Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1055/22.2T8PTG.E1
Relator: FRANCISCO XAVIER
Descritores: BENFEITORIAS
DIREITO DE RETENÇÃO
INDEMNIZAÇÃO
OCUPAÇÃO DE IMÓVEL
ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA
NULIDADE DA SENTENÇA
Data do Acordão: 12/16/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA A SENTENÇA RECORRIDA
Área Temática: CÍVEL
Sumário: Sumário [artigo 663º, n.º 7, do Código de Processo Civil]
I. A contradição entre factos provados e não provados, assim como entre factos provados, não determina qualquer nulidade da sentença por contradição entre os fundamentos e a decisão, nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil. Nestas circunstâncias podemos estar perante um erro ou vício da decisão de facto, situações que encontram acolhimento na previsão do artigo 662.º do Código de Processo Civil, relativamente à modificabilidade da decisão de facto, mas não constituem nulidades da sentença.

II. São benfeitorias úteis as obras realizadas no locado, que não tiveram em vista evitar a perda, destruição ou deterioração do mesmo, mas que visaram essencialmente a transformação do imóvel em causa, de modo a adaptá-lo à finalidade de exploração de uma unidade hoteleira, e que aumentaram o seu valor.

III. Não sendo possível o levantamento das referidas benfeitorias sem o detrimento da coisa, tem o arrendatário, findo o contrato, o direito a ser ressarcido do valor delas, calculado segundo as regras do enriquecimento sem causa.

IV. Não obsta a tal o facto de anteriormente o imóvel se destinar essencialmente a arrumo/armazém, porque, a partir do momento em que o proprietário autorizou/consentiu na realização das obras de adaptação do locado, perspectivou forçosamente que o imóvel sofreria uma alteração estrutural (insusceptível de ser revertida sem recurso à realização de novas obras de fundo), transformando a finalidade a que o mesmo se destinava, aumentando o seu valor. Ou seja, estando ciente das circunstâncias acima referidas, o proprietário optou por celebrar a alteração do negócio em causa, obtendo a correlativa vantagem patrimonial.

V. A obrigação de restituir fundada no injusto locupletamento, à custa alheia, pressupõe, a verificação simultânea de três requisitos: (i) a existência de um enriquecimento; (ii) obtenção deste à custa de outrem; e (iii) falta de causa justificativa dessa valorização patrimonial.

VI. Para que haja lugar a compensação no âmbito do enriquecimento sem causa tem que existir uma correlação entre o enriquecimento e o suporte deste, as mais da vezes traduzido num sacrifício económico.

VII. Apurando-se que o arrendatário custeou as obras no arrendado que valorizaram o imóvel em € 107.908,00, tem o direito a ser ressarcido pelo senhorio por este valor findo o contrato, e sendo-lhe recusado o pagamento assiste-lhe o direito de retenção do imóvel pelo respectivo crédito.

Decisão Texto Integral: Recurso de Apelação n.º 1055/22.2T8PTG.E1

Acórdão da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora


I – Relatório


1. AA, Lda., instaurou acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra BB e CC, formulando os seguintes pedidos:

a. Serem os Réus condenados a pagar a quantia de € 135.738,38, respeitante ao aumento do valor do prédio arrendado atentas as benfeitorias autorizadas e realizadas pela Autora, acrescida de juros vencidos e vincendos até efectivo e integral pagamento.

b. Ser reconhecida a existência e validade do direito de retenção exercido pela Autora referente ao arrendado.


2. Para tanto, invocou, em síntese, a celebração de um contrato de arrendamento para fins não habitacionais relativo a um imóvel (propriedade da ré), que, entretanto, cessou a 31/12/2020; que procedeu à realização de obras no locado, susceptíveis de serem qualificadas como benfeitorias necessárias, tendo em conta que aumentaram o valor do mesmo em 135.738,38€; e que, apesar de interpelada, a R. não procedeu à entrega da referida quantia.


Por este facto, não restituiu o locado, invocando o direito de retenção.


3. Os RR. deduziram contestação, através da qual impugnaram a versão da A., invocando que: (i) as obras em causa não constituíram benfeitorias necessárias ou úteis, mas sim obras de adaptação ao fim ou objecto do comércio da autora; (ii) em todo o caso, as partes contraentes acordaram na exclusão do direito ao valor das benfeitorias, conforme o estipulado na cláusula 6.ª do aditamento ao referido contrato; e (iii) as obras em causa não foram liquidadas a expensas da A..


E deduziram reconvenção através da qual peticionaram o seguinte:

«A A. reconvinda, deve ser condenada ao levantamento das obras de adaptação que possam ser removidas sem detrimento do imóvel, não lhe assistindo o direito a ser indemnizada na impossibilidade daquelas que não puder levantar e, ainda, a pagar aos reconvintes, a quantia de 20.148,48€ (vinte mil, cento e quarenta e oito euros e quarenta e oito cêntimos), acrescida de juros vencidos e vincendos, bem como, até que entregue o imóvel aos reconvintes, mensalmente, seja condenada a pagar-lhes a quantia de 915,84 (novecentos e quinze euros e oitenta e quatro cêntimos), a título de compensação pelo prejuízo causado pela impossibilidade de arrendarem o espaço em causa, dispondo dele.»

Para o efeito, invocaram os reconvintes que a reconvinda não procedeu à restituição do imóvel conforme estava obrigada em virtude da cessação do respectivo contrato de arrendamento, nem à remoção das obras que não implicam o detrimento daquele.


4. A A. replicou, impugnado a factualidade alegada pela autora a título de reconvenção.


5. Foi realizada a audiência prévia, no âmbito da qual foi proferido o despacho saneador, identificado o objecto do litígio e enunciados os temas da prova.


6. Teve lugar a audiência de discussão e julgamento, após o que veio a ser proferida sentença, na qual se decidiu:

«a) Absolver os réus BB e CC dos pedidos formulados pela autora AA, Lda;

b) Condenar a reconvinda AA, Lda no pagamento de uma indemnização aos reconvintes BB e CC, correspondente ao valor da renda mensal que se vier apurar em sede de liquidação de sentença, subordinada ao limite máximo de 915,84€ (novecentos e quinze euros e oitenta e quatro cêntimos), desde 01-01-2021 até à efectiva entrega do locado, acrescida de juros de mora, calculados à taxa de 4%, desde os respectivos vencimentos até efectivo e integral pagamento.

c) Absolver a reconvinda AA, Lda dos restantes pedidos.»

7. Inconformada, recorreu a A., nos termos e com os fundamentos seguintes [segue transcrição da parte do recurso intitulada de conclusões]:


1. O presente recurso interposto recai sobre sentença proferida nos Autos em apreço, que julgou improcedente o pedido formulado pela Recorrente contra BB e CC e condenou a Recorrente no pagamento, aos citados Recorridos BB e CC, de uma indemnização correspondente ao valor da renda mensal que se vier apurar em sede de liquidação de sentença, subordinada ao limite máximo de 915,84€ (novecentos e quinze euros e oitenta e quatro cêntimos), desde 01-01-2021 até à efectiva entrega do locado, acrescida de juros de mora, calculados à taxa de 4%, desde os respectivos vencimentos até efectivo e integral pagamento, abrangendo matéria de prova – impugnação da decisão da matéria de facto -, na qual se inclui a prova gravada e prova documental, e matéria de direito e, entende, também, que a sentença é nula, nos termos do disposto no art. 615º nº 1 alínea c) do CPC.


2. Atentos os factos dados como provados nos pontos 12, 13, 14, 15, 17 e 20 da douta sentença, é absolutamente contraditória e ambígua a fundamentação da referida sentença no que concerne a não se ter considerado provado o ponto c) dos factos dados como provados;


3. Com efeito, dos pontos 12, 13, 14, 15, 17 e 20 se retira que, a Recorrente procedeu a obras para efeitos de construção de uma unidade hoteleira, tanto no seu prédio, como no prédio dos Recorridos, descritos nos pontos 1 e 2 da sentença, cujos custos ascenderam, no total, a cerca de € 800.000,00 (oitocentos mil euros), sendo que, no que se reporta às obras descritas no ponto 12 e que foram realizadas no prédio dos Recorridos, as mesmas custaram cerca de € 135.740,00 e implicaram uma valorização no prédio dos mesmos, no valor de € 107.908,86.


4. E, no âmbito do citado projecto de investimento para criação de unidade hoteleira, a Recorrente celebrou um contrato ao abrigo do Sistema de Incentivos a Produtos Turísticos de Vocação (SIVETUR – 00-16689), que compreendia a totalidade do projecto de unidade hoteleira, tanto no prédio da Recorrente, como no prédio dos Recorridos.


5. No âmbito do aludido contrato, a Recorrente recebeu um incentivo não reembolsável no valor total de € 141.466,05.


6. O douto Tribunal a quo julgou não provado o ponto c) que refere “O custo das obras em causa, referido em 13), foi suportado pela autora.”, fundamentando tal conclusão explicando “importa mencionar que decorreu da factualidade dada como provada que a autora recebeu incentivos não reembolsáveis no valor de 141.466,05€ - cfr. pontos 14) e 15). Porém, a autora não realizou prova susceptível de demonstrar que os incentivos em causa não foram alocados na realização das obras mencionadas em 12) e, consequentemente, que os custos em apreço foram por esta suportados integralmente – note-se que nem o legal representante da autora, nem as testemunhas DD e EE (aqui mencionados, tendo em conta a sua razão de ciência) não lograram esclarecer o Tribunal quanto a esta matéria.”.


7. Ora, se o Tribunal deu como provado que a Recorrente gastou € 800.000,00 no âmbito da construção da unidade hoteleira no seu conjunto e que, os apoios recebidos referentes ao projecto SIVETUR abrangiam, a totalidade do projecto, ou seja, tanto o prédio da Recorrente como o dos Recorridos, não se vislumbra como pode considerar que a Recorrente não suportou os custos das obras, porquanto existe uma diferença entre o custo total e os apoios recebidos a fundo perdido de € 658.533,95, tratando-se de uma conclusão que decorre lógica e implicitamente dos factos dados como provados e referidos supra.


8. Em face do supra exposto, torna-se absolutamente impossível apurar como o Tribunal a quo decidiu os factos provados e não provados, no que concerne, ao ponto c) dos factos não provados, em face das contradições supra assinaladas, entendendo-se que existe manifesta ambiguidade e contradições na sentença em apreço, o que determina a nulidade da mesma, nos termos e para os efeitos do disposto nos art. 615º nº1 alínea c) do Código do Processo Civil, que preceitua “É nula a sentença quando: (…) c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível”.


9. No que concerne ao ponto c) dos factos não provados, entende a Recorrente que a matéria constante do mesmo não pode deixar de se considerar provado, ainda que parcialmente, como e nos termos que explicarão infra;


10. Dando-se por reproduzido tudo o que já se deixou exposto, no que concerne à nulidade da sentença, entende a Recorrente que, da prova produzida em sede de audiência de julgamento e, bem assim, dos documentos juntos aos Autos, nomeadamente, todo o processo junto pelo Turismo de Portugal, referente ao projecto SIVETUR, (referências Citius 32603071, 32603073, 32603075, 32603076, 32603077, 32603078, 32603079, 32603080, 32603081, 2603082) no âmbito do qual a Recorrente recebeu os apoios em apreço, nomeadamente pelo “Contrato de Concessão de Incentivos Financeiros no âmbito do Sistema de Incentivos a Produtos Turísticos de Vocação Estratégica (SIVETUR)”, incluído no citado processo (fls 390 a 399, referência Citius 32603071) e junto, também, pela Recorrente com a Réplica, sob o Documento 1, torna-se evidente que decisão diferente se impunha ao Tribunal, devendo ter-se considerado provado que a Recorrente suportou os custos com as obras descritas no ponto 12 (ainda que parcialmente), referentes à valorização do prédio dos Recorridos cujo valor reclama, nomeadamente, o ponto c) dos factos não provados.


11. No que respeita ao Documento 1, junto com a Réplica, “Contrato de Concessão de Incentivos Financeiros no âmbito do Sistema de Incentivos a Produtos Turísticos de Vocação Estratégica (SIVETUR)”, também incluído no processo junto aos Autos, pelo Turismo de Portugal (fls 390 a 399, referência Citius 32603071) podemos verificar na clausula 1ª, que se considera um investimento no montante de € 396.234,00, ou seja, a Recorrente candidatou-se ao citado apoio, mas apenas, no montante de € 396.234,00 e não pelo montante total gasto na unidade hoteleira.


12. Na cláusula 2ª do citado contrato, verifica-se que foi atribuído um incentivo reembolsável até ao valor de € 209.866,80, calculado sobre as despesas elegíveis, e um incentivo não reembolsável, até ao valor de € 21.987,00, referente a 50% das despesas elegíveis e, ainda, a possibilidade de atribuição de prémio de realização de € 125.920,08, relativo ao incentivo reembolsável, conforme previsto na clausula 5ª, que respeita ao grau de cumprimento do contrato.


13. Do anexo ao citado Contrato, designado “Mapa de investimento corrigido” (fls. 394, referência Citius 32603071), verificamos a que respeitam as rubricas, ou seja, a que despesas se candidatou a Recorrente, naquele valor total de € 396.234,00, verificando-se que, apenas as rubricas 1 (infra-estruturas exteriores, 23 e 24 (construção civil: remodelações), se destinavam a obras, num valor de € 122.679,00.


14. Como explicou o legal representante da Recorrente, nas declarações prestadas em sede de audiência de discussão e julgamento (cfr., Audiência final, 19/09/2024, 09:59 - 10:48 - Legal Representante: FF): “No global, investimos cerca de € 890.000,00” (cfr. 14:40-14:43); “Na altura do aditamento, as obras que fizemos, foi num total na ordem dos 550 a 560 mil euros” (cfr. 15:15-15:23), “Englobando os investimentos feitos no nosso prédio” (cfr. 15:30-15:33), “Candidatamos ao projecto as obras no nosso prédio e no prédio arrendado” (cfr 16:11-16-17), “Candidatamos ao projecto, não os € 560.000,00 mil, porque isso não era viável, candidatámos só 396.000,00, e porquê, porque esse apoio SIVETUR, era para requalificação de prédios com fins turísticos” (cfr., 16:40 – 17:09),“Não era virado sobretudo para obras.” (cfr., 17:10-17:11), “Só nos era permitido candidatar a uma determinada componente de obras, a maior parte não eram obras, era investimento de requalificação, que tinham a ver com equipamentos de vária natureza, com mobiliário de vária natureza, com elementos decorativos, como carpetes, coisas do género” (cfr.,17:27-17:52), “E eles valorizavam muito também tudo o que era investimentos não corpóreos, portanto, investimentos de natureza incorpórea, como era o caso de estudos, de estudos de viabilidade, estudos de marketing.” (cfr., 17:58-18:11)


15.Ora, as declarações mencionadas, tanto do legal representante da empresa supra mencionadas, como da testemunha DD, contabilista da Recorrente, com base na consulta dos elementos contabilísticos da empresa que relativamente à proveniência do capital para realização da unidade hoteleira, confirmou a existência dos citados apoios referindo ainda (cfr. Audiência final, 19/09/2024, 11:32 - 11:45 - Testemunha: DD): “Está registado nas rubricas de outros financiadores, à data, três nomes, fizeram financiamento à entidade GG, HH e FF” (cfr., 6:54-7.16), e, questionado sobre os valores esclareceu “GG € 22.739,00, HH € 20.239,00 e FF € 55.134,00”, (cfr. 7:59-8:13), referindo ainda “além disso para reforço do capital (…) temos aqui registadas entradas (…) chamadas prestações suplementares no valor de € 352.921,00 dividias pelos três” (cfr., 8:33-8:53), afiguram-se, quanto a nós, absolutamente consentâneas com a documentação constante dos Autos – e com o alegado pela Recorrente, na Réplica - , nomeadamente, no que concerne aos citados apoios recebidos e as cláusulas do contrato celebrado com o Turismo de Portugal e, bem assim, ao financiamento da Recorrente para realização do projecto de unidade hoteleira, já supra referido.


16. Daqui resulta que, conforme se julgou provado no ponto 20 da sentença recorrida, a Recorrente investiu na unidade hoteleira cerca de € 800.000, valor no qual se incluem as obras mencionadas nos factos provados nº 12 e 13, no montante global de cerca de € 135.740,00, que inclui a realização de obras e a aquisição de equipamentos colocados no prédio arrendado aos réus (para além do prédio da Recorrente);


17. A realização das obras referentes ao facto provado 12 (excluindo o fornecimento de equipamentos), geraram uma valorização do imóvel dos Recorridos de € 107.908,86, conforme resulta do ponto 17, dos factos provados na douta sentença;


18. A Recorrente candidatou parte do projecto de investimento realizado a apoio do Turismo de Portugal - programa SIVETUR, sendo que, dos € 800.000,00 gastos, apenas se pôde candidatar a um apoio referente a custos no valor de € 396.234,00, veja-se, como supra se referiu, o contrato celebrado entre o Instituto de Turismo de Portugal e a Recorrente (Doc. 1 junto com a Réplica e junto por aquele Instituto, fls 390 a 399, do processo, referências Citius 32603071), referente ao citado apoio, nomeadamente, a já referida clausula 1ª do mesmo;


19. Conforme consta do anexo do aludido contrato de concessão de incentivos, “Mapa de Investimento Corrigido” (fls 394, referência Citius 32603071) que discrimina as rubricas de investimento elegíveis para apoio, apenas as rubricas 1, 23 e 24 se referem a obras de construção civil, no montante global de € 122.679,00, dentro dos € 396.234,00 de total de despesas candidatadas a apoio.


20. Todas as restantes rubricas de investimento elegível para apoio por parte do Instituto do Turismo de Portugal, referentes ao programa SIVETUR, referiam-se a aquisição de equipamentos, aquisição de mobiliário, materiais de decoração, estudos, projectos, acções de marketing e promoção, no montante global de € 271.073,00 - que correspondem à diferença entre o global de investimento elegível e o valor que se referiu a obras de construção civil de € 122.679,00, conforme se verifica no citado anexo do contrato, a saber “Mapa de Investimento Corrigido”;


21. A Recorrente candidatou, pois, a apoio do programa SIVETUR apenas a quantia de € 396.234,00 dos € 800.000,00 de investimento total no projecto de investimento da unidade hoteleira, conforme resulta do contrato (fls. 390 a 399, referência Citius 32603071) e do ponto 20 dos factos provados da douta sentença.


22. Sendo que, no valor global de investimento, ou seja, nos citados € 800.000,00, se incluem os custos das obras a fazer no prédio da Recorrente e obras no prédio dos Recorridos, bem como todos os outros tipos de investimentos - em equipamentos, mobiliário e outras rubricas.


23. Nessa sequência, a Recorrente candidatou a apoio do programa SIVETUR a totalidade de investimentos que não se referiram a obras de construção civil, pois tal era totalmente elegível, sendo que, no que concerne às citadas obras, apenas candidatou a apoios o montante de € 122.679,00 referentes a despesas de construção civil, pois mais não lhe era permitido, o que se encontra espelhado no “Mapa de Investimento Corrigido” anexo ao contrato.


24. Daqui resulta que, a diferença entre os € 800.000,00 de investimento global e os € 396.234,00 candidatados a apoio no âmbito do projecto SIVETUR, no montante de € 403.766,00, se referiram a investimentos em obras de construção civil que a Recorrente não pode candidatar a apoio por parte do Turismo de Portugal.


25. Ou seja, a Recorrente investiu no projecto do hotel cerca de € 800.000,00, tendo investido cerca de 271.000€ em equipamentos, mobiliário e outro tipo de rubricas que não se referem à construção civil, bem como cerca de € 529.000,00 em rubricas de construção civil, das quais apenas candidatou a apoios no âmbito do projecto SIRVETUR a quantia de 122.679€ (o que se conclui em articulação com o ponto 20 dos factos provados da douta sentença e o Mapa de Investimento Corrigido, anexo ao Contrato celebrado com o Instituto de Turismo de Portugal, analisando as rubricas que respeitam a obras – 1, 23 e 24 – e as restantes que não respeitam a obras, como já se referiu supra).


26. Deste modo, dos € 529.000,00, investidos em obras de construção civil, se incluem as obras realizadas no prédio dos Recorridos, no valor de € 135.740,00, que geraram a valorização apurada de € 107.908,86, conforme facto provado 17, tendo sido o restante investido no prédio dos Recorrentes.


27. Atento o grau de cumprimento do contrato SIVETUR, a Recorrente acabou por beneficiar de um apoio não reembolsável, ou seja, a fundo perdido, total, no valor de € 141.666,05, conforme consta do facto provado nº 15 e se encontra vertido no documento junto aos Autos pelo Turismo de Portugal, com a referência Citius 2638204.


28. Em face do exposto, resulta que, apenas 31% do investimento foi alvo de candidatura no que concerne a obras de construção civil e os restantes 69% referiram-se a outros tipos de rubricas de investimento.


29. Deste modo, considerando a totalidade do apoio recebido “a fundo perdido”, no montante global de € 141.466,03, por parte do Turismo de Portugal, no âmbito do projecto SIVETUR e aplicarmos as citadas percentagens, concluímos que, apenas 31% desse valor destinou a obras, ou seja, a quantia de € 43.854,00.


30. Assim, considerando o valor apurado de € 43.854,00 de subsídio recebido para financiar as obras de construção civil, sobre o valor global investido neste tipo de rubricas (obras de construção civil) que teve o montante global de 529.000€, conclui-se que, o projecto SIVETUR, apenas subsidiou a fundo perdido cerca de 8% do valor investido em construção civil por parte da Recorrente no projecto de investimento do hotel.


31. Sendo certo que, desse valor, importa considerar que foram aplicados tanto nas obras realizadas no prédio da Recorrente como dos Recorridos.


32. Daí resultando que, aplicando esse valor proporcionalmente, o apoio efectivamente recebido e aplicado nas obras realizadas no prédio dos Recorridos foi de € 11.252,82.


33. Ou seja, a Recorrente beneficiou de um apoio efectivo de € 11.252,82, num investimento que realizou de € 135.740,00 e que gerou uma valorização no prédio dos Recorridos de € 107.908,86.


34. Nunca a Recorrente poderia alocar esse incentivo não reembolsável, em exclusivo, nas obras realizadas no ponto 12, porquanto, conforme consta do “Mapa de Investimento Corrigido”, anexo ao Contrato celebrado com Instituto de Turismo de Portugal (fls. 390 a 399, referência Citius 32603071), porquanto a Recorrente tinha de gastar a verba com que se candidatou ao projecto SIVETUR de € 396.234,00, nas rubricas em apreço e nele constantes, no valor máximo de €122.679,00 para obras (que abrangiam o todo da unidade hoteleira, na qual se inclui o prédio da Recorrente e dos Recorridos, conforme ponto 14 dos factos provados da douta sentença), o que fez, atento o grau de cumprimento do contrato.


35. Veja-se que, resulta do processo junto aos Autos pelo Instituto do Turismo de Portugal, a Recorrente foi sempre comprovando os investimentos feitos em conformidade com o já amplamente referido “Mapa de Investimento Corrigido”, para que novas tranches fossem libertadas, veja-se a título de exemplo, “parecer/despacho” a fls. 485 e 716, do processo junto aos Autos, com a referência Citius 32603071, 32603073, 32603075, 32603076, 32603077, 32603078, 32603079, 32603080, 32603081, 2603082 e veja-se fls. 399, do citado processo e Doc.1 junto com a Réplica), que comprovam a verificação em investimento em bens corpóreos e incorpóreos.


36. Importa considerar que, foi financiado à Recorrente a quantia de € 225.412,77, sendo reembolsável a quantia de € 209.866,80 e não reembolsável a quantia de € 15.545,97.


37. O projecto deveria estar concluído no âmbito do SIVETUR em 31/12/2006 e foi concluído em 27/12/2006, (cfr, fls 793, referência Citius 32603079).


38. Apenas em 15/07/2010, depois da totalidade do investimento ser feito, o Instituto do Turismo de Portugal comunicou à Recorrente que, atento o grau de cumprimento do contrato, tinha sido atribuído um prémio de realização no valor de € 125.920,08, tornando-se assim, esse valor, conjuntamente com o citado € 15.545,97, não reembolsável, ou seja, em apoio recebido a “fundo perdido”, conforme resulta da informação prestada pelo Instituto do Turismo de Portugal, referência Citius 2638204, Doc.1, junto com a Réplica e doc. a fls 793, do processo SIVETUR, referência Citius 32603079.


39. Ou seja, a Recorrente fez todo o investimento no projecto de criação de unidade hoteleira, abrangendo o prédio dos Recorridos e o seu e, apenas após todo o investimento, ou seja, mais de três anos depois, em 15/07/2010, foi apurado, em função do grau de cumprimento do contrato da conversão de parte do incentivo reembolsável em não reembolsável, através da atribuição do citado prémio de realização (cfr, fls 793, referência Citius 32603079).


40. Por outro lado, o anexo ao Contrato celebrado com o Instituto do Turismo de Portugal, previa, no seu Anexo II, referente a “Metodologia de Pagamento” (cfr., fls 392, referência Citius 32603071): “Os pedidos de pagamento são efectuados pelo Promotor, através de formulário próprio a enviar ao Organismo Coordenador, acompanhados pela Declaração de Despesa do Investimento efectivamente paga, certificada pelo Revisor Oficial de Contas (ROC). Através deste documento será confirmada a realização e pagamento das despesas de investimento, tendo por base elementos necessários para a verificação da elegibilidade das despesas, bem como a confirmação de que os documentos comprovativos daquelas se encontram correctamente lançados na contabilidade de acordo com o Plano Oficial de Contabilidade, assim como o incentivo já recebido, quando aplicável.”


41. Ou seja, ao contrário do que parece ter entendido o Tribunal a quo, a Recorrente não recebeu, sem mais, o valor de € 141.466,05, para gastar livremente no que entendesse, nomeadamente, nas obras a realizar no prédio dos Recorridos, ou seja, nas obras referidas no ponto 12 dos factos provados da sentença.


42. Ao invés, a Recorrente fez o investimento global na unidade hoteleira, dos aludidos € 800.000,00 e, no que concerne ao projecto SIVETUR, comprovou ter cumprido os termos do contrato, conforme consta no Mapa de Investimento Corrigido (fls. 394, referência Citius 32603071) e foi recebendo tranches após confirmação da elegibilidade das despesas e do aludido pagamento e apenas cerca de três anos após a conclusão do investimento soube que parte do apoio se tinha convertido em apoio não reembolsável.


43. Assim, nunca poderia a Recorrente alocar esse valor exclusivamente às obras realizadas no prédio dos Recorridos, não sendo tal viável ou sequer possível, em face de um investimento feito no global – unidade hoteleira – e a necessidade de gastar o financiamento recebido nas rubricas constantes do “Mapa de Investimento Corrigido” e a data em que foi determinado que parte do apoio seria não reembolsável, apenas cerca de três anos após o investimento e obras realizadas.


44. Como também resulta do processo em poder do Tribunal, do projecto SIVETUR, com a referência Citius 32603071, 32603073, 32603075, 32603076, 32603077, 32603078, 32603079, 32603080, 32603081, 2603082, e nos termos do Contrato de Concessão de incentivos assinado entre o Instituto do Turismo de Portugal e a Recorrente, o Turismo de Portugal avaliou a execução do projecto em função de alguns critérios pré-definidos no referido contrato, fazendo o cálculo do Grau de Cumprimento do Contrato (GCC), conforme resulta da cláusula 5ª do citado contrato.


45. Em função da avaliação efectuada e do cálculo do GCC em questão, o Turismo de Portugal decidiu atribuir à Recorrente o prémio de realização máximo previsto no contrato de concessão de incentivos, convertendo parte do subsídio reembolsável anteriormente concedido em subsídio não reembolsável no montante de € 125.920,08, pelo que, o apoio recebido resultou do trabalho e empenho da Recorrente, tratando-se, de um prémio, afigurando-se manifestamente injusto que sejam os Recorridos beneficiados em função de um prémio recebido pela Recorrente pelo seu trabalho, investimento e resultados, e empobrecidos nessa sequência.


46. Tudo isto se encontra espelhado e resulta da prova produzida, tanto a testemunhal supra mencionada – veja-se que, foi referido pela testemunha DD que a Recorrente foi alvo de injecção de capital por parte dos sócios para o projecto da unidade hoteleira, para além dos apoios citados, tendo, também o legal representante da empresa o referido, para além de financiamento bancário e, como da documentação junta aos Autos, nomeadamente, todo o processo SIVETUR, no qual se inclui o contrato (fls. 390 a 399, referência Citius 32603071), também junto com a Réplica (doc. 1), permitindo a analise do mesmo verificar que assim foi.


47. Deste modo, resulta evidente que os elementos de prova em apreço não foram analisados e ponderados adequadamente pelo Tribunal a quo, pois que, dos mesmos resulta inequivocamente que, pese embora a Recorrente tenha recebido um apoio não reembolsável por parte do Turismo de Portugal no âmbito do projecto SIVETUR, a verdade é que, em termos práticos, apenas a quantia de € 11.252,82, correspondeu ao apoio não reembolsável aplicável nas obras realizadas no prédio dos Recorridos.


48. Ademais e dito de forma simplista, salvo o devido respeito, é obvio, quanto à Recorrente que, num investimento feito de € 800.000,00, conforme resulta provado na douta sentença, na criação de uma unidade hoteleira, num conjunto que abrange o prédio da Recorrente e no prédio dos Recorridos, em que a mesma se candidatou a um apoio no âmbito do projecto SIVETUR, para despesas no valor de € 396.234,00, tendo recebido a quantia de € 225.412,77, e apenas após a conclusão do projecto se apurou que teria um prémio de realização de € 125.920,08, convertendo parte do subsidio reembolsável em não reembolsável, conforme resulta da informação prestada pelo Instituto de Turismo de Portugal, referência Citius 2638204, nunca se poderia concluir que a Recorrente pode ter alocado esse apoio às obras em apreço e descritas no ponto 12 da sentença.


49. Efectivamente, essa conclusão nunca podia ser tomada em face dos elementos dos Autos, porquanto, esse apoio que acabou por não ser reembolsável e se transformou em fundo perdido, apenas após o investimento realizado e se destinou a todo o projecto de criação de unidade hoteleira, no seu conjunto, não sendo possível ou viável, que a Recorrente tivesse alocado esse apoio recebido, de forma “separada” ou repartida, quando o projecto e as obras foram feitas num conjunto, como aliás resulta do ponto 14 dos factos provados da douta sentença e três anos antes;


50. Na verdade, tal resultaria por demais evidente, quando num investimento global de € 800.000,00, de um projecto unitário de unidade hoteleira, em que recebeu um apoio “a fundo perdido” de € 141.466,05, se concluísse, que a Recorrente não suportou as obras feitas no prédio dos Recorridos.


51. Assim, o Tribunal a quo, julgou incorrectamente a matéria em apreço – desconsiderando a prova documental junta aos Autos, nomeadamente, o processo junto aos Autos pelo Instituto do Turismo de Portugal, com destaque para o Contrato, já amplamente mencionado, também junto pela Recorrente sob o Doc. 1, junto com a Réplica e os seus anexos “Mapa de Investimento Corrigido” e “Metodologia de Pagamento”, para além das declarações do legal representante da Recorrente (já mencionadas), consentâneas com a referida prova documental, impondo-se a conclusão de que, a Recorrente suportou o custo das obras realizadas no ponto 12.


52.Deve, assim, considerar-se provada a matéria constante do ponto c) dos factos não provados da sentença, ou seja, que a Recorrente suportou o custo das obras descritas no ponto 12 dos factos provados, com excepção do valor de € 11.252,82, a descontar à quantia de € 135.740,00, referente ao custo das obras realizadas no locado, perfazendo o valor de € 124.487,18, em face do prémio de realização que recebeu e que converteu em não reembolsável parte do incentivo reembolsável recebido, no âmbito do projecto SIVETUR, devendo tal adicionar-se aos factos provados.


53. Por outro lado e no que corresponde ao ponto 14, dos factos dados como provados na douta sentença, no qual consta “No âmbito do Sistema de Incentivos a Produtos Turísticos de Vocação Estratégica (SIVETUR – 00-16689), a Recorrente celebrou um contrato tendo em vista a concretização de um projecto de investimento de criação de uma unidade hoteleira, que compreendia a realização das obras mencionadas em 12), bem como de obras no imóvel referido em 1).”, entende a Recorrente que o mesmo não se encontra devidamente julgado.


54. Pese embora tal conclusão se afigure correcta, importa considerar que o projecto de investimento de criação de unidade hoteleira alvo de candidatura ao SIVETUR, compreendia efectivamente a “a realização das obras mencionadas em 12), bem como de obras no imóvel referido em 1)”, mas não só.


55. Como deixámos exposto nas alegações nomeadamente os pontos A e B e nos pontos anteriores das conclusões, resulta evidente que, a Recorrente se candidatou ao SIVETUR no âmbito de criação de unidade hoteleira, sendo que, se candidatou com um investimento de € 396.234,00, do investimento total de € 800.000,00 realizados;


56. Porém, as despesas elegíveis não eram apenas obras, sendo, aliás, uma parte muito reduzida de obras e, como resulta da clausula 1ª do citado contrato e do Anexo referente ao “Mapa de Investimento Corrigido” constante do mesmo (Doc. 1, junto com a Réplica e fls. 390 a 399, referência Citius 32603071) encontram-se abrangidas nas despesas elegíveis apenas três rubricas referentes a obras, - rubricas 1, 23 e 24, e sendo o remanescente, ou seja, todas as restantes rubricas, outros investimentos, a saber, para elevadores; equipamento informático; rede de incêndios; sistema de vigilância; armários frigoríficos; máquinas de lavar; equipamento de cozinhas; mobiliário; roupas e atoalhados; louças, vidros e talheres; cortinados; acessórios vários, estudos; encargos garantia bancária; promoção e marketing; ROC; equipamento televisão e vídeo; economizadores de energia; infra-estruturas exteriores; equipamento informático; projectos de arquitectura, e; equipamento administrativo.


57. Pelo que e dando como reproduzido todos os argumentos já aduzidos supra, entende a Recorrente que o ponto 14 da douta sentença deve considerar-se provado nos seguintes termos “No âmbito do Sistema de Incentivos a Produtos Turísticos de Vocação Estratégica (SIVETUR – 00-16689), a autora celebrou um contrato tendo em vista a concretização de um projecto de investimento de criação de uma unidade hoteleira, que compreendia a realização das obras mencionadas em 12), bem como de obras no imóvel referido em 1), e ainda outros investimentos, não referentes a obras/construção civil, tais como, elevadores; equipamento informático; rede de incêndios; sistema de vigilância; armários frigoríficos; máquinas de lavar; equipamento de cozinhas; mobiliário; roupas e atoalhados; louças, vidros e talheres; cortinados; acessórios vários, estudos; encargos garantia bancária; promoção e marketing; ROC; equipamento televisão e vídeo; economizadores de energia; infra-estruturas exteriores; equipamento informático; projectos de arquitectura, e; equipamento administrativo.”


58. Em face disto e considerando tudo o mais considerado provado na douta sentença, verificamos que: a) a Recorrente realizou obras autorizadas, pelo senhorio, descritas no ponto 12 da sentença, que configuram benfeitorias úteis, porquanto aumentaram o valor ao locado em €107.908,86; b) sendo do perfeito conhecimento do senhorio que obras estavam a ser realizadas, qual a finalidade – instalação de unidade hoteleira – e naturalmente, que o aceitou, na perspectiva de rentabilizar o seu imóvel; c) nunca foi acordado que o valor das benfeitorias em apreço não seria pago.


59. O nº 2 do art. 1273º do Código Civil determina que “Quando, para evitar o detrimento da coisa, não haja lugar ao levantamento das benfeitorias, satisfará o titular do direito ao possuidor o valor delas, calculado segundo as regras do enriquecimento sem causa.”


60. Sendo que, no que concerne a tais regras e conforme tem sido entendido pela jurisprudência, implica aqui apurar a valorização resultante das benfeitorias em apreço, por um lado, e por outro, o custo, ou seja, do empobrecimento, como limite.


61. Ora, resultou provado que a valorização é de €107.908,86, sendo que o custo foi de € 135.740,00, sendo certo que, ainda que se desconte o valor apurado do subsídio recebido a fundo perdido para obras, tal perfaz o valor de € 124.487,18, valor esse, ainda superior ao valor da valorização obtida pelos Recorridos.


62. Ao absolver os Recorridos, o Tribunal a quo violou os arts. 216º, 1273º e 473º do Código Civil, pelo que, devem os Recorridos ser condenados no pagamento da quantia de € 107.908,86, que corresponde à valorização resultante das benfeitorias uteis realizadas pela Recorrente e por si custeadas em valor superior aquela valorização, ou seja, da quantia de € 107.908,86.


63. No que concerne ao direito de retenção, entendeu o douto Tribunal a quo que não se encontravam verificados os requisitos, porquanto, esta não pagou o valor das obras, não existindo, assim, qualquer crédito.


64. Preceitua o disposto no art. 754º do Código Civil “O devedor que disponha de um crédito contra o seu credor goza do direito de retenção se, estando obrigado a entregar certa coisa, o seu crédito resultar de despesas feitas por causa dela ou de danos por ela causados.”.


65. “O direito de retenção, previsto nos arts. 754º e 755º, ambos do Código Civil, traduz-se no direito conferido ao credor, que tem a posse de uma coisa e está obrigado a entregá-la a outrem, de a reter enquanto não lhe for satisfeito aquilo que, em ligação com ela, lhe é devido. II. São, assim, pressupostos deste direito: i) a posse e obrigação de entrega duma coisa; ii) a existência, a favor do devedor, dum crédito exigível sobre o credor; iii) e a existência de uma conexão causal entre o crédito do detentor e a coisa, ou seja, este crédito acha-se ligado à coisa, visando o pagamento de despesas que o detentor com ela efectuou ou a indemnização de prejuízos que em razão dela sofreu - «debitum cum re junctum». (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 16/05/2019, no Proc. nº 61/11.7TBAVV-B.G1.S1)


66. In casu, estava a Recorrente na posse do imóvel, que devia entregar atenta a cessação do contrato de arrendamento; tem, como supra se demonstrou, um crédito sobre os Recorridos, proprietário do citado imóvel, objecto do arrendamento, referente à valorização resultante das benfeitorias realizadas, e; existe uma relação causal entre esse crédito e a coisa, porquanto, respeita, como se disse, indemnização resultante da valorização pelas benfeitorias realizadas no citado imóvel.


67. De modo que, no presente caso, a Recorrente exerceu o direito de retenção legitimamente, encontrando-se verificados os respectivos pressupostos, ao contrário do que entendeu o Tribunal a quo, violando, assim, o disposto no art. 754º do Código Civil, devendo assim considerar-se verificado.


68. Atentas as considerações e argumentos que se deixaram expendidos no que concerne ao direito de retenção, entende a Recorrente que nunca poderia ter sido condenada a pagar aos Recorridos uma indemnização pelo atraso na restituição do imóvel.


69. Com efeito, a Recorrente não restituiu o locado porque, legitimamente, se encontrava a exercer direito de retenção sobre o mesmo, o que era do perfeito conhecimento dos Recorridos, decidindo o Tribunal a quo em violação do citado art. 754º do Código Civil.


70. Assim, devia a Recorrente ter sido absolvida do pedido reconvencional deduzido pelos Recorridos, o que se requer.


Termos em que e nos mais de direito que V. Exas. muito doutamente suprirão, face ao exposto, deve a douta sentença, ora recorrida, ser revogada e substituída por outra que sanando os vícios indicados, condene os Recorridos no pagamento à Recorrente da quantia de € 107.908,86 e absolva a citada Recorrente da condenação no pedido reconvencional, nos termos e pelos motivos constantes das alegações e conclusões supra, assim fazendo V. Exas. a devida e esperada, Justiça.


8. Contra-alegaram os recorridos, pugnando pela confirmação da sentença recorrida.


9. O recurso foi admitido como de apelação, com subida nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.


10. Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.


*


II – Objecto do recurso


O objecto do recurso, salvo questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas conclusões dos recorrentes, como resulta dos artigos 608º, n.º 2, 635º, n.º 4, e 639º, n.º 1, do Código de Processo Civil.


Considerando o teor das conclusões apresentadas, importa decidir as seguintes questões:

i. Da nulidade da sentença;

ii. Da alteração da Matéria de facto;

iii. Do direito da A. ao recebimento das benfeitorias realizadas no prédio locado;

iv. Do direito de retenção da A.; e

v. Do pedido reconvencional.


*


III – Fundamentação


A) - Os Factos


A.1. Na 1ª instância foram dados como provados os seguintes factos:

1. Por via da ap. n.º 2 de 26-11-1991, encontra-se averbada a aquisição, por compra, a favor da autora, do prédio sito na Avenida 1, n.º 20, freguesia de Sítio A, Cidade 1, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 635, inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o artigo 1597.º

2. Através da ap. n.º 425 de 13-05-2019, encontra-se averbada a aquisição, por sucessão hereditária, a favor da ré, do prédio sito na Avenida 1, n.ºs 18ª, 20ª e 20C, freguesia de Sítio A, Cidade 1, descrito na Conservatória do Registo Predial, sob o n.º 359, inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o art. 1921.º.

3. Através da ap. n.º 1464 de 07-04-2021, encontra-se averbado o usufruto, por doação, a favor do réu, nela figurando como sujeito passivo a ré, casada com aquele em regime de separação de bens, do prédio referido em 2).

4. II, pai da ré, ali identificado como primeiro outorgante, e a autora, ali identificada como segundo outorgante, subscreveram o acordo escrito denominado «Contrato de Arrendamento Comercial», datado de 11 de Outubro de 2000.

5. Do referido documento, constam, entre outras as seguintes cláusulas:

«Declaram os outorgantes que concordam com o Arrendamento Comercial do armazém, artigo 1258 da freguesia de Sítio A sito na Avenida 1, 20 – Sítio A, propriedade do primeiro outorgante e que irá reger-se pelas seguintes condições:

1ª – O arrendamento é feito pelo prazo de 15 (anos) e terá o seu início em 1 de Janeiro de 2000 e termina em 31.12.2015, sendo renovável por iguais períodos de tempo se não for denunciado com 6 meses de antecedência em relação ao seu termino. (…)

3.º O arrendamento destina-se a comércio.

4.º Só serão permitidas obras mediante prévia autorização do senhorio, dada por escrito, sendo no entanto permitidas as necessárias à adaptação do bem arrendado para o fins a que se destina.»

6. O acordo em causa tinha como objecto a cedência do andar ou divisão com utilização independente do imóvel referido em 2), identificada na caderneta predial urbana pela designação «serv».

7. II, ali identificado como primeiro outorgante, e a autora, ali identificada como segundo outorgante, subscreveram o acordo escrito denominado «Aditamento ao contrato de arrendamento comercial celebrado em 11 de Outubro de 2000», datado de 01 de Janeiro de 2006.

8. Do referido documento, constam, entre outras as seguintes cláusulas:

«1.ª As áreas que ficam sujeitas ao contrato de arrendamento comercial do prédio, artigo 1258 da Freguesia de Sítio A, sito na Avenida 1, n.º 20, em Sítio A, propriedade do 1.º outorgante, são as indicadas na planta anexa que faz parte integrante do presente aditamento ao contrato de arrendamento.

2.ª Em consequência do aumento da área arrendada, a renda mensal sofre um agravamento de 375 Euros, iniciando-se a respectiva cobrança no dia 01/10/2006 e sendo o seu pagamento efectuado nos termos já previstos no contrato inicial de 11 de Outubro de 2000.

3.ª O 1.º outorgante declara autorizar as obras necessárias à adaptação das instalações arrendadas aos fins a que se destinam. Concretamente, áreas de serviço da unidade hoteleira, snack-bar / restaurante, loja de artesanato e produtos regionais, pólo de exposição e esplanada.

4ª O 1º outorgante declara ter conhecimento que o 2º outorgante pretende ceder a exploração de algumas das áreas de negócio, que implicam a utilização pelos concessionários de parte das instalações objecto do presente contrato.

5.ªAtendendo à alterações nas áreas coberta e descoberta produzidas pelas obras a fazer no prédio pelo 2º outorgante, este declara assumir a responsabilidade pela eventual correcção das instalações objecto do presente contrato.

6.ª Face ao aumento da área arrendada e ao custo das obras a serem suportadas pelo 2º outorgante acorda-se que o prazo do arrendamento previsto no contrato inicial, passa a vigorar para toda área arrendada pelo prazo de 15 anos a contar da data do presente contrato e tendo o seu termino em 31-12-2020, sendo renovável por iguais períodos de tempo se não for denunciado com 6 meses de antecedência, em relação ao seu termino, por nenhuma das partes.»

9. As áreas supra referidas na cláusula 1.ª correspondem aos andares ou divisões com utilização independente do imóvel referido em 2), identificadas na caderneta predial urbana pelas designações «Arma1» e «Arma2».

10. Em momento anterior a 11 de Outubro de 2000, data da subscrição do acordo mencionado em 5), as zonas do prédio referido em 2), objecto dos aludidos acordos, correspondiam a um conjunto de armazéns em mau estado de conservação, que necessitava de obras ao nível do reboco e pintura.

11. Antes da subscrição do acordo mencionado em 5), o imóvel referido em 2) destinava-se essencialmente a arrumos/armazém (nomeadamente de sapatos, no âmbito da actividade empresarial da sociedade JJ, S.A..), servindo esporadicamente de espaço para a realização de eventos de diversão nocturna.

12. Tendo em vista a adaptação das zonas do imóvel referido em 2), objecto dos aludidos acordos, para os fins relacionados com a exploração de uma unidade hoteleira por parte da ré, nomeadamente a criação de um restaurante, vestiários para os funcionários, esplanada e zona de serviços, a autora procedeu à realização das seguintes obras e fornecimento de equipamentos:

- Zona do restaurante/Snack- Bar:

a) Demolição de paredes interiores, incluindo carga e transporte a vazadouro, demolição de pavimentos, lajes e escavações necessárias, picagem de reboco em paredes existentes;

b) Colocação de alvenaria simples de tijolo 30x20x11 assente com argamassa de cimento e areia ao traço, incluindo vergas de vãos e travamentos;

c) Cantarias, fornecimento e assentamento de soleiras em granito amaciado, fornecimento e assentamento de peitoris em granito amaciado, fornecimento e montagem de bancadas para lavatórios em granito polido;

d) Revestimento de paredes com estuque projectado em paredes interiores, incluindo pintura com tinta plástica, fornecimento e assentamento de azulejo, fornecimento e assentamento de xisto clivado, incluindo reboco;

e) Fornecimento de montagem de tecto falso em pladur, pintado a tinta plástica, fornecimento e montagem de tecto falso em placas metálicas e reboco afagado com tinta plástica;

f) Revestimento de pavimentos e rodapé, calçada miúda de vidraço e basalto polida, mosaico em xisto clivado, fornecimento de assentamento de mosaico porcelânico antiderrapante, idem em rodapé;

g) Serralharias, caixilharia de alumínio termolacado, incluindo vidro duplo, ferragens e assentamento, janelas;

h) Portas interiores do tipo vicaima, folheadas e tola nas duas faces incluindo aros, ferragens, fechaduras, vidros e acabamento com verniz;

i) Instalação de equipamento sanitário, montagem de urinol em aço inox, montagem de lavatório de serie assimétrica, fornecimento e montagem de torneira misturadora temporizada, fornecimento e montagem de fluxómetro para urinol, fornecimento e montagem de ajudas para deficientes em aço inox, sanita modelo image, fornecimento e montagem de torneiras de esquadria em autoclismos;

j) Instalação de rede de águas e esgotos com o fornecimento e instalação de tubagem em aço inox à vista ou em roço, em instalação interior de abastecimento de água, execução de rede de esgotos domésticos em tubagem;

l) Instalação eléctrica e telecomunicações de distribuição interior, incluindo trabalhos e materiais;

m) Execução de rede de gás, incluindo tubagem, acessórios e trabalhos;

n) Fornecimento e aplicação de equipamentos e rede de segurança contra incêndios;

o) Diversos, fornecimento e montagem de ar condicionado, instalação de equipamento hoteleiro: hotte, fogão, fritadeira, grelhador lava louça, lava mãos, armário mural inox, armário frigorifico, máquina lavar roupa, secador roupa, calandra automática, fornecimento e aplicação de porta corta fogo;

- Arranjos Exteriores e Armazém -

p) Demolições, picagem de reboco do muro existente, demolição de paredes simples ou duplas em alvenaria, em abertura ou alargamento de vãos;

q) Movimentação de Terras, abertura de caixa de caixa de pavimento e escavação para implantação de fundação de anexo;

r) Betão de limpeza C12/15 em fundações, betão C16/20, aço 400 NR, incluindo cofragem e descofragem, Lage aligeirada com vigotas pré- esforçadas. Abobadilhas, incluindo malha-sol, massame em betão C16/20, armado com malha sol;

s) Alvenarias dupla de tijolo, incluindo isolamento térmico;

t) Coberturas, telha lisa cor natural incluindo isolamento térmico, beirado à portuguesa, fornecimento e montagem de sub-telha onduline, incluindo acessórios;

u) Revestimentos em paredes, reboco areado em paredes exteriores com argamassa de cimento e areia, reboco areado em paredes interiores com argamassa de cimento e areia, socos e molduras de vãos, reboco em muro exterior com argamassa de cimento e areia, revestimentos em pavimentos, mosaico porcelânico grespor, incluindo betanilha de assentamento, cimento cola e betumagem de juntas, rodapé porcelânico grespor, assente com cimento cola, incluindo betumagem de juntas, revestimento em tectos, reboco areado em tectos interiores com argamassa de cimento e areia, sanca em meia cana de remate do tecto com parede;

v) Cantarias, soleira em granito com 5 cm espessura, peitoril em granito amaciado com 4 cm de espessura;

x) Serralharia, caixilharia de alumínio termolacado com vidro duplo, reparação de portão exterior em obra, porta de alumínio gama básica, janela de alumínio gama básica;

z) Carpintaria: pérgula em madeira de casquinha;

aa) Pintura de paredes exteriores com tinta plástica tipo dioflex, pinturas de paredes de tecto interiores com tinta plástica tipo interplaste, pintura de muro exterior com tinta plástica tipo dioflex;

bb) Rede de águas com tubagens em hidronil, incluindo válvula de seccionamento, abertura e tapamento de valas e roços, rede de esgotos com tubagens em PVC, incluindo ligação á rede de esgotos domésticos e abertura e tapamento de valas ou roços;

cc) Fornecimento e aplicação de lancil em betão;

dd) Pavimentos exteriores, fornecimento e aplicação de calçada grossa de granito e lajetas de xisto;

ee) Vedação, fornecimento e montagem de vedação em rede elástica e fornecimento e montagem de sede artificial de ocultação – € 1.463,30;

ff) Arranjos Exteriores, fornecimento e colocação de terra vegetal, fertilização, preparação do solo e sementeira de relvado, bem como plantação de espécies variadas e todo os trabalhos acessórios - € 813,52;

gg) Instalações eléctricas, rede eléctrica de distribuição interior em armazém, composta de quadro, circuitos interiores peotegidos por tubo rígido, circuitos para iluminação, circuitos de iluminação de segurança, circuito para tomada de corrente, trabalhos e materiais;

hh) Fornecimento e colocação de parede divisória em pladur, incluindo todos os materiais e acabamento necessário.

13. A realização das obras e o fornecimento de equipamentos acima descritos representaram um custo de cerca de 135.740,00€, não tendo sido possível apurar o valor concreto de cada parcela.

14. No âmbito do Sistema de Incentivos a Produtos Turísticos de Vocação Estratégica (SIVETUR – 00-16689), a autora celebrou um contrato tendo em vista a concretização de um projecto de investimento de criação de uma unidade hoteleira, que compreendia a realização das obras mencionadas em 12), bem como de obras no imóvel referido em 1), e outros investimentos, tais como equipamentos, projectos e estudos. [redacção determinada no recurso]

15. No âmbito do referido contrato, a autora recebeu um incentivo não reembolsável no valor total de 141.466,05€

16. As obras acima referidas transformaram as aludidas zonas do imóvel referido em 2), nelas criando um restaurante com esplanada, loja de apoio, lavandaria e outros serviços de apoio ao hotel e ao restaurante, zona de apoio aos funcionários (casa de banho, vestiários e acesso), cozinhas, arrumos de apoio ao hotel e ao restaurante, casa de banho para os clientes do hotel.

17. A realização das obras referidas em 12) (nas quais não se incluem o fornecimento de equipamentos, nomeadamente o sistema de exaustão, o fogão, fritadeira, grelhador, lava louça, lava mãos, armário mural, armário frigorífico, bancada frigorífica, máquina de lavar roupa, secador de roupa, calandra automática), geraram uma valorização do imóvel referido em 2) de 107.908,86€.

18. O primitivo proprietário, KK, entretanto falecido, visitou por várias vezes o imóvel referido em 2) durante o período da realização das obras, bem como após a conclusão das mesmas.

19. Em 2006, após a conclusão das obras referidas em 12), a autora passou a explorar uma unidade hoteleira denominada “Boutique Hotel B”, instalada nos imóveis referidos em 1) e 2).

20. O custo da construção da referida unidade hoteleira ascendeu a sensivelmente 800.000,00€ (nele se incluindo o custo com projectos e estudos prévios).

21. Através de carta datada de 8 de Maio de 2020 remetida à autora, a ré comunicou-lhe o seguinte:

«Venho por este meio denunciar o contrato de arrendamento comercial celebrado a 11 de Outubro de 2000 e aditado a 1 de Janeiro de 2006, denunciando o mesmo para o termo do seu prazo, isto é, para 31/12/2020.

Assim sendo, solicito a entrega do locado no dia 1 de Janeiro de 2021, livre de pessoas e bens.»

22. Por via de carta datada de 29-12-2020, remetida à ré e por esta recebida em 31-12-2020, a autora comunicou-lhe o seguinte:

«Na sequência da v/ carta datada de 8 de Maio de 2020 e das conversações entre os nossos Mandatários nos últimos meses, informo que é nossa intenção proceder á entrega do arrendado no termo do contro de arrendamento, sendo certo porém que, tal não irá ocorrer até ao pagamento das quantias que nos são devidas.

Com efeito, tendo em conta as obras devidamente autorizadas que realizámos no arrendado e que lhe aumentaram significativamente o valor, valor esse já apurado sendo certo que, até que tal não suceda iremos exercer o nosso direito de retenção sobre o arrendado, até á resolução definitiva da situação.»

23. As obras mencionadas em 12) encontram-se integradas no imóvel referido em 2), não podendo dele ser retiradas sem a sua deterioração.

24. O hotel mencionado em 19) encerrou em Dezembro de 2018.

25. Desde Janeiro de 2021 (inclusive) a autora não entregou à ré qualquer quantia, a título de renda, por conta dos acordos mencionados em 5) e 7).

26. Em Março de 2024, as zonas objecto das obras supra mencionadas encontravam-se em bom estado de conservação, excepção feita a uma pequena construção erigida na entrada, correspondente a um espaço de loja, que apresentava infiltrações (por força de intempéries), bem como a zona d/c e 1.º andar.

*

A.2. E consideraram-se como não provados os seguintes factos:

a) Em Dezembro de 2020, o valor estipulado nos acordos mencionados em 5) e 7), a título de renda, ascendia a 900,78€.


b) Em Dezembro de 2020, o valor estipulado nos acordos mencionados em 5) e 7), a título de renda, ascendia a 915,84€.


c) O custo das obras em causa, referido em 13), foi suportado pela autora. [eliminada em recurso]


d) Os réus pretendem fazer uso do referido imóvel como armazém.


*


B) – Apreciação do Recurso/O Direito


Da nulidade da sentença


1. A recorrente invoca a nulidade da sentença prevista na alínea c) do n.º 1 do artigo 615º do Código de Processo Civil, a qual ocorre quando “[o]s fundamentos estejam em oposição com a decisão, ou ocorra ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível”.


A nulidade prevista na 1.ª parte da alínea c) do referido preceito legal remete-nos para o princípio da coerência lógica da sentença, pois que entre os fundamentos e a decisão não pode haver contradição lógica. Não está em causa o erro de julgamento, quer quanto aos factos, quer quanto ao direito aplicável, mas antes a estrutura lógica da sentença, ou seja, quando a decisão proferida seguiu um caminho diverso daquele que apontava os fundamentos.


Porque assim é, as nulidades da decisão, são vícios intrínsecos da própria decisão, deficiências da estrutura da sentença que não podem confundir-se com o erro de julgamento que se traduz antes numa desconformidade entre a decisão e o direito (substantivo ou adjectivo) aplicável. Nesta última situação, o tribunal fundamenta a decisão, mas decide mal; resolve num certo sentido as questões colocadas porque interpretou e/ou aplicou mal o direito.


E a decisão é obscura quando contém alguma passagem cujo sentido não seja ininteligível e é ambígua quanto algum trecho se preste a interpretações diferentes.


No caso em apreço, a recorrente imputa a dita nulidade por contradição entre os factos provados referentes aos custos das obras e respectivos financiamentos, enunciados nos pontos 12 a 15, 17 e 20, e o facto não provado constante da alínea c), invocando ainda ambiguidade da fundamentação que conduziu ao facto não provado.


Sucede, porém, que a contradição entre factos provados e não provados, assim como entre factos provados, não determina qualquer nulidade da sentença por contradição entre os fundamentos e a decisão nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil. Nestas circunstâncias podemos estar perante um erro ou vício da decisão de facto, situações que encontram acolhimento na previsão do artigo 662.º do Código de Processo Civil, relativamente à modificabilidade da decisão de facto, mas não constituem nulidades da sentença.


Deste modo, não ocorrendo qualquer contradição entre os fundamentos e a decisão, nem padecendo a sentença de qualquer ambiguidade ou obscuridade, não ocorre a apontada nulidade.


Da alteração da Matéria de facto


2. A recorrente pretende a alteração da alínea c) dos factos não provados e a alteração da redacção do ponto 14) dos factos provados, indicando o sentido das alterações pretendidas e as provas em que se fundamenta, pelo que se entende ter dado cumprimento aos ónus de especificação, previstos no artigo 640º do Código de Processo Civil, a que está adstrito o recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto.


Vejamos, então, os factos impugnados e se ocorre fundamento para as pretendidas alterações.


3. Na alínea c) deu-se como não provado que:


«c) O custo das obras em causa, referido em 13), foi suportado pela autora.»


3.1. Com este facto procurava-se apurar se foi a A. que suportou o custo das obras de adaptação que efectuou no prédio arrendado, necessárias à exploração da unidade hoteleira em causa nos autos, e que estão descritas no ponto 12) dos factos provados, com o valor de € 135.740,00, indicado no ponto 13).


O Tribunal recorrido não considerou como provado este facto, aduzindo a seguinte fundamentação:

«… relativamente ao ponto c), importa mencionar que decorreu da factualidade dada como provada que a autora recebeu incentivos não reembolsáveis no valor de 141.466,05€ - cfr. pontos 14) e 15).

Porém, a autora não realizou prova susceptível de demonstrar que os incentivos em causa não foram alocados na realização das obras mencionadas em 12) e, consequentemente, que os custos em apreço foram por esta suportados integralmente – note-se que nem o legal representante da autora, nem as testemunhas DD e EE (aqui mencionados, tendo em conta a sua razão de ciência) não lograram esclarecer o Tribunal quanto a esta matéria.

Acresce que, competia à autora o ónus de provar esta matéria - cfr. arts. 473.º e 1273.º, n.º 2 do C.C. e 5.º n. º1 do C.P.C. – sendo certo que a dúvida sobre a demonstração de um facto resolve-se contra a parte a quem o facto aproveita – cfr. art. 414.º do C.P.C.»

2.2. A recorrente discorda, apontando a contradição entre os factos provados (12, 13, 14, 15, 17 e 20) e o facto negativo impugnado (constante da alínea c)), e aduzindo argumentação, com fundamento, em parte, em factualidade que não consta do elenco factual dado como provado, que, alegadamente, retira de documentos juntos e prova gravada, para concluir que, “… em termos práticos, apenas a quantia de € 11.282,82, correspondeu ao apoio não reembolsável aplicável nas obras realizadas no prédio dos recorridos”.


Ora, independentemente da posição que se tomará quanto à alteração do facto em causa, sempre se dirá que não existe contradição entre a resposta negativa dada e os ditos factos provados, porque destes não se retira a conclusão que tenha sido a A. a custear a totalidade das obras e equipamentos referidos em 12, com o valor indicado no ponto 13). E foi isso mesmo que o tribunal a quo disse, ao referir que “a autora não realizou prova susceptível de demonstrar que os incentivos em causa não foram alocados na realização das obras mencionadas em 12) e, consequentemente, que os custos em apreço foram por esta suportados integralmente (sublinhado nosso).


Ou seja, o que se disse foi que não havia prova em como foi a A. a custear a totalidade das obras, e não que não tinha suportado parte das mesmas.


Questão diferente é a de saber se, atendendo aos ditos factos provados [concretamente, que o custo da construção da unidade hoteleira, denominada “Boutique Hotel B”, instalada no imóvel arrendado e no que pertencia à A., ascendeu a cerca de € 800.000,00, dos quais € 135.740,00 se referem ao imóvel dos RR. (obras e equipamentos descritos no ponto 12), e que para concretização do projecto, que compreendia a realização das obras realizadas em 12), ou seja, no imóvel dos RR., a A. recebeu um incentivo não reembolsável no valor total de € 141.466.05­], se pode extrair a conclusão de que a A. suportou parte do custo das obras referidas em 12) e 13), como pretende demonstrar no recurso.


Porém, constituindo tal matéria conclusão a extrair dos factos provados e da interpretação/valoração que dos mesmos se faça, não deve a mesma constar do elenco da matéria de facto, mas a considerar em sede de integração jurídica, que oportunamente se fará. Aí se aferirá se a factualidade provada permite a conclusão de que parte dos custos com as obras e equipamentos nela incluídos, referentes ao imóvel arrendado, se podem considerar como suportadas pela A., e não custeadas com os incentivos não reembolsáveis.


Por este motivo, não se procede, em sede de recurso quanto à matéria de facto, à apreciação da alteração pretendida pela recorrente, no sentido de se apurar qual o custo da referida obra que foi por aquela suportado, e determina-se a eliminação da alínea c) dos factos não provados.


4. Pretende também a A. a alteração da redacção do ponto 14 dos factos provados [“14.No âmbito do Sistema de Incentivos a Produtos Turísticos de Vocação Estratégica (SIVETUR – 00-16689), a autora celebrou um contrato tendo em vista a concretização de um projecto de investimento de criação de uma unidade hoteleira, que compreendia a realização das obras mencionadas em 12), bem como de obras no imóvel referido em 1)”], apenas para que se adite que também estavam incluídos outros investimentos, não referentes a obras de construção civil, tais como os equipamentos, projectos e estudos, como refere na conclusão 57ª.


Para dar como provada a referida matéria o Tribunal recorrido baseou-se no documento carreado para os autos em 17/10/2024 (ref.ª 2638204), complementado pelas declarações do legal representante da A. quanto a esta matéria.


Não se questiona que a celebração do contrato em causa, que está devidamente documentado nos autos, tinha em vista a concretização do projecto de investimento de criação da unidade hoteleira em causa, nem que nele estavam incluídas as obras realizadas no imóvel arrendado, indicadas em 12).


O documento acima referido é a informação prestada pelo Turismo de Portugal, a solicitação do tribunal, comprovativa da celebração do dito contrato, ao abrigo do Sistema de Incentivos a Produtos Turísticos de Vocação Estratégica (SIVETUR), com menção dos montantes disponibilizados, constando também dos autos o contrato e mapa de investimentos anexo, juntos com a réplica.


Ora, em face da prova documental e bem assim das declarações do legal representante da A., que a recorrente invoca, não se suscitam dúvidas de que o dito projecto incluía outros investimentos, designadamente equipamentos, projectos e estudos. Nem os recorridos colocam em causa tal realidade.


Deste modo, deve ser alterado o referido ponto da matéria de facto, no sentido pretendido pela recorrente, mas sem necessidade de descriminação exaustiva de todos os equipamento que refere.


Assim, ao ponto 14 dos factos provados será aditado o seguinte: “… e outros investimentos, tais como equipamentos, projectos e estudos”.


Do direito da A. ao recebimento das benfeitorias realizadas no prédio locado


5. Nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 216.º do Código Civil, “[c]onsideram-se benfeitorias todas as despesas feitas para conservar ou melhorar a coisa”, acrescentando-se no n.º 2 que “[a]s benfeitorias são necessárias, úteis ou voluptuárias.” E esclarece-se no n.º 3, que: “São benfeitorias necessárias as que têm por fim evitar a perda, destruição ou deterioração da coisa; úteis as que, não sendo indispensáveis para a sua conservação, lhe aumentam, todavia, o valor; voluptuárias as que, não sendo indispensáveis para a sua conservação nem lhe aumentando o valor, servem apenas para recreio do benfeitorizante.”


Na sentença caracterizara-se as despesas efectuadas pela A. no imóvel arrendado como benfeitorias úteis, em face da factualidade enunciada em 7), 8), 9), 10), 12) e 21), o que não vem questionado no recurso.


Efectivamente, como se diz na sentença, no seu início, o contrato de arrendamento visava essencialmente a cedência do locado, com a finalidade de este servir como armazém.


Posteriormente, na sequência da tomada de decisão da autora em enveredar pela criação e concretização de um projecto de exploração de uma unidade hoteleira, esta acordou com o primitivo senhorio em alterar os termos do contrato de arrendamento, de modo a adaptar o mesmo àquela finalidade.


A referida alteração passou pelo (i) aumento da área locada, (ii) autorização da realização de obras adaptadas a esse fim, (iii) extensão do prazo de duração do contrato e (iv) aumento do valor estipulado a título de renda.


Posteriormente, a autora realizou as autorizadas obras de adaptação do locado, criando-se, assim, uma unidade hoteleira, instalada nos prédios referidos em 1) e 2), com a autorização/anuência expressa na cláusula 3ª do aditamento ao contrato.


E, como também se diz na sentença, o resultado das obras realizadas pela A. não corresponde a uma benfeitoria necessária, porque as mesmas visaram essencialmente a transformação do imóvel em causa de modo a adaptá-lo à finalidade de exploração de uma unidade hoteleira.


Com efeito, não se extrai da matéria apurada que, caso a A. não procedesse à realização das obras mencionadas, se verificasse a perda ou deterioração do imóvel – veja-se a este propósito a factualidade inserida no ponto 10), que alude à necessidade de realização de obras apenas ao nível da pintura e reboco.


As obras realizadas, descritas no ponto 129 constituem, pois, benfeitorias úteis, que resultaram resultaram na valorização do imóvel em 107.908,86€.


6. E não colhe o argumento dos RR./recorridos de que as obras em causa em nada os beneficiam, constituindo, outrossim, um encargo já que pretendem utilizar o referido espaço como armazém.


Ora, não só este último facto foi dado como não provado, como se entende que a questão atinente à intenção actual quanto ao destino a dar ao imóvel se afigura despicienda, porque, como também se diz na sentença, a partir do momento em que o primitivo proprietário autorizou/consentiu na realização das obras de adaptação do locado (o que afasta a aplicação do regime previsto no art. 1046.º do Código Civil), perspectivou forçosamente que o dito imóvel sofreria uma alteração estrutural (insusceptível de ser revertida sem recurso à realização de novas obras de fundo), transformando a finalidade a que o mesmo se destinava, aumentando o seu valor (veja-se a este propósito a cláusula 5.ª da adenda que já previa uma eventual correcção do valor patrimonial em função da realização das aludidas obras, que demonstra a percepção dos contraentes quanto a esta matéria). Ou seja, estando ciente das circunstâncias acima referidas, o proprietário optou por celebrar a alteração do negócio em causa, obtendo a correlativa vantagem patrimonial.


Acresce que, ao contrário do que foi invocado pelos RR. na contestação, não resulta da cláusula 6ª do aditamento ao contrato a exclusão do direito ao valor das benfeitorias.


Efectivamente, como se diz na sentença:

«… de acordo com a redacção da cláusula 6.ª da adenda em análise [ponto 8)], as partes acordaram no aumento da renda e extensão do período de duração do contrato em função do aumento da área arrendada.

Noutro plano, as partes acordaram responsabilizar o arrendatário pelo eventual aumento do valor do imposto a pagar em virtude do incremento patrimonial para efeitos fiscais.

Note-se que esta cláusula não reflecte o entendimento das partes no sentido de fazer repercutir na esfera patrimonial da arrendatária toda e qualquer consequência decorrente da realização das obras, vedando-lhe o direito a receber a respectiva indemnização pelas benfeitorias. Até porque, em bom rigor, o aludido binómio direito/dever decorrente da cláusula em análise só poderia produzir efeitos durante a vigência do contrato (as partes nada estipularam quanto aos efeitos da referida cláusula em momento posterior à cessação do contrato).

Efectivamente, a redacção das cláusulas em análise faz transparecer com evidência os pressupostos do negócio acordado entre as partes, nomeadamente: (i) investimento avultado a cargo da autora no locado com a consequente compensação ao nível da extensão do prazo de modo a salvaguardar a durabilidade a longo prazo da exploração da unidade hoteleira; (ii) aumento da área arrendada e correlativo incremento do valor da renda, de modo a equilibrar o feixe obrigacional entre as partes; (iii) transferência da responsabilidade tributária no que concerne ao aumento do valor patrimonial, durante a vigência do contrato, de modo a equilibrar o feixe obrigacional em causa.

Em suma, não se retira do clausulado em apreço qualquer exclusão do direito relativo a benfeitorias.

Pelo contrário, o teor das descritas cláusulas reflecte, sim, a base negocial que alicerçou a celebração da dita adenta, assente na vontade da autora em criar e explorar um hotel instalado, em parte, no locado e, por seu turno, a vontade do primitivo senhorio em transformar o contrato de arrendamento de modo a aprofundar a rentabilização do seu imóvel.»

7. Mas será que a A. tem o direito a receber o valor das benfeitorias úteis realizadas no locado?


Nos termos do n.º 2 do artigo 1273º do Código Civil, “[q]uando, para evitar o detrimento da coisa, não haja lugar ao levantamento das benfeitorias, satisfará o titular do direito ao possuidor o valor delas, calculado segundo as regras do enriquecimento sem causa”.


E, como se prescreve do n.º 1 do artigo 473º do Código Civil, “[a]quele que, sem causa justificativa, enriquecer à custa de outrem é obrigado a restituir aquilo com que injustamente se locupletou”, acrescentando-se no n.º 2 que “[a] a obrigação de restituir, por enriquecimento sem causa, tem de modo especial por objecto o que for indevidamente recebido, ou o que for recebido por virtude de uma causa que deixou de existir ou em vista de um efeito que não se verificou”.


A obrigação de restituir fundada no injusto locupletamento, à custa alheia, pressupõe, pois, a verificação simultânea de três requisitos: (i) a existência de um enriquecimento; (ii) obtenção deste à custa de outrem; e (iii) falta de causa justificativa dessa valorização patrimonial [Cfr, neste sentido, Mário Júlio de Almeida Costa, Direito das Obrigações, 12ª edição, Almedina, pág. 491, Inocêncio Galvão Telles, Direito das Obrigações, 7ª edição, Reimpressão, 2010, Coimbra Editora, pág. 195, Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. I, 10.ª edição, 2004, págs. 480 e segts, e Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Vol. I, 2ª edição, Almedina, pág. 381].


Como se diz no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 24/03/2017 (proc. n.º1769/12.5TBCTX.E1.S1), disponível, como os demais citados, em www.dgsi.pt:


«O enriquecimento representa uma vantagem ou benefício, de carácter patrimonial e susceptível de avaliação pecuniária, produzido na esfera jurídica da pessoa obrigada à restituição e traduz-se numa melhoria da sua situação patrimonial, «encarada sob dois ângulos: o do enriquecimento real, que corresponde ao valor objectivo e autónomo da vantagem adquirida; e o do enriquecimento patrimonial, que reflecte a diferença, para mais, produzida na esfera económica do enriquecido e que resulta da comparação entre a sua situação efectiva (real) e aquela em que se encontraria se a deslocação se não houvesse verificado (situação hipotética)» [Cfr. Mário Júlio de Almeida Costa, Direito das Obrigações, 12ª edição, Almedina, págs. 492 e 493, e F.M. Pereira Coelho, O enriquecimento e o dano, separata dos anos XV e XVI da Ver de Direito e Estudos Sociais, 2ª reimpressão, Coimbra 2003, págs. 24 e sgts e 36 e sgts.].


A vantagem patrimonial obtida por alguém tem como contrapartida, em regra, uma perda ou empobrecimento efectivo de outrem, ou seja, ao enriquecimento de um corresponde o empobrecimento de outro, existindo entre esses dois efeitos uma «correlação, no sentido de que o facto ou factos que geram um geram também o outro. Numa palavra, enquanto o património de um valoriza, aumenta ou deixa de diminuir, com o outro dá-se o inverso: desvaloriza, diminui ou deixa de aumentar» [Cfr., neste sentido, Inocêncio Galvão Telles, Direito das Obrigações, 7ª edição, Reimpressão, 2010, Coimbra Editora, págs. 197 e 198, e Mário Júlio de Almeida Costa, Direito das Obrigações, 12ª edição, Almedina, págs. 495 e 496].


Essa deslocação patrimonial, quando realizada, sem causa justificativa, obriga à restituição que tem por objecto o que for, indevidamente, recebido, ou o que for recebido, por virtude de uma causa que deixou de existir ou em vista de um efeito que não se verificou (artigo 473º, n.º 2, do Cód. Civil). (…)»


8. Na sentença considerou-se estar demonstrado que as obras em causa não são susceptíveis de serem retiradas sem deterioração do imóvel, bem como o facto de o prédio em causa ter sofrido uma valorização em virtude daquela intervenção – cfr. pontos 17) e 23) –, e que, assim, a fixação da quantia referente a uma eventual compensação deverá corresponder à supra mencionada valorização, na medida em que traduz o enriquecimento em apreço, conforme decorre da conjugação dos convocados regimes plasmados nos artigos 473.º e 1273.º, n.º 2, ambos do Código Civil.


Porém, excluiu-se o direito à compensação, por não estar verificado o requisito do empobrecimento da A. com a realização das ditas obras, porquanto se concluiu que “… a autora recebeu um incentivo financeiro estatal não reembolsável (grosso modo a fundo perdido – cfr. artigos 13.º e 17.º da Portaria 1214-B/2000, de 27 de Dezembro que cria o Sistema de Incentivos a Produtos Turísticos de Vocação Estratégica (SIVETUR) no valor de 141.466,05€ [pontos 14) e 15)], sendo certo que as obras em causa representaram um custo de cerca de 135.740,00€ [cfr. ponto 13)]”, e “o Tribunal considerou não ter sido provado o facto de haver sido a autora a suportar o custo daquelas obras.”


A R./recorrente discorda desta conclusão, pelas razões que alinha nas conclusões do recurso, e, desde já se adianta que se entende que lhe assiste razão, pelos motivos que se passam a explicar.


9. Não subsistem dúvidas de que para que haja lugar a compensação no âmbito do enriquecimento sem causa tem que existir uma correlação entre o enriquecimento e o suporte deste, as mais da vezes traduzido num sacrifício económico, como já se referiu.


Em face dos factos apurados, efectivamente, não se pode concluir que a A. tenha suportado integralmente o custo das obras realizadas na parte do arrendado, no valor de € 135.740,00, pois sabemos que no âmbito da realização do investimento para criação da unidade hoteleira aqui em causa, onde se inclui o arrendado, beneficiou de um incentivo financeiro no âmbito do SIVETUR, do qual € 141.466,05 foram não reembolsáveis (cf. pontos 13, 14 e 15 dos factos provados).


De facto, resulta da informação prestada pelo Turismo de Portugal, junta em 17/10/2024 (ref.ª 2638204), que a A. celebrou ao abrigo do Sistema de Incentivos a Produtos Turísticos de Vocação Estratégica (SIVETUR) um contrato, nos termos do qual lhe foi concedido um incentivo no valor total de € 231.853,80, do qual apenas foi libertada a quantia de € 225.412,77, de acordo com a seguinte imputação: «Incentivo reembolsável libertado: € 209.866,80; Incentivo não reembolsável libertado: € 15.545,97».


Consta ainda do mesmo documento que:


« …, do incentivo concedido a título reembolsável, foi convertido em prémio de realização, a quantia de € 125.920,08, conforme cópia do ofício SAI/2010/14021 de 2010-07-15, que se anexa, pelo que o valor do incentivo reembolsável devolvido passou a ser de € 83.946,72, que resulta da diferença entre o incentivo reembolsável libertado € 209.866,80 e o valor convertido em prémio de realização, € 125.920,08 (que passou a titulo não reembolsável).


Em conclusão, o montante total do incentivo não reembolsável ascendeu a € 141.466,05, que resulta da soma do valor do prémio de realização € 125.920,08, e do incentivo não reembolsável, € 15.545,97.»


Daí que se tenha dado como provado no ponto 15) que no âmbito do referido contrato a A. tenha recebido de incentivo não reembolsável a quantia de € 141.466,05, ainda que o valor de € 125.920,08 tenha sido atribuído a final, a título de prémio de realização, como estava previsto no contrato.


Porém, este valor total do incentivo não reembolsável foi alcançado no âmbito do contrato que tinha em vista a concretização do projecto de investimento referente à criação da unidade hoteleira, que compreendia as obras mencionadas em 12 (no arrendado), bem como as obras no imóvel referido em 1) (pertença da A.), e outros investimentos, como equipamentos, como consta do facto provado em 14). Ou seja, no âmbito do projecto para o investimento de criação da unidade hoteleira, e não apenas para as obras referidas em 12), no imóvel arrendado, referido em 2).


Deste modo, entende-se, como justo e adequado fazer repercutir o valor do incentivo não reembolsável, em função da proporção que as despesas feitas pela A. com as obras no arrendado representam em relação ao valor total do investimento realizado para criação da unidade hoteleira.


E a este respeito apurou-se que o custo total da construção da unidade hoteleira ascendeu a cerca de € 800.000,00 (facto 20) e que a realização das obras e o fornecimento de equipamentos no arrendado, referidos em 12), cifrou-se em € 135.740,00 (facto 13), o que representa cerca de 17% do custo total do investimento.


Assim, e sabendo-se que o incentivo não reembolsável, no âmbito do contrato em causa, foi de € 141.466,05, entende-se ser lícito concluir, em face dos factos provados, que apenas cerca de € 24.049,00 devem ser considerados como não tendo sido suportados pela A. no pagamento daquelas despesas, o que traduz um custo para a A. de cerca de € 117.417,05.


Porém, embora se conclua ser este o montante do prejuízo da A., esta apenas tem direito a ser reembolsada pelos RR. pelo valor do acréscimo patrimonial que com o investimento realizado se cifrou em € 107.908,00 (facto 17)), e que constitui o enriquecimento dos RR..


Por conseguinte, tem a A. direito a ser ressarcida por este valor, acrescido de juros de mora vencidos e vincendos, que pedem, à taxa legal, a contar da citação.


Do direito de retenção da A.


10. Como resulta dos autos, a A. recusa-se a entregar o locado enquanto não lhe for pago o crédito que detém sobre os RR., por via da valorização do imóvel, invocando o direito de retenção.


O direito de retenção, que vem enunciado no artigo 754º do Código Civil, onde se prevê que “[o] devedor que disponha de um crédito contra o seu credor goza do direito de retenção se, estando obrigado a entregar certa coisa, o seu crédito resultar de despesas feitas por causa dela ou de danos por ela causados”, depende de três requisitos: a) a detenção da coisa que deve ser entregue a outrem tem de ser lícita; b) o detentor, devedor da entrega da coisa, há-se ser, por sua vez, credor da pessoa com direito à entrega da coisa; c) o crédito do detentor tem de estar directamente conexionado com a coisa detida, devendo resultar de despesas feitas por causa dessa coisa ou de danos por ela causados (cf., entre outros, o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 21/01/2016- proc. n.º 464/12.0TBAVV.G1).


Na sentença recusou-se tal pretensão da A. com fundamento no facto de esta não ter provado que tinha custeado as obras no arrendado.


Outro, porém, foi o entendimento agora alcançado, pelo que, tendo-se concluído que a A. custeou as ditas obras, até em montante superior ao da valorização alcançada no imóvel, e mostrando-se reunidos os demais requisitos referidos no artigo 754º do Código Civil – posto que, a A. estava na posse do imóvel, que devia entregar atenta a cessação do contrato de arrendamento, tem, como se demonstrou um crédito sobre os RR., aos quais pertence o imóvel objecto do arrendamento, referente à valorização resultante das benfeitorias realizadas, e existe uma relação causal entre esse crédito e a coisa, porquanto, respeita a compensação resultante da valorização pelas benfeitorias realizadas no citado imóvel –, conclui-se assistir à A. o invocado direito de retenção do imóvel pelo crédito que detém sobre os RR..


Do pedido reconvencional


11. Quanto ao pedido reconvencional, o mesmo foi julgado procedente no que se reporta ao direito dos RR. a exigir da A. o pagamento de indemnização pela não restituição do locado, tendo-se condenado a A. “no pagamento de uma indemnização aos reconvintes BB e CC, correspondente ao valor da renda mensal que se vier apurar em sede de liquidação de sentença, subordinada ao limite máximo de 915,84€ (novecentos e quinze euros e oitenta e quatro cêntimos), desde 01-01-2021 até à efectiva entrega do locado, acrescida de juros de mora, calculados à taxa de 4%, desde os respectivos vencimentos até efectivo e integral pagamento”.


Porém, o direito à indemnização pelo atraso na restituição da coisa, fundado no artigo 1045º do Código Civil, a que a decisão se reporta, tinha como pressuposto a violação pela A., arrendatária, do dever de restituição do locado findo o contrato de arrendamento, que ocorreu em 31/12/2020, por denúncia do senhorio, que solicitou a entrega do locado no dia 01/01/2021.


Contudo, tendo-se concluído assistir à A. o direito de retenção, deixou de subsistir o pressuposto de facto em que assentou a condenação, pelo que o pedido reconvencional tem necessariamente que improceder.


12. Em síntese, procede a apelação, com a consequente revogação da sentença recorrida, julgando-se parcialmente procedente a acção, condenando-se os RR. no pagamento da quantia supra referida, reconhecendo-se o direito de retenção, e absolvendo-se a A. do pedido reconvencional.


Vencidos na apelação, suportarão os RR. o pagamento das custas (cf. artigo 527º, n.º 1 e 2, do Código de Processo Civil).


*


C) – Sumário […]


*


IV – Decisão


Nestes termos e com tais fundamentos, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar procedente a apelação e, em consequência, revogar a sentença recorrida, no que se reporta aos excertos decisórios constantes das alíneas a) e b) e, julgando-se parcialmente procedente a acção e improcedente o pedido reconvencional:

a. Condenar os RR. no pagamento à A. da quantia de € 107.908,00 (cento e sete mil novecentos e oito euros), acrescida de juros de mora, à taxa legal, a contar da citação, até efectivo e integral pagamento;

b. Reconhecer à A. o direito de retenção do imóvel objecto do contrato de arrendamento.


Custas a cargo dos Apelados.


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Évora, 16 de Dezembro de 2025


Francisco Xavier


Ana Pessoa


Manuel Bargado


(documento com assinatura electrónica)