Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | JOÃO AMARO | ||
Descritores: | PRESTAÇÃO DE TRABALHO A FAVOR DA COMUNIDADE PRESSUPOSTOS CUMPRIMENTO DE PRISÃO SUBSIDIÁRIA | ||
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Data do Acordão: | 03/23/2021 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Sumário: | A prestação de trabalho em substituição do cumprimento da pena de multa tem como pressuposto inultrapassável a vontade do condenado, uma vez que o trabalho assume, em substância, uma restrição da sua liberdade (o condenado tem de sujeitar-se a determinadas atividades laborais impostas). Por conseguinte, não é possível a substituição da pena de multa (ou do remanescente desta) por dias de trabalho (artigo 48º do Código Penal) sem requerimento do arguido nesse sentido. O cumprimento da prisão subsidiária não é imperioso e inultrapassável, porquanto, caso o arguido prove que o não pagamento da multa não se deveu a culpa sua, pode (e deve) o tribunal ponderar a possibilidade de suspensão da execução da pena de prisão subsidiária (além de que o arguido pode, a todo o tempo, evitar, total ou parcialmente, a execução da prisão subsidiária em causa, pagando, no todo ou em parte, a multa em que foi condenado - o que também se deixou escrito na parte final do despacho recorrido -). | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam os Juízes, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:
I - RELATÓRIO.
Nos autos de Processo Sumário nº 86/19.4GEALR, do Juízo de Competência Genérica de Almeirim, em que é arguido SDC, foi decidido, através de despacho judicial proferido em 20-10-2020, converter o remanescente da pena de multa aplicada ao arguido nos correspondentes dias de prisão subsidiária. Inconformado com essa decisão, dela interpôs recurso o arguido, formulando as seguintes conclusões (em transcrição): “1 - O recorrente foi condenado, por sentença transitada em julgado, na pena de 50 dias de multa, à taxa diária de € 6 (Seis Euros), o que perfaz a quantia total de € 300,00 (Trezentos Euros). 2 - O condenado não conseguiu liquidar a quantia devido a dificuldades económicas resultantes da situação de pandemia SARS-2 - COVID 19 que atravessa o país e da sua situação pessoal de desempregado entretanto sofrida. 3 - O Tribunal entendeu que o arguido não requereu tempestivamente a sua substituição por prestação de trabalho a favor da comunidade. 4 - Em consequência de não ter pago a multa em causa e de não ter requerido prestação de trabalho a favor da comunidade, o Tribunal determinou, nos termos do artigo 49.º, n.º 1, do Código Penal, que fosse substituída a pena de multa à qual equivalem 33 dias de prisão subsidiária, reduzida a dois terços em 22 dias de prisão efetiva. 5 - Entende o aqui recorrente, no entanto, que não foi devidamente aplicado o direito relativamente à situação concreta do arguido, porquanto se é certo que o trabalho a favor da comunidade deverá ser requerido pelo arguido nos termos do art. 48.º do C.P., por outro lado também é verdade que o direito pretere sempre as penas privativas de liberdade às não privativas. 6 - Dispõe o art. 70.º, n.º 1, que quando sejam aplicáveis ao crime, em alternativa, pena privativa ou não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. 7 - Razão pela qual, entende o arguido, que não deveria o Tribunal “a quo” converter a pena de multa em prisão subsidiária sem mais. 8 - Entendendo que deverá o preceito do artigo 48.º do C.P. ter uma interpretação mais abrangente ou extensiva, no sentido de que, apesar de o mesmo referir que a aplicação de trabalho comunitário deverá ser requerida pelo condenado, deverá o Tribunal, por respeito ao artigo 70.º, n.º 1, do C.P., fazê-lo, interpelando o arguido no sentido de que uma vez que não cumpriu o pagamento da multa se estaria disponível para substituir a pena a que foi condenado por trabalho comunitário, até porque tem conhecimento da situação paupérrima do recorrente, porque tentou a cobrança coerciva e foi-lhe comunicada a situação de desempregado e não encontrou bens ao recorrente suscetíveis de responderem pelas dívidas do processo. 9 - Ao não o fazer, entende desta forma o arguido que com a substituição “sem mais” da pena de multa por 22 dias de prisão violou o Tribunal de 1ª Instância o art. 70.º, n.º 1, do Código Penal”. * O Ministério Público junto da primeira instância respondeu ao recurso, entendendo que o mesmo não merece provimento. Neste Tribunal da Relação, o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer, concluindo também pela improcedência do recurso. Cumprido o disposto no artigo 417º, nº 2, do C. P. Penal, não foi apresentada qualquer resposta. Efetuado o exame preliminar e corridos os vistos, foi designada data para conferência.
II - FUNDAMENTAÇÃO.
1 - Delimitação do objeto do recurso.
Uma única questão, em breve síntese, é suscitada no recurso interposto pelo arguido, segundo o âmbito das correspondentes conclusões, as quais delimitam o objeto do recurso e definem os poderes cognitivos deste tribunal ad quem, nos termos do disposto no artigo 412º, nº 1, do C. P. Penal: saber se a decisão revidenda (que converte o remanescente da pena de multa na correspondente prisão subsidiária) devia, ou não, ser antecedida de interpelação ao arguido com vista a apurar se o mesmo estaria disponível para requerer a substituição da pena de multa em causa por trabalho comunitário.
2 - A decisão recorrida.
O despacho revidendo é do seguinte teor: “Conversão do remanescente da pena de multa em prisão subsidiária: Por sentença proferida em 6.03.2019, transitada em julgado em 5.04.2019, o arguido SDC foi condenado pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez p. e p. pelo artigo 292.º, do Código Penal, entre o mais, na pena de 50 dias de multa, à taxa diária de € 6,00 Euros. O arguido procedeu ao pagamento parcial da pena de multa, no montante de € 100, 00, correspondente a 16 dias de multa. Em falta, encontra-se, assim, o pagamento da quantia de € 200, 00 correspondente a 33 dias da pena de multa. Notificado, nos termos do disposto no artigo 49.º, n.ºs 2 e 3, do Código Penal, para proceder ao pagamento do remanescente em falta ou para provar, querendo, que tal omissão não lhe é imputável, o arguido nada fez ou veio dizer ao processo. Não são conhecidos bens penhoráveis que permitam a cobrança coerciva. Nos termos do artigo 49.º, n.º 1, ex vi n.º 4, do Código Penal “se a multa, que não tenha sido substituída por trabalho, não for paga voluntária ou coercivamente, é cumprida prisão subsidiária pelo tempo correspondente reduzido a dois terços, ainda que o crime não fosse punível com prisão, não se aplicando, para o efeito, o limite mínimo dos dias de prisão constante do nº 1, do art. 41º”. Face ao exposto, decide-se converter o remanescente da pena de multa na qual foi condenado o arguido na respetiva prisão subsidiária, a qual corresponde a 22 dias de prisão. Notifique o arguido na morada indicada para efeitos de recebimento de notificações, aquando da prestação do Termo de Identidade e Residência - artigo 196.º, n.º 3, alíneas c) e e), do CPP, e estabeleça, igualmente, contacto telefónico, se possível, advertindo desde já conforme infra. Após trânsito em julgado da presente decisão, emitam-se mandados de detenção para cumprimento da pena de prisão subsidiária em EP competente, sendo certo que o arguido deve ser informado de que pode, a todo o tempo, evitar, total ou parcialmente, a execução da prisão subsidiária em causa, pagando, no todo ou em parte, a multa em que foi condenado, bem como do montante a descontar por cada dia de detenção efetivamente cumprido e ainda provar que o não pagamento da multa não lhe é imputável, caso em que a execução da prisão poderá ser suspensa, por um período de um a três anos, com sujeição ao cumprimento de deveres e regras de conduta de conteúdo não económico ou financeiro - cfr. artigo 49.º, n.º 2 e n.º 3, do Código Penal, e artigo 491.º-A, n.º 3, do Código de Processo Penal”.
3 - Elementos relevantes para a decisão.
Analisados os autos, e com interesse para a decisão a proferir, há que considerar os seguintes elementos: 1º - Por sentença, proferida em 06-03-2019 e transitada em julgado em 05-04-2019, o arguido foi condenado, pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelos artigos 292º, nº 1, e 69º, nº 1, al. a), do Código Penal, na pena de 50 (cinquenta) dias de multa, à taxa diária de € 6,00 (seis euros), o que perfaz a multa global de € 300,00 (trezentos euros). 2º - Notificado para proceder ao pagamento da pena de multa, veio o arguido, em 17-04-2019, requerer o respetivo pagamento em prestações, o que foi deferido por despacho proferido em 08-05-2019, tendo o arguido sido autorizado a pagar a pena de multa em 6 (seis) prestações, mensais e sucessivas, no valor de € 50,00 (cinquenta euros) cada uma, a primeira a pagar no mês de junho de 2019 e a última no mês de novembro de 2019. 3º - O arguido apenas procedeu ao pagamento das prestações referentes aos meses de julho e de agosto de 2019, no valor total de € 100,00 (cem euros), razão pela qual, em 03-06-2020, e na sequência de despacho então proferido para o efeito, o arguido (bem como o seu Ilustre Defensor Oficioso) foi notificado para proceder ao pagamento do remanescente da pena de multa em que foi condenado, sob pena de a mesma vir a ser convertida na correspondente prisão subsidiária, ou para provar, querendo, que a razão do não pagamento da referida multa lhe não era imputável, caso em que a pena de prisão poderia ser suspensa, nos termos do disposto no artigo 49º, nº 3, do Código Penal. 4º - Notificado o arguido (e o seu Ilustre Defensor Oficioso) desse despacho, nada foi pago e nada foi requerido no processo. 5º - Seguidamente, o Ministério Público realizou diligências com vista a averiguar da possibilidade de instaurar ação executiva para pagamento coercivo da pena de multa. 6º - Na sequência dessas diligências, apurou-se que o arguido não possuía quaisquer bens suscetíveis de penhora, mostrando-se, pois, inviável o pagamento coercivo da multa, pelo que, por se entender que se encontravam verificados os pressupostos previstos no artigo 49º, nº 1, do Código Penal, o Ministério Público promoveu a conversão do remanescente da pena de multa em prisão subsidiária. 7º - Perante essa promoção do Ministério Público, e a título de “última oportunidade” dada ao arguido, o tribunal a quo, por despacho datado de 09-09-2020, determinou que o arguido fosse novamente notificado (bem como o seu Ilustre Defensor Oficioso) para proceder ao pagamento do remanescente da pena de multa em questão, com a advertência de que, não o fazendo, tal remanescente da pena de multa viria a ser convertido na correspondente prisão subsidiária (22 dias de prisão), ou, então, para provar, querendo, que a razão do não pagamento da referida multa lhe não era imputável, caso em que a pena de prisão poderia ser suspensa, nos termos do artigo 49º, nº 3, do Código Penal. 8º - Notificado o arguido do teor desse despacho (bem como o seu Ilustre Defensor Oficioso), nada foi pago e nada foi requerido no processo. 9º - Na decorrência de todo esse processado, foi proferido, em 20-10-2020, o despacho revidendo.
4 - Apreciação do mérito do recurso.
A arguido alega que, antes do proferimento do despacho que converteu o remanescente da pena de multa em prisão subsidiária (o despacho recorrido), devia ter sido notificado/interpelado para cumprir trabalho a favor da comunidade. Cumpre apreciar e decidir. Sob a epígrafe “substituição da multa por trabalho”, estabelece o artigo 48º do Código Penal: “1 - A requerimento do condenado, pode o tribunal ordenar que a pena de multa fixada seja total ou parcialmente substituída por dias de trabalho em estabelecimentos, oficinas ou obras do Estado ou de outras pessoas coletivas de direito público, ou ainda de instituições particulares de solidariedade social, quando concluir que esta forma de cumprimento realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. 2 - É correspondentemente aplicável o disposto nos nºs 3 e 4 do artigo 58º e no nº 1 do artigo 59º”. Por via do disposto neste preceito legal, e inequivocamente, a substituição da pena de multa pela prestação de trabalho a favor da comunidade tem de ser requerida pelo arguido (ou pelo seu Advogado/Defensor). Ou seja, depois de todas as advertências, de todas as pertinentes notificações e de todo o processado legalmente imposto (processado que foi cumprido, escrupulosamente, nestes autos), o arguido (o condenado) é que podia apresentar o pedido para substituição do remanescente da multa por dias de trabalho, nos termos expressamente previstos e indicados no transcrito artigo 48º, nº 1, do Código Penal. Aliás, e bem vistas as coisas, a prestação de trabalho em substituição do cumprimento da pena de multa tem como pressuposto inultrapassável a vontade do condenado, uma vez que o trabalho assume, em substância, uma restrição da sua liberdade (o condenado tem de sujeitar-se a determinadas atividades laborais impostas). Por conseguinte, não é possível a substituição da pena de multa (ou do remanescente desta) por dias de trabalho (artigo 48º do Código Penal) sem requerimento do arguido nesse sentido. Em conclusão: a substituição da pena de multa por prestação de trabalho a favor da comunidade, nos termos previstos no artigo 48º do Código Penal, depende de requerimento nesse sentido apresentado pelo arguido. Ora, como o referido requerimento não foi apresentado nestes autos, a decisão recorrida mostra-se inteiramente correta, nenhuma censura ou reparo nos merecendo. Face ao que vem de dizer-se, e com o devido respeito, não faz qualquer sentido o alegado na motivação do recurso, segundo o qual o arguido tinha de ser “interpelado” no sentido de saber-se se estaria disponível para prestar trabalho a favor da comunidade, ou segundo o qual, ao não fazer essa “interpelação”, o tribunal de primeira instância violou o disposto no artigo 70º, nº 1, do Código Penal (preceito legal que enuncia o “critério de escolha da pena” - questão que não é aqui minimamente convocável -). Mais: caso o arguido tivesse requerido a substituição da multa por dias de trabalho, e tivesse fundamentado tal pedido com a situação de desemprego invocada na motivação do recurso, certamente que o tribunal recorrido a tal não se mostraria insensível, tanto assim que, conforme acima deixámos consignado (nos “Elementos relevantes para a decisão”), tal tribunal concedeu várias oportunidades ao arguido para efetuar o pagamento da multa, antes de decidir converter a mesma em prisão subsidiária. Mais ainda: conforme consta da parte final do despacho revidendo, o arguido pode, em vez de cumprir a pena de prisão subsidiária, “provar que o não pagamento da multa não lhe é imputável, caso em que a execução da prisão poderá ser suspensa, por um período de um a três anos, com sujeição ao cumprimento de deveres e regras de conduta de conteúdo não económico ou financeiro - cfr. artigo 49.º, n.º 2 e n.º 3, do Código Penal, e artigo 491.º-A, n.º 3, do Código de Processo Penal”. Ou seja, o cumprimento da prisão subsidiária não é imperioso e inultrapassável, porquanto, caso o arguido prove que o não pagamento da multa não se deveu a culpa sua, pode (e deve) o tribunal ponderar a possibilidade de suspensão da execução da pena de prisão subsidiária (além de que o arguido pode, a todo o tempo, evitar, total ou parcialmente, a execução da prisão subsidiária em causa, pagando, no todo ou em parte, a multa em que foi condenado - o que também se deixou escrito na parte final do despacho recorrido -). Face a tudo o que ficou dito, o recurso interposto pelo arguido é de improceder, e, consequentemente, é de manter a decisão revidenda.
III - DECISÃO.
Nos termos expostos, nega-se provimento ao recurso interposto pelo arguido, mantendo-se a decisão recorrida. Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 (três) UCs. * Texto processado e integralmente revisto pelo relator.
Évora, 23 de março de 2021 _________________________________ (João Manuel Monteiro Amaro) _________________________________ (Laura Goulart Maurício) |