Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1514/20.1T8BJA.E1
Relator: JOSÉ ANTÓNIO MOITA
Descritores: DEFEITO DA OBRA
INDEMNIZAÇÃO POR RESPONSABILIDADE CIVIL
Data do Acordão: 05/23/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: É de excluir da previsão de aplicação do n.º 4 do artigo 1225.º do Código Civil seguramente todos os casos em que o vendedor do imóvel além de não ter executado materialmente actos de construção, modificação, reparação, ou recuperação, em imóvel que transaccionou, tão pouco deteve profissionalmente o domínio ou gestão directa dos aludidos actos.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Integral: Apelação n.º 1514/20.1T8BJA.E1
Tribunal Judicial da Comarca de Beja-Juízo Local Cível de Beja-Juiz 2
Apelantes: (…) e (…)
Apelada: (…)
***
Sumário do Acórdão
(Da exclusiva responsabilidade do relator – artigo 663.º, n.º 7, do CPC)
(…)
*
Acordam os Juízes na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora no seguinte:
I – RELATÓRIO
(…), solteira, técnica administrativa, residente na Rua do (…), n.º 5, (…) Beja, instaurou acção declarativa de condenação, com processo comum, contra (…) e mulher, (…), ambos residentes na Rua Dr. (…), n.º 33, 2.º, Beja, pedindo a condenação destes últimos a pagar-lhe o seguinte:
a) A título de danos patrimoniais sofridos em consequência directa da actuação ilícita dos Réus a quantia de € 40.020,65 (quarenta mil e vinte euros e sessenta e cinco cêntimos), desde a data da citação até efectivo e integral pagamento;
b) A título de danos não patrimoniais sofridos em consequência directa da actuação ilícita dos Réus a quantia de € 1.500,00 (mil e quinhentos euros).
c) No total de € 41.520,65 (quarenta e um mil, quinhentos e vinte euros e sessenta e cinco cêntimos), valor ao qual deverão acrescer juros contados à taxa legal de 4%, desde a data da citação e até efectivo e integral pagamento.
Para tanto, alegou ter adquirido aos Réus um imóvel para a sua habitação que julgou reabilitado, vindo a constatar que este padecia de defeitos na rede eléctrica, cobertura e pavimentos, tendo por via deste incumprimento contratual sofrido os danos patrimoniais e não patrimoniais que ora peticiona.
Citados, contestaram os Réus invocando a excepção dilatória da ilegitimidade passiva e a peremptória de caducidade, mais impugnando parcialmente os factos alegados pela Autora.
A Autora respondeu pugnando pela improcedência das excepções invocadas pelos Réus.
Não houve lugar a realização de audiência prévia.
Elaborado despacho saneador, julgou-se improcedente a excepção dilatória da ilegitimidade passiva.
Designou-se data para audiência final, que se realizou, tendo subsequentemente sido proferida sentença, que contem o seguinte dispositivo:
“Nesta conformidade, decide-se julgar a presente acção parcialmente procedente e, em consequência:
a) Condenam-se os réus a pagarem indemnização à autora, no que se vier a liquidar, até ao limite de € 22.144,53, acrescido de juros mora contados à taxa legal, desde a citação até efectivo e integral pagamento, absolvendo-se do demais peticionado.
b) Condenam-se a autora e os réus no pagamento das custas do processo, em partes iguais, sem prejuízo do que resultar da liquidação – artigo 527.º do Código de Processo Civil.
Notifique e registe.
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Inconformados com a sentença, vieram os Réus apresentar requerimento de recurso para este Tribunal da Relação de Évora, alinhando as seguintes
CONCLUSÕES:
A) As respostas aos pontos 25, 30, 31, 33, 34 e 35 dos factos dados como provados contêm matéria genérica ou conclusiva pelo que deverão tais respostas ser eliminadas.
B) Há manifesta contradição entre a resposta dada no ponto 14 e as respostas dadas nos pontos 36, 46 e 49 pelo que deve ser excluído da matéria dada como provada o ponto
C) No ponto 36 e seguintes dão-se como provados factos alegados em sede de contestação. Foi alegado no artigo 26º da contestação que, “tendo em vista a realização de tais obras e dar ao prédio condições de habitabilidade de modo a poder ser arrendado, celebraram … contrato de empreitada”. Nenhuma reserva ou restrição foi feita em sede de fundamentação pelo que o ponto 42 deverá ter a redacção do artigo 26º da contestação.
D) Não resulta alegado pela autora que os réus sejam vendedores / construtores de imóveis, que exista uma relação profissional dos réus com o prédio dos autos, alienado à autora. Em lado nenhum da petição inicial alegou a autora que os réus fizeram obras no exercício de uma actividade profissional enquanto construtores. Apenas resulta provado que, previamente à sua venda, foram feitas obras de remodelação, através de contrato de empreitada.
E) O prazo alargado de um ano contemplado nos nºs 2 e 3 do artigo 1225.º do Código Civil, ex vi do seu n.º 4, não se aplica às situações em que o vendedor promoveu a sua construção, modificação ou reparação através da intermediação de um empreiteiro.
F) Nestes casos, em que o vendedor assume a posição de dono da obra, a situação do terceiro adquirente está salvaguardada pelo disposto no artigo 1225.º, n.º 1, do Código Civil, podendo este demandar directamente o empreiteiro para reparação dos defeitos do imóvel, em relação ao qual beneficia do prazo de caducidade de um ano previsto nos n.ºs 2 e 3 do mesmo preceito legal. E isto tanto mais quanto é certo que, como foi dado como provado, desde o início das obras a autora passou a ter acesso ao imóvel, a contactar a empreiteira, a acompanhar as obras e a solicitar directamente à empreiteira alterações.
G) Construtor, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 4 do artigo 1225.º do Código Civil, será apenas quem construiu por meio de gestão directa sem a intermediação de um empreiteiro.
H) O caso dos autos configura um contrato de compra e venda entre particulares, não estando em causa uma relação de consumo. Em consequência, há que aplicar, in casu, o prazo de 6 meses previsto no artigo 917.º do Código Civil, prazo dentro do qual a acção teria que ser intentada na sequência da denúncia.
I) Dando-se como provado que a denúncia dos defeitos foi feita através de cartas datadas de 5 de Setembro de 2019 e 25 de Novembro de 2019, considerando a suspensão e alargamento dos prazos de caducidade, no momento da propositura da acção – 02 de Dezembro de 2020 – havia já decorrido o prazo de caducidade de 6 meses, sendo tal excepção até de conhecimento oficioso, o que implica a absolvição total dos pedidos formulados contra os réus, por força do disposto no artigo 576.º, n.º 3, do Código de Processo Civil.
J) Os direitos do comprador de coisa defeituosa não podem ser exercidos de forma aleatória ou discricionária. Pelo contrário, só podem ser exercidos de forma sequencial e escalonada que o comprador não pode alterar como lhe aprouver. Assim, o vendedor está, em primeiro lugar, obrigado a eliminar os defeitos e, não sendo tal reparação ou eliminação possível, ou sendo a mesma demasiado onerosa, tem o vendedor a obrigação de substituir a coisa vendida. Frustrando-se qualquer dessas alternativas, assiste ao comprador o direito de exigir a redução do preço e, não sendo esta medida satisfatória, poderá pedir a resolução do contrato.
K) A autora, ao deduzir contra os réus pedido de condenação ao pagamento da quantia alegadamente necessária à eliminação dos defeitos, transgrediu a ordem legal dos direitos conferidos ao comprador de coisa defeituosa. A autora deveria ter instaurado primeiro acção judicial a pedir a condenação dos réus e/ou do empreiteiro a eliminar os defeitos e, só no caso de procedência da acção e de os defeitos não serem eliminados no prazo fixado pelo tribunal, poderia então pedir a eliminação dos defeitos por outrem à custa do devedor.
L) A douta decisão recorrida, de uma forma simplista, acolhe a pretensão da autora invocando que “uma vez que as partes não chegaram a entendimento com vista ao conserto do bem, procedeu a autora a reparações a sua própria expensas”.
M) À autora assistia, em tese, o direito de obter a eliminação dos defeitos sendo que o exercício desses direitos se consubstanciava, ab initio, na denúncia e pedido de eliminação desses defeitos ao empreiteiro e/ou ao vendedor. Sabendo, como sabia, da existência do contrato de empreitada podia ter optado pelo pedido de eliminação dos defeitos ao empreiteiro, dispondo até de um prazo mais alargado para a propositura da acção. Optou, no entanto, por fazer a denúncia apenas ao dono da obra.
N) Embora esse raciocínio não tivesse sido feito nem em sede de pedido nem em sede de decisão, poderia invocar-se, em tese, ter havido incumprimento definitivo com a interpelação feita pela autora. Havendo incumprimento definitivo, a compradora teria direito a ser indemnizada pelos custos por si suportados com a eliminação daquilo que pudesse ser considerado como vício ou desconformidade. Se assim fosse, a autora apenas poderia reclamar o vício ou desconformidade, excluindo-se as alterações ou tudo o que tivesse a ver com uma forma diferente de executar a obra por parte de um segundo empreiteiro, questões que a douta decisão recorrida nem aprecia.
O) Para que a autora pudesse invocar incumprimento definitivo, teria que interpelar os réus, intimando-os a realizar as obras, dentro de um prazo razoável e com a advertência, muito clara, de que a falta da prestação, no prazo estabelecido, os faria incorrer em incumprimento definitivo da prestação.
P) Os réus foram interpelados, numa primeira carta, para, em 8 dias liquidarem a quantia de € 22.144,53 e, numa segunda carta, para se pronunciarem sobre a resolução extra judicial deste assunto, procedendo à reparação de todos os defeitos que o imóvel apresenta, ou liquidarem o valor necessário à sua reparação, no prazo de 8 dias. Donde se conclui que o prazo de 8 dias, tendo em conta a extensão das obras reclamadas, é tudo menos razoável e a interpelação não contém a declaração cominatória de que, findo o prazo, se considera verificado o incumprimento definitivo, não preenchendo a interpelação os requisitos da interpelação admonitória prevista no artigo 808.º, n.º 1, do Código Civil.
Q) A Autora formula um pedido de condenação no pagamento de quantia a título de “danos patrimoniais sofridos em consequência directa da actuação ilícita dos réus”, confundindo responsabilidade contratual com responsabilidade por factos ilícitos, mas ainda assim invoca no artigo 108º da p.i. que a quantia peticionada tem a ver com a “má execução das obras de alteração do imóvel”. Já a douta decisão recorrida condena “os réus a pagarem à autora, no que se vier a liquidar, até ao limite de € 22.144,53”. Os réus são absolvidos da “indemnização por outros danos patrimoniais e morais” mas são condenados a pagar “indemnização”. O valor de € 22.144,53 corresponde ao orçamento para as alegadas obras destinadas a obter a eliminação dos defeitos pelo que o objecto da condenação deveria pois ser o valor correspondente às alegadas obras, sendo que, neste caso, deveriam excluir-se as alterações ou tudo o que tivesse a ver com uma forma diferente de executar a obra. Só é possível condenar no pagamento de “indemnização” nos casos previstos nos artigos 908.º e 909.º do Código Civil, o que não se verifica, nem vem peticionado.
R) Assim, por força do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea e), in fine, do Código de Processo Civil, a sentença é nula por condenar em objecto diverso do pedido. Por outro lado, existe contradição entre os fundamentos da decisão e a decisão é ambígua, ao permitir várias interpretações, o que conduz, de igual modo, à nulidade da sentença, atento o disposto na alínea c) do mesmo dispositivo legal.
S) Estando em causa responsabilidade contratual, se o crédito for ilíquido, não há mora, salvo se a falta de liquidez for imputável ao devedor. Se a obrigação é ilíquida por não estar ainda apurado o montante da prestação, os juros de mora apenas são devidos desde a data da sentença da primeira instância que fixar o valor líquido da prestação. É o que resulta do artigo 805.º, n.º 3, do Código Civil que a douta decisão violou ao condenar os réus no pagamento de juros desde a data da citação.
T) A douta decisão recorrida violou o disposto nos artigos 805.º, n.º 3, 808.º, n.º 1, 905.º, 906.º, 908.º, 909.º, 911.º, 913.º, 914.º, 916.º, n.º 3, 917.º e 1225.º, nºs 1, 2, 3 e 4, do Código Civil e artigos 576,º, n,º 3 e 615,º, n,º 1, alíneas c) e e), in fine, do Código de Processo Civil.
Nestes termos e nos que Vossas Excelências doutamente suprirão, deve ser dado provimento ao recurso, revogando-se a douta decisão proferida, como é de JUSTIÇA.”
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Os Apelados não responderam ao recurso.
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O recurso foi admitido na 1ª Instância como apelação, a subir de imediato, nos próprios autos e com efeito devolutivo.
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O recurso é o próprio e foi adequadamente recebido quanto ao modo de subida e ao efeito fixado.
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Colheram-se os Vistos pelo que cumpre, agora, decidir.
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II – OBJECTO DO RECURSO
Nos termos do disposto no artigo 635.º, n.º 4, conjugado com o artigo 639.º, n.º 1, ambos do CPC, o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões do recurso, salvo no que respeita à indagação, interpretação e aplicação das normas jurídicas ao caso concreto e quando se trate de matérias de conhecimento oficioso que, no âmbito de recurso interposto pela parte vencida, possam ser decididas com base em elementos constantes do processo, pelo que as questões a apreciar e decidir traduzem-se objectivamente no seguinte:
1- Nulidades de sentença.
2- Modificação da decisão relativa à matéria de facto.
3- Reapreciação de mérito, incidente no seguinte:
a) Excepção de caducidade do direito de acção.
Caso improceda a invocada excepção:
b) Desrespeito pela ordem legal de exercício dos direitos do comprador de coisa defeituosa;
c) Responsabilidade pelo pagamento de juros moratórios.
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III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Decorre da sentença recorrida o seguinte quanto a matéria de facto:
“Factos Provados
Da Petição
1. Os Réus adquiriram o prédio urbano destinado a habitação, composto por r/c, sito na Rua do (…), n.º 5, em Beja, na União de Freguesias de Beja (Salvador e Santa Maria da Feira), concelho e distrito de Beja, descrito na Conservatória do Registo Predial de Beja sob o n.º (…), inscrito na matriz predial urbana da mencionada freguesia sob o artigo (…). (Doc. 1).
3. Ainda durante a fase de reabilitação do imóvel, em finais do ano 2017, depois de visitar o referido imóvel, e de lhe ser garantido pelos Réus que naquele iriam ser feitas obras de restauro e reparação, a fim de recuperar a sua condição de habitabilidade,
4. A Autora e os Réus entraram em fase de negociação para compra e venda do mesmo.
5. Tendo logrado chegar a acordo na compra e venda do imóvel.
6. Que seria vendido já com todas as obras de restauro e reabilitação finalizadas, em perfeitas condições de habitabilidade, apto a uma utilização segura e adequada, em normais condições.
8. E acordaram na compra e venda do referido imóvel pelo preço global de € 39.700,00 (trinta e nove mil e setecentos euros).
9. Para obter o financiamento necessário à aquisição do imóvel, a Autora deu início aos procedimentos tendentes a obter o empréstimo bancário no Banco (…), entidade onde trabalha o Réu, (…), que lhe garantiu que o mesmo iria ser concedido.
10. Nesse âmbito, em 05 de Fevereiro de 2018, foi realizada uma avaliação ao imóvel donde consta no ponto “(N) Informações Complementares” que o imóvel se encontra a sofrer obras de reabilitação totais, e que será transacionado com as obras em curso já concluídas, ai se afirmando que o imóvel possuía lareira, e que a conservação interior e exterior do imóvel era “muito bom”.
11. Constando ainda, no mesmo ponto do referido documento, que a avaliação em causa foi realizada no pressuposto de que o imóvel, após conclusão das obras, reunisse as condições de habitabilidade.
12. Em 06 de fevereiro de 2018, a Autora foi contactada pela funcionária do Banco (…), D. (…), que a informou que o seu pedido de empréstimo havia sido aprovado, tendo sido adiantada a quantia de € 4.000,00 para formalizar o sinal devido pela outorga do contrato promessa de compra e venda.
13. Desse facto deu imediato conhecimento ao Réu (…), que no dia 08 de Fevereiro lhe enviou por email, o contrato promessa de compra e venda do referido imóvel.
16. A 06 de junho de 2018, na Conservatória dos Registos Predial e Comercial de Beja, foi outorgada a escritura de compra e venda e mútuo com hipoteca do referido imóvel, cfr. escritura.
17. Tendo, a partir desse momento, a Autora feito daquela a sua residência permanente, passando ali a residir.
19. Em Outubro de 2018, a Autora denunciou aos Réus, na pessoa do Réu (…), via e-mail, a existência das falhas detectadas até aquele momento, que relatavam problemas ao nível da instalação eléctrica, do telhado, da canalização e pavimentos.
21. Nessa medida o Réu (…) enviou ao local um funcionário que analisou os defeitos invocados, sem ter procedido aos arranjos solicitados.
22. A Autora solicitou, em Maio de 2019 a elaboração de uma vistoria, a fim de se inteirar das reais condições do imóvel.
23. Conforme se pode verificar pelo Relatório de identificação de patologias em moradia de habitação unifamiliar e respectiva adenda, datados respectivamente de 05.06.2019 e 14.11.2019, solicitado pela A. a arquitecta.
26. Consta do Relatório de identificação de patologias em moradia de habitação unifamiliar e respectiva adenda: relativamente aos pavimentos, também estes apresentam irregularidades, devido à ausência de impermeabilização nos mesmos, o que resultou na danificação do pavimento flutuante. No logradouro, o pavimento apresenta pendentes incorretas, o que gera uma deficiente drenagem das águas pluviais, originando assim retenção de água junto à parede exterior do quarto.
28. A instalação eléctrica apresentava irregularidades de montagem.
29. Nomeadamente por:
a) inexistência de proteção diferencial;
c) ligação entre o contador e o quadro com secção de 1,5 mm²;
d) terra de proteção executada em condutor de 2,5 mm², sendo que o condutor saía da caixa de borne amovível com 30 mm de comprimento, não ligando a nada, e acabava dentro do reboco;
e) aparelhagem despregada das caixas;
f) derivação nas caixas indevidamente feitas;
g) condutores instalados dentro do pladur sem o devido isolamento.
30. Conforme consta do Relatório de identificação de patologias em moradia de habitação unifamiliar e respectiva adenda: relativamente ao termo-acumulador, este encontrava-se incorretamente montado e instalado, em iminência de queda.
35. Após o pedido de alvará de construção na autarquia, com o n.º 480/2019, foi ainda possível verificar o estado da cobertura e da restante instalação eléctrica, tendo a sra. arquitecta emitido a Adenda ao Relatório de identificação de patologias em moradia de habitação unifamiliar.
36. Tendo sido verificada a existência de:
a) a ausência de escoramento das vigas de madeira;
d) viga de madeira mal dimensionada e de fraca qualidade para a função; e) assentamento das vigas de suporte do telhado sobre a parede preexistente sem qualquer reforço estrutural para a descarga do peso das mesmas;
f) cabos eléctricos sem os invólucros obrigatórios.
64. Tal como refere a Sr.ª arquitecta no Relatório, “a nível de salubridade:
- o pavimento flutuante encontra-se mal aplicado, devido à incorrecta nivelação da betonilha do pavimento;
- as carpintarias dos vãos interiores apresentam-se mal assentes.”
66. “A nível de salubridade:
- as pendentes do pavimento do logradouro não possuem uma drenagem correta das águas pluviais;
- a ventilação da habitação apenas é realizada pelas caixilharias existentes nas fachadas principal e tardoz;
- verifica-se que toda a área da habitação, e sobretudo as designadas áreas húmidas não possuem qualquer impermeabilização ao nível do pavimento e em altura nas paredes de contacto.
69. Ora, não obstante a habitação aqui em causa ser um T1, a instalação sanitária, cuja construção foi feita a cargo dos Réus, tem a área de 2,58 m².
74. Torna-se assim evidente que os danos que se começaram a revelar no imóvel pouco tempo depois de a Autora aí passar a residir se deveram exclusivamente à conduta dos Réus, que fizeram e mandaram fazer as obras na moradia de forma descuidada.
111. Nomeadamente, quanto à cobertura, como consta do Relatório de identificação de patologias em moradia de habitação unifamiliar e respectiva adenda:
a) a correcção da impermeabilização da junta de ligação entre o telhado da habitação e os edifícios contíguos;
112. Quanto às paredes como consta do Relatório de identificação de patologias em moradia de habitação unifamiliar e respectiva adenda:
a) a remoção dos pavimentos e revestimentos de parede, para aplicação de impermeabilização no pavimento e continuamente a, pelo menos, 50 cm de altura das paredes;
b) a picagem de todas as paredes onde o reboco se encontra mal aplicado, bem como de todas as fissuras existentes nas paredes e aplicação de novo reboco;
c) transformar a parede exterior do quarto em parede dupla com isolamento térmico tipo wallmate e caixa de ar;
d) criação na parede do quarto de um sistema de ventilação para entrada e saída de ar, com tubagem de 90 mm de diâmetro;
e) retificação e nivelação das paredes que apresentam irregularidades e que impossibilitam a correta aplicação dos rodapés, os quais deverão ser posteriormente rectificados ou substituídos;
113. Quanto aos pavimentos, como consta do Relatório de identificação de patologias em moradia de habitação unifamiliar e respectiva adenda:
a) No logradouro, a remoção e substituição do pavimento cerâmico existente para corrigir as pendentes do pavimento;
b) Verificação da ligação das águas pluviais do logradouro ao ramal existente;
c) Remoção de todo o pavimento flutuante e substituição das peças danificadas pelas infiltrações e aplicação posterior após a correta impermeabilização do pavimento base.
114. Quanto às instalações:
a) Instalação de um aparelho na instalação sanitária para garantir a renovação de ar;
b) montagem correta do termo-acumulador com as fixações necessárias e adequadas;
115. Também quanto à deficiente instalação eléctrica, o electricista identificou várias irregularidades que tiveram de ser corrigidas.
116. A Autora viu-se obrigada a pedir orçamentos para reparação e também a proceder desde logo a algumas reparações, que tem pago do seu próprio bolso.
118. A Autora solicitou quatro orçamentos, tendo a Autora decidido aceitar o orçamento constante de valor mais baixo apresentado, de € 22.144,53.
123. Acresce que ao ter celebrado contrato de fornecimento de água para o imóvel onde iria residir, a Autora teve de pagar o valor mensal do contrato de fornecimento de água, pelo que a Autora despendeu a quantia de € 154,14.
125. De igual modo, aquando da aquisição do imóvel a Autora celebrou contrato de fornecimento de electricidade para o imóvel onde iria residir, pelo que a Autora teve de pagar o valor mensal do contrato de fornecimento de electricidade, tendo despendido o valor de € 215,23.
126. E de igual modo, havia celebrado contrato de fornecimento com a MEO, para o fornecimento de serviços de televisão pelo que desde Junho de 2019 até à data em que decidiu fazer cessar o contrato, o que se verificou em Janeiro de 2020, teve de pagar a quantia global de € 435,79.
Da contestação
13º Os R.R. celebraram com “(…) – Unipessoal, Lda.” contrato de empreitada, mediante o qual esta empresa realizaria os seguintes trabalhos: arrancar todo o telhado, reforçar a estrutura do telhado, colocar onduline no telhado, substituir telhas canudo partidas, derrubar parede que divide sala e cozinha, substituir porta e janela da sala, arrancar reboco interior, refazer todo o reboco interior, fazer tecto falso em pladur, fazer toda a instalação eléctrica, colocar porta interior no quarto, colocar porta de quarto de correr de acesso ao quintal, colocar porta de casa de banho, colocar pavimento no quintal, fazer casa de banho com poliban, sanita e lava mãos, fazer toda a canalização hidráulica e esgoto, assentar pavimento em toda a casa, assentar móvel de cozinha, fazer impermeabilização na placa da casa de banho exterior, pintura exterior e interior (doc. 3).
20º O imóvel identificado no artigo 1º da p. i. foi adquirido pelos Réus em 15 de Dezembro de 2017, pelo valor de € 12.000,00.
21º Tal como consta do título de compra e venda e resulta de certidão emitida pela Câmara Municipal de Beja o prédio em causa foi construído antes de 1951.
22º É, por isso, um prédio de construção antiga, com técnicas de construção e normas de construção diferentes das que vigoram actualmente e encontrava-se em mau estado de conservação.
24º Antes de adquirirem o imóvel, os Réus solicitaram à Câmara Municipal de Beja autorização para realizar obras de remodelação, nomeadamente picar e rebocar paredes, substituir telhas danificadas, rebocar e pintar o quintal, substituir a canalização e instalação eléctrica e pintar o prédio.
25º A informação que os Réus receberam da Câmara Municipal de Beja foi de que “as obras descritas são obras de conservação, estando as mesmas isentas de controlo prévio, de acordo com o descrito na alínea a) do ponto 1 do artigo 6.º do RJUE”.
26º Tendo em vista a realização de tais obras e dar ao prédio condições de habitabilidade, de modo a poder ser transacionado, celebraram com “(…) – Unipessoal, Lda.” contrato de empreitada (doc. 4).
27º O preço acordado para a realização de tais trabalhos foi de € 9.587,00, acrescido de IVA (doc. 4).
28º Os materiais a aplicar seriam os constantes do contrato (doc. 4).
29º As obras iniciaram-se em Dezembro de 2017.
32º Desde então, a Autora passou a ter acesso ao imóvel, a contactar a empreiteira, a acompanhar o decurso das obras e a solicitar directamente à empreiteira alterações.
33º Assim, foi a Autora que adquiriu os móveis da cozinha e os armários para o quarto e um armário para a casa de banho e pretendia adquirir uma lareira de pellets.
34º Mais tarde, entrou em conflito com os fornecedores de tais bens e devolveu-os.
37º A Autora sabia que obras estavam a decorrer, acompanhando-as regularmente e obtendo da empreiteira e dos seus funcionários esclarecimentos sobre as mesmas.
40º Os Réus deram conhecimento à Autora das obras que estavam a ser realizadas.
Da resposta da Autora
1º Através de carta, de 5 de Setembro de 2019, subscrita pela Dra. (…), foram invocados “defeitos do imóvel” e interpelados os Réus para, em 8 dias, liquidarem a quantia de € 22.144,53.
2º Através de carta, de 25 de Novembro de 2019, subscrita pela Dra. (…) e sob a epígrafe “Interpelação – Denúncia de defeitos no imóvel sito na Rua do (…), n.º 5, em Beja”, foram os Réus interpelados “para se pronunciarem sobre a resolução extra judicial deste assunto, procedendo à reparação de todos os defeitos que o imóvel apresenta, ou liquidando o valor necessário à sua reparação, no prazo de 8 dias.
3º Refere-se na mesma carta que “caso não exista qualquer comunicação (…) presumiremos que declinam qualquer resolução amigável, pelo que avançarei, sem qualquer outra interpelação para a via judicial”.
Factos não Provados
Da petição
24. Desde logo, ficou demonstrado que, na cobertura, o imóvel sofria de uma grave deformação na sua estrutura, o que colocava em causa o suporte do mesmo e, consequentemente a segurança de quem resida ou permaneça na residência, bem como infiltrações, devido à ausência de impermeabilidade adequada.
25. A parede exterior do quarto não respeita as normas legais de construção, sendo esta composta apenas por um plano simples de alvenaria sem isolamento e caixa de ar.
Termicamente não respeita as condições de habitabilidade exigidas por lei. O quarto possui papel de parede num dos planos de parede, que se encontra danificado pelas humidades presentes neste compartimento.
32. Relativamente às restantes instalações, nomeadamente na instalação sanitária, foi verificado pela Sr.ª arquitecta que a grelha de ventilação aí colocada não tinha qualquer utilidade e ainda a não verificação da ventilação dos esgotos instalados.
37. Tendo-se chegado à conclusão de que a cobertura não foi substituída na totalidade, como deveria ter sido aquando da realização das obras pelos Réus, e tal como estes haviam garantido à Autora.
65. “A nível de segurança:
- não existiu reparação da estrutura existente do telhado;
- as telhas assentes nas coberturas foram apenas assentes sem qualquer argamassa de fixação;
100. Atento aos graves perigos iminentes, a Autora deixou de poder residir na sua própria casa, vendo-se completamente privada da utilização da mesma.
101. Casa essa que havia comprado há tão pouco tempo para aí residir, absolutamente confiante de que tudo estaria conforme, até porque haviam sido realizadas obras anteriormente.
102. Ao invés, desde Maio de 2019, isto é, há já 1 ano e 6 meses, que a Autora se encontra a residir em casa de uma amiga, (…), uma vez que, mesmo passado tanto tempo, continua a ver-se privada da utilização da sua própria casa.
103. Compensando, evidentemente, a sua amiga, com o valor mensal de € 50,00, pela sua estadia, pelo que despendeu a quantia global de € 900,00.
117. Designadamente, a reparação da instalação eléctrica que comportou para a Autora o dispêndio da quantia de € 1.045,50.
119. Para fornecimento e montagem da porta exterior, que face à localização do imóvel em zona intramuros do centro histórico da cidade, exige que as caixilharias sejam executadas em madeira com acabamento em tom tradicional (verde escuro na porta e aro de janela e branco nas folhas móveis da janela) a Autora teve de despender a quantia de € 1.906,50.
124. Pelo facto da instalação sanitária não ter a área mínima de 3,5m2, a sua localização teve de ser alterada, o que originou um custo de € 167,24.
134. Importa ainda referir que, ao longo de todo este período de tempo que decorreu entre Outubro de 2018, data em que começaram a revelar-se os primeiros defeitos originados pela realização de obras no imóvel, que a Autora tem vindo a sentir-se totalmente desgastada com esta situação.
135. Antes de mais, pelo desapontamento que viveu ao ver frustrado o seu sonho em comprar finalmente uma casa própria e aí residir em normais condições e em paz.
136. Também pelo facto de ter-se sentido enganada pelos Réus, pessoas que considerava amigas e por quem tinha uma grande consideração e um enorme respeito.
137. Acresce ainda o trauma com que a Autora ficou ao pensar que, durante aqueles meses que ainda residiu no imóvel, a sua segurança, a sua integridade física, e mesmo a sua vida se encontrava em perigo iminente!
138. E, sobretudo, pelo facto de ter estado privada de usufruir da sua habitação, desde Maio de 2019 até 15 de Outubro de 2020, isto é, há 17 meses e meio.
139. Ao que acresce a sensação de impotência ao sentir que vive de “favor” em casa da sua amiga.
140. Sendo certo que também esta situação lhe traz um enorme desgaste emocional e uma constante necessidade de privacidade, que não consegue ter.
141. Por todo o descrito, a Autora, desde essa data e até aos dias de hoje, sofre de dificuldade em dormir, em animar-se, em conviver com amigos e familiares, em manter-se equilibrada emocionalmente e sã psicologicamente.
142. Tendo sentido a sua qualidade de vida diminuir significativamente.”
*
IV- FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
1- Nulidades de sentença
Vieram os Apelantes arguir a nulidade de sentença fundada na alínea c), do n.º 1, do artigo 615.º do CPC, argumentando que “existe contradição entre os fundamentos da decisão e a decisão e a mesma é ambígua, ao permitir várias interpretações, o que conduz […] à nulidade da sentença, atento o disposto na alínea c) do mesmo dispositivo legal.”
Decorre do artigo 615.º, n.º 1, do CPC que:
É nula a sentença quando:
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível”.
Relativamente a esta nulidade definida na alínea c) diz-nos António Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe de Sousa (in “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. I, 2ª edição, 2020, Almedina), em anotação ao referido artigo 615.º, o seguinte:
“A nulidade a que se reporta a 1ª parte da alínea c) ocorre quando existe incompatibilidade entre os fundamentos e a decisão, ou seja, em que a fundamentação aponta num sentido que contradiz o resultado final. Situação que, sendo violadora do chamado silogismo judiciário, em que as premissas devem condizer com a conclusão, também não se confunde com um eventual erro de julgamento, que se verifica quando o juiz decide contrariamente aos factos apurados ou contra norma jurídica que lhe impõe uma solução jurídica diferente” (cfr. pág. 763).
E acrescentam os referidos Autores na obra acabada de citar, relativamente à 2ª parte da alínea c), que:
“A decisão judicial é obscura quando contém algum passo cujo sentido seja ininteligível e é ambígua quando alguma passagem se preste a interpretações diferentes” (cfr. pág. 764).
A este respeito decidiu-se no acórdão proferido no STJ em 14/06/2011 no Processo n.º 214/10.5YRLSB.S1 (acessível para consulta in “Sumários”, 2011, pág. 501), o seguinte:
“A nulidade por oposição entre os fundamentos e a decisão, na acepção da existência de uma contradição real entre os fundamentos e a respectiva parte dispositiva, acontece quando os fundamentos referidos pelo juiz conduziriam, necessariamente, a uma decisão de sentido oposto ou, pelo menos, de sentido diferente mas não já quando se verifica uma errada subsunção dos factos à norma jurídica aplicável, nem, tão pouco, quando se verifica uma errada interpretação da mesma, situações essas que configuram antes um erro de julgamento”.
Na mesma linha de orientação (adoptada, aliás, pacificamente noutros arestos do mesmo Tribunal), surgirá já o acórdão proferido pelo STJ de 03/02/2011 no Proc. n.º 1045/04.7TBALQ.L1.S1 (acessível para consulta in www.dgsi.pt), quando refere que:
“A nulidade por contradição entre a fundamentação e a decisão supõe um vicio intrínseco à sua própria lógica, traduzido em a fundamentação em que se apoia não poder suportar o sentido da decisão que vem a ser proferida”.
Revertendo agora ao caso concreto desde logo se constata pela leitura do corpo das alegações e das conclusões recursivas que os Apelantes não lograram concretizar, desse modo elucidando o Tribunal, em que medida é que se verificam os apontados vícios na sentença recorrida de ambiguidade e contradição entre premissas e decisão tomada.
E, na verdade, analisando os fundamentos plasmados na sentença recorrida, não nos apercebemos de ambiguidade nos passos seguidos na fundamentação fáctica e jurídica da sentença recorrida, revelando-se a mesma, em todos eles, compreensível, tal como insusceptível de interpretações dispares, não se descortinando, outrossim, a existência de oposição flagrante entre os ditos fundamentos e a decisão proferida revelando-se o resultado constante do dispositivo da sentença em coerência com os fundamentos que foram relevados pelo Tribunal a quo.
Se o Tribunal a quo decidiu contrariamente aos factos assentes tal configura questão diversa enquadrável num eventual erro de julgamento, mas não como nulidade de sentença, em que não tem cabimento.
Isto dito improcede a arguida nulidade da sentença constante da alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC.
Nas conclusões recursivas os Apelantes suscitam ainda a nulidade da sentença proferida pelo Tribunal a quo com fundamento na alínea e) do n.º 1 do mencionado artigo 615.º do CPC, sustentando que “A Autora formula um pedido de condenação no pagamento de quantia a título de “danos patrimoniais sofridos em consequência directa da actuação ilícita dos Réus”, confundindo responsabilidade contratual com responsabilidade por factos ilícitos, mas ainda assim invoca no artigo 108º da p.i. que a quantia peticionada tem a ver com a “má execução das obras de alteração do imóvel”. Já a douta decisão recorrida condena “os réus a pagarem à autora, no que se vier a liquidar, até ao limite de € 22.144,53 …”. Os réus são absolvidos da “indemnização por outros danos patrimoniais e morais” mas são condenados a pagar “indemnização” (sic). O valor de € 22.144,53 corresponde ao orçamento para as alegadas obras destinadas a obter a eliminação dos defeitos pelo que o objecto da condenação deveria pois ser o valor correspondente às alegadas obras, sendo que, neste caso, deveriam excluir-se as alterações ou tudo o que tivesse a ver com uma forma diferente de executar a obra. Só é possível condenar no pagamento de “indemnização” nos casos previstos nos artigos 908.º e 909.º do Código Civil, o que não se verifica nem vem peticionado.
R) Assim, por força do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea e), in fine, do Código de Processo Civil, a sentença é nula por condenar em objecto diverso do pedido.”
Vejamos se lhes assiste razão:
Resulta do artigo 615.º, n.º 1, do CPC que:
É nula a sentença quando:
[ …]
e ) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido”.
No que tange a esta nulidade prevista na alínea dizem-nos José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre (“Código de Processo Civil Anotado“, Vol. 2º, Almedina, 4ª edição, 2019) , o seguinte:
“É também nula a sentença que, violando o princípio do dispositivo na vertente relativa à conformação objetiva da instância […] não observe os limites impostos pelo art. 609-1, condenando ou absolvendo em quantidade superior ao pedido ou em objeto diverso do pedido” (cfr. pág. 737).
Decorre do artigo 609.º do CPC, que:
1. A sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objecto diverso do que se pedir.
2. Se não houver elementos para fixar o objeto ou a quantidade, o tribunal condena no que vier a ser liquidado, sem prejuízo de condenação imediata na parte que já seja líquida […]”.
Com o devido respeito, carecem os Recorrentes de fundamento para invocar esta nulidade.
A Apelada formula no final da petição inicial contra os Apelantes um pedido de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais que entende ter sofrido que liquida em € 41.520,65, acrescido de juros à taxa legal de 4% contabilizados desde a data da citação e até efectivo e integral pagamento.
Na sentença os Apelantes foram condenados a “pagarem indemnização à autora, no que se vier a liquidar, até ao limite de € 22.144,53, acrescido de juros de mora contados à taxa legal, desde a citação até efectivo e integral pagamento, absolvendo-se do demais peticionado”.
Note-se que o montante de € 22.144,53 integra-se no valor total pedido pela Autora / Apelada a título indemnizatório por danos patrimoniais e não patrimoniais de € 41.520,65, correspondendo aquele montante, em concreto, à reparação dos danos patrimoniais parcelares identificados no orçamento, que terá sido liquidado pela Autora, mencionado no artigo 118º da petição inicial.
Se subsiste, ou não, fundamento para responsabilizar nesta causa os Apelantes pelo pagamento à Apelada desse montante relativo à reparação de danos produzidos a esta última constitui já questão que se integra no âmbito do julgamento de mérito da causa e de um possível erro de julgamento.
Certo é que a condenação não extravasou o montante global pedido na petição inicial, nem respeitou a objecto diverso do peticionado.
De resto, sempre se acrescentará que “mesmo em casos em que o autor tenha quantificado a sua pretensão, a ação pode culminar com uma sentença de teor genérico ou ilíquido desde que, sendo apurada a existência do direito e da correspondente obrigação, os elementos de facto se revelem insuficientes para a quantificação, mesmo com recurso à equidade”, já que “[…] uma sentença de condenação ilíquida pressupõe a demonstração de que existe um direito que apenas carece de concretização suscetível de ser conseguida ainda através do subsequente incidente de liquidação” (Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe de Sousa, obra acima citada, pág. 755).
Do exposto, resulta improcedente a arguida nulidade de sentença fundada em suposta condenação em objeto diverso do pedido.

2- Modificação da decisão relativa à matéria de facto
Os Apelantes pretendem que se proceda a alterações à matéria de facto considerada como provada na sentença recorrida.
Começa por requerer a exclusão do sub-segmento dos factos considerados como provados constantes da decisão recorrida, sustentando que contêm apenas matéria “genérica e/ou conclusiva”, os pontos de facto decorrentes da petição inicial que possuem o seguinte conteúdo:
“74. Torna-se assim evidente que os danos que se começaram a revelar no imóvel pouco tempo depois de a Autora aí passar a residir se deveram exclusivamente à conduta dos Réus, que fizeram e mandaram fazer as obras na moradia de forma descuidada”.
“115. Também quanto à deficiente instalação eléctrica, o electricista identificou várias irregularidades que tiveram de ser corrigidas”.
“116. A Autora viu-se obrigada a pedir orçamentos para reparação e também a proceder desde logo a algumas reparações, que tem pago do seu próprio bolso”.
“123. Acresce que ao ter celebrado contrato de fornecimento de água para o imóvel onde iria residir, a Autora teve de pagar o valor mensal do contrato de fornecimento de água, pelo que a Autora despendeu a quantia de € 154,14”.
“125. De igual modo, aquando da aquisição do imóvel, a Autora celebrou contrato de fornecimento de electricidade para o imóvel onde iria residir, pelo que a Autora teve de pagar o valor mensal do contrato de fornecimento de electricidade, tendo despendido o valor de € 215,23”.
“126. E de igual modo, havia celebrado contrato de fornecimento com a MEO, para o fornecimento de serviços de televisão, pelo que, desde Junho de 2019 até à data em que decidiu fazer cessar o contrato, o que se verificou em Janeiro de 2020, teve de pagar a quantia global de € 435,79”.
Concordamos com os Apelantes apenas e só no tocante ao que ficou descrito sob a numeração “74”, pois, na verdade, o que ficou exposto mais não espelha que um juízo conclusivo e enunciativo sobre factos concretos e naturalísticos que podem, ou não, resultar do elenco da demais factualidade discriminada no sub-segmento dos factos considerados como provados na sentença recorrida.
No tocante aos demais pontos de facto entendemos não assistir razão aos Apelantes na medida em que, de forma mais ou menos concreta, descrevem a verificação de factos naturalísticos.
Procede, assim, parcialmente, esta questão devendo considerar-se como não escrito o ponto que ficou identificado como “74” do elenco dos factos considerados na sentença recorrida como provados.
Ainda em sede de matéria de facto sustentam os Apelantes existir contradição entre factos considerados como provados na sentença recorrida, designadamente entre o facto identificado como “21” da “Petição” e os factos identificados como “13”, “32” e “37”, da contestação, cujo teor é o seguinte:
“21. Nessa medida, o Réu (…) enviou ao local um funcionário que analisou os defeitos invocados, sem ter procedido aos arranjos solicitados”.
“13º Os Réus celebraram com “(…) – Unipessoal, Lda.” contrato de empreitada, mediante o qual esta empresa realizaria os seguintes trabalhos: arrancar todo o telhado, reforçar a estrutura do telhado, colocar onduline no telhado, substituir telhas canudo partidas, derrubar parede que divide sala e cozinha, substituir porta e janela da sala, arrancar reboco interior, refazer todo o reboco interior, fazer tecto falso em pladur, fazer toda a instalação eléctrica, colocar porta interior no quarto, colocar porta de quarto de correr de acesso ao quintal, colocar porta de casa de banho, colocar pavimento no quintal, fazer casa de banho com poliban, sanita e lava mãos, fazer toda a canalização hidráulica e esgoto, assentar pavimento em toda a casa, assentar móvel de cozinha, fazer impermeabilização na placa da casa de banho exterior, pintura exterior e interior (doc. 3)”.
“32º Desde então, a Autora passou a ter acesso ao imóvel, a contactar a empreiteira, a acompanhar o decurso das obras e a solicitar directamente à empreiteira alterações”.
“37º A Autora sabia que obras estavam a decorrer, acompanhando-as regularmente e obtendo da empreiteira e dos seus funcionários esclarecimentos sobre as mesmas”.
Nos termos do disposto na alínea c) do n.º 2 do artigo 662.º do CPC, a existência de contradição entre pontos de facto tidos como demonstrados numa decisão judicial constitui fundamento para anulação da decisão proferida na primeira instância, designadamente se o processo não contiver todos os elementos, incluindo meios probatórios, que permitam ao Tribunal de recurso alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto.
Por outro lado, respostas factuais contraditórias são respostas que se oponham flagrantemente entre si.
Fornecendo um exemplo simples e facilmente apreensível corresponde a considerar-se demonstrado que em determinado dia, hora e local A conversou e outorgou determinado contrato com B e simultaneamente provado que no mesmo dia, hora e local A conversou com B, não tendo celebrado com ele qualquer contrato.
Ora da leitura concatenada dos pontos de facto salientados pelos Apelantes não vislumbramos que haja oposição flagrante entre o teor do ponto “21” da “Petição” e os pontos “13”, “32” e “37” da “Contestação”.
Se os Apelantes entendiam que o facto contido no ponto “21” da “Petição”, incluído no sub-segmento dos factos considerados como provados na sentença recorrida, deveria ser retirado/excluído daquele deveriam tê-lo impugnado cumprindo do mesmo passo os ônus primário e secundário prevenidos nas alíneas a) a c) do n.º 1 e na alínea a) do n.º 2, ambos do artigo 640.º do CPC. o que manifestamente não fizeram, nem no corpo das alegações, nem nas conclusões do recurso, relativamente ao prevenido nas alíneas b) e c) do n.º 1 e na alínea a) do n.º 2 do normativo acabado de identificar.
Improcede, em consequência, a questão da alegada contradição entre pontos de facto contidos nos factos provados descritos na sentença recorrida.
No tocante à pretendida “Modificabilidade da decisão de facto” sustentam ainda os Apelantes que o facto identificado como ponto “26” da “Contestação”, incluído no sub-segmento dos factos considerados como provados na sentença recorrida, deveria ter a redacção conferida no dito articulado a esse facto, argumentando que “nenhuma reserva ou restrição foi feita em sede de fundamentação”.
Na contestação dos Apelantes o facto incluído no artigo 26º tem o seguinte teor:
“Tendo em vista a realização de tais obras e dar ao prédio condições de habitabilidade, de modo a poder ser arrendado, celebraram com “(…) – Unipessoal, Lda.” o contrato de empreitada referido no artigo 13º”.
Por seu turno, o ponto de facto incluído no sub-segmento dos factos considerados como provados como “26” da “Contestação”, tem o seguinte conteúdo:
26º Tendo em vista a realização de tais obras e dar ao prédio condições de habitabilidade, de modo a poder ser transacionado, celebraram com “(…) – Unipessoal, Lda.” contrato de empreitada (doc. 4).
Espreitando o segmento da sentença recorrida atinente à motivação / convicção do julgador constatamos ter ficado registado o seguinte:
No julgamento dos factos provados vertidos sob os artigos 13º, 20º, 21º, 22º, 24º a 29º, 32º, 33º, 34º, 37º e 40º da contestação levou-se em consideração os documentos juntos com esse articulado que são duas cartas remetidas pela autora reclamando defeitos, um orçamento de “(…), Unipessoal, Lda.”, um Título de Compra e Venda Mútuo com Hipoteca de 15-12-2017, Informação da Divisão de Administração Urbanística da Câmara Municipal de Beja (454.2017 DAU/SAP).
Concluímos, assim, que, bem ou mal julgado, é certo que o facto contido no artigo 26º da Contestação dos ora Apelantes foi abrangido pela indicação dos meios probatórios mencionados no excerto supra transcrito, não sendo, como tal, exacto afirmar que “nenhuma reserva ou restrição foi feita em sede de fundamentação”.
Assim, se os Apelantes pretendiam uma alteração, ainda que pontual, na redacção do dito facto assistia-lhes impugnar devidamente o mesmo cumprindo o ónus primário e secundário prevenido na alínea b) do n.º 1 e na alínea a) do n.º 2, ambos do artigo 640.º do CPC, o que manifestamente não fizeram, nem no corpo das alegações, nem nas conclusões do recurso.
Do exposto, resulta improceder, também, a pretendida modificação da redacção do facto contido no sub-segmento dos factos considerados como provados na sentença recorrida identificado como “26” da “Contestação”.
Dito isto e com excepção do ponto identificado como “74” da “Petição” no sub-segmento dos factos considerados como provados na sentença recorrida, que consideramos supra como não escrito, mantem-se incólume a decisão atinente à matéria de facto provada e não provada discriminada na sentença recorrida.

3. Reapreciação de mérito.
a) Excepção de caducidade do direito de acção.
Sustentam os Apelantes que o caso vertente revela um contrato de compra e venda entre particulares, não estando em causa uma relação de consumo, pelo que deve aplicar-se o prazo de 6 meses previsto no artigo 917.º do Código Civil, dentro do qual a acção teria que ser intentada na sequência da denúncia feita por defeitos, acrescentando que atendendo às datas de 5 de Setembro de 2019 e 25 de Novembro de 2019, mesmo considerando a legal suspensão dos prazos de caducidade devidos à disseminação do vírus SARS-COV 2, à data da propositura da acção, ou seja em 02 de Dezembro de 2020, já havia decorrido o prazo de caducidade de seis meses, o que implica a absolvição dos ora Apelantes de todos os pedidos dirigidos contra si.
Vejamos o que ficou expresso na sentença recorrida a propósito desta questão:
“Em face da factualidade provada pode concluir-se que autora e réus celebraram contrato de compra e venda, que teve por objecto mediato bem imóvel, entregue à autora e cujo preço foi pago, nos termos dos artigos 874.º e 879.º do Código Civil.
Através de carta, de 5 de Setembro de 2019, subscrita pela Dra. (…), foram invocados “defeitos do imóvel” e interpelados os Réus para, em 8 dias, liquidarem a quantia de € 22.144,53. Através de carta, de 25 de Novembro de 2019, subscrita pela Dra. (…) e sob a epígrafe “Interpelação – Denúncia de defeitos no imóvel sito na Rua do (…), n.º 5, em Beja”, foram os Réus interpelados “para se pronunciarem sobre a resolução extra judicial deste assunto, procedendo à reparação de todos os defeitos que o imóvel apresenta, ou liquidando o valor necessário à sua reparação, no prazo de 8 dias. Refere-se na mesma carta que “caso não exista qualquer comunicação … presumiremos que declinam qualquer resolução amigável, pelo que avançarei, sem qualquer outra interpelação para a via judicial”.
O regime jurídico aplicável à venda de coisas defeituosas prevê a possibilidade de o comprador de coisa defeituosa pedir a anulação do contrato por erro ou dolo, a redução do preço ou exigir do vendedor a reparação da coisa – artigos 913.º e 914.º do Código Civil.
Estes direitos do comprador estão sujeitos a prazos de caducidade, quer em termos de denúncia dos defeitos, quer para a propositura da acção – artigo 298.º, n.º 2, do Código Civil. A denúncia dos defeitos, no caso da coisa vendida ser um imóvel, deve ser feita até um ano depois de ser conhecido o defeito e no prazo máximo de cinco anos após a entrega do imóvel – artigo 916.º, n.º 3, do Código Civil. Quanto à propositura da acção, estando em causa um contrato de compra e venda de imóvel, em que o vendedor o construiu, modificou ou reparou, são aplicáveis as regras da empreitada – artigos 916.º, n.º 3 e 1225.º, n.º 4, do Código Civil.
Por força de tais normativos legais, a acção deve ser proposta no ano seguinte à denúncia – artigo 1225.º, n.ºs 2 e 3, do Código Civil.
A Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, alterada pela Lei n.º 4-A/2020, de 6 de abril, decretou a suspensão da maior parte dos prazos processuais, até à cessação da situação excecional de prevenção, contenção, mitigação e tratamento da infeção epidemiológica por SARS-CoV-2 e da doença COVID-19.
Assim, nos termos do n.º 3 do artigo 7.º desta Lei: 1 - Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, aos atos processuais e procedimentais que devam ser praticados no âmbito dos processos e procedimentos, que corram termos nos tribunais judiciais, tribunais administrativos e fiscais, Tribunal Constitucional, Tribunal de Contas e demais órgãos jurisdicionais, tribunais arbitrais, Ministério Público, julgados de paz, entidades de resolução alternativa de litígios e órgãos de execução fiscal, aplica-se o regime das férias judiciais até à cessação da situação excecional de prevenção, contenção, mitigação e tratamento da infeção epidemiológica por SARS-CoV-2 e da doença COVID-19, conforme determinada pela autoridade nacional de saúde pública. 2 - O regime previsto no presente artigo cessa em data a definir por decreto-lei, no qual se declara o termo da situação excecional. 3 - A situação excecional constitui igualmente causa de suspensão dos prazos de prescrição e de caducidade relativos a todos os tipos de processos e procedimentos. 4 - O disposto no número anterior prevalece sobre quaisquer regimes que estabeleçam prazos máximos imperativos de prescrição ou caducidade, sendo os mesmos alargados pelo período de tempo em que vigorar a situação excecional.
O que significa que, por determinação legal, o prazo de caducidade em curso, e que decorria, esteve suspenso no período compreendido entre 09 de Março de 2020 até 03 de Junho de 2020, data em que entrou em vigor a Lei n.º 16/2020, de 29.05, que veio dar por finda a suspensão dos prazos judiciais e administrativos e veio regular a realização presencial ou através de meios de comunicação à distância de diligências judiciais ou procedimentais, alterando o regime que havia sido fixado pelo artigo 7.º da Lei 1-A/2020, de 19.03, alterada pela Lei 4-A/2020, de 06.04 (legislação excecional COVID-19).
Acresce que a Lei n.º 16/2020, de 29/05, que introduziu alterações à Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março, com entrada em vigor em 03 de Junho, veio ainda determinar que: Artigo 6.º Sem prejuízo do disposto no artigo 5.º, os prazos de prescrição e caducidade que deixem de estar suspensos por força das alterações introduzidas pela presente lei são alargados pelo período de tempo em que vigorou a sua suspensão.
Significando que o prazo de caducidade, invocado pelos Réus foi alargado pelo período de tempo em que vigorou a suspensão dos prazos, pelo que em 02 de Dezembro de 2020 (data da propositura desta acção) não havia caducado o direito de ação da Autora.
Assim, improcede a referida exceção peremptória de caducidade.”
Apesar de não se referir em sede de qualificação jurídica a tais normativos resulta da factualidade alegada pela Apelada e que resultou demonstrada na sentença recorrida ter esta última pretendido demandar os Apelantes na presente causa com base em compra e venda de coisa (imóvel), defeituosa sendo, como tal, de levar em linha de conta o regime jurídico previsto no artigo 913.º a 922.º do Código Civil.
Conforme também decorre amplamente demonstrado factualmente na sentença recorrida o imóvel vendido pelos Apelantes à Apelada foi previamente à celebração da escritura de compra e venda outorgada entre as Partes, concretizada a 06/06/2018, objecto de obras de recuperação, restauro e reabilitação que se desenrolaram no âmbito de um contrato de empreitada outorgado entre os Apelantes e uma firma denominada “(…) – Unipessoal, Lda.”, estando, outrossim, provado que o dito imóvel seria vendido pelos Apelantes à Apelada já com todas as obras de restauro e reabilitação finalizadas e em perfeitas condições de habitabilidade, para uma utilização segura e adequada em condições normais.
Defendem os Apelantes que na data da propositura da presente causa em juízo, (02/12/2020), já havia decorrido por inteiro o prazo de caducidade para interposição de acção por parte da Apelada, por ter corrido prazo superior a seis meses entre o momento em que a Apelada denunciou os defeitos e a data da propositura da acção em juízo.
Escudaram-se na previsão do artigo 917.º do Código Civil, que invocaram expressamente, deixando claro não ser aplicável ao caso o prazo previsto no regime da empreitada no n.º 4 do artigo 1225.º do Código Civil.
Na sentença recorrida considerou-se aplicável à acção indemnizatória em apreço o prazo de um ano contado desde a denúncia dos defeitos previsto no regime do contrato de empreitada designadamente na 2.ª parte do n.º 2, por força do n.º 4, ambos do artigo 1225.º do Código Civil.
Relembremos a previsão desse artigo:
1. Sem prejuízo do disposto nos artigos 1219.º e seguintes, se a empreitada tiver por objeto a construção, modificação, ou reparação de edifícios ou outros imóveis destinados por sua natureza a longa duração e, no decurso de cinco anos a contar da entrega, ou no decurso do prazo de garantia convencionado, a obra, por vício do solo ou da construção, modificação ou reparação, ou por erros na execução dos trabalhos, ruir total ou parcialmente, ou apresentar defeitos, o empreiteiro é responsável pelo prejuízo causado ao dono da obra ou a terceiro adquirente.
2. A denúncia em qualquer dos casos, deve ser feita dentro do prazo de um ano e a indemnização deve ser pedida no ano seguinte á denúncia.
3. Os prazos previstos no número anterior são igualmente aplicáveis ao direito à eliminação dos defeitos previstos no artigo 1221.º.
4. O disposto nos números anteriores é aplicável ao vendedor de imóvel que o tenha construído, modificado ou reparado”.
Vejamos, então:
Está em causa aferir se a acção em apreço foi, ou não, interposta em juízo tempestivamente por parte da Apelada contra os Apelantes, sendo certo que para se concluir num ou noutro sentido afigura-se essencial atender a dois prazos, qual seja o prazo para denunciar defeitos e o subsequente prazo para accionar o vendedor.
Da leitura da matéria de facto considerada como provada, em face da norma prevista no artigo 916.º, n.º 3, do Código Civil, temos de concordar com a sentença recorrida de que a denúncia de defeitos foi efectuada tempestivamente pela ora Apelada, questão que, de resto, não se mostra controvertida entre as Partes.
Porém, no tocante ao prazo para interposição em juízo da presente acção, será que a norma contida no n.º 4 do artigo 1225.º do Código Civil se mostra aplicável ao caso vertente?
A interpretação da referida norma levanta algumas dificuldades.
No fundo, tudo se resume a saber se os Apelantes podem ser considerados como vendedores de imóvel que restauraram/recuperaram resultando da matéria de facto provada serem os mesmos donos da obra de recuperação efectuada no aludido imóvel transaccionado, por terem outorgado um contrato de empreitada com uma firma para execução das obras realizadas.
Na sentença recorrida concluiu-se desde logo estar em causa “um contrato de compra e venda de imóvel, em que o vendedor o construiu, modificou ou reparou”, mostrando-se assim “aplicáveis as regras da empreitada – artigos 916.º, n.º 3 e 1225.º, n.º 4, do Código Civil”.
Porém, acompanhando a jurisprudência que se nos afigura amplamente dominante a este propósito emanada do Supremo Tribunal de Justiça, será de entender que não assiste razão ao Tribunal recorrido, mas sim aos Apelantes.
Com efeito, decorre do aresto do STJ de 05/05/2015, exarado no Proc. n.º 346/07 (pub. in “Sumários”, Maio/2015, pág. 13), que:
“O regime do n.º 4 do artigo 1225.º do Código Civil não é aplicável ao dono da obra que vendeu um imóvel destinado por sua natureza a longa duração, construído por outrem, no âmbito de uma relação jurídica consubstanciada num contrato de empreitada, pois ele não é “o vendedor do imóvel que o tenha construído, modificado ou reparado”.
Em acórdão de 11/04/2013 o STJ decidira já no âmbito do Proc. n.º 5446/10 (pub. in “Sumários”, 2013, pág. 244), conforme se extrai do respectivo sumário, que:
“É de excluir a aplicação deste n.º 4 do artigo 1225.º às situações em que o vendedor nada construiu ou alterou do prédio, pelo que não é materialmente ‘construtor’, sendo mero dono da obra”.
No mesmo sentido se pronunciara uns anos antes o aresto do mesmo Tribunal Superior de 22/06/2005 no Proc. n.º 05A1735 (acessível in www.dgsi.pt), afirmando então, que “[…] o ora recorrente é, em termos jurídicos, o dono da obra” que vendeu (ou antes alienou através de um contrato de permuta), um imóvel destinado por sua natureza a longa duração, construído pelo Co-Réu D, no âmbito de uma relação jurídica consubstanciada num contrato de empreitada e não “o vendedor do imóvel que o tenha construído, modificado ou reparado”.
Do mesmo passo no Acórdão do STJ de 13/05/2014 exarado no Proc. n.º 2576/10.5TBTVD.S1 (acessível para consulta in www.dgsi.pt), ficou decidido que:
“O regime de responsabilidade perante adquirente de edifício reconstruído, pelos defeitos resultantes de vícios de construção, previsto no artigo 1225.º, n.º 4, do Código Civil, é aplicável ao empreiteiro que actua apenas como construtor, ou também como construtor vendedor, bem como ao vendedor que tenha sido o seu construtor – o vendedor que teve o domínio da construção – apesar de inexistir empreitada.”
Seguindo tal linha orientadora também se pronunciara já o aresto do STJ de 05/03/2013 exarado no Proc. n.º 3298/05.4TVLSB.L1.S1 (pub. in “Sumários”, 2013, pág. 182 e acessível in www.dgsi.pt), de que respigamos o seguinte do respectivo sumário:
“Para os efeitos do n.º 4 do artigo 1225.º do Código Civil, considera-se construtor o vendedor do imóvel que, no âmbito da sua profissão, teve o domínio da respectiva construção”.
De resto e para efeitos de integração do conceito de vendedor construtor ficou ainda expresso neste último aresto que “o conceito de construtor que é utilizado no n.º 4 do artigo 1225.º do Código Civil é um conceito lato, que tanto abrange o construtor directo como aquele que, profissionalmente, constrói directamente ou mediante contratos com terceiros para vender a adquirentes/consumidores, entendidos no sentido do artigo 2.º da Lei n.º 24/96, de 31 de Julho (Lei de defesa dos consumidores).”
Da mesma forma, em aresto de 14/01/2014 proferido no Proc. n.º 378/07.5TBLNH.L1.S1 (pub. in “Sumários”, 2014, pág. 16 e acessível em www.dgsi.pt), o STJ decidiu que “o conceito de vendedor/construtor não deve ser interpretado num contexto puramente literal, relevando, não tanto o desenvolvimento material da actividade de construção, mas sim o domínio profissional da construção do imóvel.”
Feita esta resenha jurisprudencial podemos concluir que ficam fora da previsão de aplicação do n.º 4 do artigo 1225.º do Código Civil seguramente todos os casos em que o vendedor do imóvel além de não ter executado materialmente actos de construção, modificação, reparação, ou recuperação, em imóvel que transacionou, tão pouco deteve profissionalmente o domínio ou gestão directa dos aludidos actos.
Dito isto e considerando que se encontra provado nos autos que entre os Apelantes e a firma “(…) – Unipessoal, Lda.” foi outorgado um contrato de empreitada com vista à execução por parte desta última, enquanto empreiteira, de obras de recuperação e restauro num imóvel de que os primeiros eram donos a fim de conferir-lhe condições de habitabilidade por forma a poder ser transacionado com terceiro, como veio a suceder, assumindo, desse modo, os Apelantes a posição jurídica de donos da obra, mostra-se aplicável ao dito contrato o regime normativo previsto nos artigos 1207.º e seguintes do Código Civil, de que resulta que aos Apelantes apenas assistia o poder de fiscalização das obras acordadas com a firma acima identificada sem perturbar “o andamento ordinário da empreitada” (artigo 1209.º do Código Civil) e competindo à “(…) – Unipessoal, Lda.”, de resto como ficou expressamente acordado no contrato de empreitada formalizado no “Doc. 3” junto com a contestação, o desenvolvimento da execução da sua actividade com autonomia devendo providenciar pelo fornecimento de materiais e utensílios, além da mão-de-obra necessária (artigo 1210.º do Código Civil).
Importa, ainda, salientar o que ficou provado na sentença recorrida, designadamente sob os pontos “32” a “34”, “37” e “40” da “Contestação”, de tal podendo retirar-se que a Apelada passou logo a partir de Dezembro de 2017 a acompanhar directa e pessoalmente o desenrolar das obras a efectuar no imóvel que adquiriu aos Apelantes, acedendo ao mesmo, solicitando directamente alterações à firma empreiteira, adquirindo materiais para incorporação no imóvel no âmbito das obras a executar e obtendo esclarecimentos sobre o decurso das mesmas junto da empreiteira.
Do exposto, terá que se concluir necessariamente, ao invés do que fez o Tribunal recorrido na sentença recorrida, não se mostrar aplicável no caso vertente o disposto no n.º 4 do artigo 1225.º do Código Civil, o que afasta a aplicabilidade do prazo de um ano, contado da data da denúncia de defeitos, para interposição de acção indemnizatória, bem como para o exercício do direito à eliminação dos defeitos previstos no artigo 1221.º do Código Civil , situações essas previstas nos nºs 2 e 3, respectivamente do artigo 1225.º do Código Civil.
Aqui chegados deveremos então considerar aplicável ao caso vertente o regime previsto no artigo 917.º do Código Civil, conforme sustentam no seu recurso os Apelantes?
Relembremos o conteúdo dessa norma epigrafada “Caducidade da ação”.
A ação de anulação por simples erro caduca findo qualquer dos prazos fixados no artigo anterior sem o comprador ter feito a denúncia, ou decorridos sobre esta seis meses, sem prejuízo, neste último caso, do disposto no n.º 2 do artigo 287.º”.
Da leitura da matéria de facto considerada como provada na sentença resulta ter a Apelada denunciado os defeitos dentro do quadro normativo constante do n.º 3 do artigo 916.º do Código Civil, o que de resto nem sequer está em discussão neste recurso.
Assim sendo, a considerar-se aplicável ao caso vertente o regime do artigo 917.º do Código Civil, a presente acção terá sido interposta tempestivamente desde que a Apelada o tenha feito dentro do prazo de seis meses contados da data da denúncia dos defeitos aos vendedores, ou seja aos Apelantes.
Resulta do acórdão proferido no STJ em 05/03/2023, no proc. n.º 3298/05, de resto já acima salientado, que “O prazo de seis meses, previsto na letra do artigo 917.º do Código Civil para a propositura da acção de anulação com fundamento em erro, vale também (por interpretação extensiva), para a propositura da acção de condenação do vendedor na eliminação dos defeitos do imóvel vendido, para a qual a lei não prevê expressamente qualquer prazo.”
Por seu turno, decidiu-se no aresto da Relação do Porto de 19/05/2010, proferido no proc. n.º 139/08.4TBVCD.P1 (acessível in www.dgsi.pt), que “A aplicação do prazo de caducidade de seis meses para a propositura da acção, referenciado no artigo 917.º do Código Civil, a todas as acções aludidas nos artigo 913.º e segts., para lá da acção de anulação que o normativo expressamente prevê, é a única solução congruente com o sistema, ainda que apenas se possa invocar a interpretação extensiva da norma”.
Concordamos com a interpretação abraçada nos arestos acabados de mencionar, pelo que julgamos aplicável ao caso vertente o prazo de caducidade de seis meses previsto no artigo 917.º do Código Civil.
Resta, pois, aferir, partindo da matéria de facto considerada como provada na sentença recorrida e aplicando à mesma as normas que se revelem pertinentes, se na data em que a presente acção foi interposta já havia caducado, ou não, o direito para interpor a acção indemnizatória proposta.
O raciocínio efectuado na sentença recorrida relativamente ao modo de contagem do prazo de caducidade, à excepção da concreta duração do prazo a contabilizar, mostra-se acertado, ou seja o prazo iniciado após a comunicação da denúncia dos defeitos aos Apelantes considerou-se suspenso entre o dia 09/03/2020 e o dia 03/06/2020, impondo-se, por conseguinte, acrescentar a partir da data em que se completaram os seis meses o período temporal de suspensão que mediou entre 09/03/2020 e 03/06/2020.
Dito isto e considerando as regras relativas à contagem de prazos decorrentes dos artigos 296.º e 279.º, alíneas b) e c), sem olvidar a regra prevista no artigo 328.º, todos do Código Civil, percebemos que o prazo de caducidade de seis meses para interposição da presente acção se iniciou em 26/11/2019 tendo terminado a 26/05/2020, havendo que alargar o mesmo a partir desta última data por mais oitenta e seis dias, ou seja até ao dia 20/08/2020, data esta em que operou a caducidade do direito da Apelada para interpor a presente acção contra os Apelantes.
Ora, tendo a acção sido interposta apenas no dia 02/12/2020 conclui-se necessariamente que nessa data já caducara o direito de acção da Apelada.
A caducidade consubstancia excepção peremptória que impede o efeito jurídico dos factos articulados pela Apelada conduzindo necessariamente à absolvição dos Apelantes dos pedidos indemnizatórios contra eles dirigidos, de acordo com o disposto no artigo 576.º, n.º 3, do Código de Processo Civil.
Do mesmo passo mostra-se prejudicada a apreciação das restantes questões objecto do recurso, ao abrigo do disposto no artigo 608.º, n.º 2, ex vi do artigo 663.º, n.º 2, parte final, ambos do Código de Processo Civil.
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V- Decisão
Termos em que, face a todo o exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar procedente o recurso interposto por (…) e (…) e, em consequência disso, decidir o seguinte:
1 - Revogar a sentença recorrida;
2 - Julgar procedente a excepção de caducidade do direito de acção invocada pelos Apelantes, absolvendo, em consequência, os mesmos de todos os pedidos contra si formulados na acção pela Apelada;
2 - Condenar em custas a Apelada (artigo 527.º, nºs 1 e 2, do CPC).
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Évora, 23/05/2024
José António Moita (Relator)
Maria José Cortes (1ª Adjunta)
Manuel Bargado (2º Adjunto)