Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
565/08-2
Relator: ALMEIDA SIMÕES
Descritores: MODIFICABILIDADE DA DECISÃO DE FACTO
DEVER DE FUNDAMENTAÇÃO
CONHECIMENTO OFICIOSO
CHEQUE
Data do Acordão: 07/03/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO CÍVEL
Decisão: CONFIRMADA A SENTENÇA
Sumário:
I – A reapreciação da prova pela Relação e eventual modificação da matéria de facto dada como provada na Primeira Instância, não desvirtua nem subverte o princípio da liberdade de julgamento.

II – A nulidade de sentença ocorre quando existe absoluta falta de fundamentação e não quando a fundamentação é insuficiente, inadequada ou medíocre.

III – A errada qualificação jurídica e/ou interpretação do direito, a verificar-se, não constitui nulidade processual, mas sim erro de julgamento no conspecto do mérito da causa.

IV - O princípio do conhecimento oficioso do direito, permite ao juiz inteira liberdade na qualificação jurídica dos factos, desde que não altere a causa de pedir, podendo ir buscar regras diferentes daquelas que as partes invocaram, atribuir às regras invocadas pelas partes sentido diferente do que estas lhe deram e fazer derivar das regras de que as partes se serviram efeitos e consequências diversas das que estas tiraram.

V - O cheque só tem validade e, consequentemente, constitui título executivo, de acordo com o artigo 46° nº 1 al, c) do CPC, se tiver sido totalmente preenchido ou completado em conformidade com o acordo do sacador.
Decisão Texto Integral:
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PROCESSO Nº 565/08 – 2

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA
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“A”, instaurou, no Tribunal de …, uma acção executiva contra “B”, para obter o pagamento da quantia de 29.765,06 euros, acrescida de juros de mora no montante de 638,57 euros.
Apresentou como título executivo dois cheques emitidos pelo executado: nº 5 …, no valor de 14.765,06 euros, e n° 7 …, no valor de 15.021,38 euros, ambos sacados sobre “C”.
O executado deduziu oposição, alegando inexistência de títulos executivos válidos.
Disse, no essencial, que nunca manteve relações comerciais com a exequente, nada lhe podendo ser exigido com base nos cheques dados à execução: o cheque nº 5 … não está assinado por si e o cheque nº 7 … foi deixado assinado em branco e preenchido abusivamente.
Na resposta, a exequente veio referir que o cheque n° 7 … foi enviado pelo executado para pagamento de dívida da Sociedade “D”, sendo o executado sócio-gerente desta; relativamente ao outro cheque, requereu que o mesmo lhe fosse entregue, reduzindo, em conformidade, a quantia exequenda para o valor de 15.021,38 euros, acrescida de juros moratórios, no montante de 422,24 euros.

No saneador ficou decidido, para além do mais, admitir a redução do pedido, tendo ainda sido seleccionada a matéria de facto relevante.
Após julgamento, foi proferida sentença a julgar a oposição procedente, declarando-se extinta a execução.
Ponderou-se na sentença que "a emissão do cheque em causa nestes autos não teve por objecto o pagamento de uma qualquer dívida do executado para com a exequente mas, sim, o pagamento de uma dívida da “D”” e que "a resposta negativa dada ao quesito n.º 3 da base instrutória impõe a conclusão de que a exequente não logrou demonstrar que o executado se tinha comprometido pessoalmente a efectuar o pagamento da dívida da “D”, comprometimento pessoal este que no caso em análise coincidiria com o facto constitutivo do direito da exequente, ou seja com a causa subjacente à emissão do cheque por parte do executado; tais factos, provados e não provados, vêm a demonstrar a inexistência de causa subjacente à relação cambiária estabelecida entre executado e exequente. Inexistindo causa subjacente à emissão do título, ou seja, não sendo o executado devedor da exequente, deve proceder a excepção peremptória de inexistência da obrigação".

Inconformada, a exequente apelou, tendo alegado e formulado as conclusões que se transcrevem:
1ª. Reportam-se as presentes alegações ao recurso interposto pela recorrente “A” da douta sentença proferida pelo … juízo do Tribunal Judicial da Comarca de …, que julgou totalmente procedente, por provada, a oposição deduzida pelo Executado, “B”, e em consequência, julgar extinta a execução contra aquele.
2a. O tribunal de 1ª instância errou na apreciação da prova junta aos autos e produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, bem como na interpretação e aplicação do Direito, encontrando-se a sentença proferida inquinada.
3a. O Tribunal a quo, entendeu, salvo o devido respeito - que é muito - que o executado não estaria obrigado ao pagamento do título dado à execução, por inexistência de obrigação, sendo certo que os parâmetros legais aplicáveis in casu, e a matéria de facto dado como provado impunham decisão diversa.
4a. O cheque é titulo executivo suficiente e bastante ao abrigo da al. c) do nº 1 do art. 46° do Código de Processo Civil, devendo, segundo a lei especial (LUC H - art. 22°) ser apresentado a pagamento nos oito dias posteriores à sua emissão, como aconteceu no caso dos presentes autos.
5ª. O exequente só pode pois dar início à execução tendo para o efeito título válido, que deverá instruir o processo executivo nos termos do art. 810° do CPC, podendo o executado, se assim o entender, deduzir oposição à execução, como in casu.
6ª. A Lei Uniforme do Cheque, refere que se cheque for apresentado a pagamento no prazo de oito (8) dias a contar da data da sua emissão (art. 29° daquele diploma legal) e se a sua falta de pagamento se verificar formalmente (art. 40°), o credor, ora recorrente, poderá exercer o seu direito de acção contra “os endossantes, sacador e outros co-obrigados", valendo aquele como título cambiário para todos os legais efeitos.
7ª. O recorrido alegou, em sede de articulado próprio, a invalidade do título dado à execução, por o mesmo não ter sido preenchido por si, quanto ao montante e beneficiário, peticionando, a final, a sua absolvição com base naquela invalidade, tendo tais factos sido carreados para a base instrutória.
8ª. O ónus da prova da inexistência de qualquer relação jurídica subjacente à emissão do título caberia, nos termos do art. 458º do Código Civil ao recorrido.
9ª. O Tribunal a quo, veio a decidir pela procedência da oposição, não por considerar o título inválido - matéria sobre a qual se não pronuncia - mas por entender que a obrigação de pagamento não é do recorrente, que não foi peticionado.
10a. Ao condenar nos termos em que o fez o tribunal a quo foi para além dos poderes que lhe são atribuídos nos termos da lei, pois sempre estaria a condenar para além do pedido (art. 661° nº 1 CPC).
11ª. O Tribunal a quo, na sentença proferida, também não primou por especificar os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão (art. 668º n° 1 al. b) do CPC), não se pronunciando sobre matéria constante da base instrutória, enquadrada na lei substantiva, e que seria decisiva para os autos.
12ª. O Tribunal recorrido não refere quais as consequências da autorização dada pelo executado para que o cheque fosse preenchido, e como tal se enquadra em termos legais. Ainda, não existe menção de qual a consequência da subscrição de um cheque em branco, que sempre seria apreciada favoravelmente para a recorrente.
13a. A exequente é portadora de um cheque emitido pelo executado, sacado sobre uma conta que este era titular, que veio a ser entregue à recorrente, preenchido por uma funcionária da D”, com autorização do executado.
14a. O cheque, tal como previsto na LUCH, não tem de ser necessariamente preenchido integralmente pelo sacador, desde que o mesmo seja preenchido de acordo com as instruções daquele (art. 13° da LUCH), como acontece in casu.
15a. O recorrido não poderá, por força da lei, invocar excepções sobre as relações pessoais dele com o gerente da “D” e seu filho, por não poderem ser apostas à recorrente como actual portadora do cheque, que com a sua entrega ficou investida nos direitos cambiários incorporados no título (art. 40° da LUCH).
16a. É irrelevante para a apreciação da questão, a inexistência ou não de uma relação obrigacional, desde logo porque o facto de a obrigação subjacente ser de um terceiro não exclui a responsabilidade do executado.
17a. Ao subscrever o cheque, o recorrido assumiu a obrigação de proceder ao seu pagamento, liquidando a dívida, sendo irrelevante o motivo pelo qual ele assumiu a dívida.
18a. A recorrente nunca agiu em detrimento do recorrido, nem tal se encontra provado nos autos.
19a. Nos termos do art. 12° da LUCH, "o sacador garante o pagamento", ficando o recorrido obrigado a liquidar o montante do cheque quanto a terceiros de boa fé, ou seja, quanto à recorrente.
20a. Face à matéria vertida nos quesitos 1° e 2° da base instrutória, e toda a prova produzida, a sentença impugnada interpreta incorrectamente o direito ao subsumir os factos àquele, devendo a mesma ser revogada.
21ª. Errou ainda o Tribunal na apreciação da prova produzida, bastante para prova da pretensão da recorrente.
22a. Não poderia o Tribunal recorrido ter decidido no sentido que o fez tendo em conta os vários elementos probatórios existentes, nomeadamente o depoimento das testemunhas arroladas pelas partes e pela própria recorrente (que mereceu credibilidade ao Tribunal), cuja valoração, à luz do princípio da sua livre apreciação pelo Juiz merece censura.
23a. Face ao depoimento das testemunhas “E” (filho do executado), “F” (ex-funcionário da “D”) e de “G”, só poderia ter sido dado como provado o quesito nº 3 da base instrutória.
24ª. As testemunhas “e” e “f” referem, inequivocamente, que era prática comum, o pagamento dos valores devidos à “a” por meio de cheques pessoais dos sócios, nomeadamente do recorrido, como forma de garantir o pagamento dos fornecimentos.
25ª. A testemunha “g” refere que a recorrente tinha, para que fizesse fornecimentos à “d”, de ter garantias pessoais do executado ou de seu filho ou endossos de cheques, sendo comum a entrega de cheques de contas pessoais daqueles para tanto.
26ª. A referida testemunha, de forma credível e isenta, veio ainda referir que mais cheques pessoais, de outras contas foram entregues para pagamentos de dívidas à recorrente.
27ª. O cheque assinado pelo recorrido é, e só pode ser considerado, emitido de uma conta pessoal e ele disso tendo conhecimento, como garantia adicional para a recorrente.
28ª. É inequívoco que o recorrido se obrigou, pessoalmente perante a recorrente, ao pagamento dos valores devidos pela sociedade “d”.
29ª. Foi feita prova suficiente e bastante, que permite dar como provado o quesito 3° da base instrutória, o que se pretende.
30ª. Deve, em consequência a sentença ser revogada e substituída por outra que julgue improcedente por não provada a presente oposição.
31ª. Ao decidir como decidiu o Tribunal violou, entre outros, os artigos 458° do Código Civil, 46° nº 1 al. c), 813°, 655° e 668° nº 1 alíneas c) e d) do CPC e, ainda, os artigos 19°, 22°, 29°, 40°, 52° da Lei Uniforme sobre Cheques.
32a. Nestes termos, e nos melhores de direito, face a todo o exposto, deve a matéria de facto ser alterada nos termos peticionados, em qualquer caso, a sentença recorrida ser declarada nula e em consequência ser revogada e substituída por outra que aplique correctamente o direito e que, em consequência, julgue improcedente a pretensão do recorrido.

O executado contra-alegou a pugnar pela confirmação da sentença.
Os Exmºs Desembargadores Adjuntos tiveram visto nos autos.

São os seguintes os factos que a 1ª instância deu como provados:
1. A requerida dedica-se à importação e exportação de matérias plásticas.
2. A requerida deu à execução o cheque com o n.º 7 …, com data de 7 de Fevereiro de 2006, sacado sobre conta com o n.º … da “C”, cujo primeiro titular é o requerente, no montante de 15.021,38 euros, emitido a favor da requerida.
3. O cheque identificado em 2. foi subscrito pelo requerente “B”.
4. O cheque referido em 2. destinou-se ao pagamento de fornecimentos efectuados pela requerida à sociedade “D”, no âmbito das relações comerciais havidas entre estas.
5. Em 7 de Fevereiro de 2006, o requerente detinha uma participação social no capital da sociedade “D”, no valor de 124.699,47 euros.
6. Pela apresentação n.º 4, de 18 de Novembro de 2005, foi registada na Conservatória de Registo Comercial do …, a renúncia do requerente à gerência da sociedade “D”, que havia tido lugar em 29 de Junho de 2005.
7. O requerente “B” quando apôs a sua assinatura no cheque referido em 2. deixou em branco os locais destinados à data de emissão, à indicação do beneficiário e ao montante do cheque.
8. O cheque referido em 2. foi preenchido sem o conhecimento do requerente no que respeita ao concreto beneficiário e montante a pagar.

Sendo as conclusões que delimitam, como é regra, o objecto do recurso, mostram-se enunciadas as seguintes questões:
- alteração da resposta ao artigo 3 ° da base instrutória;
- nulidade da sentença;
- fundamento da procedência da oposição.

Relativamente à primeira questão, importa deixar notado que, no que respeita a modificação das respostas à base instrutória, a garantia 'do chamado duplo grau de jurisdição em matéria de facto, não desvirtua, nem subverte, o princípio da liberdade de julgamento, na afirmação que o juiz aprecia livremente as provas e decide segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto (art. 655° CPC).
Mas esta liberdade de julgamento não constitui um poder arbitrário do juiz, antes está vinculada a uma análise crítica das provas, bem como à especificação dos fundamentos que foram decisivos para a formação da sua convicção (art. 653° CPC).
Por isso, os acrescidos poderes da Relação sobre a modificabilidade da matéria de facto, em resultado da gravação dos depoimentos prestados pelas testemunhas em julgamento, não atentam contra a liberdade de julgamento do juiz da 1ª instância, permitindo antes sindicar a correcção da análise das provas, segundo as regras da ciência, da lógica e da experiência, prevenindo o erro do julgador e corrigindo-o se for caso disso.
Vejamos a situação concreta:
O artigo 3° da base instrutória, respondido negativamente pela lª instância, vinha assim formulado: No âmbito das relações comerciais entre a requerida (exequente “A”) e a “D”, o requerente (executado “B”) comprometeu-se, na impossibilidade de a sociedade pagar, a assegurar a satisfação dos créditos da requerida?
Ouvidos, na íntegra, os depoimentos gravados das testemunhas, improcede a pretensão da apelante, no sentido de resposta afirmativa, porquanto a prova testemunhal produzida foi devida e acertadamente ponderada no despacho de fundamentação constante de fls. 163 e seguintes, não permitindo alterar o específico ponto da matéria de facto considerado incorrectamente julgado, na medida em que nenhuma das testemunhas afirmou de modo assertivo o comprometimento do executado no pagamento dos créditos da exequente, no caso de incumprimento da “D”.
O Tribunal "a quo", ao proceder à análise crítica das provas produzidas, sintetizou com rigor e detalhe o sentido do depoimento de cada uma das testemunhas, relativamente à razão do cheque deixado assinado em branco pelo executado, quando ainda era gerente da “D”, na altura em que esta sociedade estava impedida de movimentar as suas contas bancárias, por terem sido objecto de penhora.
Acresce que a circunstância de ter sido aberta uma conta bancária em nome do executado e de seu filho (a testemunha “E”), destinada ao pagamento dos fornecedores da “D”, não permite concluir a assunção, ainda que tácita, de responsabilidade pessoal do executado pela satisfação dos créditos da exequente.
Deste modo, inexiste fundamento para modificar a resposta negativa dada ao mencionado artigo 3° da base instrutória, pelo que se considera assenta a factualidade considerada provada na decisão recorrida.

Resolvida a primeira questão, importa agora saber se a sentença enferma de nulidade, de acordo com o artigo 668° n° 1 alíneas b), d) e e) do Código de Processo Civil.
Entende a apelante, por um lado, que a sentença conheceu para além do pedido, na medida em que julgou procedente a oposição por entender que a obrigação de pagamento não pertence ao executado, não se pronunciando sobre a invalidade do título, conforme fora peticionado; por outro lado, na perspectiva da apelante, a sentença não especificou os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, não se pronunciando sobre matéria constante da base instrutória, enquadrada na lei substantiva, e que seria decisiva para os autos, não referindo quais as consequências da autorização dada pelo executado para que o cheque fosse preenchido, e como tal se enquadra em termos legais.
Ponderando:
O artigo 158° do Código de Processo Civil impõe o dever de fundamentação de todas as decisões judiciais, ao qual está subjacente a ideia da não discricionariedade do acto de julgar e subsequente legitimação da decisão em si mesma, uma vez que a decisão do juiz, na resolução do conflito, terá de assentar em factos apurados e na sua valoração, com explicitação do direito aplicável ao caso concreto.
Daqui decorre a nulidade da sentença quando existir omissão dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão - art. 6680 nº 1 al. b) do CPC.
Invalidade que não se verifica, no caso que se aprecia, porquanto a decisão recorrida, como é manifesto, atendeu à matéria de facto dada como apurada e mostra-se fundamentada no aspecto jurídico.
Acresce que, conforme é entendimento constante da jurisprudência dos tribunais superiores, a nulidade em causa só ocorre quando existe absoluta falta de fundamentação e não quando a fundamentação é insuficiente, inadequada ou medíocre.
De anotar, por fim, que a errada qualificação jurídica e/ou interpretação do direito, a verificar-se, não constitui nulidade processual, traduzindo erro de julgamento no conspecto do mérito da causa.
Mas, terá a sentença omitido o dever de pronúncia, conhecido de questões que não podia apreciar ou julgado para além do pedido?
Como é sabido, a relação jurídica processual nasce da solicitação dirigida ao tribunal para a resolução de um conflito de interesses, iniciando-se, assim, a instância, como indica o artigo 2670 do Código de Processo Civil, que tende a manter-se a mesma, nomeadamente quanto ao pedido (art. 2680 CPC).
O pedido é a enunciação da pretensão do autor, o direito para que ele solicita ou requer a tutela judicial, isto é, o efeito jurídico que pretende obter (art. 4670 n" 1 alínea e) CPC).
Na sentença, o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, mas não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo as que forem de conhecimento oficioso (art. 6600 CPC).
Sendo o processo civil um processo de partes sujeito, além de outros, ao princípio dispositivo, a sentença deve manter-se no âmbito da acção, identificada através dos sujeitos, do objecto e da causa de pedir.
Como refere Manuel de Andrade, o thema decidendum é a acção assim configurada (Noções Elementares de Proe. Civil, pg. 297).
Em decorrência, estabelece o artigo 661 ° nº 1 do Código de Processo Civil que a sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objecto diverso do que se pedir, produzindo o vício da extrapetição a nulidade da sentença tipificada no artigo 668° nº 1 alínea e) do mesmo Código.
No entanto, não podendo a sentença decidir para além do que lhe foi solicitado pelas partes, o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (art. 664° CPC).
Por isso, princípio do conhecimento oficioso do direito, permite ao juiz inteira liberdade na qualificação jurídica dos factos, desde que não altere a causa de pedir, podendo ir buscar regras diferentes daquelas que as partes invocaram, atribuir às regras invocadas pelas partes sentido diferente do que estas lhe deram e fazer derivar das regras de que as partes se serviram efeitos e consequências diversas das que estas tiraram (cf. A. Reis, CPC Anot., vol. 5°, pg. 453).
No caso que se aprecia, o exequente deduziu oposição com fundamento em inexistência do título executivo (arts. 814° al. a) e 816° CPC), visando, naturalmente, a extinção da execução.
A sentença recorrida, depois de tecer diversas considerações sobre a natureza do cheque, julgou a oposição procedente e extinta a execução, em razão da inexistência de causa subjacente à relação cambiária estabelecida entre executado e exequente, concluindo pela inexistência da obrigação.
E, se a obrigação não existe, o título está desprovido de eficácia executiva, ou seja, é inexequível: a omissão absoluta de título executivo é que, em rigor, corresponde à inexistência do título, equiparável à inexequibilidade, por maioria de razão, como já salientava Rodrigues Bastos, em anotação à norma, na versão anterior à revisão de 1995.
Verifica-se, assim, que a sentença conheceu do thema decidendum, movendo-se, na formulação jurídica, no âmbito do conhecimento-oficioso do direito, reconhecendo a pretensão invocado pelo executado, sem lançar mão de diferente causa de pedir da que fora apresentada pelo executado no requerimento inicial de oposição à execução, pelo que a sentença não enferma de nulidade, não tendo violado as normas das alíneas d) e e) do n° 1 do artigo 668° do Código de Processo Civil.

Por último, importa saber se existe fundamento para a procedência da oposição à execução.
Conforme resulta da matéria de facto tida como provada, o título executivo dado à execução consiste num cheque assinado pelo executado “B”.
No entanto, os demais dizeres não são do punho do executado, tendo o cheque sido preenchido sem o conhecimento do executado quanto à identificação do beneficiário (a exequente “A”), bem como quanto à quantia inscrita.
É sabido que um cheque incompleto no momento de ser passado (assinado) pode ser validamente completado, posteriormente, de harmonia com os acordos realizados entre o sacador e o tomador (cf art. 13° da Lei Uniforme sobre Cheques).
O que significa que o cheque é válido, em princípio, quando contém todos os elementos exigidos na lei (cf art. 1 ° da LU), quer seja no momento em que é apresentado a pagamento no banco sacado, quer seja no momento em que é apresentado em tribunal como título executivo, independentemente da autoria do seu completo preenchimento.
Mas, nesta circunstância, o cheque só tem validade e, consequentemente, constitui título executivo, de acordo com o artigo 46° nº 1 al, c) do CPC, se tiver sido completado em conformidade com o acordo do sacador.
Tal matéria - preenchimento abusivo - tem a natureza de excepção peremptória, por constituir na invocação de factos que impedem, modificam ou extinguem o efeito jurídico pretendido pelo exequente, competindo ao executado a respectiva prova, nos termos do nº 2 do art. 342° do Código Civil (cf. ac. STJ, un. jur., de 14.5.1996, in BMJ 457).
O que o executado logrou fazer, uma vez que provou que o cheque foi preenchido sem o seu conhecimento no que respeita ao concreto beneficiário e montante a pagar (cf. 8. supra).
Sendo irrelevante não ter ficado provado que foi a exequente quem completou o preenchimento dos dizeres do cheque ou se o recebeu da “D”, integralmente preenchido.

Pelo exposto, sendo de concluir que o cheque n° 7… da “C” não tem força executiva, acorda-se em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas a cargo da apelante.
Évora, 3 de Julho der 2008