Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | ELISABETE VALENTE | ||
Descritores: | CITAÇÃO EDITAL SECRETARIA JUDICIAL PRINCÍPIO DA INVESTIGAÇÃO | ||
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Data do Acordão: | 04/07/2022 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Sumário: | O novo sistema de citação implementou a regra da oficiosidade das diligências do ato de citação, previsto nos artigos 226.º e 562.º do atual Código de Processo Civil, devendo a secretaria promover oficiosamente as diligências necessárias à citação. (Sumário da Relatora) | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam os juízes da secção cível do Tribunal da Relação de Évora: 1 – Relatório. (…) e (…) vieram instaurar a presente acção de Divisão de Coisa Comum contra (…), (…), (…), (…) e (…), pedindo o reconhecimento da indivisibilidade da coisa pela sua natureza. Em 4.03. 2019 o Autor (…) veio requerer que a citação do Réu (…) fosse realizada e dirigida aos procuradores ou em alternativa por edital – fls. 82-Vº. Em 23/11/2020 foi proferido o seguinte despacho: «Verificando-se que, após insistências, não se logrou a citação de (…), notifique os autores para que requeiram o que tiverem por conveniente, aguardando os autos em conformidade, sem prejuízo do disposto no artigo 281.º, n.º 1, do Código de Processo Civil». O referido despacho foi notificado aos autores via citius em 24/11/2020 (ref.ª 31443608). Por requerimento datado de 27/10/2021, os Autores vêm requerer a citação edital do réu. Em 2/11/2021 foi proferido o seguinte despacho: «(…) Nos termos do disposto no artigo 281.º, n.º 1, do CPC, a instância considera-se deserta quando, por negligência das partes, o processo se encontre a aguardar impulso processual há mais de seis meses. Ora, é essa precisamente a situação dos presentes autos. Com efeito, os autores, apesar de terem sido notificados, em 27/11/2020, de que os autos aguardavam impulso processual, com a expressa advertência das consequências previstas na lei, nada disseram ou requereram nos autos durante 11 meses, pelo que forçoso se torna concluir que à data da entrada do requerimento datado de 27/10/2021, a presente instância já se encontrava deserta [mesmo considerando a suspensão de prazo processuais, que vigorou entre 22/01/2021 e 06/04/2021 – cfr. artigos 6.º-C, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, aditado pela Lei n.º 4-B/2021, de 1 de fevereiro e 4.º da Lei n.º 4-B/2021, de 01 de fevereiro, 6.º e 7.º da Lei n.º 13-B/2021, de 5 de abril, a 6 de abril de 2021], o que cumpre declarar neste momento. Com efeito, e sem prejuízo de o autor vir agora alegar que «realizou pessoalmente, diligências junto do último paradeiro e residência conhecida do citando em Portugal, junto de conhecidos e locais onde privava, designadamente na Av. da (…), em São Brás de Alportel, com vista a obter informações mais precisas sobre o seu atual paradeiro ou contato.(…) Apenas tendo sido possível confirmar junto de conhecidos que, o paradeiro é desconhecido, mas que há notícias da presença do citando em Portugal. (…) Não tendo, contudo, logrado obter informações do sítio ou morado do seu paradeiro.», a verdade é que tais “justificações” são irrelevantes, pois que não existe qualquer reflexo no processo dessas diligências. De facto, os autores de nada informaram o Tribunal durante esse período de seis meses, justificando a sua inércia ou, v.g., manifestando as dificuldades que só agora, volvidos onze meses, vêm relatar. E é precisamente essa inércia negligente, consubstanciada numa total ausência de requerimentos ou qualquer outra intervenção no processo durante seis meses, que o legislador quis sancionar, julgando extinto o processo que ninguém quis impulsionar durante o período previsto na lei, presumindo juris et de jure um desinteresse pela continuação do processo, que não tem de ser real, nem carece de outra prova. Finalmente, pese embora nas acções declarativas a deserção careça de ser julgada por despacho, afigura-se-nos que este não tem carácter constitutivo da deserção, mas meramente declarativo da verificação dos seus pressupostos, ou seja, da paragem por inércia das partes durante seis meses. Assim, basta que o facto extintivo se tenha verificado para que o Tribunal tenha de declarar a deserção, não podendo já a parte vir impulsionar o prazo posteriormente; tal impulso é ineficaz, porquanto o facto extintivo que o Tribunal tem de julgar verificado, já ocorreu. Destarte, declaro deserta a instância e, em consequência, julgo-a extinta, nos termos do disposto nos artigos 281.º, n.º 1 e 277.º, alínea c), do Código do Processo Civil. Custas pelos autores – artigo 527.º, n.º 1, do Código do Processo Civil. Notifique.» Inconformados os AA. vieram interpor recurso contra a mesma, apresentando as seguintes as conclusões do recurso (transcrição): «a) O presente recurso vem interposto do despacho proferido em 23/11/2020, nos termos do qual: ”…notifique os autores para que requeiram o que tiverem por conveniente, aguardando os autos em conformidade, sem prejuízo do disposto no artigo 281º, n.º 1, do CPC” e, da douta decisão proferida em 02/11/2021, no âmbito do processo melhor supra identificado, nos termos da qual o Tribunal a quo “declaro deserta a instância e, em consequência, julgo-a extinta, nos termos do disposto nos artigos 281.º, n.º 1 e 277.º, alínea c), do Código de Processo Civil”. b) Salvo o devido respeito, quer o douto despacho proferido em 23/11/2020, quer a douta decisão proferida em 02/11/2021, não deveriam ter sido proferidos nos termos em que que o foram. Vejamos. c) Preliminarmente, a presente decisão de extinção por deserção, foi proferida após a apresentação de requerimento por parte do Autor. d) Entre 23/11/2020 e 05/11/2021, o Tribunal “a quo” não ordenou a prática de qualquer ato ou sequer indagou junto das entidades deprecadas sobre o estado da citação, quando sobre a citação prevalecem as regras da oficiosidade. e) Em suma, a decisão sob recurso, que determinou a extinção da presente instância, assenta exclusivamente, em fatos imputáveis aos recorrentes, pelo fato de, entre 27/11/2020 (data da notificação do despacho, melhor identificado no primeiro parágrafo da douta decisão) e 27/10/2021 (data do impulso do autor), terem decorrido mais de seis meses, sendo, portanto, “ineficaz” qualquer impulso realizado após que sejam decorridos seis meses. f) Os presentes autos tiveram o seu início em 03/11/2016, contra os seguintes requeridos: 1) …; 2) …; 3) …; 4) …; 5) …; 6) …; 7) … e 8) …; g) Os requeridos identificados de 1 a 7 foram todos citados “à primeira” pela via postal registada. h) Tendo-se frustrado a citação do (…), conforme comprovativo de carta devolvida, junta aos presentes autos em 17/11/2016. i) Foi ordenada pesquisa à base de dados, tendo sido identificada a morada atual do requerido, na Av. do (…), n.º 86, Lobito, Angola. j) Em 10/01/2017 foi remetida nova citação por carta registada para o Sr. (…), desta feita para a nova morada, a qual veio devolvida em 10/05/2017, conforme decorre dos presentes autos. k) Em 26/06/2017 e 26/02/2018 foram remetidos ofícios ao Consulado de Portugal em Angola, com vista a que os referidos entes procedessem à citação do requerido (…). l) Em 18/04/2018, foi remetido ao Consulado Geral de Portugal em Luanda, novo ofício, com o mesmo propósito, ou seja, citar o requerido (…). m) Em 15/05/2018, foi remetido novo ofício ao Consulado Geral de Portugal em Luanda. n) Em 25/06/2018, foi remetido novo ofício ao Consulado de Portugal em Angola. o) Em 28/09/2018, foi remetido oficio a insistir no cumprimento da citação ao requerido ao Consulado Geral da República de Angola. p) Em 12/10/2018, o Consulado Geral de Portugal em Luanda informou os presentes autos que, o requerido não compareceu à convocatória que lhe dirigiu. q) Por despachos idênticos, respetivamente proferidos em 06/11/2018 e 04/12/2018, foram os recorrentes notificados dos despachos com o seguinte teor: “Aguardem os autos impulso processual por partes dos Requerentes, sem prejuízo do disposto no artigo 281.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.” r) Ora, veja-se que, já por esta ocasião, o Tribunal “a quo” atribuía aos recorrentes, a responsabilidade pelo andamento dos presentes autos, prenunciando-lhe desde aí o desfecho que ora se verificou. s) Em resposta aos despachos datados de 06/11/2018 e 04/12/2018, os recorrentes, por requerimento de 04/03/2019, informou e requereu que a citação fosse dirigida aos procuradores constituídos, pelo réu (…): “…no processo de inventário n.º 4/96 que correu termos junto do 1.º Juízo Cível de Faro do Tribunal Judicial da Comarca de Faro, por óbito do seu pai (…), o qual constituiu como seus procuradores, dois familiares que lhe são próximos – (…), residente no Sítio da (…), 8150 – 030 São Brás de Alportel, e (…), residente no Sítio da (…), 8150 – 030 São Brás de Alportel. Ou, em alternativa:”… por se desconhecer o local e a morada exata onde se encontra a residir e se mostrarem frustradas todas as tentativas de citação que antecedem, requer-se a V. Exa. que se digne mandar ordenar a sua citação edital.” t) Para ao fim de três dias depois, ou seja, em 07/03/2019, o Tribunal “a quo” proferir o seguinte despacho: “Requerimento 1475472: Não se demonstrando nos autos que o Requerido (…) conferiu poderes especiais aos identificados procuradores para receber citações no âmbito de ações judiciais, indefere-se a citação daquele na pessoa destes. * Considerando que o Requerido (…) possui uma morada conhecida nos autos, pese embora em Angola, não é admissível a sua citação edital, termos em que por ora se indefere também nesta parte o requerimento em apreço. * Cite-se o Requerido (…) na morada conhecida nos autos, por carta rogatória a remeter para as autoridades competentes na República de Angola, nos termos previstos no Acordo de Cooperação Jurídica e Judiciária entre a República Portuguesa e a República de Angola (Resolução da Assembleia da República n.º 11/97, publicado no Diário da República I-A, n.º 53, de 04.03.1997). Deverá a carta rogatória mencionar expressamente que a citação do Requerido (…) deverá ser efetuada por contacto pessoal (cfr. Artigo 6.º, n.º 2, do referido acordo). u) Perante a informação prestada pelos Recorrentes nos termos do requerimento supra transcrito, não se entende que diligências poderá o Tribunal “a quo”, ter praticado em três dias, para concluir que: “Não se demonstrando nos autos que o Requerido (…) conferiu poderes especiais aos identificados procuradores para receber citações no âmbito de ações judiciais, indefere-se a citação daquele na pessoa destes.” v) Determinando o Tribunal a quo, no supra citado despacho que: “…o Requerido (…) possui uma morada conhecida nos autos, pese embora em Angola, não é admissível a sua citação edital” e ainda que: “Cite-se o Requerido (…) na morada conhecida nos autos, por carta rogatória a remeter para as autoridades competentes na República de Angola, nos termos previstos no Acordo de Cooperação Jurídica e Judiciária entre a República Portuguesa e a República de Angola.” w) Pelo que não se entende o alcance e o efeito pretendido com os sucessivos despachos que dirigiu ao Autor em 06/11/2018 e 04/12/2018. x) Posteriormente, em 21/03/2019, foi remetida carta rogatória ao Tribunal da Providencial do Lobito, para que o mesmo promova a citação do Réu (…). y) Em 07/08/2019, 16/10/2019, 13/01/2020, 08/06/2020 e 22/09/2020, foram realizados pedidos de insistência junto do Tribunal do Lobito, sobre o estado da citação requisitada. z) Atento o histórico dos presentes autos, designadamente pela falta de resposta das autoridades competentes, seja do Consulado Geral de Portugal em Angola, seja do Tribunal Providencial do Lobito e tendo o Tribunal a quo determinado, por despacho datado de 07/03/2019, que por: ”…o Requerido (…) possui uma morada conhecida nos autos, pese embora em Angola, não é admissível a sua citação edital”, que mais poderiam os Recorrentes fazer? aa) Os Recorrentes não dispõem de qualquer mecanismo, seja ele processual ou substantivo que fosse suscetível de pôr em “andamento” os presentes autos, não admitindo que, a falta de andamento do processo, decorra de inércia sua. bb) De acordo com o sistema de citação, instituído pela reforma processual de 1995, com expressão nos artigos 234.º e 479.º do Código de Processo Civil então em vigor, implementou a regra da oficiosidade das diligências do ato de citação que transitou para os artigos 226.º e 562.º do atual Código de Processo Civil. cc) Incumbe à secretaria promover oficiosamente, sem necessidade de despacho prévio, as diligências que se mostrem adequadas à efetivação da regular citação pessoal do réu. dd) Ora, atento o teor do douto despacho proferido em 07/03/2019, sendo conhecida por parte do Tribunal a morada do requerido (…), determinado o envio de carta precatória para se proceder à citação do requerido e respetivas insistências junto das identificadas autoridades judiciárias, é por demais evidente que o andamento dos presentes autos não dependem ou aguardam a prática de qualquer ato por parte dos recorrentes. ee) Razão pela qual, não estando a citação em falta do requerido (…), dependente da iniciativa dos Recorrentes, não podia o tribunal “a quo” ordenar que os autos aguardassem nos termos do artigo 281.º do Código de Processo Civil, conforme ordenado por despacho de 24/11/2020 e, agora, considerar os presentes autos extintos por deserção, pelo que deve o referido despacho ser revogado, por não estar em causa a prática de qualquer ato por parte dos Recorrentes que fosse suscetível de influenciar o andamento dos presentes autos. ff) A deserção da instância apenas ocorreu após ter sido apresentado requerimento dos Recorrentes. gg) Os recorrentes impulsionaram o processo, por requerimento de 27/10/2021, antes do despacho (02/11/2021) que declarou deserta a instância. hh) À data em que os recorrentes impulsionaram o processo a relação processual não se mostrava extinta. ii) E enquanto, a instância não for declarada extinta, segundo o professor Alberto dos Reis, “as partes podem dar impulso ao processo, pouco importando que tenha estado parado durante mais de seis anos” (Comentário ao Código de Processo Civil, Volume 3.º, Coimbra Editora, Coimbra, 1946, página 440). jj) Aliás, este mesmo problema é visto pelo mesmo autor, nestes termos: “A deserção não se produz automaticamente, ope legis; depende de ato do juiz, produz-se ope judicis, visto que demanda uma sentença de declaração. Suponhamos então que, tendo passado o lapso de tempo marcado no artigo 296.º, uma das partes dá impulso ao processo antes de o juiz ter declarado a deserção; deverá o tribunal considerar deserta a instância, não obstante o impulso referido, ou ficará, pelo contrário, inutilizado o efeito da inércia durante o período legalmente necessário para se operar a deserção?” “Entendemos que a inércia fica sem efeito e que deve admitir-se o seguimento do processo”, “(…) o efeito da inatividade das partes não se produz ipso iure. A nossa lei não declara, (…) que a deserção opera de direito os seus efeitos; pelo contrario, segundo o artigo 296.º, não basta o fato da inércia, é necessário uma sentença de extinção”. “A deserção não se produz de direito, posto que deva ser declarada oficiosamente; depende de ato do juiz, produz-se ope judicis. A sentença de deserção tem, pois, alcance constitutivo. Enquanto não for proferida, é licito às partes promover utilmente o seguimento do processo” (ob. Cit., a páginas 439-440). kk) Pelo que, não se encontra qualquer arrimo legal, e nem sequer tem sentido, decretar a deserção depois do processo impulsionado pela parte e até mesmo pelo fato da tramitação dos presentes autos não prosseguir por fato que não decorre de negligência sua, nem de ato que dele depende, conforme anteriormente demonstrado. ll) Face ao exposto, a decisão de deserção viola entre outras disposições legais, o artigo 281.º, 7.º, 3.º e 2.º, n.º 1, do Código Processo Civil, bem como o princípio da confiança e do dever de gestão processual, devendo a mesma ser revogada. Nestes termos e nos demais de Direito, que V. Exas. doutamente suprirão, deverá ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência, serem revogados o despacho proferido em 27/11/2020 e a decisão recorrida (02/11/2021) e substituídos por outros que determinem o prosseguimento dos autos. Não houve contra-alegações. Dispensados os vistos legais e nada obstando ao conhecimento do objecto recursivo, cumpre apreciar e decidir. São relevantes para a decisão os factos que constam do relatório. 2 – Objecto dos recursos. Questões a decidir tendo em conta o objecto dos recursos delimitado pelos recorrentes nas conclusões das suas alegações, nos termos do artigo 684.º, n.º 3, do CPC, por ordem lógica e sem prejuízo do conhecimento de questões de conhecimento oficioso: Saber se houve deserção da instância. 3 - Análise do recurso. Vem o presente recurso interposto das decisões de 27/11/2020 que ordenou a notificação dos autores para requererem o que tivessem por conveniente, sem prejuízo do disposto no artigo 281.º, n.º 1, do CPC e da decisão de 02/11/2021 que julgou deserta a instância. Salvo o devido respeito, não ocorreu tal deserção. Vejamos: Nos termos do artigo 281.º Deserção da instância e dos recursos «1 - Sem prejuízo do disposto no n.º 5, considera-se deserta a instância quando, por negligência das partes, o processo se encontre a aguardar impulso processual há mais de seis meses. 2 - O recurso considera-se deserto quando, por negligência do recorrente, esteja a aguardar impulso processual há mais de seis meses. 3 - Tendo surgido algum incidente com efeito suspensivo, a instância ou o recurso consideram-se desertos quando, por negligência das partes, o incidente se encontre a aguardar impulso processual há mais de seis meses. 4 - A deserção é julgada no tribunal onde se verifique a falta, por simples despacho do juiz ou do relator.» Trata-se da extinção da relação jurídico-processual (artigo 277.º, alínea c), do Código de Processo Civil), sem que ocorra pronunciamento sobre o mérito da causa e radica no princípio da autorresponsabilidade das partes, encontrando a sua razão de ser no facto de os processos não podem eternizar-se quando a parte se desinteressa da lide ou negligencia a sua atuação, não promovendo o andamento do processo quando lhe compete fazê-lo. No caso dos autos está em causa a citação. O Decreto-lei n.º 329-A/95, de 12 de dezembro, conferiu, por regra, oficiosidade à citação, dispensando mesmo a intervenção do juiz nas diligências prévias à sua realização. Como refere Lebre de Freitas, Código de Processo Civil anotado, Coimbra, 1999, vol. 1.º, pág. 393, estava até então generalizada a prática de “sempre que era encontrado um obstáculo à citação do réu, se notificar o autor para requerer a diligência seguinte. Apresentado o requerimento, o processo ia concluso ao juiz e só após o despacho deste se seguia nova diligência. Era frequente este jogo de pingue-pongue prolongar-se durante semanas ou meses, até que o tribunal lograsse finalmente, nem que fosse editalmente e por conta do autor, citar o réu”. O novo sistema de citação, implementou a regra da oficiosidade das diligências do ato de citação que actualmente está previsto nos artigos 226.º e 562.º do atual Código de Processo Civil e que é mais adequada ao moderno direito processual civil, “cada vez mais marcado pelo princípio do inquisitório e pelo primado da substância sobre a forma, cumprindo igualmente ao juiz dirigir ativamente o processo e providenciar pelo seu andamento célere, promovendo oficiosamente as diligências necessárias ao normal prosseguimento da ação (artigo 6.º, n.º 1, do Código de Processo Civil), o que leva a que sejam cada vez mais raros os atos que só à parte incumbe praticar e que importam a paragem do processo – Neste sentido, o acórdão do STJ, de 3.5.2018, proc. n.º 217/12.5TNLSB.L1.S1, in www.dgsi.pt e Paulo Ramos de Faria, Artigo O julgamento da deserção da instância declarativa – Breve roteiro jurisprudencial, Revista Julgar on-line, pág. 4. Por regra, passou a incumbir à secretaria promover oficiosamente, sem necessidade de despacho prévio, as diligências que se mostrem adequadas à efetivação da regular citação do réu. Dispõe o artigo 236.º do Código de Processo Civil: «1 - Quando seja impossível a realização da citação, por o citando estar ausente em parte incerta, a secretaria diligencia obter informação sobre o último paradeiro ou residência conhecida junto de quaisquer entidades ou serviços, designadamente, mediante prévio despacho judicial, nas bases de dados dos serviços de identificação civil, da segurança social, da Autoridade Tributária e Aduaneira e do Instituto da Mobilidade e dos Transportes Terrestres e, quando o juiz o considere absolutamente indispensável para decidir da realização da citação edital, junto das autoridades policiais. 2 - Estão obrigados a fornecer prontamente ao tribunal os elementos de que dispuserem sobre a residência, o local de trabalho ou a sede dos citandos quaisquer serviços que tenham averbado tais dados. 3 - O disposto nos números anteriores é aplicável aos casos em que o autor tenha indicado o réu como ausente em parte incerta.» A citação edital pode ser determinada pela incerteza do lugar em que o citando se encontra (artigo 225.º, n.ºs 1 e 6 e artigo 240.º, n.º 1, do Código de Processo Civil). A regra da oficiosidade das diligências de citação não obsta a que, passados 30 dias sem que a citação seja realizada, a secretaria deva informar o autor das diligências efetuadas e dos motivos da não realização do ato (n.º 2 do artigo 226.º). Decorrido 30 dias sobre o termo daquele outro prazo de igual medida, se a citação ainda não estiver efetuada, o processo deve então ir ao juiz, com informação das diligencieis efetuadas e das razões da não realização atempada do ato. Naquele prazo de 30 dias, poderá o autor contribuir no sentido da ultrapassagem dos obstáculos verificados, indicando novos elementos relacionados com o paradeiro do citando ou mesmo solicitando outra modalidade de citação. Mas a lei não lhe impõe o fornecimento desses elementos; apenas concede ao autor a possibilidade de zelar pelo seu interesse, colaborando no processo na obtenção de novos elementos de conteúdo útil para a realização do ato. O autor é também notificado sempre que se detete uma incapacidade de facto do citando (artigo 234.º, n.º 1, do Código de Processo Civil) e é ouvido antes de ser determinada a citação por carta rogatória para o estrangeiro (artigo 239.º, n.º 3, do Código de Processo Civil), mas mesmo nestas situações a sua inércia não significa a paragem do processo; o tribunal deve prosseguir oficiosamente com as diligências necessárias à citação do réu. Assim sendo, era a secretaria que tinha o ónus de avançar para a citação edital ainda que os Autores nada dissessem. Mas acontece que da análise dos autos verifica-se que os Autores tinham já impulsionado os autos ainda em 4.03.2019 quando o Autor (…) veio requerer que a citação do Réu (…) fosse realizada e dirigida aos procuradores ou em alternativa por edital – fls. 82- Vº. para além de o ter feito por requerimento de 27/10/2021. Finalmente, sempre se dirá que, sendo certo que antes da declaração de deserção da instância o juiz não pode deixar de apreciar e valorar o comportamento omissivo dos sujeitos processuais, caberá então perguntar – como fazem os recorrentes – que mais poderiam fazer? atento o histórico dos presentes autos, designadamente a falta de resposta das autoridades competentes, seja do Consulado Geral de Portugal em Angola, seja do Tribunal Providencial do Lobito já que o Tribunal a quo determinou, por despacho datado de 07/03/2019, que por: ”…o Requerido (…) possui uma morada conhecida nos autos, pese embora em Angola, não é admissível a sua citação edital” (?) Sabemos que, antes de julgar deserta a instância, o juiz do processo tem de fazer, ex ante, uma valoração do comportamento das partes por forma a concluir se a falta de impulso resulta, efectivamente, de negligência de alguma delas, ou de ambas, em promover o seu andamento, ou seja, tem de verificar que, na realidade, estão verificados os necessários elementos exigidos pela estatuição da norma para extinguir a instância por deserção e como alertam António Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Pires de Sousa in Código de Processo Civil Anotado-Parte Geral de Processo de Declaração, vol. I, ob. cit., pág. 330 :«…Mais cuidados há que ter na situações em que a identificação, a incidência ou a exigência do impulso processual não sejam evidentes ou quando sejam equívocas as consequências decorrentes da inércia, a justificar um sinal mais solene da existência do ónus e/ou dos efeitos que serão extraídos do seu incumprimento”. Ou seja, não havia razão para decretar a extinção da instância, mas antes o dever oficioso de proceder à citação edital, merecendo assim provimento o recurso. Sumário: (…) 4 – Dispositivo. Pelo exposto, acordam os juízes da secção cível deste Tribunal da Relação em julgar procedente o recurso de apelação interposto, revogando-se a decisão recorrida e ordenando-se o prosseguimento dos autos, com a citação edital. Custas da apelação pelos recorrentes, por não terem sido produzidas contra-alegações e terem tirado proveito do recurso. Évora, 07.04.2022 Elisabete Valente Cristina Dá Mesquita José António Moita |