ac. da Rel. Guimarães de 27.4.2006 in proc. 625/06) ou quando se violam as regras sobre prova vinculada ou de “leges artis” (cfr Ac. da Rel. Porto de 2.2.2005 no proc.0413844 e da Rel. Guimarães de 27.6.2005 no proc. 895/05-1ª).
Da leitura atenta do texto do Acórdão recorrido em especial da matéria de facto provada e não provada e da sua fundamentação, o que se pode constatar com clareza e desde já, é que a análise crítica da prova e a decisão de facto constante da decisão e a sua motivação/justificação está bem assente nas regras da experiência comum e da lógica, fazendo uma leitura integrada e conjugada de todos os meios de prova contraditados em audiência.
Não houve da parte do Tribunal a quo qualquer falha ou desrespeito das regras legais e dos princípios gerais de direito na valoração da prova, não padecendo, por isso, a decisão de qualquer erro na apreciação da prova.
Os factos resultaram provados porque o Tribunal, analisando a prova produzida de harmonia com a lei se convenceu que eles assim ocorreram.
Deste modo, a convicção do Tribunal a quo afigura-se-nos ter sido uma convicção racional, que foi formada de acordo com os critérios lógicos e objetivos, com respeito pelo princípio da livre apreciação da prova consagrado no artº 127º do C.P.P – ao abrigo do qual toda a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente.
Dito de outro modo, o Tribunal ao valorar como valorou a prova produzida em audiência, relatório pericial, depoimentos das testemunhas em conjugação com a restante prova, documentos, etc, expressamente indicados na motivação de facto, não violou qualquer regra da experiência ou da lógica. Valorou livremente as declarações e depoimentos, revelando que uns lhe mereceram maior credibilidade que outros. E está tudo conforme com o princípio da livre convicção do julgador consagrado no art.º 127.º do CPP, uma vez que o valor da prova não depende da sua natureza, mas sobretudo da credibilidade que se confere às mesmas, credibilidade que, no caso, está conforme com a restante prova produzida e as regras da experiência comum.
Como se disse já, resulta claramente da leitura das motivações do recurso da arguida e das suas conclusões, que esta no fundo, tal como já acima se disse, discorda é da convicção do Tribunal a quo e pretende fazer vingar a sua visão sobre a prova produzida e os factos que se devem dar como provados e como não provados.
De acordo com o princípio da livre apreciação da prova que domina o nosso sistema (por oposição ao regime da prova legal) não existem normas que determinam o valor ou a eficácia probatória a atribuir a cada meio probatório.
Nessa medida a atribuição de maior força a um meio de prova depende apenas da convicção do julgador, desde que se mostre de acordo com a experiência comum.
O Tribunal a quo é sempre o que se encontra mais apto para apreciar a prova, pois é este que ouve e vê as testemunhas, as suas reações, as suas pausas, os seus gestos.
O local e o momento onde por excelência se aferem e podem ser apreciadas valorativa e criticamente as provas, é a audiência e julgamento em que o julgador dispõe de melhores condições para apreciar de perto a prova que se vai produzindo (princípio da imediação da prova), ou a falta dessa prova.
No caso em apreço, dissemos já, porque assim consideramos, a decisão recorrida, encontra-se bem fundamentada, oferecendo um raciocínio linear, lógico e percetível, não se vislumbrando qualquer incorreta apreciação da prova, nomeadamente quanto à medida e extensão da credibilidade que lhe mereceram as declarações e depoimentos prestados em conjugação com a análise das demais provas e regras da experiência comum.
Como é do conhecimento geral e já acima ficou dito, a prova é apreciada de acordo com o princípio da livre apreciação da prova consignado no artº 127º do C.P.P onde claramente se pode ler “…a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente”.
Estamos, pois, em sede de um certo poder discricionário do Juiz, que “só pode ser atacado em função de vícios típicos endógenos da sentença ou erros de direito, ou claros erros de julgamento”, os quais no caso presente não existem.
Nada, pois, a apontar ao processo de valoração da prova feita pelo Tribunal a quo, já que o mesmo não se baseou em provas proibidas ou a métodos proibidos de prova, violando qualquer das regras que disciplinam esta matéria nos artigos 124º a 139º do C.P.P e conduzindo por essa via a uma prova ilegal.
Não padece, pois, a decisão recorrida do vício previsto na alínea c) do nº 2 do art.º 410º do C. P. Penal (erro notório na apreciação da prova).
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(iii) Da violação do princípio da presunção da inocência e do in dúbio pro reo:
Como é sabido o princípio do in dubio pro reo constitui uma emanação do princípio da presunção da inocência.
Pela sua clareza chamamos à colação o que se decidiu no Ac. do STJ, de 09-02-2012, Proc. n.º 1/09.3FAHRT.L1.S1, Relator Armindo Monteiro, sobre o princípio da presunção de inocência:
Esta regra de tratamento penal significa que o acusado não deva ser assimilado ao culpado se não a partir do momento da condenação definitiva, até ao qual se presume inocente , não tendo essa presunção o sentido técnico-jurídico enunciado nos termos do art.º 349.º , do CC..
A presunção de inocência incorpora um comando dirigido ao julgador no sentido de impor que as normas penais não consagrem presunções de culpa relativamente ao arguido e nem um ónus de prova a seu cargo para ser absolvido , beneficiando de um estado de dúvida razoável instalado no processo, além de dever ser tratado como autêntico sujeito processual e não como mero objecto , um simples contraditor , em igualdade de armas .
Mas desse estatuto não deixa de decorrer que o arguido tenha todo o interesse em contradizer a acusação , em ordem a evitar que a presunção de inocência seja ilidida ,ou que , num sistema processual inquisitório mitigado como o nosso , o tribunal deixe de elevar, oficiosamente , a cabo as diligências que julgue imprescindíveis à descoberta da verdade – art.º 340.º n.º1 . do CPP -e nem que o M.º P.º , enquanto sujeito a um estatuto de objectividade , deixe de suportar as consequências da incapacidade de prova .
A alegação de que se presumiu a culpa do arguido é manifestamente infundada , infundada , desde logo , porque não basta o tribunal não acatar a versão do arguido , para desde logo o arguido estar legitimado a poder afirmar , como este faz , que se violou a presunção de inocência e presumiu a culpa , porque a culpa não se presume legalmente em processo penal , sendo as presunções legais de culpa proibidas , o que não obsta a que o tribunal a partir da comprovação de certos factos possa fazer inferir e comprovar outros seu derivado lógico, em consonância com as regras da experiência e da vida , mas essas são simples presunções naturais , que não são incompatíveis, suposto que rodeadas das cautelas na análise dos indícios em que fundam , como tivemos oportunidade de explanar , nem com a presunção de inocência e nem com o princípio in dubio pro reo , que com aquele se articula.
O princípio da presunção da inocência, numa primeira evidência, situa-se em sede de matéria de facto
O tribunal fundou a condenação do recorrente não em presunção de culpa, mas num abundante elenco de provas directas e indirectas entre as quais avultam a prova por declarações, a testemunhal e a documental e meios de obtenção prova, como o exame, a busca e a apreensão, valorando–as segundo as regras da experiência e a livre convicção probatória, nos termos do art.º 127.º, do CPP .
Certamente que não exigiu um grau de absoluta certeza em cada inferência que faz do facto indiciante como ligação ao facto indiciado. Mas e como corroborado pela totalidade dos Autores que se debruçaram sobe esta matéria, a prova indiciária é uma prova de probabilidades e é a soma das probabilidades que se verifica em relação a cada facto indiciado que determinará a certeza
Daí não deriva, porém, que o tenha feito e fixado os factos comprovados de uma maneira arbitrária, puramente subjectiva e emocional , logo imotivável, só uma apreciação dessa dimensão apontando para uma interpretação do art.º 127.º , do CPP, afrontando o art.º 32.º n.º 1, da CRP.
Como afirma Marieta, corroborado pela totalidade dos Autores que se debruçaram sobre esta matéria, a prova indiciária é uma prova de probabilidades e é a soma das probabilidades que se verifica em relação a cada facto indiciado que determinará a certeza. –cfr. Santos Cabral, in A Prova Indiciária e as Novas Formas de Criminalidade , estudo ainda inédito, pág. 13 .
Todavia, a transposição da soma de probabilidades que dá a convergência dos factos indiciados para a certeza sobre o facto, ou factos probandos, que consubstanciam a responsabilidade criminal do agente, é uma operação em que a lógica se interliga com o domínio da livre convicção do juiz.
E assim é. Por isso é que o princípio do in dubio pro reo se encontra tão intimamente ligado e dependente da valoração da prova.
O princípio in dubio pro reo tem aplicação na apreciação da prova, impondo que, em caso de dúvida insuperável ou razoável sobre a valoração da prova, se decida sempre a matéria de facto, no sentido que mais favorecer o arguido. No processo penal o ónus da prova dos elementos constitutivos do tipo ilícito penalmente previsto pertence à acusação, como bem nota o recorrente. Não provando a acusação de forma sem margem para dúvidas os factos que imputa ao arguido, a prova deve ser valorada a favor deste. Este princípio está intimamente ligado ao princípio da culpa em Direito Penal, por isso, corolário lógico do princípio da presunção de inocência do arguido.
Assim, a violação de tal princípio só existiria se o Tribunal de julgamento reconhecendo a dúvida, ainda assim condenasse a arguida M. Contudo, o Tribunal a quo refere na sua motivação de facto que ficou convencido, pelas razões que aí descreve, que o arguido praticou os factos que considerou provados. Sem dúvidas. E da análise quer da decisão quer da fundamentação de facto, já acima concluímos que a prova produzida e contraditada foi apreciada conjunta e criticamente, nenhum reparo nos merecendo a decisão de facto.
Não basta que exista um depoimento ou um documento que ao recorrente não mereça credibilidade, para simplesmente se concluir que a sua valoração pelo Tribunal redundou na violação do princípio “in dubio pro reo”.
Uma coisa é a dúvida do recorrente, outra, a do julgador, e só a dúvida deste impõe a aplicação de tal princípio.
Termos em que improcede igualmente esta questão.
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(iv) Erro na qualificação jurídica dos factos;
Como se verifica da análise do recurso interposto, a arguida defende o não preenchimento dos elementos constitutivos do tipo legal de crime na sequência e como consequência da tese que defende e cuja procedência dá por adquirida. Contudo, improcedendo a impugnação da matéria de facto, quer em termos alargados quer restritos, cai igualmente por terra por ter sido apresentada em termos consequenciais.
Para além disso, sempre se dirá, que ainda que assim não fosse a qualificação jurídica dos factos realizada pela primeira instância se mostra efectuada de correta nenhum erro de subsunção jurídica se verificando, como se conclui da mera análise da sua fundamentação que de seguida se transcreve:
IV. Fundamentação de Direito:
a. Do tipo de crime
Atentos os factos provados, cumpre proceder ao seu enquadramento jurídico-penal.
De acordo com o artigo 143.º, n.º 1, do Código Penal, quem ofender o corpo ou a saúde de outra pessoa é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa.
O bem jurídico protegido pela norma incriminadora é a integridade física, compreendendo esta a integridade corporal e a saúde física.
O elemento objetivo do tipo preenche-se quando o agente ofende o corpo ou a saúde de outra pessoa, traduzindo-se esta ofensa numa alteração ou perturbação da integridade corporal, do bem-estar físico ou da morfologia do organismo ou ainda do seu normal funcionamento.
Por ofensa no corpo poder-se-á todo o mau trato através do qual o agente é prejudicado no seu bem estar físico de uma forma não insignificante, podendo, entre o mais, integrar o elemento típico lesões da substância corporal, como nódoas negras, feridas ou inchaços (vide Paula Ribeiro de Faria, Comentário Conimbricense ao Código Penal, pp. 205-206).
A ofensa à integridade física da pessoa não pode deixar de assumir certo nível de gravidade, atenta a natureza de ultima ratio do direito penal, o que não significa que se afaste sem mais a ofensa quando o ofendido não sofra qualquer lesão (vide Acórdão de Fixação de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, de 18-12-1991, DR, série I-A, de 08-02-1992).
Na verdade, a ofensa corporal constituirá uma lesão, mesmo que não cause dor ou sofrimento. Haverá dano da integridade corporal, por ex., quando o agressor provoca equimoses, arranhadelas, ferimentos fraturas, mutilações ou outras lesões do mesmo género na vítima. Mas nem o derramamento de sangue (hemorragia) nem a solução de continuidade dos tecidos são indispensáveis à existência de uma ofensa no corpo. Como fomos adiantando, uma simples bofetada pode constituir ataque à integridade pessoal ainda que não produza lesão (vide M. Miguez Garcia / J. M. Castela Rio, Código Penal – Parte Geral e Especial, pág. 651).
No mesmo sentido se tem pronunciado a jurisprudência, sendo entendido que se verifica o preenchimento do tipo objetivo, independentemente da existência de dor, sofrimento ou lesão na saúde do ofendido: “A ofensa no corpo de outrem, por mínima que seja tem a tutela penal no art. 143 do CP. Pode existir ofensa corporal sem lesão externa (Ac. STJ de 21 de Janeiro de 1999, proc. 744/93-3.ª, SASTJ; n.º 27, 78. Para a verificação do crime de ofensa à integridade física não é necessário que o ofendido tenha sofrido quaisquer danos físicos ou dores (ac. STJ de 4 de Março de 1999, proc. 1473/98-3ª.; SASTJ, n.º 29, 71.” (vide Acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra, de 06-10-2010, processo n.º 66/09. 8GAOHP.C1, de 02- 11-2011, processo n.º 215/10.3 GBSRT.C1, e de 05-06-2013, processo n.º 1/11.3GAALD.C1, todos disponíveis em www.dgsi.pt).
Para o preenchimento do tipo subjetivo exige-se que o agente atue com dolo, isto é, com o conhecimento e vontade de praticar o facto, em qualquer uma das modalidades previstas no artigo 14.º, do Código Penal.
Nos termos do disposto no artigo 143.º, n.º 1, 145.º, n.º 1, alínea a) e 132.º, n.º 2, alínea b), do Código Penal, comete um crime de ofensa à integridade física qualificada quem, ofender o corpo ou a saúde de outra pessoa, em circunstâncias que revelem uma especial censurabilidade ou perversidade do agente, nomeadamente por os factos serem praticados contra pessoa de outro ou do mesmo sexo contra quem o agente mantenha ou tenha mantido uma relação análoga à dos cônjuges.
Sendo o bem jurídico aqui protegido a “integridade física” da pessoa humana, cumpre analisar o tipo objetivo de ilícito ligado a este crime: a ofensa no corpo ou saúde de outrem.
Como se disse, pode existir crime mesmo que o ofendido não sofra qualquer lesão corporal, dano físico ou dores. Aliás, por Acórdão Uniformizador de Jurisprudência de 08-12-1991 (Publicado no DR-I-A, de 08-02-1992), o Supremo Tribunal de Justiça decidiu que “integra o crime do art. 142º do Cód. Penal a agressão voluntária e consciente, cometida à bofetada sobre uma pessoa, ainda que esta não sofra, por via disso, lesão, dor ou incapacidade para o trabalho.”.
A ofensa à integridade física qualificada assenta numa especial censurabilidade ou perversidade do agente, o que nos reconduz a um especial juízo de culpa.
É suscetível de revelar uma maior censurabilidade ou perversidade, o facto de o crime ser praticado contra pessoa de outro ou do mesmo sexo contra quem o agente mantenha ou tenha mantido uma relação análoga à dos cônjuges.
Mas tal juízo de censurabilidade agravada não é automático, antes sendo necessário que os elementos apurados revelem uma imagem global do facto agravada correspondente ao especial conteúdo de culpa tido em conta.
E como já se referiu, trata-se de um crime doloso, bastando para o seu preenchimento o dolo eventual (cfr. artigo 14.º, do Código Penal).
Revertendo para o caso dos autos, ficou demonstrado que a arguida desferiu duas pancadas com a sua mão, atingindo-o na sua face do lado esquerdo e com as unhas atingiu o pescoço do mesmo arranhando-o, o que fez com o propósito de o molestar fisicamente e sabendo que tal conduta era proibida e punida por lei.
Fê-lo contra o ofendido, pretérito companheiro desta e pai da sua filha.
Com tal conduta o arguido atingiu a corpo desta, causando-lhe necessariamente dores na zona impactada.
A agressão, efetuada na presença de terceiros, tem uma componente vexatória e humilhante, que não é menos importante, e que torna o seu comportamento mais censurável. A circunstância de o ter feito na presença da sua filha, à data com 7 anos de idade, e que se encontrava ao colo do ofendido, seu pai, e que desse modo estava manifestamente impedido de se defender, não é apenas um comportamento temerário, mas antes uma forma de demonstrar uma particular indiferença pelo bem estar físico e psíquico do seu ex-companheiro e pai da sua filha.
A arguida sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei, mas não obstante não deixou de agir da forma descrita, já que essa era a sua vontade.
A arguida podia e devia ter agido de forma diversa, mas não fez porque não o quis. E, nessa sua escolha livre, voluntária e consciente reside a sua culpa.
Face ao que, atenta a factualidade provada, encontram-se preenchidos os elementos objetivos e subjetivos do tipo de ilícito, tendo a arguida praticado um crime de ofensa à integridade física qualificada, previsto e punido pelos artigos 143.º, n.º 1, 145.º, n.º 1, alínea a), por referência ao artigo 132.º, n.º 2, alínea b), do Código Penal.

Da legítima defesa:
Dispõe o artigo 31.º, n.ºs 1 e 2, alínea a), do Código Penal, que o facto não é punível quando a sua ilicitude for excluída pela ordem jurídica, considerada na sua totalidade, nomeadamente quando foi praticado em legítima defesa.
Define o artigo 32.º, do Código Penal, que a legítima defesa como o facto praticado como meio necessário para repelir a agressão atual e ilícita de interesses juridicamente protegidos do agente ou de terceiro.
Vejamos então.
A doutrina maioritária entende que esta causa de exclusão da ilicitude tem um duplo fundamento, de defesa da ordem jurídica e de autoproteção dos bens jurídicos do agredido ou de terceiro. Neste sentido, Paulo Pinto de Albuquerque, Tereza Beleza e Conceição Valdágua. Germano Marques da Silva, embora concorde com esta tese, salienta, que a função primordial da legítima defesa é a proteção individual, sendo a ordem jurídica protegida apenas reflexamente. Abandonada parece estar assim, a conceção tradicional, defendida entre nós por Eduardo Correia, que entendia que, na sua essência, o instituto promovia a defesa da ordem jurídica.
Para que se verifique uma situação de legítima defesa, necessário se torna que se verifiquem os seguintes pressupostos: que se verifique uma agressão atual e ilícita de direitos do próprio ou de terceiro e que a defesa seja exercida para a sua salvaguarda.
A atualidade da agressão não implica que a mesma esteja já em execução, bastando que seja iminente. Segundo Taipa de Carvalho, a atualidade da agressão “perdura até ao momento em que o bem jurídico suscetível de legítima defesa seja efectivamente lesado ou o agressor abandone (voluntária ou involuntariamente) a conduta agressiva”.
A agressão tem de ser ilícita, mas não necessariamente dolosa, bastando que “seja contrária ao direito, lesando e pondo em perigo de lesão interesses juridicamente tutelados do defendente ou de terceiro sem que o agente tenha o direito ou o dever de o fazer”. Em qualquer caso, o ato agressivo tem de ser voluntário, ou tem de ser “atribuível à vontade humana, sendo de excluir os factos praticados em estado de completa inconsciência (casos do sonambulismo ou da hipnose) e ainda os atos reflexos, casos em que pode ocorrer o estado de necessidade, mas não de legítima defesa” – neste sentido, Germano Marques da Silva.
Por outro lado, a defesa tem de ser necessária, devendo o ato defensivo ser idóneo a afastar a agressão, sendo o meio de proteção menos prejudicial e gravoso no caso concreto. Dito de outra forma, tem de ser proporcional. Na verdade, o excesso de defesa não exclui por regra a ilicitude (ressalva feita ao excesso resultante de perturbação, medo ou susto não censurável), embora a pena possa ser especialmente atenuada (cfr. artigo 33.º, do Código Penal).
Finalmente, e como se referiu, a defesa pode ter lugar em benefício de terceiros ameaçados. Nesta modalidade, a legítima defesa constitui uma ação de auxílio necessário, que pressupõe, em qualquer caso, que o terceiro queira essa defesa ou, pelo menos, a ela não se oponha.
Revertendo para o caso dos autos, e sendo certo que nada se apurou nesse sentido, não se verificando como tal os respetivos pressupostos, temos por dizer que inexiste qualquer causa de legitima defesa e apenas a esta nos reportamos por o ofendido, no seu périplo de justificar a conduta da arguida, referiu que esta podia ter pensado que ia levar a sua filha. Com isto procurou-se justificar a conduta da arguida.
A verdade, e não podemos deixar de notar, a arguida não prestou declarações, e sendo certo que tal exercício do seu direito ao silêncio não a prejudica, não menos certo é que igualmente não permitiu aquilatar da sua versão dos factos, muito menos de qualquer estado subjetivo, e que apenas a esta incumbiria esclarecer.
Não o tendo feito, não tem o tribunal qualquer elemento que permita justificar a sua conduta, não se verificando, assim, qualquer causa de exclusão ou justificação.
Nada a acrescentar à bem fundada e acertada qualificação dos factos realizada na sentença recorrida.
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(v) Da adequação e justeza da pena aplicada;
Mais se insurge a recorrente contra a pena que lhe foi concretamente aplicada, defendendo que a mesma é excessiva, invocando a ausência de antecedentes criminais e o valor do seu salário mensal. Perscrutadas as motivações de recurso não se consegue alcançar qualquer fundamento para o que verteu nas últimas conclusões do seu recurso AJ a AL.
Não obstante, sempre se dirá que a ausência de antecedentes criminais não constitui qualquer facto que deva ser considerado a favor da arguida já que essa situação corresponde apenas e tão comente ao que é esperado de qualquer cidadão, sendo apenas de valorar contra o arguido a desconformidade anterior ao dever ser jurídico-criminal a existência de tal tipo de antecedentes.
No que ao valor do seu salário concerne e a sua estreita relação com a taxa diária fixada nada alegou a recorrente pelo que não é lícito ao tribunal presumir os factos em que se baseia para alcançar a conclusão que apresenta.
Acresce que seguimos a jurisprudência segundo a qual o Tribunal de recurso, também a nível da determinação das penas concretas e da pena única em caso de concurso de crimes, como no presente caso, apenas deve intervir quando a pena fixada pela primeira instância se revele desajustada, por violação dos comandos a que se fez referência, e por isso injusta.
É que também no que respeita à apreciação das penas fixadas pela 1ª Instância, a intervenção dos Tribunais de 2ª Instância deve ser cautelosa e seguir a jurisprudência exposta, quanto à intervenção do STJ é certo, mas aplicável às Relações, no Ac. do mesmo Tribunal Superior de 27/05/2009, relatado por Raul Borges, in www.gde.mj.pt, Proc. 09P0484, no qual se considera: "... A intervenção do Supremo Tribunal de Justiça em sede de concretização da medida da pena, ou melhor, do controle da proporcionalidade no respeitante à fixação concreta da pena, tem de ser necessariamente parcimoniosa, porque não ilimitada, sendo entendido de forma uniforme e reiterada que "no recurso de revista pode sindicar-se a decisão de determinação da medida da pena, quer quanto à correcção das operações de determinação ou do procedimento, à indicação dos factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis, à falta de indicação de factores relevantes, ao desconhecimento pelo tribunal ou à errada aplicação dos princípios gerais de determinação, quer quanto à questão do limite da moldura da culpa, bem como a forma de actuação dos fins das penas no quadro da prevenção, mas já não a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto da pena, salvo perante a violação das regras da experiência, ou a desproporção da quantificação efectuada". (No mesmo sentido, Figueiredo Dias, in “Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime”, pág. 197, § 255).
Assim, só em caso de desproporcionalidade na sua fixação ou necessidade de correção dos critérios de determinação da pena concreta, atentos os parâmetros da culpa e as circunstâncias do caso, deverá intervir o Tribunal de 2ª Instância alterando o quantum da pena concreta. E como se pode alcançar da fundamentação constante da sentença recorrida, que de seguida se transcreve, a pena fixada não se mostra desajustada nem violadora dos comandos que orientam o julgador na sua determinação:
b. Da medida da pena
Verificando-se o tipo criminal imputado, importa agora determinar a natureza e medida da sanção a aplicar à arguida no que concerne ao crime imputado.
O crime de ofensa à integridade física, previsto no artigo 143.º, n.º 1, do Código Penal, é punido com pena de prisão até 4 (quatro) anos, sendo esta a moldura a atender para efeito de determinação da medida da pena.
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De acordo com o artigo 71º, nº 1, do Código Penal, “A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção”.
Retira-se do preceito que os critérios estabelecidos pela lei para a determinação da medida da pena são a culpa e a prevenção, alcançando-se a compreensão destes conceitos pelo disposto no artigo 40.º, do Código Penal. De acordo com o referido normativo, as exigências de prevenção geral visam satisfazer a necessidade da sociedade de punir o crime, acrescendo ainda que a necessidade da culpa cumpre o exigível respeito pela dignidade da pessoa, limitando aquelas exigências de prevenção.
Por outro lado, a prevenção especial é encarada como a necessidade de socialização do agente, no sentido de o preparar para no futuro não cometer outros crimes.
Na articulação entre culpa e prevenção, tem sido entendido que é a prevenção geral positiva que fornece a moldura dentro da qual irá atuar a prevenção especial, determinando a medida da pena. A culpa funcionará como limite inultrapassável das questões preventivas, assim fornecendo o limite máximo da pena.
Como refere Figueiredo Dias, “dentro deste limite máximo ela é determinada no interior de uma moldura de prevenção geral de integração, cujo limite superior é oferecido pelo ponto óptimo de tutela dos bens jurídicos e cujo limite inferior é constituído pelas exigências mínimas do ordenamento jurídico” – Jorge de Figueiredo Dias, Temas Básicos da Doutrina Penal, pág. 105.
Dentro desta moldura operam razões de prevenção especial, em regra positiva ou de socialização, quando tal se imponha, pois se o agente não carecer de socialização, por se encontrar socialmente integrado, então a medida encontrada terá somente de servir de suficiente advertência, diminuindo a medida para o limiar mínimo.
Nos termos do disposto no artigo 70.º, do Código Penal, o tribunal deve, perante a possibilidade de aplicação alternativa entre pena privativa e pena não privativa de liberdade, dar preferência à segunda, sempre que que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
Para optar entre uma pena privativa e uma pena não privativa da liberdade, haverá que ter em conta as exigências de prevenção geral (prevenção geral positiva ou de integração), relacionada com a proteção de bens jurídicos e do sentimento comunitário de segurança face à violação da norma, defendendo as expectativas da comunidade na conservação da norma jurídica infringida, e de prevenção especial, ligada à reintegração do agente na sociedade, funcionando a culpa como limite máximo da pena concreta a aplicar.
O ordenamento jurídico-penal considera as penas privativas da liberdade como utima ratio, atendendo ao seu caráter estigmatizante. Na verdade, apesar de a pena de prisão continuar a assumir um papel de relevo no sistema criminal, houve uma nítida preocupação em secundarizar a pena de prisão, exceto, como é óbvio, para os casos em que a gravidade do crime ou a sua reincidência o impõem, dando-se prevalência às penas não privativas, dada a sua potencialidade ressocializadora.
Todavia, no presente caso, a norma apenas estabelece como pena aplicável a pena de prisão, não podendo o julgador optar por outra diversa da legalmente estabelecida, sem prejuízo das demais penas de substituição.
De acordo com o artigo 71.º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal, a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, devendo o Tribunal atender ainda a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele.
Assim, e nos termos do sobredito preceito, há que considerar:
- o grau de ilicitude, que entendemos elevado, atendendo às concretas agressões praticadas, às circunstâncias em que os factos ocorreram, contra o ex-companheiro e na presença, aliás, no intermeio, de menor de idade;
- a intensidade do dolo, tendo a arguida atuado com dolo direto;
- as condições pessoais do agente e a sua situação económica, que encontrando-se a arguida inserida familiar e profissionalmente;
- a conduta anterior e posterior do arguido, salientando-se a inexistência de antecedentes criminais.
Em face destes elementos, conclui-se que o grau de ilicitude e de culpa é elevado, bem como as exigências de prevenção geral e especial.
No presente caso, as exigências de prevenção geral são elevadas, considerando que estamos perante bens iminentemente pessoais que os cidadãos prezam e querem ver protegidos.
Por outro lado, as exigências de prevenção especial afiguram-se diminutas, considerando que a arguida não tem qualquer condenação averbada no seu Certificado de Registo Criminal.
Assim, por todo o exposto, entende-se adequada e proporcional a aplicação à arguida de uma pena de 7 (sete) meses de prisão.

Da substituição da pena de prisão:
Uma vez determinada a pena concreta a aplicar ao arguido, situando-se esta em 5 meses de prisão, impõe-se ao tribunal determinar se é caso de a substituir por uma pena não detentiva ou outra pena detentiva prevista na lei.
A nova redação do Código Penal veio diversificar as penas alternativas e/ou substitutivas da pena de prisão e da sua execução, alargando o âmbito das já existentes, desde que verificados os seus pressupostos, o que pode contribuir, de forma efetiva, para uma melhor reinserção do condenado.
Em termos abstratos, uma pena de prisão não superior a um ano pode ser, por um lado, substituída por multa (artigo 45.º, do Código Penal), pode ser suspensa na sua execução (artigo 50.º, do Código Penal), v.g. sujeita ao cumprimento de obrigações e/ou regras de conduta ou até complementada com regime de prova (artigos 50.º a 54.º, do Código Penal) ou ser substituída por prestação de trabalho a favor da comunidade e, por outro lado, pode ser executada em regime de permanência na habitação (artigo 43.º, do Código Penal), desde que cumpridas, de forma adequada e suficiente, as exigências da punição.
Para esta apreciação são determinantes vários fatores, de forma a poder concluir-se se a execução da pena de prisão é necessária ou não para evitar o cometimento de novos crimes e se a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam ou não, de forma adequada e suficiente, as finalidades da punição.
Conforme se apontou supra, as exigências de prevenção geral são elevadas uma vez que estamos diante bens iminentemente pessoais que os cidadãos prezam e querem ver protegidos.
Vejam-se agora as exigências de prevenção especial, que se afiguram diminutas em virtude de inexistirem antecedentes criminais.
Dispõe o artigo 45.º, n.º 1, do Código Penal que «a pena de prisão aplicada em medida não superior a um ano é substituída por pena de multa ou por outra pena não privativa da liberdade, exceto se a execução da prisão for exigida pela necessidade de prevenir o cometimento de futuros crimes (…)».
Diz-nos, ainda, o nº 2 deste preceito que «se a multa não for paga, o condenado cumpre a pena de prisão aplicada na sentença (…)».
Verificado o preenchimento daquele requisito de natureza formal, manda o preceito em análise atentar na verificação de um requisito de natureza substancial: que essa forma de cumprimento da pena de prisão ainda se mostre adequada e suficiente para realizar as finalidades da punição.
Isto significa que tem que se concluir que essa substituição terá que ser apta a reforçar a confiança da comunidade na ordem jurídica violada e, bem assim, a promover a reintegração do agente na sociedade.
Ora, pelos motivos expostos, afigura-se-nos que a substituição da pena de prisão aplicada, por idêntico período de multa, num total de 210 (duzentos e dez) dias, ainda se mostra adequada a realizar tais finalidades.
No que diz respeito ao montante diário a fixar para as penas de multa aplicadas, estabelece o artigo 47.º, n.º 2, do Código Penal, que cada dia de multa corresponde a uma quantia entre € 5,00 e € 500,00, que o tribunal fixa em função da situação económica e financeira do condenado e dos seus encargos pessoais.
Pelo exposto, atendendo às condições sócio económicas da arguida, conforme vertidas nos factos provados, o tribunal entende como adequada a fixação do quantitativo diário da pena de multa aplicada em € 6,00.
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Termos em que naufraga o recurso interposto.
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IV - Decisão:
Pelo exposto, decide-se nesta Relação de Évora, em:
Rejeitar o recurso interposto com fundamento na ausência de indicação das normas violadas o que determina que o mesmo deve ser rejeitado, e da sua manifesta improcedência, nos termos dos art.ºs 417.º, n.º 6, al. b) e 420.º, n.º 1, al. a), todos do CPP.
- Custas pela arguida, fixando-se em 4 UC a taxa de justiça devida.
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Analisando:
Defende a arguida aqui reclamante que a decisão sumária seja anulada e substituída por outra que a convide a indicar as normas jurídicas violadas, defendendo, recordemos:
1. O artigo 417º nº 3 do CPP que prescreve que: Se das conclusões do recurso não for possível deduzir total ou parcialmente as indicações previstas nos nºs. 2 a 5 do artigo 412º CPP, o relator convida o recorrente a completar ou esclarecer as conclusões formuladas, no prazo de 10 dias, sob pena de o recurso ser rejeitado ou não ser conhecido na parte afetada.
2. Quando a recorrente expõe consistentemente as razões concretas da sua discordância na motivação do seu recurso, mas depois, por lapso, não as assinala devidamente nas conclusões existem razões que se fundamentam na proibição de excesso, no princípio da proporcionalidade constitucionalmente consagrado no artigo 18º nº 2 da CRP que justificam a convite e a consequente possibilidade de correção.
3. Se as conclusões finais da motivação da recorrente não satisfizerem os requisitos formais do artigo 412º do CPP, impõe-se que o tribunal o convide a corrigi-las nos pontos considerados afetados, sob pena de interpretação inconstitucional do preceito que leve logo à rejeição do recurso, dada a sua evidente desproporcionalidade, por violação do disposto no artigo 32º nº 1 da Constituição da República Portuguesa.
4. Pelo que, se requer a anulação da decisão sumária e seja proferido despacho de aperfeiçoamento.
Mas não tem razão. E não tem razão pela singela razão que não obstante no seu recurso ter omitido as normas jurídicas violadas, tendo em conta que qualificou os erros e vícios, de facto e de direito, que em seu entender afetavam a decisão de primeira instância, apenas não indicando os números dos artigos legais a que correspondiam, conheceu-se do mérito do recurso, o qual se conheceu através de decisão sumária, dada a sua manifesta improcedência, como se verifica de fls. 22 e ss, onde consta de forma expressa Contudo, ainda que assim não fosse sempre o recurso não pode proceder devendo ser rejeitado porque manifestamente improcedente como se verá de seguida da análise e decisão das questões colocadas, a que se segue a análise de todas as questões suscitadas.
Como é sabido a lei adjectiva instituiu a possibilidade de rejeição dos recursos em duas vertentes diversas, admitida que está, no nosso processo penal a cindibilidade do recurso, princípio acolhido nos arts. 403.º nº 1, 410.º n.º 1 e 412.º n.º 2:
1) Rejeição formal que se prende com a insatisfação dos requisitos prescritos no art. 412.º n.º 2;
2) Rejeição substantiva que ocorre quando é manifesta a improcedência do recurso.
A manifesta improcedência verifica-se quando, atendendo à factualidade apurada, à letra da lei e à jurisprudência dos tribunais superiores é patente a sem razão do recorrente.
A figura da rejeição destina-se a potenciar a economia processual, numa óptica de celeridade e de eficiência, com vista a obviar ao reconhecido pendor para o abuso de recursos.
A possibilidade de rejeição liminar, em caso de improcedência manifesta, tem em vista moralizar o uso do recurso (…) (Ac. STJ de 16 de Novembro de 2000, proc. n.º 2353-3; SASTJ, n.º 45, 61) (Ac. TRL de 2019-02-26, Proc. nº 4604/18.7T9LSB-B.L1-9, Relatora Filipa Costa Lourenço).
Assim, nada há a alterar face ao que se mostra decidido na decisão sumária reclamada, constituindo a prática do acto pretendido pela reclamante uma inutilidade, quando a prática de actos inúteis é proibida por lei – art.º 130.º do CPC.
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DISPOSITIVO:
Face ao exposto, acordam os juízes da 2ª Sub-Secção deste Tribunal da Relação em:
A) Indeferir a reclamação apresentada pela arguida mantendo-se inalterada a decisão reclamada.
B) Custas pela arguida fixando-se a taxa de justiça em 3 UCs.

Évora, 21 de maio de 2024

Maria Perquilhas
Fernando Pina
Fátima Bernardes

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[1] Acs. do STJ de 16.11.95, de 31.01.96 e de 24.03.99, respectivamente, nos BMJ 451° - 279 e 453° - 338, e na Col Acs. do STJ, Ano VII, Tomo 1, pág. 247 o Ac do STJ de 3/2/99 (in BMJ nº 484, pág. 271); o Ac do STJ de 25/6/98 (in BMJ nº 478, pág. 242); o Ac do STJ de 13/5/98 (in BMJ nº 477, pág. 263);
SIMAS SANTOS/LEAL HENRIQUES, in Recursos em Processo Penal, p. 48; SILVA, GERMANO MARQUES DA 2ª edição, 2000 Curso de Processo Penal”, vol. III, p. 335;
RODRIGUES, JOSÉ NARCISO DA CUNHA, (1988), p. 387 “Recursos”, Jornadas de Direito Processual Penal/O Novo Código de Processo Penal”, p. 387 DOS REIS, ALBERTO, Código de Processo Civil Anotado, vol. V, pp. 362-363.
[2] O erro de julgamento capaz de conduzir à modificação da matéria de facto pelo Tribunal de recurso, nos termos dos artigos 412º, nº 3 e 431º, alínea b), ambos do Código de Processo Penal, reporta-se, normalmente, às seguintes situações:
- o Tribunal a quo dar como provado um facto com base no depoimento de uma testemunha e a mesma nada declarou sobre o facto;
- ausência de qualquer prova sobre o facto dado por provado;
- prova de um facto com base em depoimento de testemunha sem razão de ciência da mesma que permita a prova do mesmo;
- prova de um facto com base em provas insuficientes ou não bastantes para prova desse mesmo facto, nomeadamente com violação das regras de prova;
- e todas as demais situações em que do texto da decisão e da prova concretamente elencada na mesma e questionada especificadamente no recurso e resulta da audição do registo áudio, se permite concluir, fora do contexto da livre convicção, que o tribunal errou, de forma flagrante, no julgamento da matéria de facto em função das provas produzidas.
II. A diferente valoração da prova não se confunde com o erro de julgamento ou com qualquer dos vícios do artigo 410º, nº 2 do Código de Processo Penal.
[3] O que a arguida bem refere no seu recurso.
[4] Como se esclareceu no Ac. STJ de 15/09/2010, proc. n.º 173/05.6GBSTC.E1.S1, Relator Fernando Fróis: O erro de julgamento da matéria de facto existe quando o tribunal dá como provado certo facto relativamente ao qual não foi feita prova bastante e que, por isso, deveria ser considerado não provado, ou então, o inverso e tem a ver com a apreciação da prova produzida em audiência em conexão com o princípio da livre apreciação da prova, constante do art. 127.º do CPP.
XII - Os vícios do nº 2 do art. 410.º do CPP são de lógica jurídica ao nível da matéria de facto, que tornam impossível uma decisão logicamente correcta e conforme à lei. Os vícios do art. 410.º, n.º 2, do CPP, nomeadamente o erro notório na apreciação da prova, não podem ser confundidos com a insuficiência de prova para a decisão de facto proferida ou com a divergência entre a convicção pessoal do recorrente sobre a prova produzida em audiência e a convicção que o tribunal firme sobre os factos, questões do âmbito da livre apreciação da prova, princípio inscrito no citado normativo – art. 127.º do CPP.
XIII - Não incidindo o recurso sobre prova documentada nem se estando perante prova legal ou tarifada, não se pode sindicar a boa ou má valoração daquela, e querer discutir, nessas condições, a valoração da prova produzida é afinal querer impugnar a convicção do tribunal, esquecendo a citada regra. Neste aspecto, o que releva, necessariamente, é a convicção formada pelo tribunal, sendo irrelevante, no âmbito da ponderação exigida pela função de controlo ínsita na identificação dos vícios do art. 410.º, n.º 2, do CPP, a convicção pessoalmente alcançada pelo recorrente sobre os factos.
XIV - O erro-vício não se confunde com errada apreciação e valoração das provas. Embora em ambos se esteja no domínio da sindicância da matéria de facto, são muito diferentes na sua estrutura, alcance e consequências. Aquele examina-se, indaga-se, através da análise do texto; esta, porque se reconduz a erro de julgamento da matéria de facto, verifica-se em momento anterior à elaboração do texto, na ponderação conjugada e exame crítico das provas produzidas do que resulta a formulação de um juízo, que conduz à fixação de uma determinada verdade histórica que é vertida no texto; daí que a exigência de notoriedade do vício não se estenda ao processo cognoscitivo/valorativo, cujo resultado vem a ser inscrito no texto.
[5] Sublinhado nosso.
[6] Ac. STJ de 15/09/2010, proc. n.º 173/05.6GBSTC.E1.S1, Relator Fernando Fróis.
[7] Sublinhado nosso.