Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
2523/16.0T8SLV.E1
Relator: JOSÉ LÚCIO
Descritores: ACÇÃO EXECUTIVA
DESERÇÃO DA INSTÂNCIA
PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO
Data do Acordão: 05/09/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário:
1 – Em processo executivo a deserção da instância decorre da falta de impulso processual do exequente, decorrido o prazo referido na lei.
2 – Todavia, para além do pressuposto objetivo (seis meses de falta de impulso processual) exige-se a verificação de outro de natureza subjetiva (a imputação dessa falta de impulso ao exequente).
3 –Em obediência ao princípio do contraditório (artigo 3.º/3, do CPC), não obstante a aparente automaticidade da deserção (artigo 281.º/5), deve o tribunal dar oportunidade às partes para se pronunciarem sobre a questão, sob cominação de nulidade (artigo 195.º/1 e 2, do CPC).
4 - A aparente automaticidade da deserção não pode sobrepor-se aos princípios do contraditório, da gestão processual, da cooperação e da adequação formal, devendo, caso a caso, verificar-se se os referidos princípios se mostram respeitados e presentes na decisão que declara verificada a deserção da instância.
(Sumário elaborado pelo relator)
Decisão Texto Integral:
Apelação n.º 2523/16.0T8SLV.E1 (1ª Secção Cível)

ACORDAM OS JUÍZES DA 1ª SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA:

I – RELATÓRIO
O exequente, Banco Cofidis S.A., instaurou a presente execução de sentença nos próprios autos (agente de execução) contra os executados AA e sua mulher BB, todos melhor identificados nos autos.
No decurso da execução, a ../../2022, faleceu o executado AA, pelo que o Sr. Agente de Execução declarou a suspensão da instância, nos termos do nº 1 do artigo 269º do CPC (comunicação de 12-07-2022).
Em face da suspensão, o exequente juntou certidão do óbito e dirigiu requerimento ao Juiz do processo (REFª: ...93 de 14-07-2022).
Por esse requerimento o exequente solicitava ao Tribunal que este ordenasse a notificação da co-executada viúva e também do Serviço de Finanças para que estes fornecessem os elementos necessários para a habilitação dos sucessores do falecido.
Assim, a executada deveria ser notificada para que viesse aos autos, em prazo não superior a vinte dias, indicar os descendentes que ficaram por óbito de seu marido, “com a indicação do nome completo de cada um deles, das respectivas datas de nascimento, das freguesias e concelhos onde nasceram, com vista ao requerente poder obter mediante registo “online” certidões dos respectivos assentos de nascimento, e das respectivas moradas e números de contribuintes”, e o Serviço de Finanças para informar se “foi instaurado no referido Serviço de Finanças processo de imposto de selo por transmissão gratuita e, em caso afirmativo, que se digne remeter para os autos cópia do auto de declarações de cabeça de casal para efeitos de instauração do referido processo, com indicação da morada completa dos herdeiros do falecido”.
Perante este requerimento a Sra. Juíza despachou (referência ...25, de 08-08-2022) no sentido de remeter a parte para o Agente de Execução: “As diligências no processo executivo são requeridas ao Agente de Execução.”.
Este despacho foi notificado ao exequente e requerente, logo no dia 09-08-2022, não sendo notificado ao agente de execução.
Posteriormente, permanecendo a situação de suspensão da instância, foi proferido despacho (Referência: ...37, de 12-04-2023) com o seguinte teor:
“Notifique-se o Exequente para esclarecer o que, e quando, requereu ao Sr. Agente de Execução, a fim de obter as informações pertinentes com vista à cessação da suspensão da execução por falecimento da parte.”
O exequente respondeu através do requerimento com a REFª: ...01 de 24-04-2023, dizendo em resumo que:
- em 12/07/2022 o solicitador de execução procedeu à suspensão dos autos atento o falecimento do executado AA, nos termos e de harmonia com o disposto no nº 1 artigo 269º do Código de Processo Civil.
- o exequente apresentou nos autos o requerimento já referido de 14/07/2022, e deu conhecimento dele ao sr. Solicitador por carta que lhe enviou aos 13 de Julho de 2022.
- O despacho proferido aos 08/08/2022 com a referência ...25 não foi notificado ao solicitador de execução.
- Requer assim com vista ao prosseguimento da execução que se ordene a notificação ao solicitador de execução do despacho proferido aos 08/08/2022 com a referência ...25.
Foi então proferido despacho, aos 27/04/2023, sob a referência ...54, que veio a ser o recorrido, declarando que a instância estava já extinta por deserção.
Transcreve-se o despacho em causa:
“Em 14 de Julho de 2022, a Exequente dirigiu-se ao Tribunal requerendo o levantamento do sigilo fiscal.
Por despacho de 08 de Agosto de 2022, o Tribunal pronunciou-se no sentido de dizer à Exequente – na linha do que esta bem sabe ser o entendimento defendido neste Juízo de Execução – que as diligências executivas são requeridas aos Agentes de Execução e não directamente ao Tribunal. De facto, é àqueles que cabe decidir quais os actos pertinentes a praticar no processo e solicitar a intervenção do Juiz, em conformidade, se o entenderem.
De resto, o apuramento da identidade dos herdeiros do Executado falecido não é feito, à cabeça, com recurso à medida mais gravosa, que é a do levantamento do sigilo fiscal. No caso vertente, a situação é ainda mais evidente porque o falecido morreu no estado de casado com a co-executada, a qual podia e devia ter sido notificada para prestar as informações pertinentes.
Nada disso foi promovido pela Exequente.
O despacho de 08 de Agosto não tinha de ser notificado ao Sr. Agente de Execução, mas sim à apresentante, a Exequente. Não só porque o despacho não o ordenou, como o mesmo era destinado à Exequente, como já se referiu.
A Exequente é que deveria, em conformidade com o seu teor, articular-se com o Sr. Agente de Execução para promover o andamento da acção.
Não o fez desde 08 de Agosto de 2022 até à presente data, quedando-se muda e inerte, a assistir à passagem dos meses nos autos, sem qualquer impulso.
Portanto, o processo esteve sem impulso processual desde então, durante mais de 8 meses. Convém recordar ainda que a extinção da execução por deserção funciona ope legis, e não carece sequer de despacho judicial que a decrete – cfr. artigo 281.º n.º 5 do Código de Processo Civil. Assim sendo, o Tribunal constata simplesmente que a execução se encontra extinta por deserção.”
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II – O RECURSO
Não se conformando com o decidido, o exequente reagiu através do presente recurso de apelação, apresentando as suas alegações.
Nestas, o recorrente começa por dizer que continua a aguardar que o solicitador de execução leve a efeito as diligências que requereu aos 12/07/2022, conforme carta que ao mesmo dirigiu em 13/07/2022.
E conclui que o despacho proferido violou o disposto no artigo 2º, nº 1, o disposto no artigo 754º nº 1, alínea a), e igualmente o disposto nos nºs 1 e 5 do artigo 281º todos do Código de Processo Civil, e ainda o artigo 750º nº 2, ex-vi do artigo 849º nº 1, alínea c), 2 e 3 do dito normativo legal, atento o que dos autos consta, pelo que o presente recurso deve ser julgado procedente e, em consequência, revogar-se o despacho recorrido substituindo-se o mesmo por Acórdão que ordene o normal e regular prosseguimento da execução, desta forma se fazendo correcta e exacta interpretação e aplicação da lei.
Pela executada, recorrida, não foram apresentadas contra-alegações.
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III – DA FACTUALIDADE
Os factos a considerar para decisão do recurso resumem-se à tramitação e às incidências processuais que ficaram descritas no relatório inicial, para o qual remetemos.
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IV – DO OBJECTO DO RECURSO
Como é sabido, o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso e daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras (cfr. arts. 635.º, n.ºs 3 e 4, 639.º, n.º 1 e 608.º, n.º 2, do CPC).
Sublinha-se ainda a este propósito que na sua tarefa não está o tribunal obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pela recorrente, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito (cfr. art. 5.º, n.º 3, do CPC).
No caso presente, tendo em conta as conclusões apresentadas, a questão colocada ao tribunal de recurso traduz-se em saber se deve ou não revogar-se o despacho recorrido, ordenando o prosseguimento da execução, como pretende o recorrente.
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V – APRECIANDO E DECIDINDO
Passamos então a decidir do objecto do recurso, tal como ficou delimitado nas conclusões acima transcritas.
Como se constata, está em causa o acerto do despacho judicial que declarou extinta a instância executiva, por deserção, com fundamento na situação de suspensão da instância, decretada pelo agente de execução com base no falecimento de um dos executados, como prevê o nº 1 do artigo 269º do CPC.
Entendeu o juiz recorrido que, tendo decorrido mais de seis meses sobre essa suspensão da instância, sem que o exequente houvesse promovido a necessária habilitação dos sucessores do falecido, para prosseguimento da execução, esta se encontrava extinta, por força do disposto no art. 281º do CPC.
O despacho em questão baseou-se na automaticidade do efeito extintivo dessa paralisação da execução sem que houvesse impulso processual.
Previamente ao despacho não foram ouvidos a esse respeito quer o exequente quer o agente de execução, designadamente quanto à referida falta de impulso processual, quanto à hipotética negligência processual e quanto às consequências jurídicas dessa falta.
O recorrente alega desde logo que, na sequência do requerimento que dirigiu ao tribunal a 14-07-2022, do qual informou o agente de execução, ficou a aguardar que este procedesse às diligências pretendidas para identificar os sucessores do falecido, tendo, entretanto, decorrido o lapso de tempo aludido pelo tribunal no despacho impugnado, de 27/04/2023.
Defende ainda o recorrente que mesmo estando o processo sem impulso processual por mais de seis meses (considerando a data da suspensão da instância, 12-07-2022), a deserção da instância só poderia funcionar automaticamente se fosse possível formular um juízo sobre a negligência da parte, e se a esta fosse conferida a possibilidade de se pronunciar sobre a matéria (extinção da instância por deserção).
Pensamos que, vistos os autos e tendo presentes as normas e os princípios a considerar, assiste razão ao exequente.
Não é aceitável o entendimento seguido pelo tribunal, segundo o qual, em suma, uma vez suspensa a instância o efeito extintivo verifica-se automaticamente, dispensando qualquer outra indagação.
Sobretudo, não é aceitável esse entendimento numa situação em que não foi respeitado o contraditório, ouvindo previamente a parte sobre esse efeito extintivo, e permitindo-lhe pronunciar-se sobre a negligência que desse modo lhe era necessariamente imputada (sublinhamos que aquilo que releva para estre efeito é a inércia negligente da parte, e não do agente de execução), nem foi efectuada qualquer diligência para apurar dessa eventual negligência, nomeadamente ouvindo o agente de execução (o que até se afigura indispensável dado o conteúdo do requerimento anterior da exequente, que informava ter remetido para este último comunicação sobre as diligências que pretendia para viabilizar a habilitação de herdeiros).
Sobre uma situação idêntica pronunciou-se nomeadamente o Acórdão da Relação de Évora de 14-09-2023, no processo n.º 2319/08.3TBABF.E1, relatado por José Manuel Barata, publicado em www.dgsi.pt, nos seguintes termos:
“A deserção da instância no processo executivo está prevista nos artigos 277.º, alínea c) e 281.º/5, do CPC.
Considera-se deserta a instância executiva “independentemente de qualquer decisão judicial, quando, por negligência das partes, o processo se encontre a aguardar impulso processual há mais de seis meses”.
A reforma de 2013 suprimiu a fase de interrupção da instância, que era a antecâmara da deserção, pelo que, ocorrendo falta de impulso processual do exequente, a instância executiva extingue-se ope legis, ou seja, por mera força da lei, sem necessidade de despacho judicial.
“A negligência há de ser do exequente; por isso, se a paragem do processo se deve a falta de atos processuais do agente de execução, ela não é imputável ao exequente, porquanto este não é mandatário do exequente (cfr. o artigo 163.º EOSAE), pelo que não causa a extinção da instância por deserção – Rui Pinto in A Ação Executiva, 2019, pág. 958.
Tal como no processo declarativo, também na ação executiva se exige a verificação de dois prossupostos, um de natureza objetiva (6 meses de falta de impulso processual) e outro de natureza subjetiva (a imputação dessa falta de impulso a negligência do exequente).
Sabendo a parte que o processo está sem impulso processual há mais de seis meses, a negligência ocorre na maioria dos casos.
Contudo, o sistema processual civil é composto por normas e princípios a que devem obedecer as normas de hierarquia inferior.
Ora, a norma contida no artigo 281.º/5, do CPC, não obstante contemplar a deserção da instância ope legis, esta automaticidade não pode operar sem que antes se tenha obedecido ao magno princípio do contraditório que deve nortear toda a atividade do tribunal (artigo 3.º/1 e 2, do CPC) e se sobrepõe às normas que compõem o edifício processual.
Com efeito, considerando os gravosos efeitos que decorrem da deserção da instância e em obediência ao dito princípio, deve o tribunal dar oportunidade às partes para se pronunciarem sobre a questão (Neste sentido, cfr. Ac. TRL de 26-07-2017, Proc. n.º 522/05.7TBAGN.C1, que comina a ausência do contraditório com a nulidade artigo 195.º/1 e 2, do CPC).
Lebre de Feitas, na Introdução ao Processo Civil, Coimbra, 2013, n.ºs 1.3.4, tem o mesmo entendimento, realçando o princípio da cooperação e a garantia de um direito ao contraditório efetivo, afirmando sem margem para dúvidas que “o despacho judicial que advirta a parte para a possibilidade da deserção da instância não é, pois, dispensável, quer se entenda que só a partir dele correm os seis meses do artigo 281.º-1, CPC, quer se entenda que basta que o juiz o profira, no decurso desse prazo ou depois dele concluído, desde que a parte tenha a possibilidade de praticar seguidamente o ato omitido” in, “Da nulidade da declaração de deserção da instância sem precedência de advertência à Parte”, in ROA, Ano 2018, I-II, pág. 197.
Ora, em face dos factos acima elencados e não constando em qualquer momento que o tribunal advertiu a exequente de que o processo se suspendia, sem prejuízo do que dispõe o artigo 281.º/5, do CPC, o prazo de deserção não se iniciou, pelo que o despacho em crise é nulo (artigo 195.º/1 e 2, do CPC).
De onde se conclui que a aparente automaticidade da deserção não pode sobrepor-se aos princípios do contraditório, da gestão processual, da cooperação e da adequação formal, devendo, caso a caso, verificar-se se os referidos princípios se mostram respeitados e presentes na decisão que declara verificada a deserção da instância (artigos 3.º, 6.º, 7.º e 547.º do CPC).”
Perfilhamos inteiramente a orientação exposta (aliás apoiada em larga jurisprudência, aí citada), que deve ser aplicada por identidade de razões ao caso presente.
No mesmo sentido também se havia pronunciado antes o Acórdão desta mesma Relação de Évora de 19-11-2020, relatado por Cristina Dá Mesquita, no processo 476/11.0TBVRS.E1, igualmente disponível na mesma base de dados.
Passamos a citar:
“Está em causa no presente recurso o acerto do despacho que declarou deserta a instância executiva ao abrigo do disposto no artigo 281.º, n.º 1, do CPC.
Dispõe o art. 281.º, n.º 1, do CPC, sob a epígrafe Deserção da instância e dos recursos, (na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho) que «Sem prejuízo do disposto no n.º 5, considera-se deserta a instância quando, por negligência das partes, o processo se encontre a aguardar impulso processual há mais de seis meses».
Por sua vez, dispõe o n.º 4 do mesmo artigo que «A deserção é julgada no tribunal onde se verifique a falta, por simples despacho do juiz ou do relator».
Sobre os preceitos acima citados (n.ºs 1 e 4 do art. 281.º do CPC) escreveu Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, Volume I, 2018, Almedina, p. 437, o seguinte: «o tribunal apenas pode declarar a extinção verificada a negligência das partes ou do recorrente. Em consequência, deve ser aberto prazo para audição das partes para aferir das razões da ausência de atos processuais, como sempre decorreria do princípio do contraditório (art. 3.º, n.º 3), mas também do dever de gestão processual do art. 6.º, n.º 1. Efetivamente, este último impõe ao tribunal que “promova oficiosamente as diligências necessárias ao normal prosseguimento da ação”».
A deserção da instância funda-se no princípio da auto-responsabilidade das partes, pelo que pressupõe, desde logo, que sobre a parte recaia um ónus de impulso processual. Efetivamente, a deserção da instância visa evitar que nos tribunais permaneçam pendentes e parados processos em virtude do mero desinteresse de quem a eles recorreu para fazer valer o direito que entendem assistir-lhes.
De acordo com o disposto no art. 281.º, n.º 1, do CPC, são pressupostos cumulativos da deserção da instância:
1) Que sobre a parte incida o ónus de promover o impulso processual;
2) Que se verifique uma situação de negligência imputável à parte sobre a qual recaia o ónus de impulso processual;
3) O decurso do prazo temporal fixado na lei.
Em síntese, para que se verifique uma situação de extinção da instância com fundamento na deserção, não basta o mero decurso do prazo previsto na lei, sendo, ao invés, necessário ainda que a falta de impulso processual seja imputável à parte que tinha o dever de impulsionar os autos.
Para as ações executivas, estatui o n.º 5 do art. 281.º do CPC que «No processo de execução, considera-se deserta a instância, independentemente de qualquer decisão judicial, quando, por negligência das partes, o processo se encontre a aguardar impulso processual há mais de seis meses».
Querer-se-á dizer com aquele normativo que na instância executiva se dispensa a verificação de uma situação de negligência na promoção do impulso processual imputável a quem tem esse ónus?
Cremos que não. Com efeito, o que o art. 281.º, n.º 5, do CPC dispensa é que tal verificação seja empreendida pelo tribunal.
Nos termos do art. 849.º do CPC a extinção da instância é da competência do agente de execução, que, depois, a comunica por via eletrónica ao tribunal (cfr. n.º 5 do artigo 849.º do CPC). Consistindo a deserção da instância uma forma de extinção da instância, aquela integra-se na alínea f) do n.º 1 do art. 849.º do CPC. Destarte, a competência para declarar a extinção da instância executiva, por deserção, pertence ao agente de execução.
Pelo que é ao agente de execução – principal órgão da ação executiva, como decorre do art. 719.º, n.º 1, do CPC – que compete a verificação da ocorrência dos pressupostos da extinção da instância por deserção acima mencionados. Com efeito, o art. 281.º, n.º 5, do CPC não poderia dispensar a verificação dos pressupostos da extinção da instância por deserção da instância sob pena de violação do direito à tutela jurisdicional efetiva – componente do direito de acesso ao direito e aos tribunais, consagrado no art. 20.º, n.º 1 da Constituição da República e no art. 2.º do CPC – o qual impõe a atribuição à parte que obtém uma sentença favorável do direito a um processo de execução da decisão em causa. Simplesmente, nas ações executivas, o legislador atribuiu ao agente de execução a competência para aferir da verificação dos pressupostos da extinção da instância executiva por deserção.
Dito isto, parece incontornável que o tribunal de primeira instância andou mal ao declarar a instância executiva deserta, nos termos em que o fez. Com efeito, ainda que porventura ao abrigo do dever de gestão processual (cfr. art. 6.º, n.º 1, do CPC), aquele pretendesse obviar à pendência de um processo executivo parado há demasiado tempo sem notícia de qualquer desenvolvimento processual (cfr. supra II.2), deveria ter ouvido previamente o exequente, a quem incumbe o ónus de impulso processual, e o agente de execução de forma a aferir das razões da ausência de atos processuais.
Não há sinal nos autos de que o tenha feito.
Por outro prisma, dir-se-á que a decisão do juiz a quo consubstancia uma decisão-surpresa, ou seja, uma decisão com a qual o exequente não podia razoavelmente antecipar e que o art. 3.º do CPC proíbe.
Em face de todo o exposto não pode a decisão recorrida manter-se, impondo-se a sua revogação e substituição por outra que ordene a notificação do exequente – sobre quem recai o ónus de impulso processual da execução – para, no prazo legal, se pronunciar sobre as razões da inatividade processual dos autos e requerer o que tiver por conveniente.”
Sem necessidade de entrar em considerações sobre a competência exclusiva do agente de execução para declarar a deserção da instância (o que representa razão adicional para no nosso caso determinar a revogação do despacho impugnado, já que este nunca declarou o fez, nem foi ouvido a esse respeito) sublinhamos que também os fundamentos apresentados no acórdão citado conduzem necessariamente à procedência do recurso no caso aqui em apreço.
Do mesmo modo, e embora referentes a processos de outra natureza (processo comum, embargos de executado), apontamos dois outros Acórdãos da Relação de Évora, também disponíveis na já aludida base de dados, onde surgem destacados os imperativos do respeito pelo contraditório e da necessidade de verificação dos fundamentos para um juízo sobre a negligência da parte onerada com o impulso processual em falta, como requisitos para a extinção da instância.
São eles o Acórdão de 09-02-2023, relatado por José Tomé de Carvalho, no processo n.º 1541/21.1T8SLV-A.E1 (in www.dgsi.pt) onde se conclui, nomeadamente, que o prazo de seis meses para a deserção deve contar-se a partir do dia em que é notificado “o despacho que alerte a parte para a necessidade do seu impulso processual, desde que as partes hajam sido notificadas com a correspondente cominação”; o Acórdão de 07-03-2024, relatado por Anabela Luna de Carvalho, no processo n.º 6885/21.0T8STB.E1, onde igualmente é sublinhado que “constituem pressupostos da deserção da instância, não só que o processo esteja parado há mais de seis meses a aguardar o impulso processual da parte com ele onerada (pressuposto objetivo), mas também que a omissão desta se deva negligência (pressuposto subjetivo)” e que “para o decretamento da deserção da instância a necessidade de audição prévia da parte para se aferir se ela atuou com negligência, requisito necessário, em conjugação com o decurso do prazo de seis meses sem impulso dos autos, tem de ser aferida em cada caso concreto”.
Concluindo, em face do exposto, e sem necessidade de mais desenvolvida fundamentação, julgamos ser de atender a apelação em apreço, decidindo-se em conformidade.
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VI - DECISÃO
Por todo o exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar procedente a apelação e revogar o despacho recorrido, que deve ser substituído por outro que ordene o prosseguimento da execução.
Sem custas, atenta a falta de oposição.
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Évora, 9 de Maio de 2024
José Lúcio
Albertina Pedroso
José António Moita