Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
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| Relator: | FERNANDO BENTO | ||
| Descritores: | DIVÓRCIO POR MÚTUO CONSENTIMENTO PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO PROCESSO DE JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA | ||
| Data do Acordão: | 12/14/2006 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Meio Processual: | AGRAVO CÍVEL | ||
| Decisão: | NÃO PROVIDO | ||
| Sumário: | I - A falta de acordo de um dos cônjuges manifestada perante a Conservatória, quanto ao divórcio por mútuo consentimento aí requerido por mandatário a quem ele o seu cônjuge haviam conferido conjuntamente poderes para, além do mais, instaurar tal processo de divórcio por mútuo consentimento determina a imediata extinção do processo por inutilidade superveniente (e superveniente porque a vontade de divórcio deixou de existir...) da lide, sem necessidade de audiência prévia do outro cônjuge. II - Os processos de Jurisdição voluntária não são verdadeiramente processos de partes, titulares de interesses conflituantes; a jurisdição voluntária não resolve conflitos mas apenas interesses; logo, não se pode falar em partes no sentido em que esta designação tem na jurisdição contenciosa; como o seu próprio nome indica, a jurisdição voluntária visa a homologação de pedidos que não impliquem litígio | ||
| Decisão Texto Integral: | * Com data de 10 de Março de 2006, “A” e “B” - que se disseram residentes em …, freguesia de …, concelho de … e ambos acidentalmente residentes em França, ela em … e ele em … - outorgaram procuração conjunta, conferindo poderes aos Drs “C” e “D”, advogados, para requerer o divórcio, dissolvendo-se o casal matrimoniado no dia 29-07-1968, representando-os no requerimento a que se refere o art. 1419º na conferência ou conferências referidos nos artigos 1420º a 1423º, 1424º do CPC e 1776º do CC, deliberando o que aí for suscitado, sendo certo que não carecem de alimentos um do outro e do casal não há filhos sujeitos ao poder paternal, podendo ainda representá-los na atribuição de morada de família. PROCESSO Nº 2418/06 ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA * RELATÓRIO Mais consta da referida procuração que todas as despesas serão suportadas pela mulher e que os aludidos poderes podem ser substabelecidos. Em 13 de Julho de 2006 deu entrada na Conservatória do Registo Civil de … o requerimento inicial do processo de divórcio por mútuo consentimento de “B” e de “A”, subscrito pelo Dr. “C”. No dia 14 de Julho de 2006, “B”, em declaração por si assinada e dirigida ao EX.mo Conservador do Registo Civil de …, comunicou-lhe que já não pretendia divorciar-se e que o processo deveria ser arquivado no estado em que se encontrava. Mais declarou revogar o mandato (procuração) que conferiu aos EX.mos Srs. Drs. Advogados “C” e “D”. Por despacho de 17 de Julho de 2006, a EX.ma Conservadora, ponderando a validade da desistência do pedido quanto à legitimidade do requerente, ao objecto e à forma, declarou extinto o pedido de divórcio e ordenou o seu arquivamento. Mais acrescentou que, sendo a revogação do mandato livre e tendo a mesma tido lugar no próprio processo, deveria ter-se em atenção o disposto no art. 1173º do CC, ordenando, de seguida a notificação dos requerentes e dos mandatários constituídos da revogação do mandato. É deste despacho que vem o presente recurso interposto para esta Relação, cuja alegação finaliza com as seguintes conclusões: 1 - O aresto recorrido foi proferido à revelia da recorrente que, para o efeito, não foi previamente ouvida. 2 - A revogação do mandato que não estava inserida na competência da recorrida, proveio de acto único que continha manifestação das vontades do marido e mulher, não era susceptível de revogação pela vontade de um só dos mandantes. 3 - A recorrente não deve ser responsabilizada pela não chegada ao fim do processo, apenas imputável ao marido sobre quem deve recair o pagamento já feito por aquela à Conservatória e o mais devido. 4 - O marido não agiu com a transparência e boa-fé ao revogar o mandato após beneficiar de vantagens concertadas por ambos os cônjuges. Termos em que a decisão recorrida que deverá ser substituída por outra que ordene o prosseguimento do processo em ordem a apreciar-se o requerido na petição inicial. Assim requer por violação do disposto no art. 30 e alínea d) do nº 1 do art. 6680 e art. 1173º do Código Civil assim se fazendo Justiça! Não foram apresentadas contra-alegações. A EX.ma Conservadora proferiu despacho mantendo a decisão recorrida. Remetido o processo a esta Relação, após o despacho preliminar, foram corridos os vistos legais. Nada continua a obstar ao conhecimento do agravo. FUNDAMENTAÇÂO FACTOS Para além dos factos relevantes já constantes do relatório que antecede, consigna-se que: “B” e “A” contraíram entre si casamento em 29.07.1968 em …, concelho de … DIREITO O objecto do presente recurso, como decorre das conclusões da alegação, supõe a apreciação das seguintes questões: lnobservância do contraditório; Validade e eficácia da manifestação da falta de acordo para o divórcio por mútuo consentimento após a outorga de procuração e mandato por ambos os cônjuges na perspectiva desse processo. - Quanto à primeira: inobservância do contraditório: Sustenta a recorrente que não foi e deveria ter sido ouvida na sequência da manifestação de vontade de desistência do pedido e antes da prolação da decisão que a julgou válida e ordenou o arquivamento do processo, louvando-se, para tanto no art. 3º e maxime o nº 3 do Cpc. Segundo estes, o juiz deve observar e fazer cumprir o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo em casos de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto sem que tal resolução lhe seja pedida por uma das partes e a outra haja sido chamada a deduzir oposição e, de modo geral, sem que as partes tenham tido a oportunidade de sobre tais questões se pronunciarem, salvo os casos de manifesta desnecessidade. Ora, no caso em apreço, era manifesta a desnecessidade de ouvir a outra requerente do divórcio por mútuo consentimento. Com efeito, este é pedido não por um dos cônjuges contra o outro, mas pelos dois, de comum acordo; é a vontade comum dos cônjuges que determina geneticamente o divórcio por mútuo consentimento, o mesmo é dizer, que constitui a sua causa, entenda-se a homologação posterior como simples condição legal da eficácia, como co-elemento constitutivo e co-necessário (conjuntamente com aquele acordo) ou como elemento constitutivo de que o acordo é pressuposto necessário e essencial. O certo é que a falta de tal acordo (seja porque nunca existiu, seja porque tendo existido, entretanto desapareceu, independentemente das razões que o determinaram) inviabiliza totalmente o processo de divórcio por mútuo consentimento determinando a sua extinção e arquivamento como único desfecho possível. As razões, porventura mil e uma ... , que a agravante tivesse contra a alteração do sentido da vontade do seu cônjuge quanto ao propósito de dissolver o casamento eram totalmente irrelevantes; não implicando a alegação da causa do divórcio (art. 1775º nº2 CC), o mútuo consentimento não é compatível com a devassa inglória e pouco edificante (o lavar de roupa suja) dos motivos íntimos do desentendimento do casal (Cfr. A. Varela, Direito da Família, 1º vol., 4ª ed., p. 510). Por conseguinte, a falta de acordo de um dos cônjuges manifestada perante a Conservatória quanto ao divórcio por mútuo consentimento aí requerido por mandatário a quem ele o seu cônjuge haviam conferido conjuntamente poderes para, além do mais, instaurar tal processo de divórcio por mútuo consentimento determina a imediata extinção do processo por inutilidade superveniente (e superveniente porque a vontade de divórcio deixou de existir...) da lide, sem necessidade de audiência prévia do outro cônjuge. Aliás, o processo de divórcio por mútuo consentimento configura-se como um processo de jurisdição voluntária (mesmo com a respectiva tramitação na Conservatória). E os processos de Jurisdição voluntária não são verdadeiramente processos de partes, titulares de interesses conflituantes; a jurisdição voluntária não resolve conflitos mas apenas interesses; logo, não se pode falar em partes no sentido em que esta designação tem na jurisdição contenciosa; como o seu próprio nome indica, a jurisdição voluntária visa a homologação de pedidos que não impliquem litígio (Cfr. http://pt.wikipedia.orq/wikillurisdicão voluntária). Logo, em bom rigor e como flui do exposto, os cônjuges requerentes do divórcio por mútuo consentimento não são verdadeiramente partes, titulares de interesses contraditórios. Quanto à segunda questão: validade e eficácia da manifestação da falta de acordo para o divórcio por mútuo consentimento após a outorga de procuração e mandato por ambos os cônjuges na perspectiva desse processo. Prescreve o art. 1173º CC que sendo o mandato conferido por várias pessoas e para assunto de interesse comum, a revogação só produz efeito se for realizada por todos os mandantes. A revogação unilateral por um dos mandantes de mandato conferido por vários não é, pois, eficaz. Esta questão, todavia, é, no caso em apreço, meramente académica. É que, para o âmbito do presente processo, o que releva não é a validade da revogação mas a manifestação de vontade de desistência do divórcio. O recorrido fez duas declarações de vontade: 1 - de desistir do divórcio por mútuo consentimento 2 - de revogar o mandato por ele conferido (conjuntamente com a agravante). No caso em apreço, está em causa apenas e exclusivamente a primeira. A outorga de poderes representativos conferindo poderes para a prática de actos jurídicos não priva o mandante representado da liberdade e autonomia de vontade na conformação dos respectivos interesses nem do poder de a manifestar, mesmo em sentido contrário ao subjacente ao acordo de outorga de poderes representativos. Daí que ele possa continuar a dispor do pedido, mesmo nos casos, como o presente, de pedido conjuntamente formulado com outra pessoa, pelo menos na parte em que a validade e eficácia deste pressupõe o acordo da sua vontade. Por outras palavras: tal procuração e tal mandato não conferem o exclusivo da manifestação da vontade, privando da respectiva liberdade o mandante representado. Não estando os cônjuges obrigados a manter a sua adesão ao acordo inicial, podendo qualquer deles retirar o seu consentimento até ao decretamento do divórcio, não se compreende que não o pudessem fazer por via da outorga daqueles instrumentos. Questão completamente diversa - e totalmente arredada das discussões consentidas no divórcio por mútuo consentimento - é a eventual responsabilidade civil em que incorre quem, contrariando acordos anteriores, altera sem justa causa o sentido da respectiva vontade e com isso causa danos na esfera jurídica de quem confiou na estabilidade da vontade. Pelo exposto, nenhum reparo merece a decisão da EXmª Conservadora do Registo Civil que, no âmbito restrito das competências que lhe estavam atribuídas, se limitou a acolher como boa e válida a manifestação de vontade contrária ao divórcio por mútuo consentimento subjacente à outorga procuração conjunta de ambos os cônjuges. Improcedem, pois, todas as conclusões de agravo. * Nesta conformidade, acorda-se nesta Relação em negar provimento ao agravo e em confirmar a douta decisão recorrida.ACÓRDÃO Custas pela agravante. Évora e Tribunal da Relação, 14.12.2006 |