Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
101/20.9T8SNS.E1
Relator: EMÍLIA RAMOS COSTA
Descritores: CONTRATO DE TRABALHO
CADUCIDADE DO CONTRATO DE TRABALHO
IMPOSSIBILIDADE DEFINITIVA
ACIDENTE DE TRABALHO
ÓNUS DA PROVA
Data do Acordão: 03/25/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário:
I – Nos termos do art. 343.º, al. b), do Código do Trabalho, considera-se impossibilidade superveniente aquela que ocorre durante a vigência do contrato; absoluta aquela que impede o trabalhador de prestar a essencialidade das funções a que se obrigou segundo a sua categoria profissional, excluindo-se, assim, o simples agravamento ou a excessiva onerosidade nessa prestação; e definitiva quando se trate de uma impossibilidade previsivelmente irreversível e não meramente temporária.
II – Nas situações em que essa impossibilidade superveniente decorreu de um acidente de trabalho, não se aplica o princípio da imodificabilidade do objeto contratual, previsto no art. 406.º, n.º 1, do Código Civil, mas sim o disposto nos arts. 283.º, n.º 10, do Código do Trabalho e 155.º, n.º 1, da LAT, que permite a modificação das funções do sinistrado constantes do contrato de trabalho, contra a vontade da entidade empregadora.
III - Compete à entidade empregadora que pretende fazer valer a caducidade do contrato de trabalho por impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva de o trabalhador prestar o seu trabalho, o ónus de alegar e provar os factos que permitam inferir a impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva dessa prestação por parte do trabalhador (art. 342.º, n.º 1, do Código Civil), sendo que, tratando-se de uma incapacidade resultante de um acidente de trabalho, para preencher o elemento de impossibilidade absoluta, terá ainda o ónus de alegar e provar a inexistência na entidade empregadora de posto de trabalho compatível com a incapacidade atribuída ao trabalhador.
IV – Não conseguindo efetuar tal prova, a comunicação de caducidade, nos termos do art. 343.º, al. b), do Código do Trabalho, que remeteu ao trabalhador, consubstancia uma cessação unilateral do contrato de trabalho por sua iniciativa, o que equivale a um despedimento ilícito do trabalhador, visto que não foi precedido de procedimento disciplinar e não se mostra fundado em justa causa. (sumário da relatora)
Decisão Texto Integral: Secção Social do Tribunal da Relação de Évora[1]
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora:
I – Relatório
B… (Autor), patrocinado pelo Ministério Público, intentou a presente ação declarativa, sob a forma de processo comum, emergente de contrato individual de trabalho, contra “G…, Lda.” (Ré), solicitando que a ação seja julgada provada e procedente e:
I) Que seja reconhecida a nulidade da caducidade do contrato de trabalho, celebrado entre o Autor e a Ré, efetuada a 31-10-2019;
II) Que seja reconhecida a ilicitude do despedimento do Autor, efetuado em 31-10-2019, por inexistirem motivos que fundamentem tal caducidade e, consequentemente, seja a Ré condenada a pagar ao Autor:
a) €1.400,00, de diferença referente a subsidio por férias, vencido a 01 de janeiro de 2019;
b) €400,00 de subsídio de férias e retribuição por férias proporcionais ao trabalho prestado no ano da cessação, assim calculado:
- €200,00 de subsidio de férias;
- €200,00 de retribuição por férias;
c) €5.697,60 correspondente à indemnização em substituição da reintegração a qual deverá ser fixada em 30 dias de retribuição base, por cada ano de antiguidade ou fração de antiguidade , considerando o valor da retribuição base de €800,00 e o elevado grau de ilicitude do despedimento, devendo atender-se a todo o tempo decorrido desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão judicial, o qual contabilizado até ao momento perfaz de antiguidade de 3 anos, 6 meses e 22 dias (€800,00 x 3,561A), o que equivale ao valor de €2.848,80, o qual, elevado ao dobro, perfaz €5.697,60, por aplicação do disposto no artigo 157.º, n.º 4, da LAT;
d) as retribuições que deixou de auferir desde 30 dias antes da propositura da ação até ao trânsito em julgado da decisão que declare a ilicitude de despedimento, deduzidas as importâncias a que se refere o art. 390.º, n.º 2, Código do Trabalho, a apurar em liquidação da sentença;
e) €507,65 correspondente à retribuição pela formação não concedida nos últimos três anos equivalente a 110h[(v/h=4,615€ x 110h(35h+35h+40h)]; e
f) os juros de mora sobre os valores atrás reclamados, que perfazem o montante total €7.005,25, juros devidos até integral pagamento, sendo os já vencidos no valor de €116,69.
Alegou, em súmula, e naquilo que releva no presente recurso, que a Ré se dedica à exploração de turismo em espaço rural, tendo o Autor iniciado o seu contrato de trabalho com a Ré, em 08-09-2016, para exercer funções de assistente de unidade turística e ainda funções de manutenção e tratamento do jardim e demais atividades conexas, tendo o Autor permanecido ao serviço daquela até ao dia 31-10-2019, altura em que a Ré terminou o contrato de trabalho, alegando caducidade por impossibilidade superveniente absoluta e definitiva de o Autor prestar o seu trabalho.
Mais alegou que foi vítima de um acidente de trabalho no dia 10-12-2018, quando se encontrava ao serviço da Ré, do qual resultou um traumatismo no joelho esquerdo, com rotura do menisco interno e fratura parcial do ligamento cruzado anterior, tendo tido alta médica em 01-10-2019, e lhe sido, posteriormente, atribuída uma IPP de 8%.
Alegou igualmente que não aceita a caducidade do contrato de trabalho por não se encontrar impossibilitado de forma absoluta e definitiva de exercer as suas funções, dispondo a Ré de trabalho compatível com as limitações que o Autor apresentava, a que acresce que a Ré não deu cumprimento ao disposto no art. 161.º, n.º 1, da LAT, violando, desse modo, o disposto no art. 155.º e seguintes dessa Lei, sendo o despedimento do Autor ilícito.
Realizada a audiência de partes, não foi possível resolver por acordo o litígio.
A Ré apresentou contestação, solicitando, a final, que seja julgada lícita a cessação do contrato de trabalho por impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva de o Autor prestar o seu trabalho, devendo, em consequência, a Ré ser absolvida do pedido de indemnização pela cessação do contrato; e que seja julgada procedente, por provada, a exceção perentória de compensação entre os créditos laborais peticionados pelo Autor e a quantia entregue pela Ré durante a relação laboral, devendo, consequentemente, a Ré ser absolvida parcialmente desse pedido.
Em síntese, alegou que a Ré não dispõe de trabalho compatível com as limitações do Autor, sendo que, para além do Autor, apenas possui para o desempenho de toda a atividade, os dois sócios gerentes e mais dois trabalhadores, dedicando-se estes últimos à limpeza do espaço, não tendo a Ré nem capacidade nem necessidade para recolocar o Autor noutras funções.
Alegou ainda que o alojamento turístico da Ré é circundado em grande parte por terreno irregular e, como tal, o Autor sempre teria de se deslocar em terreno irregular para cumprir as suas funções, sendo que tal deslocação em terreno irregular era uma das suas limitações.
Mais alegou que as limitações do Autor eram, só por si, suficientes para o impossibilitar de cumprir as funções para as quais foi contratado.
Em resposta à exceção perentória da compensação de créditos, veio o Autor, representado pelo Ministério Público, em síntese, impugnar tais factos, alegando ainda que tal compensação, por não ter sido invocada como pedido reconvencional, não deve ser admitida.
Dispensada a realização da audiência preliminar, foi proferido despacho saneador tabelar, onde foi admitido parcialmente o articulado de resposta, fixado o valor da causa em €7.121,94, rejeitada a exceção perentória de créditos e identificado o objeto do litígio.
Realizada a audiência de julgamento de acordo com as formalidades legais, foi proferida a respetiva sentença, em 16-11-2020, com a seguinte decisão:
Em face de tudo quanto se deixou exposto e nos termos dos supra citados preceitos legais, o tribunal julga a acção procedente por provada e, em consequência, reconhece a nulidade da caducidade do contrato de trabalho celebrado entre a ré e o autor, efectuada a 31.10.2019, por inexistirem motivos que fundamentem a caducidade, reconhecendo, assim, e declarando a ilicitude do despedimento do autor B…, efectuado nessa data, e, em consequência, condena a ré “G…, Lda.” no pagamento do autor das seguintes importâncias:
a). 400,00€ (quatrocentos euros) de diferença referente a subsídio por férias, vencido a 01.01.2019, quantia á qual acrescem juros de mora à taxa legal, desde a data do vencimento, 30.06.2019, até efectivo e integral pagamento;
b).400,00€ (quatrocentos euros) de subsídio de férias e retribuição por férias, proporcionais ao trabalho prestado no ano da cessação, quantia á qual acrescem juros de mora à taxa legal, desde a data do vencimento, 31.10.2019, até efectivo e integral pagamento;
c). €6.697,78 (seis mil seiscentos e noventa e sete euros e setenta e oito cêntimos), título de indemnização em substituição da reintegração, a que acrescem as que, a esse título, com base na retribuição de oitocentos euros, se vencerem até ao trânsito em julgado da decisão, sendo devidos juros moratórios, à taxa legal, a partir da data do trânsito em julgado da presente sentença.
d). €8.154,67 (oito mil cento e cinquenta e quatro euros e sessenta e sete cêntimos)
correspondente às retribuições que autor deixou de auferir desde 30 dias antes da propositura da acção até ao trânsito em julgado da presente sentença, deduzidas as importâncias a que se refere o art.º 390.º n.º 2 do Código do Trabalho a apurar em liquidação de sentença, acrescida dos juros de mora à taxa legal, desde a data em que cada uma das quantias é devida, até efectivo e integral pagamento;
e). €486,50 (quatrocentos e oitenta e seis euros e cinquenta cêntimos), correspondente à retribuição pela formação não concedida nos últimos três anos, acrescida de juros de mora à taxa legal desde 31.10.2019 até efectivo e integral pagamento.
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Custas a cargo da ré (artigo 527.º, n.º 1, do Código de Processo Civil).
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Comunique-se à Segurança Social.
Registe e notifique.
Não se conformando com a sentença, veio a Ré interpor recurso de apelação, terminando as suas alegações com as conclusões que se seguem:
Com a devida vénia,
A) Entende a Recorrente que nos autos existe prova abundante e contundente que, sem qualquer dúvida razoável, permite demonstrar que estão reunidos os pressupostos que demonstram a impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva de o trabalhador prestar o seu trabalho;
B) O facto 23 (no âmbito das suas funções, o autor pode executar várias tarefas que não o obrigam a carregar pesos acima dos 15 Kg., podendo deslocar-se, em parte, evitando terreno irregular) que o Tribunal recorrido considerou como provado encontra-se incorretamente julgado face ao teor dos depoimentos das seguintes testemunhas:
a) Be… (20201021095946_3609703_2871805);
b) Mi…. (20201021105405_3609703_2871805);
c) Va… (20201021105405_3609703_2871805);
d) Ni… (20201103145651_3609703_2871805)
C) Especificamente assinalam-se as passagens dos depoimentos de Be…, com início nos minutos 11:46 e 14:30, de Mi…, com início nos minutos 05:30, 19:04 e 22:39, de V…, com início nos minutos 43:58, 45:30, 45:44 e da 1 hora minuto 5 segundo 23 e por fim ainda de Ni…, com início no minuto 2:17.
D) Assim, face ao teor dos depoimentos referidos deveria ter sido dado como provado o seguinte:
No âmbito das suas funções, o autor não pode executar as funções para os quais foi contratado pela Ré, nomeadamente exercer a manutenção e jardinagem da propriedade da Ré, uma vez que não o poderia fazer sem evitar deslocar-se em terreno irregular;
E) O facto 35 (O espaço rural onde a R. tem o alojamento turístico é, em parte, circundado por terreno irregular) e o facto 36 (Em parte, o autor tinha de se deslocar por esse terreno para cumprir as suas funções) dos factos dados como provados encontram-se incorretamente julgados face ao teor dos depoimentos das mesmas testemunhas referidas no ponto B) das presentes conclusões;
F) Nomeadamente assinalam-se as passagens das gravações dos depoimentos de Be…, com início no minuto 11:46, de Mi…, com início no minuto 19:04, de V…, com início no minuto a partir da hora 1 minuto 04 segundo 57 e da hora 1 minuto 05 segundo 10 e, por fim de Ni… com início no minuto 2:17.
G) De modo que, face ao teor dos referidos depoimentos referidos deveria ter sido dado como provado o seguinte:
O espaço rural onde a Ré tem o seu alojamento turístico situa-se em terreno irregular, não sendo possível ao autor deslocar-se pelo terreno de modo a cumprir as suas funções sem ter de se deslocar em terreno irregular;
E
Necessariamente o autor teria de se deslocar em terreno irregular para cumprir as suas funções;
H) Os factos A (Devido ao seu estado clínico o autor não conseguia baixar-se, transportar carrinho de mão pelo terreno, o que comunicou à R. quando regressou ao serviço), C (O autor transmitiu posteriormente à R. que faltou porque sentia muitas dores no joelho, não podendo realizar o trabalho) e D (Devido ao seu estado clínico o autor não podia limpar o terreno, trabalhar a terra, fazer trabalhos de construção, cortar a relva, executar trabalho ajoelhado, plantar árvores e arbustos, o que transmitiu à R. quando regressou ao trabalho) que foram julgados pelo Tribunal a quo como não provados encontram-se incorretamente julgados face ao teor dos depoimentos das seguintes testemunhas:
a) Be… (20201021095946_3609703_2871805);
b) Mi… (20201021105405_3609703_2871805);
c) V… (20201021105405_3609703_2871805);
I) A este respeito assinalam as passagens dos depoimentos de Be…, com início no minuto 7:41, 14:30 e 16:06, Mi…, com início no minuto 05:30 e 22:39 e ainda de V…, com início no minuto 43:58 e 45:30,.
J) Assim, face ao teor desses depoimentos deveria ter sido dado como provado o seguinte:
Devido ao seu estado clínico, o autor não conseguia baixar-se nem transportar carrinho de mão, o que comunicou à R. quando regressou ao serviço;
Ainda que,
O autor comunicou à R. que não podia exercer as suas funções por sentir dores no joelho;
E ademais que,
Devido ao seu estado clínico, o autor não podia limpar o terreno, trabalhar a terra, fazer trabalhos de construção, limpar a lagoa (piscina natural), executar trabalho ajoelhado, plantar árvores e arbustos nem pintar e transportar canas, o que transmitiu à R. quando regressou ao trabalho;
K) O facto E (Não é possível reverter o estado clínico do autor) que foi julgado pelo Tribunal a quo como não provado encontra-se incorretamente julgado face ao teor da prova documental, nomeadamente da ficha de aptidão para o trabalho e ainda do depoimento da seguinte testemunha:
a) V… (20201021105405_3609703_2871805);
L) Nesse sentido a passagem das gravações do depoimento de V…, com início à 1 hora minuto 5 segundo 23;
M) Tendo em conta a prova documental e o depoimento da referida testemunha deveria ter sido dado como provado o seguinte:
Não é possível reverter o estado clínico do autor uma vez que se trata de uma lesão de caráter permanente;
N) O facto F (Atendendo às suas habilitações profissionais, o autor apenas poderia estar capacitado o exercício das funções compreendidas na categoria profissional em que se inseria) que foi julgado pelo Tribunal a quo como não provado encontra-se incorretamente julgado face ao teor dos depoimentos das seguintes testemunhas:
a) Be… (20201021095946_3609703_2871805);
b) V… (20201021105405_3609703_2871805);
O) A este respeito assinalam-se as passagens das gravações do depoimento de Be… com início no minuto 31:44 e de V…, com início no minuto 40:44;
P) De modo que, face ao teor dos referidos depoimentos referidos deveria ter sido dado como provado o seguinte:
Atendendo às habilitações e necessidades da exploração turística da R., o autor apenas poderia estar capacitado para o exercício das funções compreendidas na categoria profissional em que se inseria;
Q) Além disso, cabe assinalar que existe conflitualidade entre o facto dado como provado número 38 e os factos dados como não provados A. e C;
R) Tendo-se concluído como provado que, devido ao seu estado clínico o autor estava limitado para o exercício das funções para depois vir dar-se como não provado que afinal não tinha essas limitações;
Ainda,
Por fim,
S) O facto de a Recorrente não ter seguido os procedimentos da Lei de Acidente de Trabalho, designadamente o que consta do artigo 161.º, não impede a caducidade, dado que a caducidade não está dependente de qualquer procedimento, mas sim da verificação do facto jurídico relevante que a faz operar;
T) O facto jurídico relevante – a impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva de o trabalhador prestar o seu trabalho – encontra-se verificada, conforme referido supra, tendo decidido mal o Tribunal a quo ao concluir que o não cumprimento do procedimento previsto na LAT pela Recorrente a impedia de fazer operar a caducidade assim violando o artigo 343.º alínea b) do Código do Trabalho;
U) Uma vez que ficou provado que o Recorrido estava impedido de exercer a prestação a que se obrigou e que a Recorrente que não detinha outro posto de trabalho compatível com as habilitações do primeiro estão preenchidos os requisitos do artigo 343.º alínea b) do Código do Trabalho;
V) E, em face do exposto, considerar-se a caducidade do contrato por impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva de o Recorrido prestar o seu trabalho que a Recorrente fez operar como lícita.
Nestes termos e nos demais de Direito,
Deve o Recurso ser julgado totalmente procedente, por provado, e na sequência ser revogada a Sentença recorrida,
Designadamente, considerando-se a caducidade do contrato de trabalho por impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva de o trabalhador prestar o seu trabalho como lícita e, consequentemente, revogar-se a decisão que condena a Recorrente no pagamento ao autor da indemnização de € 6.697,78 (seis mil seiscentos e noventa e sete euros e setenta e oito cêntimos) a título de indemnização em substituição da reintegração e ao pagamento da quantia de € 8.154,67 (oito mil cento e cinquenta e quatro euros e sessenta e sete cêntimos) correspondente às retribuições que o autor deixou de auferir desde 30 dias antes da propositura da presente ação até ao trânsito em julgado da presente sentença.
O Autor, representado pelo Ministério Público, contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso, apresentando as seguintes conclusões:
1. A douta sentença não enferma de qualquer vício de erro na apreciação da prova, em matéria de facto.
2. A matéria de facto dada como não provada e não provada, resulta da apreciação de toda a prova produzida em julgamento e de toda a prova documental junta, aliada à análise critica da prova e às regras de experiência comum, efectuada de acordo com o principio da livre apreciação da prova - artigo 607º do Código Processo Civil, não merecendo qualquer censura.
3. Não resulta dos depoimentos transcritos pela Recorrente, nem tão pouco resulta dos documentos nº 1 da contestação , constituído pela ficha de aptidão para o trabalho e do documento referente ao registo das horas de trabalho, qualquer prova que permita uma apreciação diferente da matéria de facto, daquela que foi efectuada pelo M. Juiz.
4. Porém deverá esse Venerando Tribunal ter em conta toda a prova produzida na audiência, não se restringindo a apreciação da mesma, aos excertos transcritos pela recorrente, baseada em parte das declarações dos sócios da recorrente, realizada no dia 21 de Outubro, depoimento de Be… e Mi…, encontrando-se o depoimento de Be…, prestado na audiência de julgamento de 21.10.2020 , gravado no primeiro período da gravação , HMS, com início a 00:05:13 a 00:46.07 e o depoimento de Mi… prestado na audiência de julgamento de 21.10.2020 , gravado no terceiro período da gravação , HMS, com início a 00:01:05 a 00:35:05, bem como da uma única testemunha da recorrente Ni… , inquirida no dia 03 de Novembro de 2020, inquirição prestado na audiência de julgamento em 03.11.2020, depoimento gravado no inicio do período da gravação até 00:07:40, sendo que esta não assistiu à cessação do contrato de trabalho.
5. Deverá esse Venerando Tribunal considerar ainda o depoimento integral da testemunha V…, prestado na audiência de julgamento de 21 de Outubro de 2020, no terceiro período, HMS, com início a 00:37:50 a 01:10:01, testemunha que é companheira do A. e trabalhou para a recorrente no mesmo local de trabalho, nos ano de 2018 e até Setembro de 2019, tendo conhecimento directo da maioria dos factos, ao contrário do alegado pela recorrente.
6. A matéria de facto dada provada e não provada resultou das inquirições efectuadas em julgamento, conjugado com análise dos documentos juntos pelas partes, aliada à análise critica da prova e às regras de experiência comum, efectuada de acordo com o principio da livre apreciação da prova - artigo 607º do Código Processo Civil, não merecendo qualquer censura.
7. Não houve qualquer erro na apreciação da prova testemunhal efectuada pelo M. Juiz.
8. Nem tão pouco a M. Juiz errou na apreciação do documento referente à ficha de aptidão do trabalho que considerou o sinistrado, ora A. “a 07 de Outubro de 2019, apto condicionalmente, com a recomendação de que” não podia carregar pesos, nem manobrar pesos acima de 15 Kg, não fazer marcha em terreno irregular”.
9. O estar apto condicionalmente não torna o A. incapaz, de forma definitiva e absoluta, para o exercício das tarefas para que foi contratado e muito menos quando lhe é dada alta, pela seguradora com uma IPP de 3%.
10. Ao não ser atribuído ao recorrido incapacidade permanente para o trabalho habitual, nem qualquer bonificação resultante das limitações para o exercício das suas funções, não se percebe como pode a recorrente concluir pela impossibilidade absoluta e definitiva, no desempenho das funções para que o A. foi contratado.
10. Não pode a recorrente provar a caducidade da relação laboral com base em impossibilidade superveniente absoluta e definitiva, do recorrido continuar a prestar o seu trabalho, com base, em nas declarações de parte dos sócios gerentes da Ré e numa ficha de aptidão condicional, que não o tornava inapto para o desempenho das suas funções.
11. Relativamente aos pontos 23, 35 e 36 da matéria de facto provada e aos pontos A, C, D, E e F da matéria de facto não provada, tais pontos mostram-se correctamente apreciados e julgados, em face dos meios probatórios constantes dos autos, os quais impõem a decisão tomada pela M. Juiz.
12. Será com base nessa matéria dada como provada e não provada, constante da sentença, que esse Venerando Tribunal tem de apreciar a questão da caducidade do contrato de trabalho do recorrido operada pela recorrente por impossibilidade superveniente absoluta e definitiva do mesmo prestar o seu trabalho, nos termos do art.º 343, al. b) do Código do Trabalho.
13. E sempre se dirá que em caso de acidente de trabalho, de que resulte incapacidade permanente, impõe-se que o empregador assegure ao trabalhador ocupação em funções e condições compatíveis com o seu estado.- artº 155º nº 1 da Lei 98/2009 de 04 de Setembro.
14. E caso a Entidade Empregadora entenda que não dispõe de condições para assegurar a ocupação e funções compatíveis com o estado do trabalhador e a sua capacidade residual, deveria a recorrente ter lançado mão do disposto no artigo 161º nº1 da Lei 98/2009 de 04 de Setembro, de forma a comprovar tal impossibilidade, o que não fez.
15. Ao não pedir a avaliação e confirmação da situação ao IEFP, salvo melhor opinião, a recorrente fica impedida de provar a impossibilidade absoluta de assegurar ocupação efectiva do trabalhador
16. O Recorrido ao retomar o trabalho a partir de 01.10.2019 tinha apenas recomendação para “não carregar nem manobrar acima dos 15 Kg” e “não fazer marcha em terreno irregular”.
17. Porém podia o mesmo, no âmbito das suas funções executar tarefas que não o obrigassem a carregar pesos acima dos 15 Kg., podia em parte, evitar terreno irregular e efectuar todas as actividades próprias das suas funções, respeitando as limitações de que padecia.
18. Provou-se que pelo contrato de trabalho celebrado entre as partes, o A. obrigava-se a exercer as funções correspondentes à actividade de assistente de unidade turística, incluindo as funções de manutenção e tratamento do jardim e demais actividades conexas ou funcionalmente ligadas a essa actividade, tendo por local de trabalho a C…, em Melides
19. No âmbito das funções atribuídas ao A. este efectuava todo o trabalho relacionado com a manutenção e tratamento de jardins, manutenção da piscina natural (lagoa), manutenção de seis apartamentos e das suas madeiras, tudo na unidade de turismo rural explorada pela R., sendo que integravam as funções do autor diversas tarefas e não apenas aquelas em que se mostrava limitado condicionalmente.
20. A Recorrente parte do princípio que para a execução das tarefas no âmbito das funções decorrentes do contrato de trabalho, celebrado entre as partes, o autor teria de se mover com flexibilidade e que as limitações constatadas na ficha de aptidão da medicina no trabalho, são só por si suficientes para impossibilitar o autor de cumprir as funções para as quais foi contratado, o que não corresponde à verdade.
21. Provou-se que a R. não emitiu a Declaração da impossibilidade de assegurar ocupação e função compatível com o estado do trabalhador autor e que não solicitou Parecer ao IEFP no sentido da viabilidade da ocupação do A. em posto de trabalho na Empresa em que ocorreu o acidente ou da impossibilidade da sua ocupação em posto de trabalho de empresa, solicitando neste caso a intervenção do Centro de Emprego, para apoiar o trabalhador e encontrar soluções alternativas com vista à sua reabilitação e reintegração profissional .
22. Salvo melhor opinião não logrou a Recorrente provar como lhe competia, a impossibilidade absoluta e definitiva do autor prestar a sua actividade.
23. Provando-se que o trabalhador não ficou totalmente impossibilitado de prestar serviço, mas limitado em algumas tarefas a realizar, não se verifica a caducidade, por tal impossibilidade não ser absoluta.
24. A impossibilidade que determina a caducidade do contrato tem de ser absoluta, total e definitiva.
25. Uma simples diminuição das qualidades do trabalhador, quando continue a executar outras tarefas não conduz à caducidade do contrato de trabalho.
26. Além de que não resultou provado que essa impossibilidade fosse definitiva, dado que nenhuma prova existe sobre se o estado clinico do trabalhador é impossível de reverter.
27. Conclui-se assim que a recorrente não logrou provar que a impossibilidade seja absoluta, nem definitiva, o que afasta o recurso à cessação do contrato por caducidade baseada na al. b) do artigo 343º do Código do Trabalho.
28. E não se verificando qualquer outra causa de caducidade do contrato de trabalho, não podia a recorrente fazer cessar o contrato com base na caducidade, sendo nula a declaração da caducidade, operada pela recorrente, tal como decidiu a M. Juiz.
29. Verificada a nulidade da declaração de caducidade do contrato de trabalho, a cessação operada pela recorrente, consubstancia um despedimento, despedimento ilícito , por não ter sido precedida de procedimento disciplinar, nos termos do artigo 381º al c) do Código do Trabalho.
30. Em caso de ilicitude da despedimento, tem o A. direito à indemnização dos danos patrimoniais e não patrimoniais, estabelecida no artigo 389º nº 1 al a e b) do Código de Trabalho com a agravação resultante do artigo 157 º nº 4 da LAT.
31. A sentença recorrida limitou-se a calcular os valores das indemnizações devidas, de acordo com o que se encontrava pedido e aplicar o respectivo direito.
32. Relativamente aos valores da condenação, nada é invocado pela ora recorrente, razão porque tal matéria não pode ser conhecida por esse Venerando Tribunal, dado não está sujeita à sua apreciação.
33. A douta sentença recorrida não enferma de qualquer erro na aplicação do direito.
34. E não merece a douta sentença recorrida, qualquer reparo, quer quanto à apreciação da matéria de facto quer quanto à aplicação de direito.
Deverá pois negar-se provimento ao presente recurso e manter-se na íntegra a decisão recorrida.
Porém V. Exas., melhor apreciando, decidirão fazendo a costumada JUSTIÇA!
O tribunal de 1.ª instância admitiu o recurso como de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito devolutivo, tendo tal recurso sido mantido nos seus exatos termos, pelo que, dispensados os vistos, cumpre agora apreciar e decidir.
II – Objeto do Recurso
Nos termos dos arts. 635.º n.º 4 e 639.º n.º 1 do Código de Processo Civil, aplicáveis por remissão do artigo 87.º n.º 1 do Código de Processo de Trabalho, o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da recorrente, ressalvada a matéria de conhecimento oficioso.
No caso em apreço, as questões que importa decidir são:
1) Impugnação da matéria de facto; e
2) Verificação dos requisitos da caducidade do contrato de trabalho por impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva de o trabalhador prestar o seu trabalho.
III – Matéria de Facto
O tribunal de 1.ª instância deu como provados os seguintes factos:
1. A R. é uma Sociedade por quotas que se dedica à exploração de turismo em espaço rural.
2. Com data de 8 de Setembro de 2016, entre a R. e o A. foi assinado documento escrito intitulado Contrato de Trabalho a Termo Resolutivo Certo, pelo qual este foi admitido ao serviço daquela para exercer, no âmbito da sua organização e sob a sua autoridade, as funções correspondentes à actividade de Assistente de unidade turística, incluindo as funções de manutenção e tratamento do jardim e demais actividades conexas ou funcionalmente ligadas a essa actividade, tendo por local de trabalho a C…, em Melides.
3. Nos termos da Cláusula 6.ª, desse acordo, o contrato seria celebrado pelo prazo de seis meses, renovável automaticamente, com início no dia 9 de Setembro de 2016, sendo celebrado nos termos do disposto na alínea a) do n.º 4 do art.º 140.º do Código do Trabalho, justificando-se pelo facto da R. abrir o seu estabelecimento hoteleiro, situação que implica um acréscimo acentuado da sua actividade, justificando assim a contratação de mão de obra especializada para fazer face a essa necessidade.
4. Nos termos desse acordo foi estipulada a retribuição base mensal ilíquida de €800,00, acrescida de um subsídio de férias e de um subsídio de Natal, calculado nos termos da lei (artigos 263.º e 265.º do Código do Trabalho).
5. Por esse acordo foi ainda estipulado que o A. desempenharia a sua actividade durante 5/6 dias por semana, com um período normal de trabalho efectivo até 6/7 ou 8 horas diárias e 40 horas semanais.
6. No âmbito das funções atribuídas ao A. este efectuava todo o trabalho relacionado com a manutenção e tratamento de jardins, manutenção da piscina natural (lagoa), manutenção de seis apartamentos e das suas madeiras, tudo na Unidade de turismo rural explorada pela R.
7. Pela R. foi fixado ao A. o horário das 8 às 17 horas, com intervalo de uma hora para almoço, de segunda a sexta-feira.
8. Pela R. foi atribuído ao autor o descanso obrigatório ao Domingo e o de descanso facultativo ao Sábado.
9. No dia 10.12.2018, quando se encontrava ao serviço da R., o autor foi vítima de acidente, de que lhe resultou traumatismo do joelho esquerdo, com rotura do menisco interno e fractura parcial do ligamento cruzado anterior.
10. Em consequência directa e necessária das lesões provocadas pelo acidente, o A. ficou afectado de: ITA desde 11.12.2018 até 03.05.2019; ITP de 20%, desde 04.05.2019 até 12.06.2019; ITA desde 13.06.2019 até 11.09.2019 e IPT de 20%, desde 12.09.2019 até 01.10.2019.
11. Pelos Serviços Clínicos da Seguradora foi atribuída ao autor alta clínica a 01.10.2019, com IPP de 3%.
12. No âmbito do processo de acidente de trabalho que correr termos por este Juízo com o n.º 160/19.7T8SNS, pelo Perito Médico do Gabinete Médico Legal foi atribuída ao autor a IPP de 8%.
13. A partir de 01.10.2019, o autor retomou o trabalho até ao dia 25.10.2019.
14. No dia 28.10.2019, por sentir dores, foi declarado incapacitado para o trabalho, pelo período de 12 dias.
15. Nesse dia, o autor entregou à R. o certificado de incapacidade, que o recusou, tendo-lhe esta comunicado que iria caducar o seu contrato de trabalho, no dia 31.10.2019, devido às limitações de que padecia.
16. Com data de 31.10.2019, a R. enviou ao autor carta registada com aviso de recepção com o seguinte teor:
«Desde 09 de Setembro de 2016 que é trabalhador desta empresa, exercendo as funções de jardineiro e trabalhador de campo e manutenção. Como sabe, o exercício das funções para o qual foi contratado, requer que esteja em normais condições físicas e sem limitações.
Sucede que por declaração médica da medicina no trabalho impossibilita V. Exa. de realizar esforços físicos o que vem colidir com as suas funções, o que impossibilita o exercício de funções por V. Exa. Estas funções exigem, pelo que atrás foi descrito, que V. Exa. se encontre em normal estado de saúde que lhe possibilite desempenhar as mesmas, sem acidentes e bem assim sem colocar em causa a sua integridade física.
Assim, tendo V. Exa. nos informado que foi acometido por doença, solicitamos a V. Exa. a realização de vários exames e consulta da especialidade, para aferir da aptidão para realização das suas funções laborais, bem como garantir a sua segurança e saúde.
Segundo a Ficha de Aptidão para o Trabalho, emitida pela empresa de serviço externo de saúde no trabalho, informam que não pode V. Exa. exercer esforços físicos. Comprovadamente, as referidas condicionantes impossibilitam, de forma absoluta, o exercício da função para o qual foi contratado.
Assim, e uma vez que não dispomos nesta Empresa de outro posto de trabalho com funções compatíveis com aquele para o qual foi contratada e com o seu estado de saúde, consideramos que o seu contrato de trabalho caducou por impossibilidade superveniente absoluta e definitiva de V. Exa. presta o seu trabalho, pelas razões supra referidas, nos termos do art.º 343, al. b) do Código do Trabalho.
Mais se informa a V. Exa. que esta Associação já pagou os créditos vencidos ou exigíveis em virtude da cessação do contrato, ou seja subsídios de férias e subsídio de Natal para todo o ano em curso.
(…)»
17. O A. recebeu esta missiva em 05.11.2019.
18. Aquando da cessação, a R. pagou ao autor o valor liquido de €553,08, por transferência bancária, correspondente ao trabalho prestado em Outubro de 2019.
19. No ano de 2019, o autor já havia gozado as férias vencidas a 01.01.2019.
20. Em Junho de 2019, a R. liquidou ao autor, a título de subsídio de férias, o valor de €400,00.
21. E no mesmo ano, a R. pagou ao autor €400,00, a título de subsídio de Natal.
22. A R. não proporcionou qualquer formação ao A.
23. No âmbito das suas funções, o autor pode executar várias tarefas que não o obrigam a carregar pesos acima dos 15 Kg., podendo deslocar-se, em parte, evitando terreno irregular.
24. A R. não emitiu Declaração da impossibilidade de assegurar ocupação e função compatível com o estado do trabalhador autor.
25. A R. não solicitou Parecer ao IEFP no sentido da viabilidade da ocupação do A. em posto de trabalho na Empresa em que ocorreu o acidente ou da impossibilidade da sua ocupação em posto de trabalho de empresa, solicitando neste caso a intervenção do Centro de Emprego, para apoiar o trabalhador e encontrar soluções alternativas com vista à sua reabilitação e reintegração profissional.
26. A R. remeteu ao autor a declaração da situação de desemprego, na qual declarou cessado o contrato de trabalho com efeitos a 31.10.2019, indicando como causa da cessação a iniciativa do trabalhador – “despedimento por inadaptação superveniente ao posto de trabalho”.
27. A R. não instaurou ao autor processo disciplinar.
28. São sócios gerentes da R. Be… e Mi…, os quais também trabalham para a R.
29. O alojamento turístico explorado pela R. situa-se em terreno com a área de cerca de 1,6 hectares, com lagoa artificial (piscina), jardins rústicos, com seis apartamentos e edifício principal.
30. A R. tem de assegurar a recepção de clientes, preparação do espaço e confecção de pequenos-almoços.
31. Este serviço é essencialmente assegurado pelos dois sócios gerentes da R.
32. A R. tem necessidade de mais trabalhadores para os serviços de limpeza do espaço, contando com dois trabalhadores para o efeito.
33. As funções exercidas pelo A., para além do mais, passaram a ser asseguradas por Mi….
34. O A. foi submetido a exame em sede de medicina no trabalho, constando da respectiva Ficha de Aptidão para o Trabalho de 07.10.2019, ter recomendação para “não carregar nem manobrar acima dos 15 Kg” e “não fazer marcha em terreno irregular”.
35. O espaço rural onde a R. tem o alojamento turístico é, em parte, circundado por terreno irregular.
36. Em parte, o autor tinha de se deslocar por esse terreno para cumprir as suas funções.
37. Integravam as funções do autor as tarefas de carregar pesos, transportar carrinhos de mão pelo terreno, baixar-se e mover-se.
38. Quando regressou ao serviço e também face às tarefas de que foi então incumbido, o autor queixava-se de dores no joelho, não se movia de forma flexível, tinha dificuldade em cumprir certas tarefas, não conseguindo cumprir o horário de 8h/dia.
39. O A. não trabalhou nos dias 3, 4, 14, 15, 16, 17 e 18 de Outubro de 2019, nestes últimos cinco dias, para assistência ao filho doente.
40. A R. tem necessidade de ter apenas um trabalhador para desempenhar as funções de manutenção e tratamento do jardim e demais actividades afins ou funcionalmente ligadas a essa actividade.
41. Para além dos contratados, a R. não tem necessidade nem capacidade de empregar mais trabalhadores.
E deu como não provados os seguintes factos:
A. Devido ao seu estado clínico o autor não conseguia baixar-se, transportar carrinho de mão pelo terreno, o que transmitiu à R. quando regressou ao serviço.
B. O autor não avisou a R. que iria faltar ao trabalho.
C. O autor transmitiu posteriormente à R. que faltou porque sentia muitas dores no joelho, não podendo realizar o trabalho.
D. Devido ao seu estado clínico o autor não podia limpar o terreno, trabalhar a terra, fazer trabalhos de construção, cortar a relva, executar trabalho ajoelhado, plantar árvores e arbustos, o que transmitiu à R. quando regressou ao trabalho.
E. Não é possível reverter o estado clínico do autor.
F. Atendendo às suas habilitações profissionais, o autor apenas poderia estar capacitado para o exercício das funções compreendidas na categoria profissional em que se inseria. (facto eliminado pelos motivos infra indicados)
IV – Enquadramento jurídico
Conforme supra mencionámos, o que importa analisar no presente recurso é se o tribunal a quo (i) fez um incorreto julgamento da matéria de facto; e (ii) deveria ter considerado verificada a existência dos requisitos da caducidade do contrato de trabalho por impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva de o trabalhador prestar o seu trabalho.

1 – Impugnação da matéria de facto
No entender da Apelante, os factos provados 23, 35 e 36 deveriam ter sido julgados provados noutros termos e os factos não provados A), C), D), E) e F) deveriam ter sido julgados provados; tudo em face dos depoimentos de Be…, Mi…, V… e Ni… e ainda do documento relativo à ficha de aptidão para o trabalho.
Alegou ainda existir contradição entre o facto provado 38 e os factos não provados A) e C).
Apreciemos.
Dispõe o art. 640.º do Código de Processo Civil que:
1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3 - O disposto nos n.os 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.

Relativamente à interpretação das obrigações que impendem sobre a Recorrente, nos termos do n.º 1 do art. 640.º do Código de Processo Civil, cita-se, entre muitos, o acórdão do STJ, proferido em 03-03-2016, no âmbito do processo n.º 861/13.3TTVIS.C1.S1, consultável em www.dgsi.pt:
I – No recurso de apelação em que seja impugnada a decisão da matéria de facto é exigido ao Recorrente que concretize os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, especifique os concretos meios probatórios que imponham uma decisão diversa, relativamente a esses factos, e enuncie a decisão alternativa que propõe.
II – Servindo as conclusões para delimitar o objecto do recurso, devem nelas ser identificados com precisão os pontos de facto que são objecto de impugnação; quanto aos demais requisitos, basta que constem de forma explícita na motivação do recurso.
III – O ónus a cargo do Recorrente consagrado no art. 640º, do Novo CPC, não pode ser exponenciado a um nível tal que praticamente determine a reprodução, ainda que sintética, nas conclusões do recurso, de tudo quanto a esse respeito já tenha sido alegado.
IV – Nem o cumprimento desse ónus pode redundar na adopção de entendimentos formais do processo por parte dos Tribunais da Relação, e que, na prática, se traduzem na recusa de reapreciação da matéria de facto, máxime da audição dos depoimentos prestados em audiência, coarctando à parte Recorrente o direito de ver apreciada e, quiçá, modificada a decisão da matéria de facto, com a eventual alteração da subsunção jurídica.

Relativamente à apreciação da matéria de facto em sede de recurso, importa acentuar que o disposto no art. 640.º do Código de Processo Civil consagra atualmente um duplo grau de jurisdição, persistindo, porém, em vigor o princípio da livre apreciação da prova por parte do juiz da 1.ª instância, previsto no art. 607.º, n.º 5, do mesmo Diploma Legal.
No entanto, tal princípio da livre apreciação da prova mostra-se condicionado por uma “prudente convicção”, competindo, assim, ao Tribunal da Relação aferir da razoabilidade dessa convicção, em face das regras da experiência comum e da normalidade da vida, da ciência e da lógica.
Veja-se sobre esta matéria o sumário do acórdão do STJ, proferido em 31-05-2016, no âmbito do processo n.º 1572/12.2TBABT.E1.S1, consultável em www.dgsi.pt:
I - O tribunal da Relação deve exercer um verdadeiro e efectivo 2.º grau de jurisdição da matéria de facto e não um simples controlo sobre a forma como a 1.ª instância respondeu à matéria factual, limitando-se a intervir nos casos de flagrante desconformidade entre os elementos de prova e a decisão, pois que só assim se assegurará o duplo grau de jurisdição, em matéria de facto, que a reforma processual de 1995 (DL n.º 329-A/95, de 12-12) visou assegurar e que o actual Código confirmou e reforçou.
II - Desde que o recorrente cumpra as determinações ínsitas no art. 640.º, o tribunal da Relação não poderá deixar de fazer a reapreciação da matéria de facto impugnada, podendo alterar o circunstancialismo dado como assente na 1.ª instância.

Cita-se ainda o sumário do acórdão do TRG, proferido em 04-02-2016, no âmbito do processo n.º 283/08.8TBCHV-A.G1, consultável em www.dgsi.pt:
I- Para que a decisão da 1ª instância seja alterada, haverá que averiguar se algo de “anormal” se passou na formação dessa apontada “prudente convicção”, ou seja, ter-se-á que demonstrar que na formação da convicção, retratada na resposta que se deu à factualidade controvertida, foram violadas regras que lhe deviam ter estado subjacentes, nomeadamente aferir da razoabilidade da convicção formulada pelo juiz da 1.ª instância, face às regras da experiência, da ciência e da lógica, da sua conformidade com os meios probatórios produzidos, sem prejuízo do poder conferido à Relação de formular, nesse julgamento, com inteira autonomia, uma nova convicção, com renovação do princípio da livre apreciação da prova.

E, a ser assim, o Tribunal da Relação, aquando da reapreciação da matéria de facto, deve, não só recorrer a todos os meios probatórios que estejam à sua disposição e usar de presunções judiciais para, desse modo, obter congruência entre a verdade judicial e a verdade histórica, como também, sem incorrer em excesso de pronúncia, ao alterar a decisão de determinados pontos da matéria de facto, retirar dessa alteração as consequências lógicas inevitáveis que se repercutem noutros pontos concretos da matéria de facto, independentemente de tais pontos terem ou não sido objeto de impugnação nas alegações de recurso.
Cita-se a este propósito, o sumário do acórdão do STJ, proferido em 13-01-2015, no âmbito do processo n.º 219/11.9TVLSB.L1.S1, consultável em www.dgsi.pt:
XIII - Não ocorre excesso de pronúncia da decisão, se a Relação, ao alterar a decisão da matéria de facto relativamente a alguns pontos, retira dessa modificação as consequências devidas que se repercutem noutra matéria de facto, sendo irrelevante ter sido esta ou não objecto de impugnação nas alegações de recurso.

Por fim, importa ainda esclarecer que o Tribunal da Relação, na sua reapreciação da prova, terá sempre que atender à análise crítica de toda a prova e não apenas aos fragmentos de depoimentos que, por vezes, são indicados, e que retirados do seu contexto, podem dar uma ideia bem distinta daquilo que a testemunha efetivamente mencionou, bem como daquilo que resultou da globalidade do julgamento.
Cumpre decidir.
Por se considerarem cumpridos os requisitos impostas pelo n.º 1 do 640.º do Código de Processo Civil, apreciar-se-á a impugnação da matéria de facto requerida pela Apelante.
Consigna-se que se procedeu à audição de todo o julgamento.
a) Factos provados 23, 35 e 36
Consta destes factos o seguinte:
23. No âmbito das suas funções, o autor pode executar várias tarefas que não o obrigam a carregar pesos acima dos 15 Kg., podendo deslocar-se, em parte, evitando terreno irregular.
35. O espaço rural onde a R. tem o alojamento turístico é, em parte, circundado por terreno irregular.
36. Em parte, o autor tinha de se deslocar por esse terreno para cumprir as suas funções.

Pretende a Apelante que, em face dos depoimentos de Be…, Mi…, V… e Ni…, passem estes factos a ter a seguinte redação:
23. No âmbito das suas funções, o autor não pode executar as funções para os quais foi contratado pela Ré, nomeadamente exercer a manutenção e jardinagem da propriedade da Ré, uma vez que não o poderia fazer sem evitar deslocar-se em terreno irregular;
35. O espaço rural onde a Ré tem o seu alojamento turístico situa-se em terreno irregular, não sendo possível ao autor deslocar-se pelo terreno de modo a cumprir as suas funções sem ter de se deslocar em terreno irregular;
36. Necessariamente o autor teria de se deslocar em terreno irregular para cumprir as suas funções;

Apreciemos.
Relativamente ao facto provado 23, em face do que consta do documento n.º 1, junto pela Apelante, na contestação (Ficha de Aptidão para o Trabalho), o Autor encontrava-se limitado, razão pela qual era recomendado não exercer tais atividades, a carregar ou manobrar acima dos 15 Kg e a marchar em terreno irregular (facto provado 34), pelo que todas as funções que não implicassem tais atividades, o Autor estaria apto para as exercer.
Assim, em face do citado documento, nada há a alterar à versão constante do facto provado 23.
Relativamente ao facto provado 35, em face do depoimento de parte de Mi… e das testemunhas V… e Ni…, resulta que existem na propriedade espaços que não são irregulares, designadamente os que circundam a piscina natural, os seis apartamentos e o parque de estacionamento, pelo que não é possível dar como provado que todo o terreno da propriedade é irregular, nada havendo, por isso, a apontar à versão que foi dada como provada.
Relativamente ao facto provado 35, conforme supra mencionámos, o terreno é em parte irregular, pelo que, em parte, e não na totalidade, o autor tinha de se deslocar por esse terreno irregular para cumprir as suas funções, pelo que, uma vez mais, a versão do facto 35 que foi dada como provada é exemplar, pelo que nada há a alterar.
Assim, nesta parte, improcede a pretensão da Apelante.

b) Factos não provados A), C) e D)
Consta destes factos o seguinte:
A. Devido ao seu estado clínico o autor não conseguia baixar-se, transportar carrinho de mão pelo terreno, o que transmitiu à R. quando regressou ao serviço.
C. O autor transmitiu posteriormente à R. que faltou porque sentia muitas dores no joelho, não podendo realizar o trabalho.
D. Devido ao seu estado clínico o autor não podia limpar o terreno, trabalhar a terra, fazer trabalhos de construção, cortar a relva, executar trabalho ajoelhado, plantar árvores e arbustos, o que transmitiu à R. quando regressou ao trabalho.

Pretende a Apelante que, em face dos depoimentos de Be…, Mi… e V…, estes factos sejam dados como provados nos seguintes termos:
Devido ao seu estado clínico, o autor não conseguia baixar-se nem transportar carrinho de mão, o que comunicou à R. quando regressou ao serviço;
O autor comunicou à R. que não podia exercer as suas funções por sentir dores no joelho;
Devido ao seu estado clínico, o autor não podia limpar o terreno, trabalhar a terra, fazer trabalhos de construção, limpar a lagoa (piscina natural), executar trabalho ajoelhado, plantar árvores e arbustos nem pintar e transportar canas, o que transmitiu à R. quando regressou ao trabalho;

Cumpre decidir.
Quanto ao facto não provado A), conforme resulta do documento n.º 1, junto com a contestação, denominado Ficha de Aptidão para o Trabalho, foi recomendado que o Autor não exercesse atividades que implicassem carregar ou manobrar acima dos 15 Kg e fazer marcha em terreno irregular, pelo que o Autor deveria evitar, no caso em apreço, carregar o carrinho de mão com peso acima dos 15 Kg, bem como evitar transportar tal carrinho em terreno irregular.
Porém, tal circunstância já resulta do facto provado 34, pelo que se mostra inútil proceder à sua inclusão.
Dir-se-á ainda que dos depoimentos de parte de Be… e Mi…, bem como do depoimento da testemunha V…, resulta apenas que o Autor tinha dificuldade em transportar o carrinho de mão quando este estava carregado com canas, já não quando se encontrava vazio.
Quanto à circunstância de o Autor não se poder baixar, não só tal não consta da mencionada Ficha de Aptidão para o Trabalho, como também não resultou dos depoimentos de parte, sendo que a testemunha V…, companheira do Autor, apenas mencionou que este tinha alguma dificuldade em estar muito tempo na mesma posição, necessitando de fazer algumas pausas e de se levantar, nunca tendo referido que o Autor estava incapacitado de se baixar.
Atente-se que já consta do facto provado 38 que o Autor, quando regressou ao serviço e também face às tarefas de que foi então incumbido, queixava-se de dores no joelho, não se movia de forma flexível, tinha dificuldade em cumprir certas tarefas, não conseguindo cumprir o horário de 8h/dia.
De igual modo, não consta de qualquer depoimento que o Autor, quando regressou ao trabalho, tivesse comunicado à Ré que não conseguia baixar-se nem transportar carrinho de mão.
Assim, o facto não provado A permanecerá não provado.
Relativamente ao facto não provado C, consta dos factos provados 13 e 14 que o Autor trabalhou para a Ré entre 01-10-2019 e o dia 25-10-2019, sendo que no dia 28-10-2019, por sentir dores, foi declarado incapacitado para o trabalho, pelo período de 12 dias. Quanto à comunicação do Autor à Ré sobre esta situação, apenas se provou, no facto provado 15, que, no dia 28-10-2019, o Autor entregou à Ré o certificado de incapacidade, que o recusou, desconhecendo-se se o “posteriormente” constante do facto não provado C) se reporta ao dia 28-10-2019.
Assim, e uma vez mais, apenas nos resta concordar integralmente com a não inclusão do facto C) no âmbito dos factos provados.
Relativamente ao facto não provado D), a única coisa que se provou, em face dos depoimentos de parte de Be… e Mi… e da testemunha V…, bem como do documento n.º 1, junto com a contestação, foi que o Autor, quando regressou ao serviço e também face às tarefas de que foi então incumbido, queixava-se de dores no joelho, não se movia de forma flexível, tinha dificuldade em cumprir certas tarefas, não conseguindo cumprir o horário de 8h/dia (facto provado 38), sendo recomendável que o Autor não exercesse atividades que implicassem carregar ou manobrar acima dos 15 Kg e fazer marcha em terreno irregular (facto provado 34).
Na realidade, o que a testemunha V… esclareceu foi que, para além do transporte do carrinho de mão carregado de canas, pedras ou areia que o Autor efetivamente não conseguia fazer, o Autor conseguia fazer todo o restante trabalho, incluindo trabalhar nas zonas acidentadas, desde que não estivesse a trabalhar muito tempo seguido, visto que a grande dificuldade do Autor era trabalhar durante muito tempo na mesma posição, independentemente da posição (de pé, de joelhos, sentado), sendo que, segundo afirmou, a entidade patronal não manifestou qualquer compreensão perante esta situação.
Por outro lado, não resulta de qualquer prova realizada que o Autor tivesse transmitido à Ré, quando regressou ao trabalho, que, devido ao seu estado clínico, não podia efetuar as tarefas descritas quer no facto não provado D), quer na sua versão agora alterada, visto que apenas se provou que o Autor, durante o período que exerceu funções para a Ré, no mês de Outubro de 2019, queixava-se de dores, não se movia de forma flexível, tinha dificuldade em cumprir certas tarefas, não conseguindo cumprir o horário de 8h/dia (facto provado 38).
Deste modo, o que se mostra provado nos factos 34 e 38 descreve na perfeição o que resultou da prova realizada, nada mais havendo que acrescentar, pelo que se manterá como não provado o facto D.

c) Factos não provados E) e F)
Consta destes factos o seguinte:
E. Não é possível reverter o estado clínico do autor.
F. Atendendo às suas habilitações profissionais, o autor apenas poderia estar capacitado para o exercício das funções compreendidas na categoria profissional em que se inseria.

Considera a Apelante que o facto não provado E), em face do documento referente à ficha de aptidão para o trabalho e do depoimento da testemunha V…, deveria ter sido dado como provado na seguinte redação:
Não é possível reverter o estado clínico do autor uma vez que se trata de uma lesão de caráter permanente;

Defende igualmente a Apelante que o facto não provado F), em face dos depoimentos de Be… e de V…, deveria ter sido dado como provado, com o seguinte teor:
Atendendo às habilitações e necessidades da exploração turística da R., o autor apenas poderia estar capacitado para o exercício das funções compreendidas na categoria profissional em que se inseria;

Apreciemos.
Relativamente ao facto não provado E), e apesar da lesão sofrida pelo Autor ter carácter permanente, razão pela qual lhe foi atribuída a IPP de 8% (facto provado 12), tal não significa que as limitações sentidas em outubro de 2019, designadamente as dores sofridas na realização prolongada de determinadas tarefas, não possam, por exemplo, com o exercício fisioterapêutico, ser atenuadas ou mesmo desaparecer.
Atente-se que inexiste qualquer relatório médico no sentido da impossibilidade de melhorias quanto ao estado clínico do Autor em outubro de 2019, pelo que andou bem o tribunal a quo ao ter dado este facto como não provado.
Relativamente ao facto não provado F), importa referir que se trata de um facto conclusivo, visto que sempre será a partir da descrição das habilitações profissionais do Autor e da descrição das funções existentes na Ré para além das funções integradas na categoria profissional do Autor que se poderá concluir pela exclusiva aptidão do Autor para o exercício das funções compreendidas na categoria profissional em que se inseria ou, pelo contrário, para o exercício de funções fora dessa categoria profissional.
Sendo o facto não provado F) um facto conclusivo não deveria constar do elenco dos factos, ainda que na seção dos factos não provados, pelo que será o mesmo eliminado do acervo factual.
Cita-se a este propósito, o acórdão do TRE, proferido em 28-06-2018, no âmbito do processo n.º 170/16.6T8MMN.E1[2]:
I. No âmbito da vigência do actual CPC, a decisão sobre a matéria de facto deve estar expurgada de afirmações genéricas, conclusivas ou que comportem matéria de direito.
II. Sempre que um ponto da matéria de facto integre uma afirmação ou valoração de factos que se insira na análise das questões jurídicas que definem o objecto da acção, comportando uma resposta, ou componente de resposta àquelas questões, o mesmo deve ser eliminado.
III. A supressão das expressões de cariz jurídico-conclusivo, não tem a virtualidade de afastar a valoração dos concretos factos que constem da matéria de facto provada, pois é com base em factos concretos que pode sustentar-se o juízo e não a partir de expressões conclusivas que representam conceitos/conclusões que não podem ser objecto de prova.

Pelo exposto, ao se eliminar, por conclusivo, o facto não provado F), facto esse que a Apelante pretendia que fosse dado como provado, improcede a sua pretensão.

d) Contradição entre o facto provado 38 e os factos não provados A)[3] e C)[4]
Consta do facto provado 38 que:
38. Quando regressou ao serviço e também face às tarefas de que foi então incumbido, o autor queixava-se de dores no joelho, não se movia de forma flexível, tinha dificuldade em cumprir certas tarefas, não conseguindo cumprir o horário de 8h/dia.

Consta igualmente do facto não provado B) que:
B. O autor não avisou a R. que iria faltar ao trabalho.

Considera a Apelante que esta contradição se verifica porque, por um lado, se conclui como provado que, devido ao seu estado clínico, o Autor estava limitado para o exercício das funções, para, depois, por outro, se dar como não provado que afinal não tinha essas limitações.
Decidamos.
Na realidade, enquanto que no facto provado 38 se deu como provado que o Autor, em face das tarefas em que foi incumbido, se queixava de dores no joelho, não se movia de forma flexível, tinha dificuldade em cumprir certas tarefas, não conseguindo cumprir o horário de 8h/dia, no facto não provado A refere-se expressamente que o Autor não conseguia (o que é diverso de ter dificuldade) baixar-se e transportar carrinho de mão pelo terreno, pelo que inexiste entre o facto provado 38 e o facto não provado A qualquer contradição.
Relativamente ao facto não provado C), o mesmo encontra-se relacionado com o facto não provado B), cuja apreciação não foi sequer requerida pela Apelante em sede recursiva, pelo que aquilo que nele releva não é o facto de o Autor se queixar com dores, facto, aliás, dado como provado no facto 38, mas sim, a circunstância de o Autor não ter avisado a Ré que iria faltar ao trabalho (facto não provado B)), tendo apenas transmitido posteriormente à Ré que faltou porque sentia muitas dores no joelho, não podendo realizar o trabalho (facto não provado C).
É, assim, manifesta a inexistência de qualquer contradição entre o facto provado 38 e os factos não provados A) e C), improcedendo, também nesta parte, a pretensão da Apelante.

Em conclusão, improcede na íntegra a impugnação fáctica deduzida pela Apelante, porém, o facto não provado F) é eliminado do acervo factual, mantendo-se no demais os factos constantes da sentença recorrida.
2 – Verificação dos requisitos da caducidade do contrato de trabalho por impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva de o trabalhador prestar o seu trabalho
Considera a Apelante que a circunstância de não ter seguido os procedimentos da Lei de Acidente de Trabalho, designadamente o que consta do artigo 161.º, não impede a caducidade, dado que a caducidade não está dependente de qualquer procedimento, mas sim da verificação do facto jurídico relevante que a faz operar, facto esse que se traduz na impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva de o trabalhador prestar o seu trabalho, e que se encontra verificado, tendo, por isso, decidido mal o tribunal a quo ao concluir que o não cumprimento do procedimento previsto na LAT pela Apelante a impedia de fazer operar a caducidade, assim violando o art. 343.º, al. b), do Código do Trabalho.
Mais entendeu a Apelante que resultou provado que o Apelado estava impedido de exercer a prestação a que se obrigou e que a Apelante não detinha outro posto de trabalho compatível com as suas habilitações, pelo que se mostram preenchidos os requisitos do art. 343.º, al. b), do Código do Trabalho, devendo, por isso, se considerar verificada a caducidade do contrato de trabalho por impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva, do Apelado prestar o seu trabalho à Apelante.
Cumpre decidir.
Dispõe o art. 161.º da LAT que:
1 - Quando o empregador declare a impossibilidade de assegurar ocupação e função compatível com o estado do trabalhador, a situação deve ser avaliada e confirmada pelo serviço público competente na área do emprego e formação profissional nos termos previstos no presente capítulo.
2 - Se o serviço público competente na área do emprego e formação profissional concluir pela viabilidade da ocupação de um posto de trabalho na empresa ao serviço da qual ocorreu o acidente de trabalho ou foi contraída a doença profissional, o empregador deve colocar o trabalhador em ocupação e função compatíveis, sugerindo-lhe, se for caso disso, que solicite ao centro de emprego da área geográfica do local de trabalho os apoios previstos no artigo anterior.
3 - Caso o serviço público competente na área do emprego e formação profissional conclua pela impossibilidade da ocupação de um posto de trabalho na empresa ao serviço da qual ocorreu o acidente de trabalho ou foi contraída a doença profissional, solicita a intervenção do centro de emprego da área geográfica da residência do trabalhador, no sentido de o apoiar a encontrar soluções alternativas com vista à sua reabilitação e reintegração profissional.

Dispõe ainda o art. 166.º da LAT que:
1 - O serviço público competente na área do emprego e formação profissional, ouvidos os serviços competentes para a protecção contra os riscos profissionais e para a reabilitação e integração das pessoas com deficiência, aprecia a situação, elaborando parecer fundamentado e indicando se o empregador tem possibilidade de assegurar ocupação e função compatíveis com o estado do trabalhador.
2 - O parecer referido no número anterior avalia também a possibilidade de o empregador assegurar o processo de reintegração profissional, designadamente, a formação profissional para adaptação ao posto de trabalho, por si ou em colaboração com entidades públicas ou privadas, indicando, quando for o caso, as entidades públicas com competência para intervir.
3 - Quer o empregador quer o trabalhador podem indicar um representante de associação patronal ou sindical do sector, consoante os casos, para ser ouvido no âmbito do n.º 1.
4 - O parecer referido no n.º 1 tem natureza vinculativa, sendo comunicado ao empregador e ao trabalhador no prazo máximo de 30 dias após a declaração referida no artigo 147.º

Dispõe também o art. 155.º da LAT que:
1 - O empregador é obrigado a ocupar o trabalhador que, ao seu serviço, ainda que a título de contrato a termo, sofreu acidente de trabalho ou contraiu doença profissional de que tenha resultado qualquer das incapacidades previstas no artigo anterior, em funções e condições de trabalho compatíveis com o respectivo estado, nos termos previstos na presente lei.
2 - Ao trabalhador referido no número anterior é assegurada, pelo empregador, a formação profissional, a adaptação do posto de trabalho, o trabalho a tempo parcial e a licença para formação ou novo emprego, nos termos previstos na presente lei.
3 - O Governo deve criar serviços de adaptação ou readaptação profissionais e de colocação, garantindo a coordenação entre esses serviços e os já existentes, quer do Estado, quer das instituições, quer dos empregadores e seguradoras, e utilizando esses serviços tanto quanto possível.

Dispõe igualmente o art. 343.º do Código do Trabalho que:
O contrato de trabalho caduca nos termos gerais, nomeadamente:
a) Verificando-se o seu termo;
b) Por impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva, de o trabalhador prestar o seu trabalho ou de o empregador o receber;
c) Com a reforma do trabalhador, por velhice ou invalidez.

Dispõe por fim o art. 283.º, n.º 10, do Código do Trabalho, que:
10 - O empregador deve assegurar a trabalhador afectado de lesão provocada por acidente de trabalho ou doença profissional que reduza a sua capacidade de trabalho ou de ganho a ocupação em funções compatíveis.

Na realidade, decorre das conclusões da Apelante que a sentença recorrida andou mal ao considerar que a circunstância de a Apelante não ter seguido os procedimentos da Lei de Acidente de Trabalho, designadamente o que consta do artigo 161.º, impede-a, posteriormente, de poder invocar a caducidade do contrato de trabalho, tendo sido essa a razão pela qual considerou nula a declaração por parte da Ré da caducidade do contrato de trabalho com o Autor.
Ora, sendo verdade que na sentença recorrida, reconhecendo-se as posições divergentes existentes nesta matéria, se considerou mais aceitável a posição que impedia a invocação da caducidade quando não tivesse sido dado cumprimento ao disposto no art. 161.º da LAT, não deixa igualmente de ser verdade que se apreciou em concreto a existência dos requisitos para a aplicação do art. 343.º, al. b), do Código do Trabalho, independentemente da violação de qualquer pressuposto formal, e se concluiu pela inexistência de tais requisitos, razão pela qual se considerou nula da declaração da caducidade do contrato de trabalho celebrado entre Autor e Ré, tendo sido esta efetivamente a justificação para tal nulidade.
Cita-se, a esse propósito, a parte correspondente da sentença da 1.ª instância:
No caso vertente, provou-se que a R. não emitiu Declaração da impossibilidade de assegurar ocupação e função compatível com o estado do trabalhador autor (24) e que não solicitou Parecer ao IEFP no sentido da viabilidade da ocupação do A. em posto de trabalho na Empresa em que ocorreu o acidente ou da impossibilidade da sua ocupação em posto de trabalho de empresa, solicitando neste caso a intervenção do Centro de Emprego, para apoiar o trabalhador e encontrar soluções alternativas com vista à sua reabilitação e reintegração profissional (25).
A R. parte do princípio que para a execução das tarefas no âmbito das funções atribuídas ao autor pelo CT celebrado entre as partes, o autor teria de se mover com flexibilidade (sempre) (artigos 38.º e 39.º da contestação).
Por outro lado, entende a R. que as limitações constatadas na ficha de aptidão da medicina no trabalho, são só por si suficientes para impossibilitar o autor de cumprir as funções para as quais foi contratado.
Em acréscimo, aduz a R. que o autor também deixou de poder realizar uma série de outras funções essenciais á categoria profissional que detinha (artigo 33.º da contestação), não se prevendo como possível reverter o seu estado clínico (artigo 54.º contestação).
Neste pressuposto, conclui a R. que o autor deixou de poder cumprir a maior parte das principais funções a que se obrigou (art.º 56.º da contestação) e, no seu entender, ficou assim o autor absoluta e definitivamente impossibilitado para o exercício das suas funções (artigo 61.º da contestação).
Ora, provou-se que pelo contrato de trabalho celebrado entre as partes, o autor obrigou-se a exercer as funções correspondentes à actividade de Assistente de unidade turística, incluindo as funções de manutenção e tratamento do jardim e demais actividades conexas ou funcionalmente ligadas a essa actividade, tendo por local de trabalho a C…, em Melides (2). No âmbito das funções atribuídas ao A. este efectuava todo o trabalho relacionado com a manutenção e tratamento de jardins, manutenção da piscina natural (lagoa), manutenção de seis apartamentos e das suas madeiras, tudo na Unidade de turismo rural explorada pela R. (6). E assim, integravam as funções do autor as tarefas de carregar pesos, transportar carrinhos de mão pelo terreno, baixar-se e mover-se (37), sendo que o espaço rural onde a R. tem o alojamento turístico é, em parte, circundado por terreno irregular (35) e, em parte, o autor tinha de se deslocar por esse terreno para cumprir as suas funções (36).
Ocorre que, no dia 10.12.2018, quando se encontrava ao serviço da R., o autor foi vítima de acidente, de que lhe resultou traumatismo do joelho esquerdo, com rotura do menisco interno e fractura parcial do ligamento cruzado anterior (9), tendo sofrido incapacidades temporárias (10), sendo que, pelos Serviços Clínicos da Seguradora foi-lhe atribuída alta clínica a 01.10.2019, com IPP de 3% (11) e no âmbito do processo de acidente de trabalho que correr termos por este Juízo com o n.º 160/19.7T8SNS, pelo Perito Médico do Gabinete Médico Legal foi atribuída ao autor a IPP de 8% (12).
A partir de 01.10.2019, o autor retomou o trabalho até ao dia 25.10.2019 (13), sendo que, foi submetido a exame em sede de medicina no trabalho, constando da respectiva Ficha de Aptidão para o Trabalho de 07.10.2019, ter recomendação para “não carregar nem manobrar acima dos 15 Kg” e “não fazer marcha em terreno irregular” (34).
Provou-se ainda que quando regressou ao serviço e também face às tarefas de que foi então incumbido, o autor queixava-se de dores no joelho, não se movia de forma flexível, tinha dificuldade em cumprir certas tarefas, não conseguindo cumprir o horário de 8h/dia (38).
Conforme se consignou na motivação da matéria de facto e aqui se respiga, afigura-se existir alguma confusão entre: (i) as tarefas que integram o conteúdo funcional da categoria profissional atribuída ao autor por via do contrato de trabalho e aquelas de que efectivamente foi incumbido ao longo da sua execução; (ii) por um lado, a incapacidade permanente para o trabalho atribuída ao autor em virtude do acidente de trabalho e o resultante da ficha de aptidão elaborada no âmbito da medicina no trabalho e, por outro lado, a conclusão das tarefas que o autor possa executar nessa sequência; (iii) as tarefas que foram atribuídas pela R. ao A. aquando do seu regresso ao trabalho, após a atribuição de alta clínica, as queixas apresentas por este (dores) e as tarefas que efectivamente poderia executar.
Partindo do conteúdo funcional vertido no contrato de trabalho firmado entre as partes, bem como do princípio que, por ora, ao autor foi fixada a IPP de 8%, e não IPATH, e que nem mesmo lhe foi atribuído o factor de bonificação de 1,5 por eventual limitação para o exercício da sua profissão e que de acordo com a Ficha de Aptidão para o Trabalho de 07.10.2019, o A. tem recomendação para “não carregar nem manobrar acima dos 15 Kg” e “não fazer marcha em terreno irregular”, teremos de concluir que o pode executar várias tarefas que não o obrigam a carregar pesos acima dos 15 Kg., podendo deslocar-se, em parte, evitando terreno irregular, como provado (23).
Em contraponto, não se provou que devido ao seu estado clínico o autor não conseguia baixar-se, transportar carrinho de mão pelo terreno, o que transmitiu à R. quando regressou ao serviço (A) e que devido ao seu estado clínico o autor não podia limpar o terreno, trabalhar a terra, fazer trabalhos de construção, cortar a relva, executar trabalho ajoelhado, plantar árvores e arbustos, o que transmitiu à R. quando regressou ao trabalho (D). Note-se que relativamente a todas estas actividades, inexiste qualquer evidencia médica, clínica, por tal não resultar dos autos de acidente de trabalho, nem da ficha de aptidão, nem de qualquer outra prova produzida, que o autor não logre efectivamente executar as mesmas, como também não se poderá afirmar não ser possível reverter o estado clínico do autor (E).
Pelo que fica exposto, não se poderá concluir verificar-se impossibilidade absoluta e definitiva do autor prestar a sua actividade, ainda que a possa ter de prestar com algumas alterações, adaptação á sua condição provocada pelo acidente de trabalho.
O que se surpreende na situação vertente é a eventual maior onerosidade para a empregadora R. no que concerne à prestação da actividade pelo autor, o que passará pelo reajuste das horas de trabalho, do modo da sua execução, da carga e das tarefas atribuídas concretamente atribuídas.
Em conformidade, a declaração por parte da R. da caducidade do contrato de trabalho com o autor é nula.

Resulta, assim, da fundamentação supra elencada que a sentença recorrida considerou nula a declaração por parte da Ré da caducidade do contrato de trabalho com o Autor por não ter sido possível provar, em face da matéria factual dada como assente, que o Autor se encontrasse impossibilitado de exercer as suas funções, de forma absoluta e definitiva, ainda que fosse evidente a necessidade de se proceder a algumas alterações nessas funções, de forma a adaptar as limitações advindas do acidente de trabalho sofrido a tais funções, designadamente passando pelo reajuste das horas de trabalho, pelo modo de execução de tais tarefas e pela distinção das tarefas que poderia e que não poderia exercer, adaptação essa, aliás, que se mostra prevista nos arts. 283.º, n.º 10, do Código do Trabalho e 155.º, n.º 1, da LAT.
Deste modo, a nossa análise incidirá na apreciação dos factos apurados aos pressupostos previstos no art. 343.º, al. b), do Código do Trabalho, assumindo, desde já, a concordância com a fundamentação expendida na sentença recorrida.
Nos termos do citado art. 343.º, al. b), do Código do Trabalho, considera-se impossibilidade superveniente aquela que ocorre durante a vigência do contrato; absoluta aquela que impede o trabalhador de prestar a essencialidade das funções a que se obrigou segundo a sua categoria profissional, excluindo-se, assim, o simples agravamento ou a excessiva onerosidade nessa prestação[5]; e definitiva quando se trate de uma impossibilidade previsivelmente irreversível e não meramente temporária. Dir-se-á ainda que se na generalidade das situações a impossibilidade absoluta de o trabalhador em prestar o seu trabalho se determina de acordo com o núcleo das funções que integram o objeto contratual a que se obrigou, em face do princípio da imodificabilidade do objeto contratual, previsto no art. 406.º, n.º 1, do Código Civil; nas situações de acidente de trabalho que originem a impossibilidade absoluta da prestação do objeto constante do contrato de trabalho, esse objeto pode ser modificado contra a vontade da entidade empregadora, nos termos do dever que lhe é imposto ao abrigo dos arts. 283.º, n.º 10, do Código do Trabalho e 155.º, n.º 1, da LAT[6].
Assim, compete a quem pretende fazer valer a caducidade do contrato de trabalho por impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva de o trabalhador prestar o seu trabalho, ou seja, à entidade empregadora, o ónus de alegar e provar os factos que permitam inferir a impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva dessa prestação por parte do trabalhador (art. 342.º, n.º 1, do Código Civil), sendo que, tratando-se, como é o caso dos autos, de uma incapacidade resultante de um acidente de trabalho, para preencher o elemento de impossibilidade absoluta, terá ainda o ónus de alegar e provar a inexistência na entidade empregadora de posto de trabalho compatível com a incapacidade atribuída ao trabalhador.
Ora, da análise dos factos provados, não resulta que o Autor se encontrasse impossibilitado de exercer de forma absoluta a essencialidade das suas funções, visto que, para além de apenas possuir uma IPP de 8% (facto provado 12), e não IPATH ou o fator de bonificação de 1,5 por eventual limitação para o exercício da sua profissão, na Ficha de Aptidão para o Trabalho, realizada em 07-10-2019, apenas lhe foi recomendado que não carregasse ou manobrasse acima dos 15 Kg ou fizesse marcha em terreno irregular (facto provado 34), sendo que nas funções que lhe estavam atribuídas, designadamente, a manutenção e tratamento de jardins, a manutenção da piscina natural, a manutenção de seis apartamentos e das suas madeiras (facto provado 6), muitas das respetivas atividades não implicavam o carregamento ou a manobra acima dos 15 Kg e, quanto à marcha em terreno irregular, pelo menos, numa parte do terreno tal era possível (facto provado 23).
De igual modo, não resulta dos factos provados que o Autor não pudesse exercer funções referentes a outros postos de trabalho existentes na entidade empregadora por incompatíveis com a sua incapacidade, designadamente os mencionados nos factos provados 30 e 32, sobretudo os praticados pelo sócio gerente Mi…, uma vez que este passou a assegurar as funções exercidas pelo Autor (facto provado 33).
Por fim, não resulta da matéria factual provada que a recomendação para o Autor não carregar ou manobrar acima dos 15 Kg ou não fazer marcha em terreno irregular derivasse de uma incapacidade física irreversível ou que, em outubro de 2019, quando sentiu dores e dificuldades ao efetuar determinadas tarefas, bem como o facto de não se estar a mover de forma flexível, se tratasse de um estado de saúde irreversível.
Nesta conformidade, não tendo a entidade empregadora conseguido demonstrar que a incapacidade resultante do acidente de trabalho sofrido pelo Autor durante a vigência do contrato de trabalho tornava impossível, de forma absoluta e definitiva, a prestação de trabalho por parte do Autor, o contrato de trabalho celebrado entre Autor e Ré não cessou por caducidade (arts. 340.º, al. a) e 343.º, al. b), do Código do Trabalho), pelo que a declaração enviada pela Ré ao Autor, com data de 31-10-2019 (facto provado 16), consubstancia uma cessação unilateral do contrato de trabalho por iniciativa da Ré, o que equivale a um despedimento ilícito do Autor, visto que não foi precedido de procedimento disciplinar e não se mostra fundado em justa causa.
Improcede, deste modo, a pretensão da Apelante, mantendo-se a sentença recorrida.
V – Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em julgar o recurso totalmente improcedente, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas pela Apelante, com a advertência de que os prazos para a interposição de recurso, arguição de nulidades ou requerimento de retificação ou reforma da decisão, não estão suspensos, nos termos da alínea d) do n.º 5 do artigo 6.º B da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, na redação introduzida pela Lei n.º 4-B/2021, de 01 de fevereiro.
Notifique.
Évora, 25 de março de 2021
Emília Ramos Costa (relatora)
Moisés Silva
Mário Branco Coelho
______________________________________________

[1] Relatora: Emília Ramos Costa; 1.º Adjunto: Moisés Silva; 2.º Adjunto: Mário Branco Coelho.

[2] Consultável em www.dgsi.pt.

[3] Transcrito na análise da alínea b).

[4] Transcrito na análise da alínea b).

[5] Veja-se Pedro Furtado Martins, em Cessação do Contrato de Trabalho, 4.ª edição, Principia, Parede, 2017, pág. 70.

[6] Vejam-se os acórdãos do TRL, proferido em 13-01-2016, no âmbito do processo n.º 497/15.4T8PDL.L1-4; e do TRP, proferido em 13-05-2019, no âmbito do processo n.º 3600/17.9T8VFR.P1; consultáveis em www.dgsi.pt.