Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
817/09.0TBABT.E1
Relator: ANTÓNIO JOÃO LATAS
Descritores: CONTRA-ORDENAÇÃO AMBIENTAL
REGULAMENTO GERAL DO RUIDO
COIMA
LEI APLICÁVEL
Data do Acordão: 11/25/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO EM PARTE
Sumário:
1. O art. 14.º do Regulamento Geral do Ruído proíbe genericamente o exercício de actividades ruidosas temporárias na proximidade de edifícios de habitação, entre as 20 e as 8 horas, quer se trate de obras realizadas no interior de edifícios, quer no seu exterior, isto sem prejuízo de as actividades em causa poderem ser autorizadas mediante licença especial de ruído, nos termos do art. 15.º do mesmo diploma.


Acordam, em conferência, os Juízes da 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora

I. Relatório

1. - B –, S.A.», com sede em …., Leiria, impugnou judicialmente a decisão da Câmara Municipal de Abrantes de 2/6/2009, que a condenou pela prática de uma contra-ordenação prevista e punível pelos arts. 16º nº 1 e 28º nº 1, al. d) do DL 9/2007 de 17/1 e 22º nº 2, al. b) do L 50/2006 de 29/8, na coima de € 9.000,00.

2. - Enviados os autos ao Ministério Público junto do Tribunal Judicial da Comarca de Abrantes veio a realizar-se no 1º juízo daquele tribunal Audiência de Discussão e Julgamento, após o que foi proferida sentença com data de 26.04.2010 que julgou improcedente aquele recurso de impugnação judicial, mantendo a decisão administrativa recorrida.

3. Inconformada, a arguida veio recorrer daquela sentença, extraindo da sua motivação as conclusões que de seguida se transcrevem:

«CONCLUSÕES

A. No âmbito da sentença ora recorrida, foi a ora Recorrente condenada pela prática da contra-ordenação prevista no art. 28° nº 1 d) do Decreto-Lei nº 9/2007, de 17 de janeiro, e punida pelo art. 22° nº 2 b) da Lei nº 50/2006 de 29 de agosto, porquanto "No dia 18/10/2007, Quinta-Feira, pelas 01.25 h, (. . .) encontrava-se a efetuar obras de ampliação e remodelação do estabelecimento comercial «Lidl» ( . .), decorrendo os trabalhos, quer no interior, quer no exterior do edifício, utilizando, para o efeito, martelos elétricos, provocando ruído audível nos edifícios de habitação vizinhos. ", "Naquela data, a arguida não era titular de licença especial de ruído, que lhe permitisse estar a fazer ruído àquela hora da noite, (. . .}." (alíneas A e B dos factos provados)

B. A condenação da Recorrente com fundamento naqueles dispositivos legais resulta do facto do Tribunal a quo enquadrar tais factos na proibição prevista no art. 16° nº1 do referido Decreto-Lei nº 9/2007, na medida em que é seu entendimento que esse dispositivo legal não se destina "a obras apenas realizadas no interior do edifício, podendo e devendo aplicar-se a todas as obras que estejam a ser realizadas, desde que, pelo menos, parte das mesmas, seja realizada no interior do edifício, como sucedeu nos presentes autos." (transcrição da última parte do último parágrafo da página seis da sentença recorrida)

C. No entanto, é nosso entendimento que disposto no art. 16° apenas se reporta a obras de conservação, remodelação ou recuperação que ocorram única e exclusivamente no interior de um edifício,

D. Até porque, ao contrário do que é referido na douta sentença (1° e 2° parágrafo da página seis), aquele dispositivo é expresso ao afirmar que as obras realizadas no interior de edifícios não estão sujeitas a licença especial de ruído.

E. No âmbito da obra em causa desenvolveram-se trabalhos tanto no interior como no exterior do estabelecimento, nomeadamente no parque de estacionamento, conforme resulta do ponto A dos factos provados.
F. Seguindo o entendimento do Tribunal a quo, a obra teria de possuir licença especial de ruído para certos trabalhos e não para outros, com as consequências gravosas que daí decorreriam para a sua execução devido às relações de dependência existentes entre os vários trabalhos.

G. O que não tem qualquer cabimento, pois o licenciamento de uma obra abrange a sua globalidade, não sendo possível dissociar os trabalhos executados da obra em que se inserem.

H Acresce que, a exceção à possibilidade de obtenção de licença especial de ruído prevista pelo legislador no supra mencionado art. 16° tem por fim proteger os utilizadores do edifício sujeito aos trabalhos, salvaguardando-os do ruído produzido no interior do mesmo.

I. Esse fim da norma é demonstrado pelo seu nº 2, que impõe a colocação de um anúncio no edifício a informar os restantes utilizadores dos períodos em que ocorrerá maior ruído.

J. No caso em questão, o edifício não tem quaisquer utilizadores a serem salvaguardados durante o período noturno, pelo que não se justifica a aplicação daquela exceção.

K. Nem faz sentido que tal exceção seja aplicável às situações em que não hajam utilizadores do edifício a serem salvaguardados, mas apenas os habitantes dos prédios habitacionais próximos, pois é manifesto que o ruído provocado pelos trabalhos realizados no exterior do edifício será mais perturbador para estes que o realizado no interior, que tem as paredes como proteção.

L. Face ao exposto, o comportamento da Recorrente não pode ser considerado sujeito à proibição constante do art. 16° nº 1 do Regulamento Geral do Ruído e integrador da infração prevista no art. 28° nº 1 d) do mesmo diploma e punida pela alínea b) do nº 2 do art. 22° da Lei n.º 50/2006 de 29 de agosto, na qual foi condenada, devendo considerar-se abrangido pelo disposto nos arts. 14° a) e 15° nº 1 daquele regulamento e integrador da infração prevista na alínea a) do nº1 do art. 28º.

M. Pelo que deve a sentença ora recorrida ser Julgada nula por erro na aplicação do direito aos factos pela prática dos quais a Recorrente foi condenada.

Caso assim não se entenda, o que não se concede, sempre se dirá que,

N. O Tribunal a quo decidiu manter a decisão proferida pela Autoridade Administrativa, condenando a ora Recorrente no pagamento de coima correspondente ao montante mínimo aplicável às pessoas coletivas, em casos de negligência, pela prática de contra-ordenações ambientais leves, que, nos termos da redação original do art. 22° da Lei nº 50/2006 de 29 de agosto, correspondia a €9.000,00 (nove mil euros).

O. Ao manter a decisão recorrida, o Tribunal a quo não levou em consideração a alteração daquela norma pelo art. 1° da Lei nº 89/2009 de 31 de agosto, que veio reduzir o montante mínimo da coima aplicável naquelas circunstâncias para €3.000,00 (três mil euros).

P. Ora, nos termos do art. 4°, nº 2, da Lei nº 50/2006, "Se a lei vigente ao tempo da prática do facto for posteriormente modificada, aplica-se a lei mais favorável ao arguido, salvo se este já tiver sido condenado por decisão definitiva ou transitada em julgado. "

Q. Não tendo a decisão condenatória em causa transitado em julgado, é inequívoco que a nova disposição legal, ao reduzir o montante mínimo da coima aplicável, é mais favorável ao arguido,

R Por conseguinte, deveria o Tribunal a quo ter procedido à redução do montante da coima em que a ora Recorrente havia sido condenada pela Autoridade Administrativa na mesma proporção que a lei o fez.

S. Não o tendo feito, incorreu o Tribunal a quo em clara violação do disposto naquela norma legal, pelo que deve a sentença ora recorrida ser declarada nula.
(…) »

4. O Ministério Público junto do Tribunal de 1.ª Instância pronunciou-se pela improcedência do presente recurso e a consequente confirmação da decisão judicial recorrida.

5. -Nesta Relação, o senhor Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de a recorrente ser convidada a apresentar novas conclusões, em virtude de as que se encontram juntas constituírem mera reprodução do texto da motivação.

6. - Cumprido o disposto no n.º 2 do art. 417.º do Código de Processo Penal, a arguida respondeu ao parecer do MP pugnando pela desnecessidade de convite para apresentar novas conclusões.

7. – A decisão judicial recorrida (transcrição parcial):

«2.1.- Provou-se a seguinte factualidade:

A)- No dia 18/10/2007, Quinta-feira, pelas 01.25 h., a arguida «B.. – …, S.A. », através dos seus operários, encontrava-se a efetuar obras de ampliação e remodelação no estabelecimento comercial « Lidl », sito na Avenida D. João I, em Abrantes, obras estas que lhe tinham sido adjudicadas e que consistiam na abertura de roços nas paredes interiores do edifício, decorrendo os trabalhos, quer no interior, quer no exterior do edifício, utilizando, para o efeito, martelos elétricos, provocando ruído audível nos edifícios de habitação vizinhos.

B)- Naquela data, a arguida não era titular de licença especial de ruído, que lhe permitisse estar a fazer ruído àquela hora da noite, sendo que, no dia 26/10/2007, a arguida requereu a emissão da licença, que foi emitida em 4/12/2007, com o nº 44/2007, depois de apresentados os condicionalismos exigidos pela Câmara Municipal de Abrantes.

C)- Estas obras encontravam-se licenciadas pela Câmara Municipal de Abrantes através do alvará nº 07000210, emitido em 8/6/2007, por aquela edilidade, destinando-se a mesma a abranger, tanto os trabalhos no exterior, como no interior do edifício.

D)- Devido à natureza do estabelecimento em causa, que está diariamente aberto ao público, entre as 09.00 e as 21.00 h., a maioria dos trabalhos necessitava, obrigatoriamente, de ser efetuado, em período noturno, após as 21.00 h., a fim de salvaguardar a segurança de utentes e funcionários do estabelecimento, garantir as condições de circulação pedonal e automóvel no parque de estacionamento e garantir a higiene interior e exterior do espaço durante o período de funcionamento.

E)- Após as 21 h., aquele edifício não tem quaisquer utilizadores.

F)- Porque não requereu, simultaneamente, a licença especial de ruído e a licença para as mencionadas obras de ampliação, esta última foi emitida em primeiro lugar, pelo que, em 18/10/2007, ainda sem ser titular da licença especial de ruído, a arguida já se encontrava a realizar trabalhos noturnos que implicavam ruído, face aos prazos contratuais de que dispunha para a execução da obra e que a arguida queria cumprir.

G)- A arguida levou a cabo todas as medidas necessárias para prevenir e reduzir, ao máximo, o ruído produzido, nomeadamente através da colocação de barreiras sonoras e da utilização de equipamentos dotados da competente certificação acústica, os quais, porém, não impediram que o ruído fosse ouvido nos edifícios de habitação vizinhos ao estabelecimento comercial.

H)- A arguida procurou garantir que os trabalhos a realizar não produziriam qualquer incómodo para os prédios adjacentes, estando convicta que tal não aconteceria.

I)- Os incómodos a provocar às populações próximas, pois nunca será possível eliminar o ruído em absoluto naquelas obras que a arguida se encontrava a desenvolver, sempre ocorreriam, quer a arguida fosse titular, quer não fosse titular da licença especial de ruído.

J)- Porém, a arguida não procedeu com o cuidado a que, segundo as circunstâncias, estava obrigada e de que era capaz, concretamente não cuidando de pedir a emissão da licença especial de ruído, antes de iniciar a laboração noturna, após as 21 h., precavendo-se, assim, para a emissão de qualquer ruído que aquela laboração viesse a provocar e que afetasse as pessoas que vivem nos edifícios vizinhos ao «Lidl», só tendo requerido a emissão da dita licença após a prática dos factos.

K)- Não se conhecem, à arguida, outros processos pela prática de infrações desta natureza.

L)- Não se vislumbra que a arguida tenha retirado qualquer benefício económico da prática da infração.

2.2.- Não se provaram os factos constantes dos arts. 11 e 18 das alegações da arguida.

Não se provou que tivesse sido por lapso que a arguida não requereu simultaneamente a licença especial de ruído com a licença para as mencionadas obras de ampliação/remodelação do estabelecimento « Lidl ».

Do artº 38º das alegações de recurso, provou-se apenas o constante das als. G) e H) da factualidade provada.

Do artº 39º das alegações de recurso, provou-se apenas o constante da al. G) da factualidade provada, quanto às precauções que a arguida tomou para minorar o ruído.

2.3.- A motivação da decisão de facto teve por base a conjugação dos seguintes elementos probatórios
(…)

2.4.- Aspeto jurídico da causa:

O Regulamento Geral do Ruído (doravante denominado de R.G.R. ), aprovado pelo DL 9/2007 de 17/1, estabelece o regime de prevenção e controlo de poluição sonora, visando a salvaguarda da saúde humana e o bem-estar das populações ( artº 1º do R.G.R. ).

O Regulamento aplica-se, para além do mais, às atividades ruidosas permanentes e temporárias, como sejam as obras de construção, reconstrução, ampliação, alteração ou conservação de edificações ( artº 2º nº 1, al. a) do R.G.R. ), que é o caso das obras em apreço nos presentes autos, que se encontravam a ser desenvolvidas no « Lidl », em Abrantes.

O artº 16º nº 1 do R.G.R. dispõe sobre as obras no interior de edifícios, estabelecendo que as obras de recuperação, remodelação ou conservação realizadas no interior de edifícios destinados a habitação, comércio ou serviços que constituam fonte de ruído, apenas podem ser realizadas em dias úteis, entre as 08,00 e as 20,00 h., não se encontrando sujeitas à emissão de licença especial de ruído.

É claro que pode ser requerida e autorizada uma licença especial de ruído, nos termos do disposto no artº 15º nº 1 do R.G.R., em casos excecionais e devidamente justificados, para permitir a emissão de ruído fora do horário supra referido.

Porém, no caso concreto, no dia 18/10/2007, uma Quinta-feira, a arguida ainda não havia requerido, à Câmara Municipal de Abrantes, a emissão da licença especial de ruído, só o fazendo em 26/10/2008, pelo que a laboração da arguida, às 01.25 h. do dia 18/1/2007, nas circunstâncias dadas como provadas, emitindo ruído, é subsumível ao disposto no artº 16º nº 1 do R.G.R., como bem fez a autoridade administrativa, pois, não sendo titular, nem sequer ainda requerente, de licença especial de ruído, a conduta da arguida deveria pautar-se pelo estipulado no art.16º nº 1 do R.G.R., quanto aos horários da realização do ruído, o que não aconteceu.

Quanto ao local onde as obras se estavam a realizar e sua qualificação como obras interiores ou exteriores também não modifica o tipo contraordenacional violado, pois se o artº 16º nº 1 do R.G.R., na sua epígrafe, se refere a obras no interior de edifício, tal não significa que as obras a que se aplique – porque a norma legal não o restringe – a obras apenas realizadas no interior do edifício, podendo e devendo aplicar-se a todas as obras que estejam a ser realizadas, desde que, pelo menos, parte das mesmas, seja realizada no interior do edifício, como sucedeu nos presentes autos.

Na realidade, as obras em apreço não eram exclusivamente obras exteriores, sendo também obras interiores, pelo que não se vislumbra fundamento legal para deixar de se aplicar, ao caso, o disposto no artº 16º nº 1 do R.G.R.

Em conclusão, a subsunção dos factos ao direito aplicável mostra-se corretamente efetuado pela autoridade administrativa, não padecendo a decisão recorrida de qualquer vício de natureza formal, concretamente da nulidade invocada pela recorrente.

No que concerne à aplicação da admoestação que, em último caso, a arguida requereu fosse efetuado, em alternativa à coima aplicada, o Tribunal entende que, atendendo ao modo e circunstâncias da ação, considerando que o ruído se encontrava a ser desenvolvido pelas 01,25 h., quando só poderia ser desenvolvido até às 20 h., nos termos do artº 16º nº 1 do R.G.R., sendo audível nos edifícios de habitação vizinhos, revela-se que a infração não tem uma gravidade de tal modo reduzida, em face do reflexo que o ruído, designadamente noturno, e concretamente àquelas horas da madrugada, tem na saúde pública, limitando o direito ao descanso e ao repouso, e porque a arguida até foi condenada pelo montante mínimo da coima aplicável (€ 9.000,00), não se vislumbram razões para lhe ser aplicada uma admoestação, em substituição da coima, nos termos do disposto no artº 61º do Regime Geral das Contraordenações e Coimas, pelo que não procedo à aplicação da admoestação, mostrando-se adequado o montante da coima aplicada.»

Cumpre apreciar e decidir o presente recurso.

II. Fundamentação

1. - Delimitação do objeto do recurso.

a) Independentemente do grau de concisão que representem relativamente ao texto da motivação, as conclusões são de pequena extensão (19 alíneas), permitindo compreender com clareza o objeto do recurso e as indicações a que se reporta o nº2 do art. 412º do CPP, pelo que, à luz do princípio expresso no art. 417º nº3, entendemos não ser necessária a formulação de convite para que a recorrente apresente novas conclusões.

b) No seu recurso, a recorrente vem suscitar as seguintes questões, que se impõe decidir:

- Se a situação de facto apurada nos autos não está sujeita à proibição constante do art. 16° nº 1 do Regulamento Geral do Ruído e integrador da infração prevista no art. 28° nº 1 d) do mesmo diploma e punida pela alínea b) do nº 2 do art. 22° da Lei nº 50/2006 de 29 de agosto, pela qual foi condenada, uma vez que as obras em causa causavam ruído igualmente no exterior e aquela disposição apenas se aplica quando se verifica ruído unicamente no interior.

- No caso de a recorrente não ser absolvida, se a mesma deve ser antes punida de acordo com a alteração introduzida no art. 22° da Lei nº 50/2006 de 29 de agosto pelo art. 1° da Lei nº 89/2009 de 31 de agosto, que veio reduzir o montante mínimo da coima aplicável naquelas circunstâncias para €3.000,OO (três mil euros), em vez de €9.000,00 (nove mil euros), como previsto na redação original do art. 22° da Lei nº 50/2006 de 29 de agosto.

2. – Decidindo

2.1. – Da pretendida inexistência da contra-ordenação prevista e punida pelos arts 16º nº 1 e 28º nº 1, al. d) do DL 9/2007 de 17/1 e 22º nº 2, al. b) do L 50/2006 de 29/8, pela qual foi condenada na coima de € 9.000,00.

Vejamos.

a) Encontra-se assente nos autos que, «No dia 18/10/2007, Quinta-feira, pelas 01.25 h., a arguida « B.–…, S.A. », através dos seus operários, encontrava-se a efetuar obras de ampliação e remodelação no estabelecimento comercial « Lidl», sito na Avenida D. João I, em Abrantes, obras estas que lhe tinham sido adjudicadas e que consistiam na abertura de roços nas paredes interiores do edifício, decorrendo os trabalhos, quer no interior, quer no exterior do edifício, utilizando, para o efeito, martelos elétricos, provocando ruído audível nos edifícios de habitação vizinhos. - Naquela data, a arguida não era titular de licença especial de ruído, que lhe permitisse estar a fazer ruído àquela hora da noite. (…).

Com base nestes factos foi considerado pela Câmara Municipal de Abrantes que a arguida praticara a contra-ordenação prevista no art. 16º nº1 do Regulamento Geral do Ruído (RGR) aprovado pelo Dec-lei 9/2007 de 17 janeiro, que se refere a obras no interior do edifício, porquanto a arguida procedia a obras de manutenção no interior do estabelecimento comercial em causa, geradoras de ruído, sem licença especial de ruído, nos termos do art. 15º do RUR, e fora do horário em que aquela disposição legal o permitiria sem necessidade de licença especial, ou seja, entre as 8 e as 20h.

Por sua vez, o art. 28º nº 1 d) do RUR qualifica de contra-ordenação leve a realização de obras no interior de edifícios em violação das condições estabelecidas pelo nº1 do citado art. 16º e o art. 22º nº2 b) da lei 50/2006 de 29 de agosto, diploma que estabelece o regime aplicável às contraordenações ambientais, previa que as contraordenações leves praticadas por pessoas coletivas seriam punidas com coima de €9 000 a €13 000, no caso de negligência, e de €16 000 a €22 000 em caso de dolo.

No caso de sub judice a autoridade administrativa considerou que a arguida agiu com negligência e aplicou-lhe a coima mínima legalmente prevista para as contraordenações leves, ou seja, € 9 000.

b) A arguida pretende que não incorreu na contra-ordenação ao citado art. 16º nº1 do Regulamento Geral do Ruído (RGR) aprovado pelo Dec-lei 9/2007, de 17 janeiro, porque aquele preceito aplica-se nos casos em que o ruído abusivo tem origem somente em obras desenvolvidas no interior de edifício e no caso concreto as obras desenvolviam-se igualmente no exterior.

É, porém, manifesta a falta de razão da arguida, pois a sua argumentação só poderia fazer algum sentido se a produção de ruído abusivo produzido por obras desenvolvidas no exterior do edifício não fosse punida, o que, obviamente e enquanto a teia normativa fizer algum sentido, não é o caso, pois o art. 14º do RGR começa por proibir genericamente o exercício de atividades ruidosas temporárias na proximidade de edifícios de habitação, entre as 20 e as 8 horas, como era o caso, sem prejuízo de as atividades em causa poderem ser autorizadas mediante licença especial de ruído, nos termos do art. 15º do RGR.

Poderia eventualmente discutir-se se a arguida devia ser punida em concurso efetivo por duas contraordenações (aos arts 15º, nº1 - por referência ao art. 14º - e 16º), mas nunca (apenas em termos lógico jurídicos e com todo o respeito pelo entendimento contrário, obviamente) que a arguida não fosse punida por qualquer delas.

Bem andou, pois, o tribunal a quo ao confirmar a decisão administrativa, nesta parte, pelo que improcede o recurso na mesma medida.

2.2. – Da aplicação do novo limite mínimo da coima aplicável por contra ordenação ambiental leve, introduzida pela Lei nº 89/2009 de 31 de agosto.

Pretende ainda a recorrente que só pode ser punida pelo novo limite mínimo da coima introduzido pela lei 89/2009, de 31 de agosto, pois o mesmo é consideravelmente mais baixo que o previsto legalmente à data dos factos e estão reunidos os pressupostos legais para que a recorrente possa beneficiar do tratamento mais favorável, pois a decisão que aplicou ainda não transitou em julgado.

Vejamos.

A citada Lei 89/2009, de 31 de agosto, veio alterar diversas disposições da Lei 50/2006 de 29 de agosto, incluindo a redação do seu art. 22º, cuja al. b) do nº2 em causa nos autos, que passou a punir as contraordenações ambientais leves praticadas por pessoas coletivas com coima de €3 000 a €13 000 em caso de negligência.

Aquela Lei encontrava-se já em vigor à data da prolação da sentença recorrida e, portanto, devia o tribunal a quo ter aplicado oficiosamente os novos limites por força do princípio da aplicação da lei mais favorável acolhido genericamente no Regime geral das contra ordenações e, especialmente, no art. 4º da Lei 50/2006, embora se compreenda a inconsideração do novo regime dada a sua especificidade e a omissão da defesa e do MP a tal respeito.

O MP, aliás, entende na sua resposta em 1ª instância que os novos limites introduzidos pela Lei 89/2009 não são aplicáveis in casu, por não ter ocorrido ainda a publicação de diploma a que se refere o art. 76º da Lei 50/2006 de 29 de agosto na redação introduzida pela Lei nº 89/2009 de 31.08, que é do seguinte teor:

«Artigo 76.º
Disposição transitória

As disposições da presente lei referentes às coimas e respetivos valores só são aplicáveis a partir da publicação de diploma que, alterando a legislação vigente sobre matéria ambiental, proceda à classificação das contra – ordenações aí tipificadas.».

Afigura-se-nos, porém, que sem razão, pois esta disposição consta do art. 77º da versão originária da Lei 50/2006, ficando a nova numeração a dever-se à simples revogação do art. 72º daquela mesma versão, sem que o atual art. 76º e anterior art. 77º tenha sido objeto de qualquer alteração pela Lei 89/2009, de 31 de agosto.

Cremos, pois, que aquela disposição refere-se a legislação posterior à entrada em vigor da Lei 50/2006 (que aprovou a nova Lei quadro das contraordenações ambientais), que alterasse a legislação em matéria ambiental e procedesse à classificação das contraordenações tipificadas (v.g. em leves, graves, muito graves) de modo a corresponder aos escalões considerados na lei-quadro de 2006, não tendo qualquer relação com a recente lei 89/2009 que se limitou a atualizar os limites mínimos e máximos das coimas correspondentes àquelas mesmas categorias.

Ora, uma vez que o RGR aprovado pelo Dec-lei 9/2007 de 17 janeiro procedeu à classificação das contraordenações nele tipificadas já de acordo com a lei-quadro das contraordenações ambientais é-lhe esta lei cabalmente aplicável, designadamente à luz da disposição originária do art. 77º (atual art. 76º) da citada Lei 50/2006, não havendo que aguardar nova classificação em lei a publicar para que sejam aplicáveis os novos limites da moldura abstrata das coimas a que se refere a Lei 89/2009 de 31 de agosto.

Procede, assim, o recurso nesta parte, impondo-se alterar o valor da coima aplicada à arguida de €9 000 para €3 000, por ser este o novo limite mínimo aplicável às contraordenações ambientais leves praticadas negligentemente por pessoa coletiva, como sucede no caso sub judice.


III. Dispositivo

Em face do exposto, acordam os Juízes da 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em conceder provimento parcial ao recurso interposto pela arguida, B. – …, S.A. , decidindo em substituição que a mesma vai condenada na coima de €3 000 pela prática de uma contra-ordenação prevista e punível pelos arts. 16º nº 1 e 28º nº 1, al. d) do DL 9/2007 de 17/1 e 22º nº 2, al. b) do Lei 50/2006 de 29/8, sendo esta última disposição com a redação que lhe foi introduzida pelo art. 1º da lei 89/2009 de 31 de agosto, por ser mais favorável à arguida e, portanto a aplicável, por força do disposto no art. 4º nº2 da Lei quadro das contraordenações ambientais aprovada pela Lei 50/2006 de 29 de agosto.

Custas pela arguida, fixando-se a taxa de justiça em 2 UC. - Cfr arts.92º do RGCO, 513º e 514º nº 1, do CPP, 82.º, n.º 1 e 87.º, n.º 1, al. b) do Código das Custas Judiciais.

Évora, 25 de Novembro de 2010

(Processado e revisto pelo relator)

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(António João Latas)

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(Carlos Jorge Viana Berguete Coelho)
Decisão Texto Integral: