Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | MANUEL BARGADO | ||
Descritores: | INUTILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE CUSTAS | ||
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Data do Acordão: | 11/24/2022 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Sumário: | I - A lide torna-se inútil se ocorre um facto, ou uma situação, posterior à sua instauração que implique a desnecessidade de sobre ela recair pronúncia judicial por falta de efeito. II - Na construção do sistema legal da responsabilidade pelo pagamento das custas vigora, a título principal, o princípio da causalidade e, subsidiariamente, o da vantagem ou proveito processual, que surge associado à regra da sucumbência. III - Fora das hipóteses legalmente previstas, nos restantes casos de extinção da instância por impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide, a responsabilidade pelas custas fica a cargo do autor ou requerente, salvo se tal impossibilidade ou inutilidade for imputável ao réu ou requerido, caso em que é este o responsável pela totalidade das custas. IV - Nos casos de inutilidade superveniente da lide, a imputabilidade de tributação das custas ao requerido tem de estar demonstrada objetivamente nos autos por configurar uma situação de exceção ao regime geral. (Sumário elaborado pelo Relator) | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora I - RELATÓRIO AA e BB instauraram a presente ação declarativa, sob a forma de processo comum, contra R..., Lda., pedindo que seja declarada a resolução do contrato de arrendamento celebrado entre as partes, e a condenação da ré na desocupação do imóvel locado, assim como no pagamento das rendas vencidas e vincendas até à efetiva desocupação do locado, acrescidas de juros de mora. Em 27.05.2022 foi proferido o seguinte despacho: «Considerando que as rendas em atraso mencionadas na petição, e em que os AA fundam o pedido de resolução do contrato, já se encontram pagas, notifique os AA para informar se mantém o interesse a prossecução dos autos.» Por requerimento de 30.05.2022 vieram os autores dizer o seguinte: «Considerando que a causa de pedir - a qual tinha como base a falta de pagamento de rendas vencidas desde janeiro de 2020, ou seja, ainda antes da pandemia do covid - foi integralmente satisfeita, e estando todas as rendas que se venceram entretanto na pendência da ação, também pagas, não vemos razão para continuar a lide.» Na sequência do requerimento dos autores foi proferido o seguinte despacho: «Vieram os autores informar que as rendas vencidas desde janeiro de 2020 foram integralmente satisfeitas e que todas as rendas que se venceram, entretanto, na pendência da ação, também estão pagas, pelo que não vem interesse na prossecução dos autos. Prescreve o artigo 277.º, alínea e) do Código de Processo Civil que a instância extingue-se, para além dos demais fundamentos, com a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide. Há impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide, como causa de extinção da instância, quando, por facto ocorrido na pendência da instância, a pretensão do autor não se pode manter, por virtude do desaparecimento dos sujeitos ou do objeto do processo, ou encontra satisfação fora do esquema da providência pretendida (Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 01.07.2002, Proc. 0250617, www.dgsi.pt). Tendo havido pagamento da quantia em dívida, verifica-se que a pretensão que os autores queriam fazer valer com a presente ação já se encontra totalmente satisfeita, não subsistindo qualquer pedido sobre o qual o Tribunal se deva pronunciar. Nestes termos, e ao abrigo do disposto no artigo 277.º, alínea e) do Código de Processo Civil, julgo extinta a instância por inutilidade superveniente da lide. Em consequência, dou sem efeito a audiência de julgamento designada para o dia de amanhã. Custas a cargo da ré (artigo 536.º, n.º 3, in fine e 4 do Código de Processo Civil). Registe e Notifique.» Inconformada, a ré apelou do assim decidido, tendo finalizado a respetiva alegação com a formulação das conclusões que a seguir se transcrevem: «DA DESISTÊNCIA I. POR DESPACHO DE 27/05/2022 FORAM OS AUTORES/APELADOS NOTIFICADOS PARA INFORMAREM O TRIBUNAL SE MANTINHAM O INTERESSE A PROSSECUÇÃO DOS AUTOS, UMA VEZ QUE AS RENDAS EM ATRASO MENCIONADAS NA PETIÇÃO, E EM QUE OS AUTORES/APELADOS HAVIAM FUNDAMENTADO O PEDIDO DE RESOLUÇÃO DO CONTRATO, JÁ SE ENCONTRAVAM PAGAS. II. A DECISÃO ORA RECORRIDA RESULTA DA MANIFESTAÇÃO APRESENTADA PELOS AUTORES/APELADOS QUE, POR REQUERIMENTO DE 30/05/2022, DISSERAM NÃO VER RAZÃO PARA CONTINUAR A LIDE. III. FACE À POSIÇÃO ASSUMIDA PELOS AUTORES/APELADOS, INTERESSA ESCLARECER SE A CAUSA DE EXTINÇÃO DA INSTÂNCIA RESULTA EFETIVAMENTE DA INUTILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE OU DE DESISTÊNCIA. IV. ANDOU MAL O TRIBUNAL A QUO AO DECIDIR EXTINGUIR A INSTÂNCIA POR INUTILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE, TOMANDO EM CONSIDERAÇÃO APENAS A POSIÇÃO ASSUMIDA PELOS AUTORES/APELADOS. V. A INUTILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE, COMO CAUSA DE EXTINÇÃO DA INSTÂNCIA, DÁ-SE QUANDO, POR FACTO OCORRIDO NA PENDÊNCIA DA INSTÂNCIA, A PRETENSÃO DO AUTOR NÃO POSSA SUBSISTIR POR MOTIVOS ATINENTES AO SUJEITO OU AO OBJETO DO PROCESSO OU À CAUSA NA RELAÇÃO SUBSTANCIAL QUE LHE ESTÁ SUBJACENTE. VI. ERROU O TRIBUNAL A QUO AO DECIDIR EXTINGUIR A INSTÂNCIA POR INUTILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE SEM TER FACULTADO À RÉ/APELANTE A POSSIBILIDADE DO EXERCÍCIO DO CONTRADITÓRIO EM MOMENTO PRÉVIO À DECISÃO. VII. NÃO SE AFIGURA PERCETÍVEL DE QUE FORMA SERIA LEGÍTIMO RESPONSABILIZAR A RÉ/APELANTE PELAS CORRESPONDENTES CUSTAS JUDICIAIS QUANDO NÃO LHE FOI PERMITIDO DEFENDER A SUA PRÓPRIA CONTESTAÇÃO, NEM TÃO POUCO LHE FOI DADA A HIPÓTESE DE SE PRONUNCIAR QUANTO À EXTINÇÃO DA INSTÂNCIA. VIII. A EXTINÇÃO DA INSTÂNCIA RESULTA, ÚNICA E EXCLUSIVAMENTE, DA VONTADE EXPRESSA DOS AUTORES/APELADOS. IX. A DESISTÊNCIA E A INUTILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE SÃO CAUSAS DE EXTINÇÃO DA INSTÂNCIA JURIDICAMENTE DISTINTAS E TÊM CONSEQUÊNCIAS DISTINTAS, NOS TERMOS DOS ARTIGOS 277º E SEGUINTES DO CPC. X. AO AFIRMAR QUE NÃO VIAM INTERESSE NA PROSSECUÇÃO DOS AUTOS, OS AUTORES/APELADOS MANIFESTARAM OBJETIVAMENTE O SEU DESEJO DE DESISTIR DO PEDIDO, POR NELE NÃO VISLUMBRAREM QUALQUER INTERESSE. XI. E, TAL FALTA DE INTERESSE, POR PARTE DOS AUTORES/APELADOS, RESULTA DA DECISÃO PROFERIDA POR ACÓRDÃO DESTE TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA, DE 07/04/2022, COM O N.º DE PROCESSO 1514/20.1T8TMR-B.E1, DA 2ª SECÇÃO CÍVEL, EM QUE SE JULGOU TER APLICAÇÃO O REGIME INSERTO NO ARTIGO 9º, DA LEI 4-C/2020, DE 6 DE ABRIL, XII. FACE AO TEOR DO ACÓRDÃO DESTE TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA, DE 07/04/2022, COM O N.º DE PROCESSO 1514/20.1T8TMR-B.E1, DA 2ª SECÇÃO CÍVEL, EM QUE SE JULGOU TER APLICAÇÃO O REGIME INSERTO NO ARTIGO 9º, DA LEI 4-C/2020, DE 6 DE ABRIL, OS AUTORES/APELADOS CONSTATARAM A INVIABILIDADE AB INICIO DA SUA PRETENSÃO O QUE LEVOU À PERDA DE INTERESSE NA PROSSECUÇÃO DOS AUTOS. XIII. ESTAMOS PERANTE UMA DESISTÊNCIA DO PEDIDO E NÃO DE UMA INUTILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE. XIV. A PRESENTE AÇÃO DE DESPEJO NÃO ERA ADMISSÍVEL NO MOMENTO EM QUE FOI INTENTADA, O QUE, OBVIAMENTE, DESRESPONSABILIZA A RÉ/APELANTE PELAS CUSTAS. XV. PERANTE A DESISTÊNCIA DO PEDIDO SERÁ DE APLICAR O REGIME DE CUSTAS ESTATUÍDO NO Nº 1, DO ARTIGO 537º, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL, FICANDO AS CUSTAS A CARGO DOS AUTORES/APELADOS. SEM PRESCINDIR: DA EXTINÇÃO DA INSTÂNCIA POR INUTILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE XVI. O TRIBUNAL A QUO, AO OPTAR PELA SOLUÇÃO DA INUTILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE, DEVERIA TER EXERCIDO O CONTRADITÓRIO ANTES DE TER PROFERIDO A SENTENÇA, E NÃO O FEZ. XVII. NÃO PODENDO SUBSISTIR A PRETENSÃO DOS AUTORES/APELADOS HAVERIA QUE, PREVIAMENTE, APURAR A NATUREZA DO ATO EXTINTIVO E O COMPORTAMENTO DE CADA UM DOS LITIGANTES, PARA APURAMENTO DA RESPONSABILIDADE PELO PAGAMENTO DAS CUSTAS. XVIII. PARA SE DECIDIR A EXTINÇÃO DA INSTÂNCIA POR INUTILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE ERA NECESSÁRIO QUE SE APURASSE QUAL O FACTO QUE DEU ORIGEM À INUTILIDADE DA LIDE E A PARTIR DE QUE MOMENTO OCORREU ESSA INUTILIDADE. XIX. TAL INUTILIDADE JÁ EXISTIA NO MOMENTO EM QUE FOI INTENTADA A AÇÃO, POR VIA DA APLICAÇÃO DO REGIME INSERTO NO ARTIGO 9º, DA LEI 4-C/2020, DE 6 DE ABRIL. XX. CABIA AOS AUTORES/APELADOS O ÓNUS DE DEMONSTRAR QUE A RÉ/APELANTE ESTAVA EM INCUMPRIMENTO NO MOMENTO EM QUE INTENTARAM A AÇÃO E QUE O CUMPRIMENTO OCORREU NA SUA PENDÊNCIA, PARA EFEITOS DO DISPOSTO NO ARTIGO 536º, Nº 3, IN FINE E Nº4. XXI. NA DECISÃO RECORRIDA, O TRIBUNAL A QUO INVERTEU ILEGALMENTE AS REGRAS DO ÓNUS DE PROVA, LEVANDO EM CONSIDERAÇÃO APENAS A MATÉRIA VERTIDA NA PETIÇÃO INICIAL, MESMO TENDO SIDO DEDUZIDA CONTESTAÇÃO. XXII. IMPORTA SABER SE A INUTILIDADE DA LIDE É IMPUTÁVEL À RÉ/APELANTE, CASO EM QUE A RESPONSABILIDADE PELO PAGAMENTO LHE PERTENCE, OU SE É APLICÁVEL A REGRA GERAL CONTIDA NA PRIMEIRA PARTE DO Nº 3 DO ARTIGO 536º DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL, CASO EM QUE A RESPONSABILIDADE PELO PAGAMENTO PERTENCE AOS AUTORES/APELADOS. XXIII. O APURAMENTO DA RESPONSABILIDADE SÓ PODE RESULTAR DO JULGAMENTO, PORQUANTO, FACE AO IMPULSO PROCESSUAL DOS AUTORES/APELADOS, A RÉ/APELANTE APRESENTOU A SUA CONTESTAÇÃO. XXIV. A SIMPLES DECLARAÇÃO DOS AUTORES, QUE NÃO VEM INTERESSE NA PROSSECUÇÃO DOS AUTOS, APÓS SER DEDUZIDA ACUSAÇÃO E APÓS SAÍREM VENCIDOS EM RECURSO NO INCIDENTE DO DESPEJO IMEDIATO, DESACOMPANHADA DE QUALQUER MEIO INEQUÍVOCO DE COMPROVAÇÃO DE TER SIDO A RÉ/APELANTE A TER DADO ORIGEM AO FACTO DETERMINANTE DA INUTILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE, NÃO É SUFICIENTE PARA AFASTAR O REGIME REGRA INSCRITO NO Nº 3, DO ARTIGO 536º, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. XXV. A ESTE RESPEITO PRONUNCIOU-SE ABRANTES GERALDES QUE ASSEVERA QUE “O AUTOR SERÁ RESPONSÁVEL, A MENOS QUE A IMPOSSIBILIDADE SEJA IMPUTÁVEL AO RÉU” IN TEMAS JUDICIÁRIOS, VOL. I, ALMEDINA, COIMBRA, 1998, PÁG. 237. XXVI. DE ACORDO COM O ENTENDIMENTO DO ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA DE 11/01/2018, IN WWW.DGSI.PT, “AS CUSTAS DELES SÓ PODEM FICAR A CARGO DO RÉU SE ESSA INUTILIDADE LHE PUDER SER IMPUTADA EM EXCLUSIVO”. XXVII. ASSIM, DEVE A RESPONSABILIDADE PELAS CUSTAS FICA A CARGO DOS AUTORES/APELADOS, NOS TERMOS DA PRIMEIRA PARTE DO NÚMERO 3, DO ARTIGO 536º, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL E, POR ESSA VIA, REVOGAR-SE PARCIALMENTE A SENTENÇA, ALTERANDO-SE A CONDENAÇÃO EM CUSTAS, IMPONDO-SE ESSA OBRIGAÇÃO TRIBUTÁRIA AOS AUTORES/APELADOS. XXVIII. TAMBÉM ESTE TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA, EM ACÓRDÃO DE 28/02/2019: “V – SUMÁRIO: 1 – FORA DAS HIPÓTESES CATALOGADAS LEGALMENTE, NOS RESTANTES CASOS DE EXTINÇÃO DA INSTÂNCIA POR IMPOSSIBILIDADE OU INUTILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE, A RESPONSABILIDADE PELAS CUSTAS FICA A CARGO DO AUTOR OU REQUERENTE, SALVO SE TAL IMPOSSIBILIDADE OU INUTILIDADE FOR IMPUTÁVEL AO RÉU OU REQUERIDO, CASO EM QUE É ESTE O RESPONSÁVEL PELA TOTALIDADE DAS CUSTAS. 2 – NOS CASOS DE INUTILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE, A IMPUTABILIDADE DE TRIBUTAÇÃO DAS CUSTAS AO REQUERIDO TEM DE ESTAR DEMONSTRADA OBJECTIVAMENTE NOS AUTOS POR CONFIGURAR UMA SITUAÇÃO EXCEPÇÃO AO REGIME GERAL.” XXIX. EXISTINDO EXTINÇÃO DA INSTÂNCIA POR INUTILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE A REPARTIÇÃO DAS CUSTAS DEVE SER SUJEITA AO REGIME ESTABELECIDO NO Nº 3, DO ARTIGO 536º, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. XXX. COMPULSADOS OS AUTOS, VERIFICA-SE NÃO EXISTIR QUALQUER ELEMENTO OBJETIVO OU MATÉRIA PROVADA QUE PERMITA AFASTAR A REGRA INSCRITA NO Nº 3, DO ARTIGO 536º, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. XXXI. TERMOS EM QUE SERÁ DE APLICAR O REGIME REGRA ESTATUÍDO NA PRIMEIRA PARTE DO Nº 1, DO ARTIGO 536º, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL, FICANDO AS CUSTAS A CARGO DOS AUTORES/APELADOS. DA OMISSÃO DE PRONUNCIA XXXII. PRECEITUA O ARTIGO 608º, Nº2, DO CPC QUE O JUIZ DEVE RESOLVER TODAS AS QUESTÕES QUE AS PARTES TENHAM SUBMETIDO À SUA APRECIAÇÃO, EXCETUADAS AQUELAS CUJA DECISÃO ESTEJA PREJUDICADA PELA SOLUÇÃO DADA A OUTRAS, NÃO PODENDO OCUPAR-SE SENÃO DE QUESTÕES SUSCITADAS PELAS PARTES, SALVO SE A LEI LHE PERMITIR OU IMPUSER O CONHECIMENTO OFICIOSO DE OUTRAS. XXXIII. NOS PRESENTES AUTOS A RÉ/APELANTE, ENTRE OUTRAS INTERVENÇÕES, APRESENTOU CONTESTAÇÃO E REQUEREU A CONDENAÇÃO DOS AUTORES COMO LITIGANTES DE MÁ FÉ. XXXIV. A CONTESTAÇÃO APRESENTADA PELA RÉ/APELANTE NÃO FOI ALVO DE APRECIAÇÃO OU JULGAMENTO, FACTO QUE POR SI SÓ INVIABILIZAVA A EXTINÇÃO DA INSTÂNCIA POR INUTILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE. XXXV. O DEVER DE PRONÚNCIA A QUE O JUIZ ESTÁ ADSTRITO, OBRIGAVA À PRONÚNCIA SOBRE OS ARGUMENTOS INVOCADOS NA CONTESTAÇÃO ANTES DE SER PROFERIDA DECISÃO QUE RESPONSABILIZOU A RÉ/APELANTE PELA INUTILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE. XXXVI. PADECE AINDA A SENTENÇA DO VICIO DA OMISSÃO DE PRONUNCIA PORQUANTO NO DIA 25/10/2011, ATRAVÉS DO DOCUMENTO COM A REFERÊNCIA 8132251, A RÉ/APELANTE REQUEREU A CONDENAÇÃO, COMO LITIGANTES DE MÁ FÉ, DOS RESPONSÁVEIS PELAS AFIRMAÇÕES FEITAS EM REQUERIMENTO APRESENTADO NO DIA 22/10/2021, COM A REFERÊNCIA 8125741, QUE O ANTECEDEU. XXXVII. APESAR DE SUSCITADA E REQUERIDA A QUESTÃO DA LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ, A MESMA NÃO FOI DIRIMIDA NEM HOUVE QUALQUER PRONUNCIA A ESSE RESPEITO. XXXVIII. A SENTENÇA DO TRIBUNAL DE 1ª INSTÂNCIA CONTRARIA O PRÓPRIO DIREITO, A JURISPRUDÊNCIA E A DOUTRINA. DAÍ QUE SE IMPONHA A REVOGAÇÃO DA DECISÃO RECORRIDA. NESTES TERMOS E NOS MELHORES DE DIREITO, DEVE O PRESENTE RECURSO SER JULGADO PROCEDENTE E, CONSEQUENTEMENTE, A SENTENÇA REVOGADA, COM TODAS AS CONSEQUÊNCIAS LEGAIS, FAZENDO-SE ASSIM A ACOSTUMADA JUSTIÇA!» Os autores contra-alegaram, defendendo a manutenção da decisão recorrida. Corridos os vistos, cumpre apreciar e decidir. II – ÂMBITO DO RECURSO Sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações, sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (arts. 608º, nº 2, 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do CPC), as questões a decidir, atenta a sua precedência lógica, consubstanciam-se em saber: - qual a causa de extinção da instância: desistência do pedido ou inutilidade superveniente da lide; - a considerar-se que estamos perante uma inutilidade superveniente da lide, quem deve suportar as custas; - omissão de pronúncia quanto ao pedido de condenação dos autores como litigantes de má-fé. III – FUNDAMENTAÇÃO OS FACTOS A factualidade e dinâmica processual a considerar na decisão do recurso é a que consta do relatório supra, havendo ainda a considerar o seguinte: - A ação foi instaurada em 13.11.2020. - Os autores deduziram incidente de despejo imediato, o qual foi julgado procedente por decisão proferida em 09.08.2021, a qual determinou a entrega imediata do locado, livre de pessoas e bens. - A ré interpôs recurso daquela decisão, tendo este Tribunal da Relação, por acórdão proferido em 07.04.2022, julgado procedente a apelação e absolvido a ré do referido incidente. - A ré exerce no locado a atividade de restauração e similares. O DIREITO Inutilidade superveniente da lide/desistência do pedido A discordância entre a recorrente e o Tribunal a quo traduz-se na classificação do ato extintivo da lide e na subsequente aplicação do regime de tributação das custas processuais. Sustenta a recorrente que estamos perante uma desistência do pedido, uma vez que «ao informar que não viam interesse na prossecução dos autos, os autores/apelados manifestaram objetivamente o seu desejo de desistir do pedido, por nele não vislumbrarem qualquer interesse». Ora, se assim fosse, então era indiscutível que seria de aplicar o regime de custas estatuído no nº 1 do artigo 537º do CPC. Mas não é assim. A desistência é, pela sua natureza, um ato do autor, detendo este o poder discricionário de desistir. A desistência pode revestir duas modalidades: do pedido e da instância. A desistência do pedido – a que aqui interessa considerar – tem o mesmo efeito que teria uma sentença desfavorável ao autor, formando a sentença homologatória caso julgado material impeditivo da invocação do mesmo direito noutra ação entre os mesmos sujeitos[1]. O que equivale a dizer que a extinção (ou constituição) da situação jurídica provocada pela desistência do pedido releva em todas as situações nas quais a existência desse direito constitua uma questão prejudicial para a apreciação de um outro objeto[2]. Extinguindo-se por desistência o pedido, extingue-se também a relação processual, dado o seu carácter instrumental face ao direito substantivo. A consequência processual é a absolvição do réu do pedido (art. 285º, nº 1, do CPC). Ora, uma simples leitura do requerimento dos autores permite concluir, sem margem para dúvidas, que não está em causa um pedido de desistência do pedido, o qual, aliás, se mostra parcialmente satisfeito com o pagamento das rendas e juros reclamados na ação. Do que verdadeiramente se trata, como bem entendeu o Tribunal a quo, é de uma inutilidade superveniente da lide. A impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide, como causa de extinção da instância, dá-se quando, por facto ocorrido na pendência da instância, a pretensão do autor não possa subsistir por motivos atinentes ao sujeito ou ao objeto do processo ou à causa na relação substancial que lhe está subjacente[3]. É justamente o que ocorre in casu, já que na pendência da causa a ré pagou as rendas que os autores reclamavam na ação, pelo que ficou parcialmente esgotado o objeto da demanda, tornando-se desnecessária, na perspetiva dos autores – acolhida pelo Tribunal - a prossecução dos autos para apreciação da resolução do contrato de arrendamento celebrado entre as partes, considerando, ademais, a decisão proferida por este Tribunal da Relação no acórdão de 07.04.2022, no âmbito do incidente de despejo imediato a que se alude supra. Improcede, pois, este segmento do recurso. Da responsabilidade das custas pela extinção da instância por inutilidade superveniente da lide Segundo a ré/recorrente, do compulso dos autos «verifica-se não existir qualquer elemento objetivo ou matéria provada que permita afastar a regra inscrita no nº 3, do artigo 536º, do Código de Processo Civil», sendo por isso «de aplicar a regra estatuída na primeira parte do nº 1, do artigo 536º, do Código de Processo Civil, ficando as custas a cargo dos autores apelados». Já os autores/recorridos sustentam que a presente ação é “legítima” por se encontrarem em falta as rendas de janeiro a novembro de 2020, tendo a ação sido interposta ao abrigo do art. 8º-A da Lei nº 45/2020, pelo que tendo «os pedidos dos A. sido satisfeitos na pendencia da presente acção, e não antes apesar das interpelações dos A. à Ré, não pode ser considerado que houve culpa dos A. na propositura da presente acção», concluindo assim que «[a] inutilidade da lide é superveniente e totalmente imputável à Ré, já que, satisfez as exigências de pagamento das rendas, já na pendencia da acção, do que se deverá inferir as devidas consequências legais». Importa, pois, aferir se a impossibilidade é imputável ao recorrente, caso em que a responsabilidade pelo pagamento lhe pertence, ou se é aplicável a regra geral contida na primeira parte do nº 3 do artigo 536º do Código de Processo Civil. Está consolidado no vocabulário jurídico e na prática judiciária que o que justifica a condenação em custas de determinado litigante é o nexo de causalidade existente entre as despesas do litígio e o comportamento desse litigante[4]. Assim, na construção do sistema legal da responsabilidade pelo pagamento das custas vigora, a título principal, o princípio da causalidade e, subsidiariamente, o da vantagem ou proveito processual, que surge associado à regra da sucumbência. A norma contempla duas hipóteses e nos termos do nº 3, in fine, do artigo 536º do CPC, a responsabilidade pelas custas fica a cargo do réu ou requerido se a eles for imputável a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide. Ou, noutro ângulo, a não demonstração da causa justificativa da extinção faz acionar a regra geral impressa no normativo aqui em causa. Ao analisarmos o iter processual que levou à declaração de extinção por inutilidade da lide, não vislumbramos qualquer elemento objetivo que permita afastar a regra inscrita na norma acima mencionada, designadamente o facto de, aquando da instauração da ação, ser exigível à ré o pagamento da indemnização prevista no artigo 1041º do Código Civil, indemnização essa que, no caso, tem por base a mora no pagamento das rendas vencidas entre novembro de 2020 e maio de 2021. Escreveu-se a este respeito no citado acórdão desta Relação de 07.04.2022, proferido no incidente de despejo imediato: «Perante a pretensão de despejo imediato do locado prevista no artigo 14.º, n.º 5, do NRAU, com fundamento na falta de pagamento ou depósito das rendas vencidas na pendência da ação e ainda da importância da indemnização devida, importa levar em conta que está provado que a Ré não procedeu ao pagamento da mora respetiva, mas tão só às rendas em atraso. Antes de lançar mão do regime geral inserto no Código Civil, impõe-se aferir se a situação em apreço se enquadra no regime excecional para as situações de mora no pagamento da renda devida nos termos de contratos de arrendamento urbano habitacional e não habitacional, no âmbito da pandemia COVID-19, aprovado pela Lei n.º 4-C/2020, de 06/04, com as alterações introduzidas pelas Leis n.ºs 17/2020, de 29/05 e 45/2020, de 20/08. A referida Lei contempla o seguinte: CAPÍTULO III Arrendamento não habitacional Artigo 7.º Quebra de rendimentos dos arrendatários não habitacionais O presente capítulo aplica-se: a) Aos estabelecimentos abertos ao público destinados a atividades de comércio a retalho e de prestação de serviços encerrados ou que tenham as respetivas atividades suspensas ao abrigo do Decreto n.º 2-A/2020, de 20 de março, ou por determinação legislativa ou administrativa, nos termos previstos no Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de março, na sua redação atual, ou ao abrigo da Lei de Bases da Proteção Civil, aprovada pela Lei n.º 27/2006, de 3 de julho, na sua redação atual, da Lei de Bases da Saúde, aprovada pela Lei n.º 95/2019, de 4 de setembro, ou de outras disposições destinadas à execução do estado de emergência, bem como, após a sua cessação, ao abrigo de disposição legal ou medida administrativa aprovada no âmbito da pandemia da doença COVID-19 que determine o encerramento de instalações ou suspensão de atividades, incluindo nos casos em que estes mantenham a prestação de atividades de comércio eletrónico, ou de prestação de serviços à distância ou através de plataforma eletrónica; b) Aos estabelecimentos de restauração e similares, encerrados nos termos das disposições anteriores, incluindo nos casos em que estes mantenham atividade para efeitos exclusivos de confeção destinada a consumo fora do estabelecimento ou entrega no domicílio, nos termos previstos no Decreto n.º 2-A/2020, de 20 de março, ou em qualquer outra disposição que o permita. Artigo 8.º - Diferimento de rendas de contratos de arrendamento não habitacionais 1 - O arrendatário que preencha o disposto no artigo anterior pode diferir o pagamento das rendas vencidas: a) Nos meses em que vigore o estado de emergência e no primeiro mês subsequente; b) Nos meses em que, ao abrigo de disposição legal ou medida administrativa aprovada no âmbito da pandemia da doença COVID-19, seja determinado o encerramento das suas instalações ou suspensão da respetiva atividade; c) Nos três meses subsequentes àquele em que ocorra o levantamento da imposição do encerramento das suas instalações ou da suspensão da respetiva atividade. 2 - Nos casos previstos no número anterior: a) O diferimento não pode, em qualquer caso, aplicar-se a rendas que se vençam após 31 de dezembro de 2020; b) O período de regularização da dívida tem início a 1 de janeiro de 2021 e prolonga-se até 31 de dezembro de 2022; c) O pagamento é efetuado em 24 prestações sucessivas, de valor correspondente ao resultante do rateio do montante total em dívida por 24, liquidadas juntamente com a renda do mês em causa ou até ao oitavo dia do calendário de cada mês, no caso de renda não mensal. 3 - Para efeitos do disposto na alínea b) do número anterior, o montante total em dívida exclui as rendas vencidas e já pagas, as quais se consideram, para todos os efeitos, liquidadas. 4 - Sem prejuízo do disposto no n.º 3, o arrendatário pode, a qualquer altura, proceder ao pagamento total ou parcial das prestações em dívida. 5 - Os senhorios cujos arrendatários deixem de pagar as rendas nos termos dos n.ºs 1 a 3 podem solicitar a concessão de uma linha de crédito com custos reduzidos, a regulamentar, para suportar a diferença entre o valor da renda mensal devida e o valor resultante da aplicação ao rendimento mensal ou à faturação mensal do senhorio, de uma taxa de esforço máxima de 35 %, cuja demonstração é efetuada nos termos da portaria a aprovar pelo membro do governo responsável pela área da economia. Artigo 8.º-A - Dever de comunicação e proposta de acordo 1 - O arrendatário que pretenda beneficiar do regime previsto no artigo anterior deve comunicar a sua intenção ao senhorio, por escrito e até cinco dias antes do vencimento da primeira renda em que pretenda beneficiar deste regime, mediante carta registada com aviso de receção, enviada para a respetiva morada constante do contrato de arrendamento ou da sua comunicação imediatamente anterior. 2 - Em alternativa à comunicação prevista no número anterior, o arrendatário pode endereçar ao senhorio, mediante carta registada com aviso de receção, enviada para a respetiva morada constante do contrato de arrendamento ou da sua comunicação imediatamente anterior, uma proposta de acordo de pagamento das rendas vencidas e vincendas, diferente da solução prevista no artigo anterior. 3 - As comunicações previstas nos n.ºs 1 e 2 devem conter, para além dos elementos ali indicados, sob pena de ineficácia: a) O prazo de resposta de 10 dias, nos termos do n.º 4, considerando-se como falta de resposta o incumprimento deste prazo; b) O conteúdo que pode apresentar a resposta, nos termos dos n.ºs 4 e 6; c) As consequências da falta de resposta, nos termos do n.º 5. 4 - A aceitação do acordo ou a respetiva recusa devem ser transmitidas pelo senhorio, por escrito, através de carta registada com aviso de receção para a morada do locado, no prazo de 10 dias após a receção da proposta do arrendatário. 5 - Em caso de ausência de resposta do senhorio ou de resposta transmitida depois do prazo previsto no número anterior, presume-se que o senhorio manifesta o seu acordo à proposta do arrendatário. 6 - O senhorio pode, no prazo previsto no n.º 3, formular uma contraproposta ao arrendatário, à qual este deve responder no prazo de 10 dias, determinando a rejeição da mesma pelo arrendatário ou a ausência de resposta deste dentro do prazo a aplicabilidade do regime previsto no artigo anterior. 7 - O disposto no n.º 1 do artigo 10.º do Novo Regime do Arrendamento Urbano (NRAU) não se aplica às comunicações referidas nos n.ºs 1 e 2 deste artigo, aplicando-se, nesta situação, o regime previsto nos n.ºs 3 a 5 daquela disposição legal. Artigo 9.º - Cessação do contrato ou outras penalidades 1 - A falta de pagamento das rendas que se vençam nos meses em que vigore o estado de emergência e no primeiro mês subsequente, bem como, no caso de estabelecimentos e instalações que permaneçam encerrados ao abrigo de disposição legal ou medida administrativa aprovada no âmbito da pandemia da doença COVID-19 que determine o encerramento de instalações ou suspensão de atividades, nos meses em que esta vigorar e no mês subsequente, e até 1 de setembro de 2020, nos termos do artigo anterior, não pode ser invocada como fundamento de resolução, denúncia ou outra forma de extinção de contratos, nem como fundamento de obrigação de desocupação de imóveis. 2 - Aos arrendatários abrangidos pelo artigo 7.º não é exigível o pagamento de quaisquer outras penalidades que tenham por base a mora no pagamento de rendas que se vençam nos termos do número anterior. Ora, atenta a atividade que a Requerida exerce no locado, é manifesto que se encontra sujeita ao regime inserto no Capítulo III da Lei n.º 4-C/2020, de 06/04 – cfr. artigo 7.º. Não está em causa, no âmbito do presente incidente, o deferimento do pagamento das rendas, pelo que não cabe aplicar o regime inserto no artigo 8.º. Não tem ainda aplicação o disposto no artigo 8.º-A, que regula o dever de comunicação ao senhorio da intenção de beneficiar do deferimento do pagamento das rendas ou a proposta de acordo para tal efeito. Tem, no entanto, aplicação o regime inserto no artigo 9.º: - nos termos do n.º 1, e na parte que releva para o caso em apreço, a falta de pagamento das rendas que se vençam nos meses em que vigore o estado de emergência e no primeiro mês subsequente não pode ser invocada como fundamento de desocupação de imóveis; - nos termos do n.º 2, tratando-se de arrendatários abrangidos pelo artigo 7.º, não é exigível o pagamento de quaisquer outras penalidades que tenham por base a mora no pagamento de rendas que se vençam nos meses em que vigore o estado de emergência e no primeiro mês subsequente. O estado de emergência teve início a 19/03/2020 pelo Decreto do Presidente da República n.º 14-A/2020, de 18 de março, tendo vigorado até 30/04/2021 (cfr. subsequentes decretos do Presidente da República). A Requerida é arrendatária abrangida pelo artigo 7.º. Logo, não lhe é exigível o pagamento da indemnização prevista no artigo 1041.º do Código Civil, indemnização essa que, no caso, tem por base a mora no pagamento das rendas vencidas entre novembro de 2020 e maio de 2021. Uma vez que se mostram pagas as rendas, não há lugar ao despejo imediato por falta de pagamento da indemnização prevista no artigo 1041.º do Código Civil.» Uma vez que o acórdão transitou em julgado, tal significa que a não exigibilidade do pagamento da indemnização prevista no art. 1041º do Código Civil, por não haver mora quanto ao pagamento das rendas, impõe-se na presente ação como efeito substantivo impeditivo de que agora se considerasse exigível, à data da propositura da ação o pagamento daquela indemnização. Ainda que não houvesse autoridade de caso julgado, porque nos revemos inteiramente na fundamentação expendida naquele acórdão, sempre teríamos de considerar que quando foi instaurada a ação, não assistia aos autores o direito de peticionaram a declaração de resolução do contrato de arrendamento e o pagamento de rendas, sabendo-se, ademais, a atividade que a ré exerce no locado [restauração e similares], o que implica a sujeição desta ao regime previsto no Capítulo III da Lei nº 4-C/2020, de 06/04. Assim sendo, a responsabilidade pelas custas fica a cargo dos autores, tal como prescreve a primeira parte do nº 3 do artigo 536º do CPC, impondo-se por isso a revogação da decisão recorrida, alterando-se a condenação em custas, ficando estas a cargo dos autores. Da omissão de pronúncia quanto à má-fé Diz a recorrente que a decisão recorrida enferma do vício da omissão de pronúncia, porquanto no dia 25.10.2021, requereu a condenação, como litigantes de má fé, dos responsáveis pelas afirmações feitas em requerimento apresentado no dia 22.10.2021, que o antecedeu. De facto, não emitiu o Tribunal a quo pronúncia sobre tal pedido, mas não tinha de o fazer. Senão vejamos. Os requerimentos em apreço surgem no âmbito do incidente de despejo imediato, e dizem respeito à questão da caução com vista à fixação de eventual efeito suspensivo ao recurso interposto pela ré/recorrente, sendo que no requerimento apresentado por esta em 25.10.2021, a mesma refuta algumas afirmações feitas no requerimento dos autorrs/recorridos, dizendo, nomeadamente, que «os apelados, através do seu mandatário deduziram pretensão cuja falta de fundamento não podem ignorar, procurando descredibilizar a Apelante e entorpecer a ação da justiça», requerendo a notificação dos autores e do seu mandatário «para virem aos autos esclarecer de quem é a responsabilidade pelas afirmações feitas no requerimento apresentado no dia 22/10/2021», e uma vez «[a]purada a responsabilidade pela autoria do afirmado no requerimento, requer-se a sua condenação como litigantes de má fé». Os autores responderam, pugnando pela improcedência daquele pedido. Ora, em 17.12.2021, foi proferido despacho no qual, pelas razões aí apontadas, se considerou que «o recurso em causa terá sempre efeito suspensivo, sem necessidade de prestação de caução». Nesse despacho foi de facto omitida pronúncia sobre o pedido de condenação como litigantes de má dos eventuais responsáveis pelas afirmações produzidas no requerimento de 22.10.2021. Sucede, porém, que tal despacho transitou em julgado, não tendo a ré/recorrente, no prazo legal, invocado qualquer nulidade por omissão de pronúncia, sendo certo que o pedido em causa dizia respeito ao incidente de despejo imediato, o qual há muito se encontra findo, razão pela qual não tinha o Tribunal a quo que emitir pronúncia sobre essa matéria na decisão que julgou extinta a instância por inutilidade superveniente da lide, improcedendo assim este segmento recursório. O recurso merece, pois, provimento parcial nos termos acima enunciados. Vencidos no recurso, suportarão os autores/apelados as respetivas custas – artigo 527º, nºs 1 e 2, do CPC. IV – DECISÃO Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar procedente a apelação, revogando-se parcialmente a decisão recorrida na parte em que fixa a responsabilidade pelo pagamento de custas, as quais devem ser suportadas pelos autores. Custas do recurso a cargo dos recorridos. * Évora, 24 de novembro de 2022 (Acórdão assinado digitalmente no Citius) Manuel Bargado (relator) Albertina Pedroso (1º adjunto) Francisco Xavier (2º adjunto) __________________________________________________ [1] António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, 2ª edição, Almedina, p. 352. [2] Miguel Teixeira de Sousa, Estudos sobre o Novo Processo Civil, Lex, p. 206. [3] No entendimento do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15.03.2012, proc. 501/10. 2TVLSB.S1, in www.dgsi.pt, «a lide torna-se impossível quando sobrevêm circunstâncias que, de todo o modo, inviabilizariam o pedido, não em termos de procedência, pois então estar-se-ia no âmbito do mérito mas por razões conectadas com a não possibilidade adjectiva de lograr o objectivo pretendido com aquela acção, por já ter sido atingido por outro meio ou já não poder sê-lo» [4] Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, vol. II, Coimbra Editora, Coimbra, 1945, p. 202. |