Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | MÁRIO COELHO | ||
Descritores: | PROMOÇÃO E PROTECÇÃO DE MENORES INTERESSE DO MENOR MEDIDA CAUTELAR | ||
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Data do Acordão: | 02/25/2021 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Sumário: | 1. Na aplicação de medidas de promoção e protecção de criança ou jovem em risco, o mais importante é o seu superior interesse, devendo a medida a aplicar ser a necessária e a adequada a salvaguardar a criança ou o jovem do perigo em que se encontra no momento da aplicação da medida. 2. O princípio da prevalência da família deve ser afastado, quando se conclui que, quer a família restrita, quer a família alargada, não se apresentam como alternativas viáveis para salvaguardar a jovem dos seus comportamentos agressivos e autodestrutivos. 3. A medida de acolhimento residencial, com integração em comunidade terapêutica para desintoxicação, representando um sacrifício para todos – para a jovem, mas também para a sua família – deve ser aplicada caso se apresente como potencialmente positiva para o são desenvolvimento da jovem. (Sumário do Relator) | ||
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Decisão Texto Integral: | Sumário: (…) Acordam os Juízes da 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora: No Juízo de Família e Menores de Santarém, o Digno Magistrado de Ministério Público requereu a abertura de processo judicial de promoção e protecção, com pedido de aplicação de medida de promoção e de protecção, em relação à jovem (…), nascida a 13.08.2004, filha de (…), sem paternidade registada. O referido requerimento foi fundamentado nos seguintes termos: 1.º “(…) nasceu em 13.08.2004, sendo filha de (…). 2.º Em 05.10.2019, a PSP de Santarém (NPP …/2019) comunicou à CPCJ de Santarém que foi necessário deslocar-se à Travessa de (…), n.º 8, 1.º-Dt.º, em Santarém, por haver notícia de tentativa de suicídio de menor, que no caso era a (…). 3.º Nessa ocasião, a menor foi transportada ao Hospital de Santarém, juntamente com a mãe, tendo aí dado entrada sob o episódio de urgência n.º (…). 4.º Então, a (…) ingeriu 7 comprimidos Trifen 200 invocando que não conseguia dormir. 5.º A situação da menor foi sinalizada à CPCJ de Santarém, que em 09.10.2019, instaurou PPP a favor da mesma. 6.º Das diligências efectuadas pela referida CPCJ apurou-se que a jovem vive apenas com a mãe, que é o seu único suporte. 7.º Na ocasião dos factos, a progenitora da menor informou a mencionada entidade que se tratou de uma situação pontual e irreflectida relacionada com um rompimento amoroso. 8.º A progenitora informou que a (…) tinha dificuldades de inserção na turma escolar devido a diagnóstico de “puberdade precoce”, não reconhecendo existirem problemas relacionais entre ambas nem problemas de cariz económico. 9.º A mãe da (…) informou ainda que, não obstante viverem sozinhas, têm o apoio e supervisão dos avós maternos, pelo que não careciam de qualquer tipo de ajuda e intervenção da CPCJ de Santarém. 10.º Isto, apesar de a (…) necessitar de ser acompanhada em psicologia e em pedopsiquiatria. 11.º De acordo com a progenitora a jovem iniciou apoio mensal em pedopsiquiatria com a Dra. (…), do Hospital da CUF de Santarém, aguardando o apoio psicológico escolar accionado junto da DT. 12.º Em Outubro de 2019, a (…) frequentava o 10.º ano na E.S. (…), em Santarém. 13.º A (…) foi transferida, no início do terceiro período, do ano lectivo de 2018-2019 do Algarve para o Agrupamento de Escolas (…). 14.º Anteriormente, a jovem já havia sido sinalizada pela CPCJ de Olhão por causa de graves problemas disciplinares no terceiro ciclo, situações de agressões e incumprimento perante a sua mãe. 15.º No ano lectivo de 2019-2020 a aluna matriculou-se no Agrupamento de Escolas (…). 16.º A Escola informou que a (…) manifestou, ao longo do primeiro período, muitas dificuldades na adaptação quer à escola, quer à turma e ainda quanto às rotinas escolares consentâneas com a sua idade e condição. 17.º A (…) apresentou outros interesses que não os escolares, pelo que nos intervalos procura outros alunos que a podem levar a adoptar comportamentos de risco. 18.º Acresce, que a progenitora autorizou a saída em todos os intervalos ou horários em que a (…) não esteja a frequentar a Escola. 19.º Perante os factos ocorridos em 05.10.2019, a DT e a Direcção do Agrupamento contactaram a CPCJ de Santarém para tentarem perceber como poderiam ajudar a (…). 20.º Nesse contexto, foi solicitado apoio à psicóloga da escola no sentido de ajudar a jovem a adaptar-se à Escola, tendo sido agendadas três sessões, sendo que aquela faltou a duas e a Psicóloga não pode dar a terceira sessão uma vez que foi alterado o horário escolar da aluna. 21.º No segundo período, foram remarcadas novas sessões de apoio psicológico na escola em consonância com o seu horário, mas a (…) nunca compareceu. 22.º A progenitora entregou declaração médica segundo a qual: “… à jovem (…) foi-lhe diagnosticada puberdade precoce facto que a pode limitar a apresentar um desempenho regular físico ou intelectual … acrescido de grande instabilidade emocional que indicia dificuldades em manter um relacionamento interpessoal estável com os que lhe são próximos.” 23.º A (…) toma medicação desde Outubro de 2019, sendo permanentemente controlada quer pela pedopsiquiatra quer pela mãe. 24.º Em 04.02.2020, a (…) já tinha várias faltas, todas justificadas por atestado médico. 25.º Para além do apoio psicológico a Escola disponibilizou ainda apoio individualizado por parte da DT, à quarta-feira, no horário de DTAL, mas a (…) também nunca compareceu. 26.º Para além disso, a (…) foi sentada junto à mesa do professor com vista a fomentar a sua motivação e concentração. 27.º A progenitora sempre apresentou uma postura preocupada quer quanto ao aproveitamento, quer quanto à assiduidade da filha. 28.º Pese embora, a progenitora revelou muitas dificuldades em impor limites à (…). 29.º Na primeira semana do segundo período a (…) iniciou as aulas com uma assiduidade muito irregular, apresentando uma postura de sonolência e de inércia face às actividades propostas, justificando a mãe que se tratava de efeitos secundários da medicação que aquela tomava para ataques de ansiedade e de fobia escolar. 30.º No entanto, a aluna era vista dentro e fora do recinto escolar a falar com alunos do agrupamento, mas recusava-se a ir às aulas alegando fobia escolar. 31.º Em 03.09.2020, pela 01:27h, a PSP de Santarém (NPP …/2020) foi chamada à Rua (…), em Santarém, onde havia uma jovem alcoolizada, vindo a constatar-se ser a (…), a qual se encontrava bastante alcoolizada e desorientada, necessitando de observação médica em virtude do que a mesma foi transportada ao HDS aí tendo observada sob o episódio clínico n.º … (01:47h). 32.º Tendo sido comunicada a situação à mãe da menor a mesma informou a entidade policial de que a filha sofre de “hipomania”, estando a ser seguida no HD Estefânia – Unidade Articulada – Clínica da Juventude, no Pavilhão 34, no Parque de Saúde de Lisboa, Av. (…), 53, 1749-002 Lisboa. 33.º Segundo a mãe da (…) a mesma foi internada em Abril de 2020, na referida Clínica da Juventude, com o mencionado diagnóstico de hipomania. 34.º A mãe informou ainda que a filha estava, então, a frequentar uma escola semiprivada em Lisboa. 35.º Em 12.10.2020, a mãe da (…) accionou a PSP de Santarém (NPP …/2020) informando que a filha estava alterada e com comportamentos agressivos, tendo-se ausentado para parte incerta e, não obstante, a ter procurado durante algum tempo, não a conseguiu encontrar. 36.º No dia 15.10.2020, a PSP de Santarém (NPP …/2020) por referência a nova tentativa de suicídio da (…). 37.º Depois de várias tentativas goradas de contacto com a progenitora da (…), em 19.10.2020, a mesma informou a CPCJ de Santarém de que a nova tentativa de suicídio da filha estava relacionada com a doença de hipomania de que a mesma padece, que a leva a provocar dor em si própria, pelo que, em 15.10.2020, a jovem usou uma lâmina para cortar os pulsos. 38.º Nesse contexto, a jovem foi levada para o HDS e daí para o HD Estefânia – Clínica da Juventude, em Lisboa, onde continua a ser acompanhada e onde tinha consulta em 20.10.2020. 39.º À data, a (…) estava a estudar em Lisboa, mas já não resida com a tia, pois não gostava de cumprir regras pelo que estava a ir e vir diariamente para lá, onde continuava a estudar. 40.º De acordo com a mãe a jovem anda com más companhias o que ainda contribui para agravar mais a sua situação. 41.º Em 20.10.2020, pelas 16:35h, a (…) andava descompensada e agressiva tendo sido necessário chamar a PSP (NPP …/2020). 42.º Em 23.10.2020, a mãe da (…) informou a CPCJ de que a filha acabou de a agredir (deu-lhe uma tareia) e ofender verbalmente na rua em frente à Segurança Social, em Santarém e fugiu com a sua carteira, onde tinha dinheiro. Este episódio originou a NPP …/2020 da PSP. 43.º Na sequência deste episódio a mãe da (…) foi internada no Serviço de Psiquiatria do HD de Santarém. A progenitora pediu para ser internada, referiu estar farta de pedir ajuda e que ninguém lhe vale, tendo telefonado à psiquiatra de Lisboa que, segundo ela, não valorizou a gravidade da situação. 44.º A (…) faz consumos de haxixe. 45.º Em 26.10.2020, estando a mãe internada, depois de ter passado o fim-de-semana sozinha e indo acompanhada da tia materna, (…), a jovem recorreu ao Serviço de Urgência do HDS com ideação suicida e automutilação, referindo que costumava consumir haxixe e que iria consumir tudo o que aparecesse. 46.º No entanto, após ter sido observada pela pediatra, a (…) abandonou o hospital recusando fazer análises, tendo regressado passado algum tempo, referindo ter estado a consumir haxixe (referiu fumar aproximadamente 6 ganzas por dia, acrescendo binge drinking semanal e fumando um maço de cigarros por dia), o que se verificou, igualmente com o psiquiatra tendo, posteriormente, regressado mais calma. 47.º Constatou-se que a jovem estava sem retaguarda familiar efectiva: então, a mãe internada, por desgaste e stress emocional e a tia, grávida de gémeos, está saturada da situação. 48.º Nesse contexto, a jovem foi encaminhada para o HD Estefânia, Clínica da Juventude, Unidade Partilhada do CHLC, existindo o plano de encaminhamento da (…) para uma clínica de desintoxicação. 49.º A mãe dirigiu-se à Segurança Social para tratar da colocação da (…) numa clínica de desintoxicação: articulação entre a Clínica da Juventude e a Comunidade Terapêutica (…). 50.º A progenitora da (…) foi visitá-la ao HDE e ela pediu-lhe que a levasse do internamento e insultou-a. 51.º Quando colocada perante a hipótese de acolhimento da (…) em comunidade terapêutica, a mãe refere não pretender que a filha lhe seja retirada e colocada numa instituição porque provém de uma família de bem e com bons hábitos. 52.º As análises revelam consumos de substâncias canabinóides por parte da (…). 53.º Em 04.11.2020, a CPCJ de Santarém contactou a progenitora da (…) para obtenção de Acordo de Promoção e de Protecção e referiu que não concordava com a proposta pela equipa médica que acompanha a filha e que era de integração em comunidade terapêutica para desintoxicação pois, considera não terem sido esgotadas todas as possibilidades de tratamento, estando inclinada para assinar termo de responsabilidade. 54.º Dado que, na perspectiva da CPCJ de Santarém esta era a única medida de promoção e de protecção que se ajustava à situação actual da problemática da (…) e por continuar a discordar da opção de integração da filha em comunidade terapêutica a mãe da jovem, em 05.11.2020, retirou o seu consentimento para intervenção da CPCJ de Santarém. 55.º A (…) não tem estrutura familiar que constitua suporte efectivo de contenção pelo que a proposta da equipa da Clínica da Juventude é também o de encaminhamento para clínica para efeitos de desintoxicação. 56.º A mãe da (…) tem uma atitude que não ajuda a filha ao não ser consistente com a necessidade de internamento da mesma para efeitos de tratamento e desintoxicação, pois depois de passada a situação geradora de instabilidade naquela altera a sua posição para a desnecessidade da integração em comunidade terapêutica, oscilando, posteriormente, para outra postura clamando que ninguém a ajuda, quando surgem os picos da crise. 57.º Para além disto, a progenitora da (…) está muito desgastada, gradualmente deixou de conseguir impor limites à filha, que já lhe deu uma “tareia” e lhe roubou dinheiro, não a acatando nem respeitando. 58.º Acresce, que o avô materno morreu durante a pandemia. 59.º A tia materna, (…) vive na zona de Lisboa, tem uma filha mais velha, estava grávida de gémeos, acolheu a (…) quando ela iniciou a frequência da escola em Lisboa e que a acompanhou ao SU do HDS quando a mãe foi internada também não a conseguiu conter nem ajudar no grau que a mesma necessita. 60.º Com efeito, a (…) atingiu um ponto em que carece de um tipo de intervenção e tratamento específico, sistemático e controlado à sua problemática psíquica e aos seus consumos de haxixe, entre outros, consumos estes com todas as inerentes consequências nefastas naquele contexto de saúde. 61.º Verifica-se que a (…) não tem, actualmente, um contexto familiar estruturado e consistente, seguro, que a acompanhe nas suas actividades de regresso à escola e ainda quanto aos actos auto lesivos e de consumo de estupefacientes. 62.º Aliás, salienta-se que o internamento da (…) na Clínica da Juventude, em Lisboa teve lugar quando a sua progenitora se encontrava, ela própria internada no HDS e na sequência de a jovem ter comparecido no SU do HDS. 63.º Assim, carecendo a (…) de integração em comunidade terapêutica para tratamento especializado, tempestivo e adequado à intercorrência entre os seus problemas de saúde psíquica e de toxicodependência, para além dos hábitos alcoólicos e tabágicos e não reconhecendo a progenitora, único familiar directo da menor, esta necessidade (estando em auto-negação), verifica-se que a jovem se encontra em sério risco para a sua saúde, desenvolvimento, formação e integração educativa e social urgindo a aplicação à mesma de medida de promoção e de protecção que a retire e proteja do aludido contexto de risco.” Na mesma data de apresentação do requerimento inicial, foi proferido despacho aplicando à jovem a medida cautelar de acolhimento residencial, a executar em Comunidade Terapêutica a indicar pela Segurança Social, pelo período de seis meses, enquanto se procede à definição do seu encaminhamento subsequente. Mais foi determinado que o Instituto da Segurança Social procedesse ao acompanhamento da medida cautelar, a qual deveria ser revista no prazo máximo de 3 meses. Para o efeito, foi determinado que o ISS remeteria atempadamente relatório social tendente a tal revisão e, no prazo de 30 dias após o início da sua execução, juntaria aos autos informação social sobre o modo como a mesma decorria e, designadamente, como decorria a inserção da jovem na Comunidade Terapêutica. Mais foi declarada aberta a instrução do processo, e após cumprimento do referido despacho, seria designada data para audição da progenitora e da jovem (…). Deste despacho recorre a mãe, concluindo: 1. Face à escassa factualidade dada como provada no mesmo e ao Direito aplicável, a medida cautelar aplicada revela-se pouco criteriosa, desequilibradamente doseada, e temporalmente ineficaz, mais sendo actualmente desfavorável e contra o superior interesse da menor visada. 2. A menor encontra-se a esta data a ser seguida a nível de médico particular pelo Dr. (…), médico psicoterapêutico, custeado inteiramente pela mãe da menor. 3. A menor encontrava-se a esta data do internamento completamente estável a nível familiar, social, escolar, o que a presente medida cautelar veio a ameaçar. 4. A menor tem diversos familiares que se prestam a recebê-la e acolhê-la no seu seio familiar. 5. A menor não se mostra assim neste momento, em situação de perigo pelo que não se percebe a presente medida cautelar aplicada. 6. Reunidos os elementos sobre a situação da criança ou do jovem, a comissão restrita, em reunião, deverá apreciar o caso, arquivando o processo quando a situação de perigo não se confirme ou já não subsista, o que desde já se requer com carácter de urgência com vista a tentar minimizar os danos causados pela presente medida cautelar, respeitando o disposto no artigo 98.º, n.º 1, da LPCJP. Nas suas contra-alegações, o Digno Magistrado do Ministério Público conclui nos seguintes termos: 1. Decorre dos autos que a jovem (…) consume produtos estupefacientes e bebidas alcoólicas, consumos estes que, por si só, não consegue abandonar. 2. Os comportamentos que a jovem tem vindo a assumir, nomeadamente, os comportamentos de automutilação, de consumo excessivo de medicamentos e de agressão à respectiva mãe, revelam que a mesma se encontra emocionalmente instável, necessitando de acompanhamento médico especializado. 3. Apesar de todo o seu esforço e boa vontade, a progenitora da jovem não tem conseguido demover a sua filha dos comportamentos desajustados que a mesma tem vindo a assumir. 4. Decorre dos autos que no dia 15 de Outubro de 2020 a jovem cortou os pulsos, não sendo esta a primeira vez, que adoptou comportamentos auto-lesivos. 5. (…) é seguida em pedopsiquiatra e nem tal acompanhamento foi de molde a evitar que a mesma adoptasse este tipo de comportamentos, em particular, os comportamentos de automutilação. 6. A medida de promoção e protecção de apoio junto da mãe não se revela, neste momento, adequada, nem proporcional à situação de perigo em que a jovem se encontra, nem seria eficaz para remover tal situação, já que (…) assume comportamentos que a respectiva mãe não consegue conter. 7. De igual modo, a medida de apoio junto de outro familiar também não se mostra adequada, nem proporcional, nem eficaz. 8. A tia (…), com quem a jovem viveu durante algum tempo, não consegue acompanhar a jovem de forma adequada, estando grávida de gémeos e tem outra filha mais velha, pelo que não dispõe, no imediato, das condições necessárias para proporcionar à jovem um acompanhamento próximo e continuado de que a mesma necessita. 9. A tia (…) e a avó (…) não foram antes mencionadas no processo como estando disponíveis para acolher a jovem e desconhecem-se, em absoluto, as condições das mesmas. 10. Ora, o apuramento das condições das mesmas não se compadece com a urgência da situação de perigo em que a jovem se encontra e com a absoluta necessidade de a proteger e de a afastar de tal perigo. 11. Atendendo aos comportamentos graves que (…) tem vindo a assumir, que colocam em perigo efectivo a sua saúde, a sua vida, a sua segurança e o seu crescimento harmonioso, a mesma está em situação de perigo grave que exige uma resposta contentora, efectiva e multidisciplinar, que só uma medida de acolhimento lhe pode proporcionar. 12. A medida de apoio para autonomia de vida pressupõe, pela sua própria natureza, um grau de maturidade do jovem que permita efectuar um juízo de prognose favorável quanto a uma vida independente por parte desde. 13. Tal equivale a dizer que tal medida, exige um grau de maturidade compatível com a responsabilidade inerente a tal autonomia. 14. No caso dos autos, e sem questionarmos as capacidades da jovem, constata-se que os comportamentos que (…) tem vindo a adoptar, não legitimam a conclusão de que a mesma dispõe de maturidade suficiente para que pudesse ser aplicada em seu benefício a medida de apoio para autonomia de vida. 15. Para além de não estar preenchido o pressuposto básico da existência, por parte da jovem, de um grau de maturidade e de responsabilidade, medida não se mostraria eficaz para afastar (…) da situação de perigo em que se encontra, já que (…) necessita de ajuda externa, técnica. 16. Em suma, a medida de promoção e protecção aplicada ergue-se como uma medida proporcional à situação de perigo em que (…), adequada a sua situação pessoal e eficaz para afastar tal perigo, pelo que é a medida que melhor salvaguarda a jovem e que, de forma efectiva, a protege e promove os seus direitos (cfr. artigo 4.º, alíneas d) e e), da Lei de Protecção das Crianças e Jovens em Perigo). 17. Tudo, para concluir que, ressalvando sempre o devido respeito por opinião diversa, a decisão recorrida não merece reparo. Em termos de suporte fáctico, a decisão funda-se nos elementos documentais anexos ao requerimento inicial, que consistem em: 1. Assento de nascimento da jovem, demonstrando o seu nascimento a 13.08.2004, filha de (…), encontrando-se por preencher os locais destinados à identificação do pai; 2. Deliberação da CPCJ de 04.11.2020, propondo a aplicação da medida de acolhimento residencial, por um ano; 3. Participações policiais relativas a factos ocorridos a 05.10.2019 (tentativa de suicídio da menor), 03.09.2020 (menor alcoolizada), 12.10.2020 (ausência da menor em parte incerta), 15.10.2020 (tentativa de suicídio da menor), 20.10.2020 (condução da menor ao hospital), e 23.10.2020 (discussão familiar e subsequente internamento hospitalar da progenitora); 4. Processo de promoção e protecção n.º (…), elaborado pela Comissão de Protecção de Crianças e Jovens de Santarém, em consequência de sinalização de menor em risco, efectuada pela PSP de Santarém em 07.10.2019; 5. Deste processo consta: a) Participação policial por factos ocorridos em 05.10.2019, reportando tentativa de suicídio da menor, por ingestão de comprimidos; b) Deliberação da CPCJ de 09.10.2019, determinando a abertura do processo de promoção e protecção; c) Declaração de consentimento da progenitora para intervenção da CPCJ de Santarém, assinada em 22.10.2019; d) Declaração de não oposição à mencionada intervenção, assinada pela menor na mesma data; e) Folha de registo do 1.º contacto da CPCJ com a progenitora e a jovem, em 22.10.2019, mencionando que vivem sozinhas, a figura paternal não reconheceu a paternidade, e que a situação motivadora da sinalização era meramente pontual, devida a questões de carácter amoroso; f) Pedido efectuado à escola frequentada pela jovem para envio de relatório escolar, com indicação de assiduidade, comportamento/inserção grupo/escola, e interacção família/escola; g) Relatório escolar datado de 04.02.2020, mencionando que a jovem estava matriculada no 10.º ano e que havia sido transferida do Algarve no início do 3.º período do ano lectivo de 2018/2019, tendo sido sinalizada na CPCJ de Olhão por graves problemas disciplinares; que havia sido proposta para apoio psicológico e para apoio individualizado, a que não compareceu; que apresentava assiduidade irregular; e que na primeira semana de aulas do segundo período apresentou uma postura sonolenta e de inércia face às actividades propostas em sala de aula, justificada pela progenitora como efeitos secundários de medicamentos que estava a tomar para controlo de ataques de ansiedade e fobia escolar; h) Participação policial por factos ocorridos em 03.09.2020, por a menor se encontrar “bastante alcoolizada e desorientada”, tendo sido conduzida em ambulância ao hospital, para observação médica; i) Folha de registo de contacto telefónico com a mãe, em 22.09.2020, referindo internamento em Abril de 2020, diagnóstico de hipomania e seguimento de psicoterapia e terapêutica familiar de mãe e filha; j) Participação policial por factos ocorridos em 12.10.2020, por a mãe desconhecer o paradeiro da menor, após esta se encontrar “alterada e com comportamentos agressivos”; k) Sinalização policial por factos de 15.10.2020, por tentativa de suicídio da menor, através de corte dos pulsos, carecendo de estabilização e condução de emergência ao hospital; l) Folha de registo de tentativa de contacto com a progenitora, em 16.10.2020, sem sucesso; m) Registo de contacto telefónico com a mãe, em 19.10.2020, referindo esta que a tentativa de suicídio se devia à hipomania de que padece a jovem, que esta teria sido conduzida ao Hospital de Santarém e daí ao Hospital D. Estefânia, e que tinha nova consulta agendada na Clínica da Juventude no dia 20; n) Registo de contacto telefónico com a mãe, em 23.10.2020, referindo esta que a filha tinha acabado de a agredir em frente à Segurança Social, e que tinha fugido com o dinheiro; mais referiu que a filha consumia haxixe; o) Registo de contacto telefónico com a assistente social do Hospital Distrital de Santarém, em 26.10.2020, referindo que a jovem havia recorrido nesse dia ao serviço de urgência, com ideação suicida e automutilação; mais referiu que a mãe se encontrava internada no serviço de psiquiatria, desde o dia 23, “após um episódio em que a jovem lhe deu uma tareia na rua frente à segurança social, roubou-lhe a carteira e fugiu”; mais se refere que a jovem havia voltado algum tempo depois ao serviço de urgência, mencionando que tinha estado a consumir haxixe, fumando “aproximadamente 6 ganzas por dia”; pedia para ser internada para desintoxicação; estava acompanhada da tia materna, grávida, e que esta se encontrava “muito saturada da situação”; p) Registo de contacto telefónico com a tia materna em 27.10.2020, mencionando que a jovem estava internada na Unidade Partilhada do (…) e a mãe internada em psiquiatria; revelava cansaço; o plano era a jovem ser encaminhada para uma clínica de desintoxicação; q) Registo de contacto telefónico com a mãe em 30.10.2020, mencionando que tinha recebido alta hospitalar, tendo sido marcada consulta de psicoterapia; que a filha estava internada na Unidade Partilhada da Estefânia, para estabilização; r) Relatório de observação da urgência pediátrica do Centro Hospitalar Universitário de Lisboa, mencionando que, face à sintomatologia objectivada, a jovem havia sido internada na Unidade Partilhada do Centro Hospitalar Psiquiátrico de Lisboa, em 26.10.2020; s) Registo de contacto telefónico com a mãe em 04.11.2020, mencionando que iria visitar a filha ao local onde estava internada desde 26.10.2020, mas que não concordava com a proposta que lhe estava a ser apresentada pela equipa médica, de integração da jovem numa comunidade terapêutica para desintoxicação, por considerar não terem sido esgotadas todas as propostas de tratamento; tendo sido informada que era intenção da CPCJ efectuar uma proposta idêntica, a mãe informou que iria retirar o consentimento de intervenção; t) Comunicação via e-mail da CPCJ à assistente social do Centro Hospitalar Psiquiátrico de Lisboa, datada de 05.11.2020, informando que consideravam não existir apoio familiar que transmitisse segurança e pudesse acompanhar a jovem nas suas actividades, nomeadamente no regresso à escola; a família alargada também não era capaz de manter um ambiente seguro, protegendo a jovem dos seus comportamentos autolesivos e consumo de estupefacientes; u) Declaração de retirada do consentimento para intervenção da CPCJ, assinada pela mãe em 05.11.2020; v) Deliberação da CPCJ de 05.11.2020, para envio do processo ao Ministério Público; w) Informação da CPCJ, datada de 06.11.2020, descrevendo os factos supra e ainda que o avô materno havia falecido durante a pandemia; x) Em relação ao episódio de urgência de 26.10.2020, a informação diz o seguinte: “O episódio de urgência que culmina com o internamento actual, acontece após o fim-de-semana em que a jovem fica sozinha, sem supervisão, pois a mãe estava internada, relata consumo regular de haxixe. Vai à urgência acompanhada pela tia … (pessoa de referência afectiva, que está grávida de gémeos, tem uma filha mais velha e não conseguiu conter a situação, nem ajudar a sobrinha). Somos contactados pela assistente social de serviço na pediatria, efectuando ponto da situação. (…) está descontrolada, inclusivamente interrompe o episódio de observação médica para consumir haxixe por duas vezes (primeiro com a pediatra e depois com o psiquiatra), voltando posteriormente ao serviço de urgência, mais calma para terminar observação. Refere consumo actual diário de seis ganzas por dia, binge drinking semanal, fumadora de um maço de cigarros/dia”; y) Esta informação conclui nos seguintes termos: “(…) consideramos que actualmente não existe suporte familiar que transmita segurança e possa acompanhar a (…) nas suas actividades, nomeadamente no regresso à escola. Apesar de haver família materna alargada, esta não se tem revelado, também capaz de manter um ambiente seguro, protegendo a jovem dos seus comportamentos auto lesivos e consumo de estupefacientes identificado. Mãe parece em auto negação da situação, pois em situação de crise solicita ajuda e refere que os serviços não a ajudam, quando a crise passa considera-se capaz de ajudar a filha não permitindo accionar outro tipo de medidas.” Aplicando o Direito. De acordo com o artigo 37.º da Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo[1] – de que serão todos os artigos infra citados, sem outra menção – a título cautelar, o tribunal pode aplicar as medidas previstas nas alíneas a) a f) do n.º 1 do artigo 35.º, nos termos previstos no n.º 1 do artigo 92.º, ou enquanto se procede ao diagnóstico da situação da criança e à definição do seu encaminhamento subsequente. Da conjugação dos artigos 91.º, nº 1 e 92.º, nº 1, resulta que o tribunal, a requerimento do Ministério Público, quando lhe sejam comunicadas as situações de perigo actual ou iminente para a vida ou de grave comprometimento da integridade física ou psíquica da criança ou jovem, e na ausência de consentimento dos detentores das responsabilidades parentais ou de quem tenha a guarda de facto, profere decisão provisória, no prazo de quarenta e oito horas, confirmando as providências tomadas para a imediata protecção da criança ou do jovem, aplicando qualquer uma das medidas previstas no artigo 35.º ou determinando o que tiver por conveniente relativamente ao destino da criança ou do jovem. A intervenção para promoção dos direitos e protecção da criança e do jovem em perigo tem lugar quando os pais, o representante legal ou quem tenha a guarda de facto ponham em perigo a sua segurança, saúde, formação, educação ou desenvolvimento, ou quando esse perigo resulte de acção ou omissão de terceiros ou da própria criança ou do jovem a que aqueles não se oponham de modo adequado a removê-lo – artigo 3.º, n.º 1. E considera-se que a criança ou o jovem está em perigo quando, designadamente, assume comportamentos ou se entrega a actividades ou consumos que afectem gravemente a sua saúde, segurança, formação, educação ou desenvolvimento sem que os pais, o representante legal ou quem tenha a guarda de facto se lhes oponham de modo adequado a remover essa situação – artigo 3.º, n.º 2, alínea g). Os princípios orientadores da intervenção para a promoção dos direitos e protecção da criança e do jovem em perigo vêm previstos no artigo 4.º, prevalecendo o interesse superior do menor – alínea a) – a privacidade, a intervenção precoce, a proporcionalidade e actualidade, a responsabilidade parental, o primado da continuidade das relações psicológicas profundas, a prevalência da família, a obrigatoriedade da informação, a audição obrigatória e participação, e a subsidiariedade. Mas haverá a ter em atenção que – como recentemente se escreveu no Supremo Tribunal de Justiça, em Acórdão de 29.10.2020 (Proc. 634/09.8TBPVZ-B.P1.S1)[2] – por mais desejável que seja a prevalência da família [alínea h) do artigo 4.º], o mais importante é o interesse superior da criança ou do jovem [alínea a) do artigo 4.º], devendo, em qualquer caso, a medida a aplicar ser a necessária e a adequada a salvaguardar a criança ou o jovem do perigo em que se encontra no momento da aplicação da medida [alínea e) do artigo 4.º]. E daí que – como igualmente se decidiu no mencionado aresto – quando se frustram as tentativas de aplicação de medidas no meio natural da vida da criança ou do jovem, torna-se necessária a aplicação de uma medida distinta/alternativa a esta. A decisão recorrida entendeu aplicar a medida de acolhimento residencial – artigo 35.º, n.º 1, alínea f) – argumentando que a jovem se encontra em situação de perigo decorrente dos comportamentos que vem assumindo, sem que a progenitora ou a tia materna sejam capazes de a demover. Mais entendeu que os perigos em que a jovem incorre reclamam intervenção imediata, de natureza cautelar e provisória, ao abrigo do artigo 37.º, permitindo acautelar o seu percurso escolar, bem-estar e segurança, enquanto se procede à definição do seu encaminhamento subsequente. Por seu turno, a mãe argumenta que a medida cautelar é desequilibrada e desfavorável ao superior interesse da jovem. Afirma que a jovem tem estado a ser seguida a nível médico psicoterapêutico, neste momento está estável a nível familiar, social e escolar, e existem diversos familiares que se prestam a recebê-la e acolhê-la no seu seio familiar. Analisando os factos, é inegável a situação de perigo da jovem, em virtude dos graves comportamentos que se acumularam num curto período temporal – o mês de Outubro de 2020 revela uma situação de total descontrolo, uma espiral autodestrutiva, quer com a grave tentativa de suicídio de 15.10.2020, com o corte dos pulsos, carecendo de estabilização e condução de emergência ao hospital, quer com a agressividade em relação à mãe – o que leva ao internamento hospitalar desta, em psiquiatria, a 23.10.2020 – quer com o furto de dinheiro à mãe, quer com o consumo descontrolado de canabinóides, tudo terminando com o internamento da jovem a 26.10.2020 na Unidade Partilhada do Centro Hospitalar Psiquiátrico de Lisboa, situação que se prolongou, pelo menos, até 05.11.2020. Concorda-se, pois, com a decisão recorrida quando conclui por uma situação de perigo da jovem, nomeadamente para os fins do artigo 3.º, n.ºs 1 e 2, alínea g), face aos seus graves comportamentos e à entrega a consumos que afectam a vida e a integridade física e psíquica, quer da própria jovem, quer da sua mãe, sem que esta, ou a família alargada sejam capazes de tomar as medidas adequadas a corrigir o seu comportamento. A questão que se coloca nos autos será a de saber se outra medida não seria mais adequada a proteger a jovem, senão a de acolhimento residencial com integração em comunidade terapêutica para desintoxicação, proposta pela CPCJ e pela equipa médica da Unidade Psiquiátrica onde a jovem se encontrava internada, ou se deveria ser adoptada outra medida de prevalência familiar. Pois bem, a (…) já atingiu os 16 anos de idade e os factos acumulados desde a sinalização ocorrida em Setembro de 2019, com a primeira tentativa de suicídio, revelam que a autoridade da mãe está fortemente degradada – a jovem já não guarda respeito à mãe e, pior, já não se importa com a sua própria integridade física e psíquica. Por outro lado, inexistindo a figura paternal – o assento de nascimento não identifica o pai e existem referências nos autos que o pretenso pai jamais aceitou a paternidade e assumiu as consequentes responsabilidades – também haverá a notar que a família materna alargada mostrou-se incapaz de corrigir a (…) e contribuir para a sua integral formação. Apenas uma tia materna se apresentou, na sequência do internamento da jovem de 26.10.2020, mas revelando total incapacidade para lidar com a situação. Em resumo, a mãe e a família alargada não se apresentam, de momento, como alternativas viáveis para salvaguardar a jovem dos seus comportamentos agressivos e autodestrutivos, pelo que não é possível concluir que a integração na família biológica constitua solução viável para salvaguardar a (…) do perigo em que se encontra. Neste contexto específico, não se pode afirmar que seja desadequada ou desproporcional a medida proposta pela CPCJ e pela equipa médica da Unidade Psiquiátrica onde a jovem foi internada – de acolhimento residencial, com integração em comunidade terapêutica para desintoxicação. Se esta medida representa um sacrifício para todos – para a jovem, mas também para a mãe e a família materna alargada – não deixa de se apresentar como potencialmente positiva para o são desenvolvimento da (…). O sucesso da medida dependerá de inúmeros factores, mas acima de tudo da atitude da própria (…), aceitando as lições positivas que poderá retirar do trabalho que irá desenvolver na comunidade terapêutica. Isto porque o objectivo não é a (…) ficar internada de modo indefinido. O objectivo é a (…) recuperar, tomar um novo rumo para a sua vida, adquirir valores e objectivos, e voltar para junto da sua família, dando apoio à sua mãe, num espírito de carinho e entreajuda familiar que todos merecem. O tempo dirá se estes objectos são atingidos. Mas apenas serão atingidos se houver aceitação e espírito de colaboração de todos os envolvidos – principalmente da (…), mas também da sua mãe e da família alargada. Por ora, apenas há dizer que o trabalho que foi iniciado deve ser continuado. E assim se decide pela manutenção da decisão recorrida. Decisão. Destarte, nega-se provimento ao recurso e confirma-se a decisão recorrida. Isento de custas – artigo 4.º, n.º 1, alínea i), do RCP. Évora, 25 de Fevereiro de 2021 Mário Branco Coelho (relator) Isabel de Matos Peixoto Imaginário Maria Domingas Simões __________________________________________________ [1] Aprovada pela Lei n.º 147/99, de 1 de Setembro, alterada pelas Leis n.º 142/2015, de 8 de Setembro; n.º 23/2017, de 23 de Maio; e n.º 26/2018, de 5 de Julho. [2] Publicado em www.dgsi.pt. |