Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | GOMES DE SOUSA | ||
Descritores: | OBJECTO DO PROCESSO FACTOS FACTOS INVOCADOS NA CONTESTAÇÃO | ||
Data do Acordão: | 05/21/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Sumário: | I - Há uma inultrapassável identidade entre os conceitos de “objeto do processo” e “factos”, assim como há outra intransponível imbricação entre os conceitos de “crime” e de “factos”. Sem factos não há crime nem objeto do processo. Os factos são a base indispensável de um processo, mas, naturalmente, têm que ser normativamente relevantes. Sendo normativamente relevantes têm que ser esgotantemente apreciados. II - Cristalizando-se o objeto do processo com os factos que constam da acusação (e, nessa medida, se entendem como normativamente relevantes, o que quer significar que, constando da acusação, têm um significado enquanto conduta humana subsumível ao ordenamento penal), o princípio da unidade ou indivisibilidade (os factos devem ser conhecidos e julgados na sua totalidade, unitária e indivisivelmente) impõe que os factos que constavam da acusação tenham um destino. III - No objeto do processo também entram em linha de conta os factos alegados pela defesa na sua contestação, desde que sejam isso mesmo, factos e não meras conclusões, nem o “negativo” do invocado na acusação. E desde que sejam normativamente relevantes, ou seja, desde que invoquem uma causa que exclua a ilicitude, a culpa ou a punibilidade (dizendo de forma abrangente: qualquer facto que seja relevante para subsunção ao tipo penal imputado na acusação ou para o juízo da sua exclusão). | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam os Juízes que compõem a Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:
A - Relatório No Tribunal Judicial de Santarém - Juízo Local Criminal de Santarém - correu termos o processo singular supra numerado no qual foi julgado H, sendo-lhe imputada a autoria material, na forma consumada, de um crime de violência doméstica, previsto e punido no artigo 152º, n.º 1, alínea b), e n.º 2, alínea a), do Código Penal, e peticionando-se a aplicação das penas acessórias de proibição de contactos com a vítima, com afastamento da sua residência e local de trabalho, devendo o seu cumprimento ser fiscalizado por meios técnicos de controlo à distância, caso as penas sejam suspensas ou após a sua libertação, de proibição de uso e porte de armas, pelo período de cinco anos, e de obrigação de frequência de programas específicos de prevenção da violência doméstica, tudo nos termos do disposto nos nºs. 4 e 5 do artigo 152.º Código Penal e artigos 34.º-B e 35.º, nºs. 1 a 5, 36.º, n.º 7, da Lei n.º 112/2009, de 16 de setembro. Mais se peticionou nos termos do disposto no artigo 21º, n.º 2, da Lei 112/2009, de 16 de setembro, e artigo 82º-A, n.º 1, do Código de Processo Penal, a atribuição de compensação civil à ofendida M, pelos prejuízos sofridos, tendo esta vindo deduzir PIC. * A ofendida M apresentou acusação particular e deduziu pedido de indemnização civil (a 21-11-2022, a fls. 550) no montante de 20.000 € (vinte mil euros) * A final - por sentença lavrada a 19-05-2023 - veio a decidir o Tribunal recorrido, julgar procedente por provada a acusação deduzida pelo Ministério Público e, em consequência, decidiu: - condenar o arguido H, como autor material, na forma consumada, de um crime de violência doméstica, previsto e punido no artigo 152º, n.º 1, alínea b), n.º 2, alínea a) do Código Penal numa pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão. * Inconformado, o arguido interpôs recurso, com as seguintes conclusões: A. Vem o presente recurso interposto da sentença que condenou o arguido H, como autor material, na forma consumada, de um crime de violência doméstica, previsto e punido no artigo 152º, n. 1, alínea b), n. 2, alínea a) do Código Penal numa pena de 2(dois) anos e 6(seis) meses de prisão. Aplica-se a pena acessória de proibição de contactos com a vítima, com afastamento da sua residência e local de trabalho, por igual período e proibição de uso e porte de armas, pelo período de cinco anos. (nos. 4 e 5 do artigo 152º Código Penal e artigos 34º-B e 35º, nos. 1 a 5, 36º. , n. 7, da Lei n. 112/2009, de 16 de setembro) Julga-se parcialmente procedente por provado o pedido de indemnização civil formulado pela ofendida Marta Patrícia Teixeira Dantas Gonçalves, e condena-se o arguido a pagar-lhe 5.000€ (cinco mil Euros) a título de indemnização por danos não patrimoniais, acrescidos de juros a taxa legal desde a notificação para contestar. Vai ainda o arguido condenado a pagar as custas do processo. * A Digna magistrada do Ministério Público em 1ª instância respondeu ao recurso interposto, defendendo a improcedência do mesmo, com as seguintes conclusões: - para além dos que foram dados como provados, não existem outros factos a considerar e que devessem ser dados como não provados, sendo certo que o recorrente também os não indica. * Respondeu igualmente a ofendida, concluindo: 1- Não assiste razão ao arguido, ora recorrente, uma vez que a sentença em apreço não está ferida de nulidade alguma, não tendo sido violada nenhuma disposição legal, designadamente as que a recorrente refere. Mais, o Tribunal limitou-se a apreciar correta e criteriosamente a prova produzida à luz das regras da lógica, da experiência comum e da normalidade da vida a que estava vinculado, tendo procedido a todas as diligências que se reportavam essenciais à descoberta da verdade. * A Exmª Procuradora-geral Adjunta neste Tribunal da Relação emitiu douto parecer no sentido da improcedência do recurso. * B - Fundamentação: B.1.1 - O Tribunal recorrido deu como provados os seguintes factos: 1. O arguido H iniciou uma relação de namoro com M (doravante ofendida) cerca do ano de 2017, quando o arguido estava privado da liberdade (em cumprimento de pena de prisão), em estabelecimento prisional, trocando ambos correspondência entre si; i. «na cabeça: equimose arroxeada e amarelada bipalpebral direita, medindo 4,5 centímetros por 4,5 centímetros; equimose arroxeada e amarelada bipalpebral esquerda, medindo 5 centímetros por 3 centímetros; equimose amarelada com zonas arroxeadas, ténue, na metade esquerda da região frontal (maioritariamente posteriormente à linha de implantação capilar), medindo 5 centímetros por 2,5 centímetros, com discreta tumefação duro-elástica subjacente, dolorosa ao toque; ligeira dificuldade na abertura bucal (entre 2,5 centímetros e três centímetros de distância interincisiva); ii. no membro superior direito: equimose amarelada com ténues zonas arroxeadas, no terço distal da face posterior do braço, medindo 3 centímetros por 2,5 centímetros; iii. no membro superior esquerdo: equimose amarelada no terço médio da face posterior do braço, medindo 1,5 centímetros por 1 centímetro; equimose amarelada na face dorsal da mão, medindo 6 centímetros por 4,5 centímetros; iv. no membro inferior direito: três equimoses amareladas dispersas pelos dois termos proximais da face anterior da perna, ocupando uma área medindo 11 centímetros por 3 centímetros; equimose amarelada no terço proximal da face medial da perna, medindo 2,5 centímetro por 1,5 centímetros; as restantes lesões traumáticas; v. no membro inferior esquerdo: equimose amarelada no terço médio da face medial da coxa, medindo 1,5 centímetros por 1 centímetro; equimose esverdeada com zonas arroxeadas, no terço distal da face lateral da coxa, medindo 4 centímetros por 2 centímetros; 3 equimoses amareladas dispersas pela face anterior da perna, ocupando uma área medindo 23 centímetros por 5,5 centímetros». 26. O arguido é consumidor de bebidas alcoólicas e consumidor de produtos estupefacientes (cocaína e «erva») de forma excessiva, o que faz com uma frequência praticamente diária, sendo que, esses consumos, agravavam o comportamento agressivo do arguido para com a ofendida. * B.1.2 - E apresentou como motivação da decisão de facto os seguintes considerandos: «Para a formação da convicção do Tribunal foi essencial a conjugação e análise critica de toda a prova produzida, mormente, testemunhal: depoimento de 1. M, ofendida, e 2. A, bem como Documental: Auto de denúncia, de fls. 62 e seguintes; Fichas RVD – 1L e 2L, de fls. 77 e seguintes e 98 e seguintes, 343 e seguintes, Aditamento n.º 2, de fls. 79, Relatório para a polícia, de fls. 81, Folhas de suporte (com fotografias da ofendida), de fls. 83 e seguintes; Comunicação de crimes públicos, de fls. 16 e seguintes; Assento de casamento, de fls. 21, Assentos de nascimento, de fls. 22 e seguintes, 28 e seguintes; Ficha de identificação civil, de fls. 26 e seguintes; Print da base de dados do SIMP (sobre suspensão provisória do processo), de fls. 31 e seguintes, CRC de fls. 33 e seguintes; Aditamento n.º 4, de fls. 96, Aditamento n.º 3, de fls. 242, Aditamento n.º 5, de fls. 101, Termo de fls. 118, Informação dos OPC (PJ e GNR), de fls. 123, 128 e 132, Documentação clínica, de fls. 126 e seguintes/ 134 e seguintes, Aditamento n. 7, de fls. 190; Aditamento n.º 6, de fls. 208, Informação sobre armas, de fls. 209, 229, Informação da DGRSP, de fls. 261,Informação clínica, de fls. 264 e seguintes, Informação e cópias do processo n.º 419/21.3GDTVD, de fls. 275 e seguintes, Relatório clínico, de fls. 317, Informação clínica, de fls. 325 e seguintes, 495 e seguintes e Pericial: 1. Relatório de exame pericial, de fls. 150/234 e seguintes, 200 e seguintes; *
*** Cumpre conhecer. B.2.1 - O âmbito do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação sem prejuízo, contudo, das questões do conhecimento oficioso, designadamente a verificação da existência, ou não, dos vícios indicados no art. 410°, n.° 2, do Código de Processo Penal de acordo com a jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário das secções do STJ de 19/10/95 in D.R., I-A de 28/12/95. Face às conclusões do recurso, estas são as questões suscitadas pelo arguido recorrente: a) - Omissão quanto aos factos não provados – conclusão B); Analisado o texto da sentença recorrida não resulta existente qualquer dos vícios referidos no artigo 410º, nº 2 do Código de Processo Penal. Resta, pois, apreciar os pontos concretos referidos nas conclusões do recurso. * B.2.3 - Omissão quanto aos factos não provados A este propósito arguiu o recorrente na sua conclusão B: “A sentença de que se recorre é absolutamente omissa no que toca aos factos não provados - estando assim nós perante a nulidade prevista no 3740 do CPP”. Nas motivações o recorrente cita, em abono da sua tese, o nº 2 do art. 374 do CPP, que reza: “Ao relatório segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal”. Naturalmente que este preceito, quando se refere à necessidade de explanação dos factos não provados, supõe que os haja, pois que inexistindo a sua menção é uma impossibilidade. E tal tema está indissoluvelmente ligado ao conceito de “objecto do processo”. Haverá que ter presente que o “objecto do processo” se cristaliza deduzida que seja a acusação, com as variáveis que podem ser introduzidas pela defesa e pelo poder de investigação do tribunal, balizado pelos arts. 358º e 359º do Código de Processo Penal. Se o juiz está limitado pelo thema decidendum, está igualmente sujeito à obrigação de o esgotar, quer na contribuição dada pelo Ministério Público quer pela defesa, na definição desse objecto. Neste ponto não conhecemos texto que de forma tão certeira e sucinta dê uma panorâmica completa sobre o tema como o do nosso colega Cruz Bucho, nos seguintes termos: “Como o Tribunal Constitucional já por diversas vezes teve oportunidade de salientar, os factos descritos na acusação (normativamente entendidos, isto é, em articulação com as normas consideradas infringidas pela sua prática e também obrigatoriamente indicadas na peça acusatória), definem e fixam o objecto do processo que, por sua vez, delimita os poderes de cognição do tribunal e o âmbito do caso julgado. Há, pois, uma inultrapassável identidade entre os conceitos de “objecto do processo” e “factos”, assim como há outra intransponível imbricação entre os conceitos de “crime” e de “factos”. Sem factos não há crime nem objecto do processo. Os factos são a base indispensável de um processo, mas, naturalmente, têm que ser normativamente relevantes. Sendo normativamente relevantes têm que ser esgotantemente apreciados. Cristalizando-se o objecto do processo com os factos que constam da acusação – e nessa medida se entendem como normativamente relevantes, o que quer significar que, constando da acusação têm um significado enquanto conduta humana subsumível ao ordenamento penal – o princípio da unidade ou indivisibilidade (os factos devem ser conhecidos e julgados na sua totalidade, unitária e indivisivelmente), impõe que os factos que constavam da acusação tenham um destino. Mas nesse objecto do processo também entram em linha de conta os factos alegados pela defesa na sua contestação, desde que sejam isso mesmo, factos e não meras conclusões, nem o “negativo” do invocado na acusação. E desde que sejam normativamente relevantes, ou seja, desde que invoquem uma causa que exclua a ilicitude, a culpa ou a punibilidade, dizendo de forma abrangente, qualquer facto que seja relevante para subsunção ao tipo penal imputado na acusação ou para o juízo da sua exclusão. Claramente é inútil a alegação do “negativo” ou reverso dos factos constantes da acusação, já que o relevante é a prova – ou não prova – do constante da acusação e não a prova ou não prova de que “o arguido não praticou”, mera conclusão resultante da não prova do facto invocado na acusação. Assim a questão essencial é saber se todo o objecto do processo foi esgotado, isto é, se todos – rigorosamente todos – os factos normativamente relevantes que fazem parte do objecto do processo foram dados como provados ou não provados, sejam eles os constantes da acusação (e do pedido cível, se existente), sejam os constantes das existentes contestações. Se sim, constar da decisão ou não a expressão “não há factos não provados” só serve para descansar a consciência na indiciação de que houve esse esgotar do objecto do processo, quase como uma demonstração da atenção do tribunal a essa circunstância, asserção obviamente ilidível. Se não, é uma inutilidade ultrapassável pela constatação de que se não esgotou o thema decidendum. [2] Ora, no caso, o que se constata é a circunstância de o thema decidendum se ter esgotado. Não se trata, pois, de dar como não provado o que não existe por não ter sido alegado. De facto, corridos os autos, nem o recorrente indica os factos que estão em falta, nem dos autos consta contestação onde o arguido tenha acrescentado factos diversos dos constantes da acusação (que não apresentou) Logo, não há factos normativamente relevantes a levar ao acervo de factos não provados, pelo que se não verifica nulidade da sentença nos termos do artigo 374º, nº 2 do Código de Processo Penal. * B.2.3 - Fundamentação da condenação no pedido cível – uma testemunha não é referida na fundamentação
Em socorro da sua tese argumenta o recorrente [nas suas conclusões C) e D)]: Em sede de pedido de indemnização cível figura a testemunha J, ouvido no dia 28 de Março de 2023, que foi ouvido, conforme acta de 28 de Março de 2023, Relativamente à não indicação expressa da testemunha J é necessário recordar que o tribunal recorrido faz uma referência genérica às “testemunhas que corroboraram a versão da ofendida” pelo que não se pode, sem mais, afirmar que tal depoimento foi inócuo. Ouvido todo o depoimento dessa testemunha – filho da ofendida – constata-se que o mesmo restringe o seu depoimento ao que ouviu na casa da ofendida e arguido (“ouvi gritos no quarto”), e viu (“viu a mãe toda pisada”), numa ocasião chamou a ambulância e ouviu igualmente ”ameaças de morte a si próprio, a sua mãe e sua irmã”. O seu depoimento – para além disto – foi inexistente quanto a aspectos parcelares do pedido cível. Acresce que o pedido cível – quer no peticionado, quer na condenação – se limitou aos danos não patrimoniais, danos esses que resultam directamente da matéria provada criminal, Tais danos – resultantes como evidentes da matéria criminal – na sua vertente física e, consequentemente moral, resultam essencialmente da documentação clínica e fotos da ofendida, aos quais se juntam os depoimentos como adjuvantes probatórios. Assim, a fundamentação do tribunal recorrido entende-se ser suficiente na invocação genérica dos depoimentos das testemunhas na expressão “pela prova complementar, mormente testemunhal”. Admite-se, contudo, que uma mais acurada atenção à fundamentação factual teria sido tecnicamente mais adequada. Apesar disto, não se pode afirmar haver “intolerável falta de fundamentação” a justificar uma declaração de nulidade. * B.2.4 – Nulidade por omissão de diligências essenciais – testemunha arroladas pelo próprio arguido É indubitável que os arguidos têm o direito, reconhecido pelo nº 10 do artigo 32º da Constituição da República Portuguesa, em qualquer processo sancionatório, de audiência e defesa. Deste direito complexo decorre que os arguidos têm os direitos, subsequentes de serem ouvidos e de apresentar a sua defesa antes de ser proferida decisão. A não observância concreta destes direitos constitui nulidade processual sanável nos termos do artigo 120º, nº 2, al. d) do Código de Processo Penal, a arguir em 10 dias por aplicação do prazo geral. Ou, coincidindo com o recurso, no prazo deste, nos termos do artigo 410º, nº 3 do C.P.P. (“O recurso pode ainda ter como fundamento, mesmo que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, a inobservância de requisito cominado sob pena de nulidade que não deva considerar-se sanada”). De qualquer forma, a caraterização da nulidade e o prazo da sua arguição vêm a revelar-se questão lateral que não influencia na sorte do recurso. Esse direito está limitado, no entanto, pela sua admissibilidade, relevância jurídica e necessidade (artigos 124º e 340º, nº 1 e 3 do Código de Processo Penal). Se essa concretização é impossível nos autos, o princípio da necessidade impõe que não se admita. Ou seja, não há um direito absoluto à produção de qualquer prova de forma não controlada. Como afirma o Prof. Prof. Germano Marques da Silva (Curso de Processo Penal - 2º vol., 4ª edição, Lisboa – São Paulo, Verbo, 2008, pag. 134) “a preocupação do legislador em estabelecer o controlo judicial das provas permanece ao longo da história do direito e surge da necessidade de as limitar às que são imprescindíveis para a decisão, eliminando as que não têm que ver com os factos objecto do processo ou as que, ainda que tendo relação com eles, não representam novidade alguma que possa influir na decisão. Na fase do julgamento o poder do tribunal de recusar a admissão e produção de prova requerida pela acusação e pela defesa é limitado pela sua inadmissibilidade, irrelevância ou superfluidade, inadequação, inobtenibilidade ou por ser meramente dilatória (artigo 340º, nº 3 e 4”). Daqui decorre que se o direito de defesa se pode concretizar no peticionar de produção de um meio de prova, dele não resulta o automatismo descontrolado da sua produção. A iniciar, desde logo, pelo incumprimento do prazo para apresentação da contestação. O que se constata no processo é que o arguido não apresentou rol de testemunhas no prazo de 20 dias (art. 311.º-B do CPP), subscrito pela defensora, vindo a apresentar três testemunhas após tal prazo e em carta endereçada pelo próprio arguido ao tribunal. Depois, pela circunstância de tal “rol” não ter sido subscrito pela defensora, já que a opção pela apresentação de testemunhas é uma questão técnico jurídica em sede de direito probatório, assim se afastando a aplicabilidade do n. 2 do artigo 40º do CPC. E, para além de em processo penal ser sempre necessária a presença de defensor, é bom recordar o artigo 40.º do CPC (art.º 32.º CPC 1961), sendo obrigatória a constituição de advogado: b) Nas causas em que seja sempre admissível recurso, independentemente do valor; c) Nos recursos e nas causas propostas nos tribunais superiores. Mas outra questão – determinante – se coloca nos autos. A decisão que indeferiu a inquirição das testemunhas, isto é, de mera regulação (admissibilidade) de produção de meio de prova, não apresenta característica de nulidade nem beneficia o arguido com qualquer efeito à distância, pelo que se não transmite à sentença. De onde decorre a necessidade de – estando o arguido convencido do acerto técnico do seu pedido – interpor recurso interlocutório no prazo previsto no artigo 411º, n. 1, al. a) do C.P.P.. No caso, 30 dias após 28-03-2023, data de tal despacho lavrado na respectiva acta. Ora, o arguido não interpôs recurso de tal despacho e só veio a interpor recurso da sentença, que tem a data de 19-05-2023, muito para além do prazo referido. Não sendo interposto recurso do despacho o mesmo consolidou-se na ordem jurídica. Sem recurso, o despacho lavrado em acta transitou em julgado. É res iudicata. E, como tal, não é passível de ser posto em crise no recurso da decisão final. De onde decorre que as conclusões do recurso da decisão final, recaindo sobre matéria transitada, não pode ser objecto de conhecimento no recurso da decisão final, o que significa a sua subsunção ao disposto na al. a) do nº 6, do artigo 417º do C.P.P. por existência de caso julgado formal. Isto implicará a não admissão parcial do recurso. Por todas as razões é o recurso improcedente. *** C - Dispositivo Assim, em face do exposto, acordam os Juízes que compõem a Secção Criminal deste Tribunal da Relação de Évora em: - rejeitar o recurso quanto às conclusões E a P; - negar provimento ao recurso no restante. Custas pelo arguido com 6 (seis) UCs de taxa de justiça
(elaborado e revisto pelo relator antes de assinado).
Évora, 21 de maio de 2024 João Gomes de Sousa Fernando Pina Beatriz Marques Borges __________________________________________________ [1] - “Alteração substancial dos factos em processo penal”, José Manuel Saporiti Machado da Cruz Bucho - Comunicações apresentadas no Colóquio “Questões Práticas na Reforma do Código Penal”, organizado pelo Centro de Estudos Judiciários e realizado em Lisboa no dia 13 de Março de 2009 no Fórum Lisboa, e no Tribunal da Relação de Guimarães, no dia 2 de Abril de 2009, no 7º aniversário deste Tribunal. Disponível in “http://www.trg.pt/info/estudos.html”. [2] - Na vigência do C.P.P de 1929 era conhecida, e sempre anedótica, a exigência em audiência de julgamento de uma contestação subscrita pelo advogado ou defensor oficioso a declarar que oferecia o “merecimento dos autos”, sob pena de uma consabida anulação do julgamento em caso de esquecimento de “exercício do direito de defesa”. Cada época tem os formalismos que merece. |