Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
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| Relator: | MARTINHO CARDOSO | ||
| Descritores: | SIGILO DE COMUNICAÇÕES DADOS DE BASE SEGREDO PROFISSIONAL | ||
| Data do Acordão: | 12/07/2012 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
| Decisão: | PROVIDO | ||
| Sumário: | 1. A identidade de um cidadão que se liga a determinado blogue ou sítio da Internet está coberto não pelo segredo das conversações ou comunicações regulado pelos art.º 187.º a 190.º do Código de Processo Penal, mas antes pelo segredo profissional a que se reporta o art.º 135.º do mesmo código e a ser tratado, quanto ao respectivo levantamento, nos termos indicados por esta disposição legal. | ||
| Decisão Texto Integral: | I Acordam, em conferência, na 2.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: Nos autos de inquérito acima referidos, o M.º P.º apresentou a seguinte promoção: A assistente apresentou queixa contra desconhecido, por factos susceptíveis de integrar o crime de difamação, praticado através da Internet. Tal crime inclui-se nos crimes de catálogo referidos no artigo 187° do Código de Processo Penal. Com efeito, como refere o douto Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 12-04-2010, "o argumento é exactamente o da equiparação do crime de difamação ao crime de injúria (crê-se, aliás, que quando o legislador se refere a injúria o faz em sentido literal de desonra e não com o sentido jurídico-penal), sob pena de, doutra forma, como se diz naquela douta peça, a prática dum crime de injúrias por via telemática só seria possível aquando duma videoconferência, situação completamente restritiva e injustificada quando num qualquer crime de difamação em causa estão precisamente os mesmos bens jurídicos que no crime de injúrias". Torna-se imprescindível para a investigação criminal obter junto do fornecedor das comunicações electrónicas nacionais PT, a identificação completa, morada e endereço de correio electrónico de um comentarista do blogue http://xxx.blogs.sapo.pt, bem como o IP através do qual foi efectuado o comentário, sendo que, sem tais elementos não será possível avançar com a investigação nos presentes autos, tendo-se a mencionada operadora de comunicações recusado a fornecer tais dados por os entender como sendo dados de tráfego. Pelo exposto, conclua os autos à Mm.ª Juíza de Instrução Criminal, a quem se requer se solicite à PT a identificação completa e morada da pessoa que publicou o comentário no dia 15-09-2011, no blogue http://xxx.blogs.sapo.pt, sob o cognome de "O Poeta". Tendo a Mm.ª Juíza de Instrução Criminal decidido o seguinte: Por não se verificarem os pressupostos da intervenção do juiz de instrução, constantes do artigo 189.º, n.º 1 do Código de Processo Penal, designadamente por não estar em causa "conversação" ou "comunicação" (na definição do artigo 2.° da Lei n.° 41/2004, de 18 de Agosto), e bem assim porque o investigado crime de difamação não faz parte do elenco do artigo 187.°, nº 1 do mesmo código (tratando-se de elenco taxativo), indefere-se o requerido. Remeta os autos ao Ministério Público. # Inconformado com o assim decidido, o M.º P.º interpôs o presente recurso, apresentando as seguintes conclusões: l- O presente recurso é interposto de decisão judicial proferida pela Meritíssima Juíza de Instrução Criminal que indeferiu o pedido de acesso a dados de identificação do autor de um comentário num blogue a fornecer pela operadora de comunicações Portugal Telecom. 2- Os dados solicitados são dados de tráfego de comunicações electrónicas, ou seja, elementos relativos as ligações de um computador a um fornecedor de serviço de acesso à Internet, pelo que a mencionada operadora de comunicações recusou-se a fornecê-los, invocando sigilo das comunicações. 3 - Nos presentes autos investiga-se um crime de difamação, cometido através da inserção de um comentário, de conteúdo depreciativo, num blogue, por desconhecido. 4- A decisão recorrida fundou-se, por um lado, no facto de não considerar aplicável às comunicações eletrónicas o regime que previa a intervenção do Juiz de Instrução patente no artigo 189.º do Código de Processo Penal. 5- O despacho recorrido interpretou ainda o artigo 187.º do Código de Processo Penal no sentido de apresentar um elenco de ilícitos de carácter taxativo. 6- Mas por força do artigo 189.º do Código de Processo Penal, o artigo 187.º deste preceituado legal é aplicável às comunicações transmitidas por qualquer meio técnico diferente do telefone, designadamente correio eletrónico ou qualquer outro meio eletrónico ou telemático, pelo que tal regime processual é aplicável também ao caso dos autos. 7- O crime de difamação não se encontra excluído do elenco de crimes previsto no artigo 187.º do Código de Processo Penal, no qual se mostra previsto, entre outros, o crime de injúria. 8- Os crimes enumerados no artigo 187.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, não têm carácter taxativo e o legislador, ao referir-se ao crime de injúria, fê-lo em sentido amplo, como crime contra a honra, aí se podendo englobar também o crime de difamação, o qual tem subjacente o mesmo bem jurídico, a honra e consideração, e se encontra inscrito como crime contra a honra, a par do crime de injúria e de outros crimes previstos no Capítulo VI, do Título I (Crimes contra as pessoas) da Parte Especial do Código Penal, parecendo-nos ser equiparável no que concerne à aplicabilidade desse preceito legal. 9- Excluir o crime de difamação do elenco de ilícitos em causa, quando um outro tipo de ilícito, como o crime de injúria, que tutela exatamente o mesmo bem jurídico e é aliás punível com moldura penal menos elevada, constituiria uma situação de desigualdade injustificável. 10- Perante a recusa de fornecimento de tais dados, por serem dados de tráfego, resta ao Ministério Público solicitar a autorização do Juiz de Instrução para obter o acesso aos mesmos, visto que o seu conhecimento é susceptível de afectar direitos fundamentais e em obediência ao artigo 32.°, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa, que dispõe que "toda a instrução é da competência de um juiz, o qual pode, nos termos da lei, delegar noutras entidades a prática dos actos instrutórios que se não prendam directamente com os direitos fundamentais", compete exclusivamente ao Juiz de Instrução ordenar atos de inquérito que contendam directamente com direitos fundamentais. 11- Por tal motivo, a lei processual penal faz depender de autorização judicial a intercepção, gravação ou registo de comunicações (artigo 187.º do Código de Processo Penal), incluindo por via eletrónica, por tais atos implicarem uma compressão dessa mesma esfera de direitos. 12- A decisão violou assim o disposto nos artigos 26.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, os artigos 187.º a 190.°, 268.º e 269.º do Código de Processo Penal e o artigo 2.° da Lei n° 41/2004, de 18.08. Termos em que se requer que o despacho recorrido seja revogado e substituído por outro em que se ordene à Portugal Telecom o fornecimento dos elementos pretendidos pelo Ministério Público. # Nesta Relação, a Ex.ma Procurador-Geral Adjunta emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso. Procedeu-se a exame preliminar. Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir. II De acordo com o disposto no art.º 412.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, o objecto do recurso é definido pelas conclusões formuladas pelo recorrente na motivação e é por elas delimitado, sem prejuízo da apreciação dos assuntos de conhecimento oficioso de que ainda se possa conhecer. De modo que a única questão posta ao desembargo desta Relação é a seguinte: Se, estando indiciado o cometimento de um crime de difamação através da Internet, pode o Juiz de Instrução Criminal, ao abrigo dos art.º 187.º e 189.º do Código de Processo Penal, determinar ao fornecedor das comunicações electrónicas nacionais a identificação completa e morada da pessoa que publicou num blogue um comentário difamatório. Este tema já foi tratado em algumas – poucas – decisões jurisprudenciais. Assim, no acórdão da Relação de Guimarães de 12-4-2010, relatado pelo Exm.º Desembargador Anselmo Lopes, processo 1341/08.4TAVCT, e no acórdão da Relação de Lisboa de 18-1-2011, da Exm.ª Desembargadora Filomena Clemente Lima, processo 3142/09.3PBFUN-A.L1-5, já se decidiu: No primeiro deles: I) Tendo no decurso do inquérito sido participado contra desconhecidos um crime de difamação agravada praticada através da Internet, e visando-se apurar dados de tráfego de comunicações electrónicas (dados relativos às ligações do computador de um agente a um fornecedor de serviço de acesso à Internet), cujo acesso só é possível, nos termos legais, através de autorização do JIC, o regime aplicável é o prevenido no artº 187º, por remessa do artº 189º do C.P.Penal. II) E tal conclusão decorre exactamente da equiparação do crime de difamação ao crime de injúria, sob pena de, doutra forma, a prática dum crime de injúrias por via telemática só ser possível aquando duma videoconferência, situação completamente restritiva e injustificada quando num qualquer crime de difamação em causa estão precisamente os mesmos bens jurídicos que no crime de injúrias. O correio electrónico nunca seria possível de interceptar e gravar porque, por natureza, lhe falta a “presencialidade”, elemento crucial para a verificação do mencionado crime de injúrias. III) E sendo assim, decide-se que deverá o Mº juiz a quo (JIC) solicitar à PT os elementos pretendidos pelo MPº, após o que, ante uma eventual escusa, haverá de ser accionado mecanismo procedimental previsto no artº 135º, n.ºs 2 e 3 do CPP. No segundo: Iº Nos serviços de telecomunicações podem distinguir-se, fundamentalmente, três espécies ou tipologias de dados: os dados de base, os dados de tráfego e os dados de conteúdo; IIº Os dados de base, são relativos à conexão à rede, os dados de tráfego, são os dados funcionais necessários ao estabelecimento de uma ligação ou comunicação e dados gerados pela utilização da rede, os dados de conteúdo, são os dados relativos ao conteúdo da comunicação ou da mensagem; IIIº A identificação completa, morada e endereço de correio electrónico do titular de determinado blog, bem como o IP de criação desse blog e o IP onde foi efectuado determinado “post”, constituem dados de base, que embora cobertos pelo sistema de confidencialidade, podem ser comunicados a pedido de uma autoridade judiciária, aplicando-se o regime do art.º 135, do CPP, quando tenha sido deduzida escusa; IVº Considerando que o bem jurídico protegido pelos crimes de injúria e difamação é o mesmo, deve entender-se que este é abrangido pela al .e, do nº1, do art.187, CPP, integrando, assim, os crimes de “catálogo” referidos nesse preceito; Neste acórdão da Relação de Lisboa, de 18-1-2011, é citado um outro, também dessa Relação, proferido no processo 405/08.9PBLRS-A.L1 e relatado pela Exm.ª Desembargadora Margarida Blasco, que pelos vistos não terá sido publicado, mas que é transcrito nos seguintes termos: Estando em causa a obtenção da identidade do utilizador de determinado computador e de determinado e-mail entendemos que a obtenção destes dados de base se subsumem, em caso de recusa no seu fornecimento, ao disposto no art.135.° do CPP. Defende a referida decisão que: “Nos serviços de telecomunicações podem distinguir-se, fundamentalmente, três espécies ou tipologias de dados ou elementos, a saber: -os dados de base, que são os relativos à conexão à rede, e cobertos pelo sistema de confidencialidade, a solicitação do assinante; nestes há que ter em consideração que o sigilo profissional em causa releva de um simples interesse pessoal do utilizador que não contende com a respectiva esfera privada; os correspondentes elementos de informação poderão ser comunicados, a pedido de qualquer autoridade judiciária, para fins de investigação criminal, em ordem ao prevalecente dever da colaboração com a administração da justiça; -os dados de tráfego que são os dados funcionais necessários ao estabelecimento de uma ligação ou comunicação e os dados gerados pela utilização da rede; e por último, -os dados de conteúdo que são os dados relativos ao conteúdo da comunicação ou da mensagem. E, citando Paulo Pinto de Albuquerque, no seu Comentário do Código de Processo Penal, pode ler-se, em anotação ao art. 189° do CPP, o seguinte: A obtenção dos dados de base, isto é, dos dados de conexão à rede, tais como a identidade do titular do telefone, a sua morada e o número do telefone, ainda que cobertos pelo sistema de confidencialidade a solicitação do assinante, obedece ao regime do artigo 135.º do CPP. Estes elementos estão a coberto do sigilo profissional das operadoras telefónicas, mas não contendem com a privacidade dos titulares, pelo que podem ser comunicados a pedido de qualquer autoridade judiciária, aplicando-se correspondentemente, quando tenha sido deduzida escusa, o regime processual do incidente previsto no artigo 135.º do CPP. Também no acórdão da Relação de Lisboa de 27-09-2007, CJ, 2007, IV-145, se decidiu: I. A identificação de utilizador de certo endereço de IP, que em concretas horas e datas teve acesso ao sistema de banca electrónica designada por Caixa Directa on-line, via Internet e que utilizando abusivamente as credenciais do queixoso que obteve num site phishing, procedeu à transferência de valores de contas daquele queixoso, só pode ser obtida por acesso a dados de tráfego. II. Tais elementos estão protegidos pelo sigilo das telecomunicações, previsto na Lei de Bases, com o nº91/97, de 1/08 e na Lei de Protecção de Dados Pessoais no Sector das Telecomunicações, nº069/98, de 28/8. III. Justifica-se no caso a quebra de sigilo a que se refere o artº 135º do CPP, com a prestação das informações por parte da PTMultimédia (TV Cabo), por ser manifesta a prevalência do interesse da vítima, que figura como titular dos valores que o sigilo dos serviços de telecomunicações visa proteger. * Vejamos: Investiga-se nos presentes autos de inquérito a prática de um crime de difamação cometido através de um comentário anónimo inserido num blogue. Pelo que se torna imprescindível para a investigação criminal obter junto do fornecedor das comunicações electrónicas nacionais, a PT, a identificação completa, morada e endereço de correio electrónico do comentador. Sem a obtenção de tais elementos não será possível avançar com a investigação nos presentes autos, uma vez que só através dessa informação é que será possível identificar essa pessoa. De acordo com os Pareceres do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República n.ºs 16/94 e 21/2000 in www.dgsi.pt, este último transformado na Directiva n.º 5/2000, publicada no DR, II Série, de 28.08.2000, nos serviços de telecomunicações podem distinguir-se, fundamentalmente, três espécies ou tipologias de dados ou elementos, a saber: Os dados de base respeitam à identificação dos emissores ou destinatários das comunicações, evidenciando, assim, a mera conexão a uma rede pública de telecomunicações, não sendo os mesmos susceptíveis de revelarem ou identificarem uma comunicação. São, assim, prévios e instrumentais de qualquer comunicação. A título de exemplo indicam-se o número, a identificação e a morada do utilizador do serviço. Os dados de tráfego são os dados funcionais necessários ao estabelecimento de uma ligação ou comunicação e gerados pela utilização da rede (como exemplo, a localização do utilizador, localização do destinatário, duração da utilização, data e hora, frequência). Por seu turno, os dados de conteúdo são, como o próprio nome indica, os que respeitam ao próprio conteúdo da mensagem transmitida. De acordo com o Dr. Benjamim Silva Rodrigues, in "A Monitorização de dados pessoais de tráfego nas comunicações electrónicas", Raízes Jurídicas, Curitiba, v. 3, n. 2, jul./dez. 2007, disponível na Internet, os dados de base consistem nos elementos fornecidos pelo utilizador à empresa que fornece o acesso à rede e ou ao serviço de comunicações electrónicas, v.g., nome, morada, e os dados que aquela empresa fornece, em sentido inverso, ao utilizador para efeito de interligação à rede e ou ao serviço de comunicações electrónicas, v.g., número de acesso, nome de utilizador, password. Os dados de tráfego dizem respeito aos elementos funcionais da comunicação e permitem o envio da comunicação através de uma rede de comunicações electrónicas, v.g., data e hora do início da sessão (login) e do fim (logoff) da ligação ao serviço de acesso à Internet, endereço de IP atribuído pelo operador, volume de dados transmitidos, entre outros. Os dados de conteúdo baseiam-se no conteúdo da comunicação transmitida pela rede de comunicações electrónicas. Suponhamos que António celebra um contrato com um ISP para o fornecimento de acesso à Internet e cede o que designamos por dados de base. Já na posse de todos os elementos necessários para a ligação à Internet, envia uma mensagem de correio electrónico a um colega, com o seguinte conteúdo: "Convite para jantar amanhã às 17h00. Abraço. António". A hora de envio, o volume de dados transmitidos, o IP de origem, entre outros configuram o que apelidamos de dados de tráfego, e, por último, a mensagem enviada integra-se no conceito de dados de conteúdo. Ora reportando estas noções ao caso dos autos, o que o M.º P.º pretende não é aceder a dados de tráfego: o M.º P.º não quer saber a localização do utilizador, a localização do destinatário, o volume de dados transmitidos, o IP de origem, a duração da utilização, data e hora, frequência usados para o envio da poesia de escárnio e mal-dizer objecto da investigação no presente inquérito. O M.º P.º também não pretende aceder a dados de conteúdo: o M.º P.º não quer saber o conteúdo da mensagem transmitida; isso já ele sabe e consta dos autos, é tal poesia de escárnio e mal-dizer. O que o M.º P.º quer é saber a identificação e a morada do utilizador do serviço, isto é, que é que mandou a poesia – e isto é querer saber dados de base[1]. É como o caso de a poesia ter sido mandada por voicemail ou SMS para o telemóvel da ofendida ou ouvida por esta de viva voz através de telefone fixo cujo sistema de gravação estava activado, tendo ali ficado gravada: o M.º P.º não pretende autorização judicial para escutar a comunicação que foi feita; o que pretende é uma ordem judicial à empresa de telecomunicações para que esta revele a quem pertence o equipamento que fez a chamada. Ora, tanto um caso como o outro não têm coisa alguma a ver com os mecanismos processuais reguladores das escutas telefónicas constantes dos art.º 187.º e 188.º do Código de Processo Penal ou com conversações ou comunicações transmitidas por qualquer meio técnico diferente do telefone, designadamente correio electrónico ou outras formas de transmissão de dados por via telemática, mesmo que se encontrem guardadas em suporte digital, e à intercepção das comunicações entre presentes a que se refere o art.º 189.º. Estas normas, como do respectivo teor literal resulta, têm em vista exclusivamente a intercepção e a gravação de conversações ou comunicações telefónicas e a localização celular ou registo da realização de conversações ou comunicações. Por isso que Paulo Pinto de Albuquerque, no seu Comentário ao Código de Processo Penal, 1.ª ed., pág., 518, na anotação 3 ao art.º 189.º, reportando-se ao que está abrangido pela previsão do n.º 2 desse preceito legal quanto à aplicabilidade do regime dos art.º 187.º e 188.º, afirma que (o sublinhado será nosso) quanto ao registo da realização de “comunicações”, elas respeitam aos dados de tráfico das comunicações electrónicas, isto é, às ligações do computador a um fornecedor de serviço de acesso à Internet. Sobre a tutela que deveriam merecer os dados de base, nomeadamente, a identificação e morada dos utilizadores, recaíram diversos pareceres do Conselho Consultivo da Procuradoria Geral da República, distinguindo em três categorias de dados – dados de base, dados de tráfego e dados de conteúdo – e reconhecendo aos dados de base a tutela pela regra da confidencialidade de génese privatística ou contratual, decorrente de um simples interesse pessoal do utilizador que de modo algum contende com a sua esfera pessoal íntima, podendo ser comunicados a pedido de qualquer autoridade judiciária para fins de instrução criminal, prevalecendo o dever de colaboração com a justiça (cfr., nomeadamente, o Parecer n.º 21/2000, no DR II Série, de 23-7-2002). O recente acórdão do Tribunal Constitucional n.º 486/2009 (publicado no DR, 2ª Série, n.º 215, de 5-11-2009, págs. 45119 e ss.) retomou a distinção entre dados de base, dados de tráfego e dados de conteúdo, reconhecendo que os dados de base, enquanto dados de conexão à rede, constituem elementos necessários ao estabelecimento de uma base para comunicação, estando aquém da comunicação; são prévios em relação a ela e “constituem, na perspectiva dos utilizadores, os elementos necessários ao acesso à rede, designadamente através da ligação individual e para utilização própria do respectivo serviço”. E prossegue, sobre o tema, um pouco mais adiante, citando Costa Andrade - in “Comentário Conimbricense do Código Penal”, Parte Especial, Tomo III, pág. 797-798.: “Na verdade, por exemplo, a mera identificação do titular de um número de telefone fixo ou móvel, mesmo quando confidencial, surge com uma autonomia e com uma instrumentalidade relativamente às eventuais comunicações e, por isso mesmo, não pertence ao sigilo das telecomunicações, nem beneficia das garantias concedidas ao conteúdo das comunicações e aos elementos de tráfego gerados pelas comunicações propriamente ditas”. Com a publicação de um comentário num blogue passa-se a mesma situação. A identidade de um cidadão que se liga a determinado blogue ou sítio da Internet está coberto não pelo segredo das conversações ou comunicações regulado pelos art.º 187.º a 190.º do Código de Processo Penal, mas antes pelo segredo profissional a que se reporta o art.º 135.º do mesmo código e a ser tratado, quanto ao respectivo levantamento, nos termos indicados por esta disposição legal. III Nos termos expostos, acorda-se em se julgar o recurso procedente, revogando-se a decisão recorrida, a substituir por outra que ordene à Portugal Telecom o fornecimento dos elementos pretendidos pelo Ministério Público (identificação completa e morada da pessoa que publicou o comentário no dia 15-09-2011, no blogue http://xxx.blogs.sapo.pt, sob o cognome de "O Poeta") e, se vier a considerar legítima a recusa da quebra de protecção do sigilo nas comunicações, suscitar oportunamente o incidente previsto no art. 135º, n,º 3 do C.P.Penal (e no qual se fará constar o teor do presente acórdão). Sem custas. # Évora, 07-12-2012 (elaborado e revisto pelo relator, que escreve com a ortografia antiga) João Martinho de Sousa Cardoso Ana Barata Brito _____________________________________________ [1] E daí que o Digno Magistrado do M.º P.º recorrente tenha andado menos bem ao, no seu recurso, qualificar os dados que pretende como sendo dados de tráfego (cfr., entre outros, os pontos 2 e 10 das conclusões), o que, a estar correcto, deslocalizaria completamente a questão. |