| Acórdão do Tribunal da Relação de  Évora | |||
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| Relator: | ANA MARGARIDA LEITE | ||
| Descritores: | NULIDADE DA SENTENÇA CONTRADIÇÃO INSANÁVEL ENTRE A FUNDAMENTAÇÃO E A DECISÃO ERRO DE JULGAMENTO | ||
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| Data do Acordão: | 12/16/2024 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
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| Sumário: | I - A eventual contradição entre a factualidade provada e a decisão proferida, sem prejuízo de poder estar em causa um erro de julgamento, não configura a causa de nulidade da sentença prevista no artigo 615.º, n.º 1, alínea c), 1.ª parte, do CPC, relativa à oposição entre os fundamentos e a decisão; II - A invocação de supostas contradições entre factos considerados provados e não provados, configurando imputação de vícios à decisão sobre a matéria de facto, constitui fundamento de impugnação da decisão de facto, a qual se encontra sujeita aos ónus impostos pelo artigo 640.º do CPC; III - A improcedência da impugnação da decisão relativa à matéria de facto importa se considere prejudicada a apreciação da questão de direito suscitada na apelação, se a solução que a recorrente defende para o litígio assenta na alteração da factualidade provada. (Sumário da Relatora) | ||
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| Decisão Texto Integral: | Processo n.º 110/24.9T8LGA.E1 Juízo de Comércio de Lagoa Tribunal Judicial da Comarca de Faro Acordam na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora: 1. Relatório (…), Company intentou em 21-05-2024 a presente ação declarativa, com processo especial, requerendo a declaração de insolvência de (…). A fundamentar o pedido, alega, em síntese, que é titular de um crédito sobre a requerida no montante de € 227.297,19, o qual lhe foi cedido pela Caixa Geral de Depósitos e que decorre do incumprimento pela requerida de dois contratos de mútuo com hipoteca que celebrou com a cedente; mais sustenta que a devedora que se encontra em situação de insolvência, nos termos previstos nas alíneas b) e g) do n.º 1 do artigo 20.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE), como tudo melhor consta da petição inicial. Citada, a requerida deduziu oposição, defendendo-se por exceção, suscitando a prescrição do crédito invocado pela requerente, e por impugnação. Foi designada data para a audiência final, à qual compareceram ambas as partes, tendo sido proferido despacho saneador, bem como despacho destinado a identificar o objeto do litígio e a enunciar os temas da prova, após o que ocorreu a produção de prova, seguida de alegações orais. Foi proferida sentença que julgou a ação improcedente, absolvendo a requerida do pedido e condenando a requerente nas custas. Inconformada, a requerente interpôs recurso desta decisão, pugnando para que seja revogada e substituída por outra que declare a insolvência da requerida, terminando as alegações com a formulação das conclusões que a seguir se transcrevem: I – A sentença recorrida padece de nulidade atenta a circunstância de os fundamentos – nomeadamente os factos dados como provados nos pontos 1, 6, 7, 8, 13, 14, 21 e 26 a 28 da sentença recorrida - estarem em contradição com a decisão, nomeadamente, por dali ser possível concluir a existência de um efectivo crédito da (…). II – Ao julgar provados os factos: (i) celebração dos contratos de mútuo, (ii) a entrega dos valores mutuados, (iii) o incumprimento desde 2014, (iv) a reclamação destes mesmos créditos pela Caixa Geral na execução melhor descrita nos autos, (v) a notificação da Requerida para autorizar a venda do imóvel na totalidade, (vi) a junção de procuração pela Requerida da nota execução e (vii) a autorização daquela venda, III – O tribunal a quo não podia concluir, pela não demonstração da existência do crédito da (…): assente que foram celebrados contratos, que estes foram incumpridos e que os respectivos créditos estão a ser accionados numa outra acção judicial, não se compreende como o tribunal a quo conclui não estar demonstrada a efectiva existência dos créditos. IV – Acresce que, também por isso, a sentença recorrida encerra uma clara e notória contradição entre os mencionados factos dados como provados e os factos dados como não provados nos pontos 1 e 2 daquela. V – Considerando a prova (testemunhal e documental junta e produzida), não podiam ter sido incluídos nos factos dados como não provados os pontos 1 e 2: “1. A 27 de Setembro de 2014, relativamente ao mútuo com o n.º PT (…), se encontrasse em dívida a título de capital o valor de € 76.368,58; 2. A 22 de Setembro de 2014, relativamente ao mútuo com o n.º PT (…), se encontrasse em dívida o valor de € 26.813,86, a título de capital mutuado;” VI – Desde logo porque, salvo o devido respeito e contrariamente ao que considerou o Tribunal a quo, a testemunha não referiu que «(…) indicou nada sabia sobre o assunto», antes remeteu para os valores já comunicados ao processo: “(…) [00:02:59] Advogado: O apuramento da dívida, ao dia em que foi enviada a petição de insolvência? (…) [00:03:02] Testemunha: (…) isso está remetido no processo de [palavra imperceptível] insolvência” VII – Depois, também toda a documentação junta impunha decisão diversa sobre os identificados dois pontos: documento 3 (cópia de listagem anexa ao contrato de cessão da qual constam identificados os contratos), 7 e 8 (contratos de mútuo) – estes 3 com a petição inicial -, bem como os que foram juntos no requerimento de 27/09/2024, nomeadamente, os documentos 2 (reclamação de créditos da Caixa Geral de Depósitos), 7 (requerimento da Caixa a pedir a notificação da requerida), 8 (despacho a ordenar a notificação), 11 (procuração junta pela aqui requerida), 13 (notificação à requerida para informar se aceita a venda da totalidade do imóvel) e 14 (autorização da requerida a informar que aceita a venda). VIII – Com efeito, resulta da prova documental que a Requerida celebrou, na qualidade de mutuária dois contratos: - um no montante de € 84.700,00, celebrado a 27/11/2003, e que deveria ser pago em 480 prestações mensais (40 anos) e; - outro no montante de € 40.000,00, celebrado a 2/02/2005, e que deveria ser pago em 264 prestações mensais (22 anos). IX – Contratos cuja garantia já se encontra registada a favor da (…) e cujos incumprimentos ocorreram em Setembro de 2014: em sede de petição de insolvência foram indicados, como valores de capital em dívida, os montantes, respectivamente, de € 76.368,58 e de € 26.813,86 X – Valores que, desde logo, correspondem ao que se encontram indicados na lista de créditos anexa ao contrato de cessão e que foi junta, em sede de petição inicial, como doc. 3 – vide oitava coluna – e que a Apelada não impugnou. Acresce que, XI – Por via do processo executivo melhor descrito nos autos, a requerida foi (i) notificada, nos termos do artigo 781.º do CPC, para dizer se pretendia a venda do imóvel (que serve de garantia aos dois contratos supra identificados) pela totalidade, (ii) juntou ali procuração e que (iii) ali se pronunciou no sentido de venda do imóvel pela totalidade XII - Pelo que tendo aquela ali reconhecido a existência do crédito da (…), nunca poderia o Tribunal a quo decidir que, para efeitos dos presentes autos, não foi demonstrada a existência do crédito. XIII – Até porque a Apelada se limitou a dizer que o crédito não existia, não tendo alegado factos concretos e muito menos demonstrado o valor que entendia estar a final em dívida; ónus que sobre a mesma recaía atento o disposto no artigo 342.º do Código Civil. XIV - Pelo que andou mal o Tribunal a dar como não provados os factos elencados nos pontos 1 e 2 – os quais devem ser excluídos – e, consequentemente, deverá passar a constar dos factos dados como provados o seguinte facto: “A Requerente é titular de um crédito sobre a Requerida, emergente do incumprimento dos dois contratos de mútuo celebrados e melhor descritos nos autos”. XV - Crédito que, atenta a factualidade descrita, sempre teria de se considerar ser de pelo menos, € 84.332,40 (unicamente emergente de capital) e ao qual se teriam de somar os juros devidos. XVI – Cumprindo referir que uma coisa é a existência do crédito, outra o seu quantum, cuja efectiva demonstração ocorrerá em sede própria: no apenso da verificação e graduação de créditos. XVII - Pelo que deve a douta sentença recorrida ser revogada a substituída por outra que reconheça altere a decisão de facto nos termos supra expostos, julgue verificada a existência do crédito da Recorrente, sobre a Requerida, e, que declare a insolvência desta. Não foram apresentadas contra-alegações. Face às conclusões das alegações da recorrente e sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso, cumpre apreciar as questões seguintes: - da nulidade da decisão recorrida; - da contradição entre factualidade tida por provada e não provada; - da impugnação da decisão relativa à matéria de facto; - da declaração de insolvência da requerida. Corridos os vistos, cumpre decidir. 2. Fundamentos 2.1. Decisão de facto 2.1.1. Factos considerados provados em 1.ª instância: 1. No âmbito da sua atividade, a 27 de Novembro de 2003, a Caixa Geral de Depósitos, S.A., celebrou com a requerida e (…), um contrato de mútuo, a que atribuiu o n.º PT (…), pelo qual entregou a estes o valor de € 84.700,00, quantia que estes deveriam devolver em 480 prestações mensais, integrantes de capital e juros, com vencimento da primeira a 27 de Dezembro de 2003, e as seguintes em igual dia dos meses subsequentes (Doc. 7 PI). 2. Ficou estipulado no contrato celebrado que a quantia mutuada venceria juros calculados, à taxa resultante da Euribor a seis meses, em vigor no mês anterior a cada período de contagem de juros, acrescida de um diferencial de 2%, com arredondamento para o ¼ por cento imediatamente superior (Doc. 7 PI). 3. E que, em caso de mora, os juros seriam calculados à taxa mais elevada de juros remuneratórios que, em cada um dos dias em que se verificar a mora, estiver em vigor na Caixa credora para operações activas da mesma natureza, acrescida de uma sobretaxa até quatro por cento, ao ano, a título de cláusula penal (Doc. 7 PI). 4. Para garantia do cumprimento do referido contrato e despesas judiciais e extrajudiciais, fixadas em € 3.388,00, os mutuários constituíram hipoteca sobre a fração autónoma designada pela letra B, do prédio sito na freguesia e concelho de Albufeira, descrito na Conservatória do Registo Predial de Albufeira com o n.º … (Doc. 7 PI). 5. A hipoteca foi registada na Conservatória do Registo Predial de Albufeira através da Ap. (…), de (…), com o montante máximo assegurado de € 119.205,09. 6. A quantia mutuada foi entregue aos requeridos (Doc. 7 PI). 7. A 27 de Setembro de 2014, os mutuários deixaram de pagar as prestações estipuladas no contrato de mútuo. 8. No âmbito da sua atividade, a 2 de Fevereiro de 2005, a Caixa Geral de Depósitos, S.A., celebrou com a requerida e (…), um contrato de mútuo, a que atribuiu o n.º PT (…), pelo qual entregou a estes o valor de € 40.000,00, quantia que estes deveriam devolver em 264 prestações mensais, integrantes de capital e juros, com vencimento da primeira a 2 de Março de 2005, e as seguintes em igual dia dos meses subsequentes (Doc. 8 PI). 9. Ficou estipulado no contrato celebrado que a quantia mutuada venceria juros calculados, à taxa resultante da Euribor a seis meses, em vigor no mês anterior a cada período de contagem de juros, acrescida de um diferencial de 2%, com arredondamento para o ¼ por cento imediatamente superior (Doc. 8 PI). 10. E que em caso de mora, os juros seriam calculados à taxa mais elevada de juros remuneratórios que, em cada um dos dias em que se verificar a mora, estiver em vigor na Caixa credora para operações activas da mesma natureza, acrescida de uma sobretaxa até quatro por cento, ao ano, a título de cláusula penal (Doc. 8 PI). 11. Para garantia do cumprimento do referido contrato e despesas judiciais e extrajudiciais, fixadas em € 1.600,00, os mutuários constituíram hipoteca sobre a fração autónoma designada pela letra B, do prédio sito na freguesia e concelho de Albufeira, descrito na Conservatória do Registo Predial de Albufeira com o n.º (…) e descrito na matriz predial sob o artigo … (Doc. 8 PI). 12. A hipoteca foi registada na Conservatória do Registo Predial de Albufeira através da Ap. (…), de (…), com o montante máximo assegurado de € 56.295,20; (Doc. 5 PI) 13. A quantia mutuada foi entregue aos requeridos (Doc. 8 PI). 14. A 22 de Setembro de 2014, os mutuários deixaram de pagar as prestações estipuladas no contrato de mútuo. 15. Por contrato celebrado a 30 de Janeiro de 2019, a Caixa Geral de Depósitos S.A. cedeu à aqui requerente os créditos emergentes dos contratos de mútuo com os n.º PT (…) e n.º PT (…), supra referidos, com todos os direitos, garantais e acessórios (Docs. 2 e 3 PI). 16. Tal cessão foi registada na Conservatória do Registo Predial de Albufeira, por referência ao imóvel hipotecado, pelas Aps. n.º (…) e (…), de … (Doc. 5 PI). 17. A requerida deve à autoridade tributária o valor de € 50.567,72. 18. Sobre o direito da requerida sobre o imóvel hipotecado encontra-se registada pela apresentação Ap. (…), de (…), uma penhora para cobrança da quantia de € 37.722,31 no processo de Execução Fiscal n.º … (Doc. 5 PI). 19. A (…) – Instituição (…), S.A., instaurou contra (…), ação executiva que corre termos sob o n.º 892/11.8TBTVR, no Juízo de Execução de Loulé – Juiz 2 (doc. 1 junto com o req. de 27.9.2024). 20. Nessa execução foi penhorado o imóvel referido em 4 e 11, supra. 21. Nesse processo a Caixa Geral de Depósitos reclamou créditos emergentes dos contratos de mútuo com o n.º PT (…) e n.º PT (…), no valor total de € 112.589,80 (doc. 3 junto com o req. de 27.9.2024). 22. O imóvel foi vendido nessa execução ao credor hipotecário Caixa Geral de Depósitos S.A. (doc. 3 junto com o req. de 27.9.2024). 23. Aquando do registo da venda na Conservatória do Registo Predial constatou-se a existência de um erro no registo da propriedade do imóvel, que apenas se encontrava registada em nome de (…), quando deveria estar também em nome da aqui requerida (…), tendo sido necessária a retificação do registo (doc. 5 junto com o req. de 27.9.2024). 24. Por requerimento apresentado a 19.6.2018, a Caixa Geral de Depósitos S.A. requereu, naquela execução, a notificação da comproprietária do imóvel, nos termos do artigo 781.º do Código de Processo Civil, para dizer se pretendia a venda do imóvel pela totalidade naquela execução (doc. 7 junto com o req. de 27.9.2024). 25. Por despacho proferido a 27.3.2019, na ação executiva n.º 892/11.8TBTVR, foi ordenada a notificação da aqui requerida para, querendo, requerer a anulação da venda sob a cominação de nada dizendo, se ter por validada a venda do imóvel (doc. 8 junto com o req. de 27.9.2024). 26. A 18 de maio de 2022, a aqui requerida juntou procuração na execução n.º 892/11.8TBTVR (doc. 11 junto com o req. de 27.9.2024). 27. No dia 28 de Junho de 2022, a aqui requerida foi notificada, naquele processo de execução, por via da sua mandatária, da penhora entretanto lavrado sobre a metade indivisa de (…), e para “no prazo de 10 dias fazer as declarações que entender quanto ao direito do Executado e ao modo de o tornar efetivo, podendo ainda dizer se pretende que a venda tenha por objeto todo o património ou a totalidade do bem (doc. 13 junto com o req. de 27.9.2024). 28. A 10 de Abril de 2023 a aqui requerida pronunciou-se naquela execução no sentido da venda do imóvel pela totalidade e que aceita a venda por leilão eletrónico pelo valor base de € 220.000,00 (doc. 14 junto com o req. de 27.9.2024). 29. A Agente de execução constatou posteriormente o registo de uma penhora sobre a metade indivisa da aqui requerida em processo de execução fiscal movido apenas contra esta (doc. 15 junto com o req. de 27.9.2024). 30. A requerida apenas tem como património o direito a ½ do imóvel identificado em 4 e 11, supra. 2.1.2. Factos considerados não provados em 1.ª instância: 1. A 27 de Setembro de 2014 relativamente ao mútuo com o n.º PT (…) se encontrasse em dívida a título de capital o valor de € 76.368,58; 2. A 22 de Setembro de 2014 relativamente ao mútuo com o n.º PT (…) se encontrasse em dívida o valor de € 26.813,86, a título de capital mutuado; 3. A requerida tenha sido notificada da cessão de créditos referida em 15 dos factos provados; 4. O imóvel referido em 4 e 11 dos factos provados tenha um valor de mercado de € 200.860,00; 5. Ou que tal valor seja, no mínimo de € 285.000,00 e máximo de € 570.000,00; 6. A aqui requerida tenha sido notificada a 26.11.2019 na ação executiva n.º 892/11.8TBTVR através da Embaixada de Portugal na Irlanda; 7. A requerida seja pensionista na República da Irlanda e aufira o valo de € 1.800,00 mensais, valor que gasta em medicação, renda de casa, despesas domésticas e seguros. 8. Nada mais se provou com interesse para a decisão. 2.2. Apreciação do objeto do recurso 2.2.1. Nulidade da decisão recorrida No recurso que interpôs, a apelante arguiu a nulidade da decisão recorrida, imputando-lhe o vício de oposição entre os fundamentos e a decisão. As causas de nulidade da sentença encontram-se previstas no n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil, nos termos do qual é nula a sentença quando: a) não contenha a assinatura do juiz; b) não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão; c) os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível; d) o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento; e) o juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido. Arguiu a apelante a nulidade prevista na 1.ª parte da alínea c) do n.º 1 do citado artigo 615.º, com base na contradição, que afirma existir, entre os fundamentos de facto e a decisão proferida. Esta causa de nulidade, prevista no artigo 615.º, n.º 1, alínea c), 1.ª parte, verifica-se quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão, o que ocorre quando aqueles, seguindo um raciocínio lógico, devam conduzir a resultado decisório diverso. Conforme explica José Lebre de Freitas (A Acção Declarativa Comum: À Luz do Código de Processo Civil de 2013, 3.ª edição, Coimbra, Coimbra Editora, 2013, pág. 333), “(…) se, na fundamentação da sentença, o julgador segue determinada linha de raciocínio, apontando para determinada conclusão, e, em vez de a tirar, decide noutro sentido, oposto ou divergente, a oposição é causa de nulidade da sentença. Esta oposição não se confunde com o erro na subsunção dos factos à norma jurídica, ou, muito menos, com o erro na interpretação desta: quando, embora mal, o juiz entende que dos factos apurados resulta determinada consequência jurídica e este seu entendimento é expresso na fundamentação, ou dela decorre, encontramo-nos perante o erro de julgamento e não perante oposição geradora de nulidade (…)”. A recorrente baseia a invocação da indicada causa de nulidade alegando a existência de contradição entre a matéria de facto considerada provada e a decisão proferida. A previsão do preceito em análise não se encontra preenchida com a situação invocada pela apelante, relativa a uma suposta contradição entre a factualidade provada e a decisão proferida; sem prejuízo de poder estar em causa um erro de julgamento, a situação invocada não configura o vício arguido, não sendo causa de nulidade da sentença. Neste sentido, afirmam António Santos Abrantes Geraldes/Paulo Pimenta/Luís Filipe Pires de Sousa (Código de Processo Civil Anotado, vol. I, Coimbra, Almedina, 2018, págs. 737-738) o seguinte: “A nulidade a que se reporta a 1.ª parte da al. c) ocorre quando existe incompatibilidade entre os fundamentos e a decisão, ou seja, em que a fundamentação aponta num sentido que contradiz o resultado final. Situação que, sendo violadora do chamado silogismo judiciário, em que as premissas devem condizer com a conclusão, também não se confunde com um eventual erro de julgamento, que se verifica quando o juiz decide contrariamente aos factos apurados ou contra norma jurídica que lhe impõe uma solução jurídica diferente”. Não se verifica, assim, a nulidade por oposição entre os fundamentos e a decisão. Em conclusão, não enferma a sentença recorrida da causa de nulidade arguida pela apelante. 2.2.2. Contradição entre factualidade tida por provada e não provada A apelante invocou a existência de contradição insanável entre factos julgados provados e não provados, defendendo que tal preenche a previsão do artigo 662.º, n.º 2, alínea c), do CPC. Definindo os poderes da Relação em sede de modificabilidade da matéria de facto, o invocado artigo 662.º dispõe, na alínea c) do seu n.º 2, que este Tribunal deve, mesmo oficiosamente, anular a decisão proferida na 1.ª instância, designadamente quando, não constando do processo todos os elementos que permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados. Alega a apelante que os factos considerados não provados sob os pontos 1 e 2 de 2.1.2. se encontram em contradição com a factualidade julgada provada sob os pontos 1, 6, 7, 8, 13, 14, 21, 24 e 26 a 28 de 2.1.1., sustentando que não se pode, em primeiro, dizer que os contratos foram celebrados, que a requerida recebeu os valores mutuados, que incumpriu os contratos e, por último, considerar que a existência do crédito não está demonstrada. No entanto, analisando as alegações de recurso, verifica-se que a apelante não extrai consequências de tal invocação, não formulando qualquer pretensão com fundamento no indicado vício, designadamente visando a modificação da decisão de facto ou a anulação da decisão proferida. Acresce que a invocação de supostas contradições entre factos considerados provados e não provados, configurando imputação de vícios à decisão sobre a matéria de facto, constitui fundamento de impugnação da decisão de facto, a qual se encontra sujeita aos ónus impostos pelo artigo 640.º do CPC. Relativamente a eventuais vícios da decisão sobre a matéria de facto, explicam José Lebre de Freitas/Isabel Alexandre (Código de Processo Civil Anotado, volume 2.º, 3.ª edição, Coimbra, Almedina, 2017, pág. 734), “a invocação de vários dos vícios que a esta dizem respeito é feita nos termos do artigo 640.º”, acrescentando que “a consequência desses vícios não é necessariamente a anulação do ato (cfr. os n.ºs 2 e 3 do artigo 662.º)”. Nesta conformidade, improcede a argumentação apresentada pela apelante visando se considere preenchida a previsão do artigo 662.º, n.º 2, alínea c), do CPC, sem prejuízo de poder a Relação vir a entender necessário fazer uso, oficiosamente, do determinado nesse preceito, após apreciação da impugnação da decisão de facto deduzida pela apelante. 2.2.3. Impugnação da decisão relativa à matéria de facto A apelante põe em causa a decisão sobre a matéria de facto constante da sentença recorrida, impugnando os pontos 1 e 2 da factualidade considerada não provada e defendendo o respetivo aditamento à matéria julgada provada. Sob a epígrafe Modificabilidade da decisão de facto, dispõe o artigo 662.º do CPC, no seu n.º 1, que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa. Esta reapreciação da decisão proferida sobre determinados pontos da matéria de facto deve, de forma a assegurar o duplo grau de jurisdição, ter a mesma amplitude que o julgamento efetuado na 1.ª instância, o que importa a apreciação da prova produzida, com vista a permitir à Relação formar a sua própria convicção. Está em causa, no caso presente, a reapreciação da decisão proferida pela 1.ª instância na parte relativa aos indicados pontos da matéria de facto, com vista a apurar se foram incorretamente julgados não provados e se devem ser aditados à matéria assente. Os factos em causa têm a redação seguinte: 1. A 27 de Setembro de 2014, relativamente ao mútuo com o n.º PT (…), se encontrasse em dívida a título de capital o valor de € 76.368,58; 2. A 22 de Setembro de 2014, relativamente ao mútuo com o n.º PT (…), se encontrasse em dívida o valor de € 26.813,86, a título de capital mutuado. Extrai-se da fundamentação da decisão de facto constante da sentença recorrida que estes pontos foram julgados não provados pelos motivos seguintes: Relativamente aos factos não provados, nenhuma prova foi feita que os demonstre. A requerente alegou a data do início do incumprimento e o valor do capital em dívida nessa data, bem como os juros vencidos. A requerida aceitou a data de incumprimento, mas impugnou o valor em dívida e a forma de calculo dos juros. Não foi feita qualquer prova, nomeadamente, a requerente não apresentou o plano de pagamento dos valores mutuados de modo a demonstrar o valor pago a título de capital e juros até à data de início do incumprimento. A testemunha que indicou nada sabia sobre o assunto, tendo remetido no seu depoimento para documentos que não foram juntos ao processo. Discordando deste entendimento, a apelante sustenta que os documentos juntos aos autos com a petição inicial como docs. 3, 7 e 8, bem como os documentos juntos com o requerimento apresentado em 27-09-2024 como docs. 2, 7, 8, 11, 13 e 14, conjugados com os factos julgados provados sob os pontos 1, 6, 7, 8, 13, 14, 21, 24 e 26 a 28 de 2.1.1., impõem o aditamento à matéria provada dos aludidos factos considerados não provados. Vejamos se lhe assiste razão. Os factos invocados pela apelante, julgados provados sob os pontos 1, 6, 7, 8, 13, 14, 21, 24 e 26 a 28 de 2.1.1., têm a redação seguinte: 1. No âmbito da sua atividade, a 27 de Novembro de 2003, a Caixa Geral de Depósitos, S.A., celebrou com a requerida e (…), um contrato de mútuo, a que atribuiu o n.º PT (…), pelo qual entregou a estes o valor de € 84.700,00, quantia que estes deveriam devolver em 480 prestações mensais, integrantes de capital e juros, com vencimento da primeira a 27 de Dezembro de 2003, e as seguintes em igual dia dos meses subsequentes. 6. A quantia mutuada foi entregue aos requeridos. 7. A 27 de Setembro de 2014, os mutuários deixaram de pagar as prestações estipuladas no contrato de mútuo. 8. No âmbito da sua atividade, a 2 de Fevereiro de 2005, a Caixa Geral de Depósitos, S.A., celebrou com a requerida e (…), um contrato de mútuo, a que atribuiu o n.º PT (…), pelo qual entregou a estes o valor de € 40.000,00, quantia que estes deveriam devolver em 264 prestações mensais, integrantes de capital e juros, com vencimento da primeira a 2 de Março de 2005, e as seguintes em igual dia dos meses subsequentes (Doc. 8 PI). 13. A quantia mutuada foi entregue aos requeridos. 14. A 22 de Setembro de 2014, os mutuários deixaram de pagar as prestações estipuladas no contrato de mútuo. 21. Nesse processo a Caixa Geral de Depósitos reclamou créditos emergentes dos contratos de mútuo com o n.º PT (…) e n.º PT (…), no valor total de € 112.589,80. 24. Por requerimento apresentado a 19.6.2018, a Caixa Geral de Depósitos S.A. requereu, naquela execução, a notificação da comproprietária do imóvel, nos termos do artigo 781.º do Código de Processo Civil, para dizer se pretendia a venda do imóvel pela totalidade naquela execução. 26. A 18 de maio de 2022, a aqui requerida juntou procuração na execução n.º 892/11.8TBTVR. 27. No dia 28 de Junho de 2022, a aqui requerida foi notificada, naquele processo de execução, por via da sua mandatária, da penhora entretanto lavrado sobre a metade indivisa de (…), e para “no prazo de 10 dias fazer as declarações que entender quanto ao direito do Executado e ao modo de o tornar efetivo, podendo ainda dizer se pretende que a venda tenha por objeto todo o património ou a totalidade do bem. 28. A 10 de Abril de 2023 a aqui requerida pronunciou-se naquela execução no sentido da venda do imóvel pela totalidade e que aceita a venda por leilão eletrónico pelo valor base de € 220.000,00. Analisando esta factualidade, não se vislumbra que os indicados factos, tidos como assentes, imponham se considere provados os factos constantes dos pontos 1 e 2 de 2.1.2., relativos ao montante em dívida a título de capital à data da cessação do pagamento das prestações estipuladas em cada um dos dois contratos de mútuo a que aludem os pontos 1 e 8 de 2.1.1.. Encontra-se assente a celebração, entre a apelada e a Caixa Geral de Depósitos, S.A., dos dois mencionados contratos de mútuo, bem como que, por escritura de cessão de créditos outorgada em 30-01-2019, aquele banco cedeu à apelante os créditos que detinha sobre a apelada emergentes desses dois contratos, com todas as garantias e acessórios a eles inerentes, incluindo as respetivas hipotecas. Mais se extrai da factualidade provada que, nos termos acordados, o banco entregou à apelada as quantias mutuadas, isto é, no que respeita ao contrato a que alude o ponto 1, o valor de € 84.700,00 e, no que toca ao contrato a que alude o ponto 8, o valor de € 40.000,00, ficando estipulado no primeiro contrato o pagamento pela mutuária de 480 prestações mensais e sucessivas, integrantes de capital e juros, com início em 27-12-2003 e no segundo contrato o pagamento de 264 prestações mensais e sucessivas, integrantes de capital e juros, com início em 02-03-2005, sendo que a apelada deixou de pagar as prestações estipuladas em cada um dos contratos em setembro de 2014. Decorrendo destes elementos que a apelada deixou de cumprir as obrigações emergentes de ambos os contratos de mútuo em setembro de 2014, tal permite se conclua que não terão sido pagas todas as prestações estipuladas em cada um dos contratos. No entanto, não decorre da factualidade julgada provada qualquer elemento que permita aferir o montante em dívida aquando da cessação do pagamento das prestações acordadas, nem se as prestações que não foram pagas respeitavam, e em que medida, à restituição do capital mutuado, pelo que não permitem os factos julgados provados, por si sós, considerar assentes os elementos indicados nos pontos 1 e 2 de 2.1.2.. Reapreciada a prova documental invocada pela apelante, igualmente se não vislumbra que imponha a alteração da decisão relativa aos dois pontos de facto impugnados, respeitantes aos montantes em dívida a título de capital aquando da cessação do pagamento pela apelada das prestações acordadas. O documento junto aos autos com a petição inicial como doc. 3 não se mostra inteligível por si só, configurando uma listagem de valores não integrada em certidão ou cópia certificada de qualquer outro documento, alegando a respetiva apresentante, no artigo 2.º do mencionado articulado, que consiste em cópia da listagem anexa com os créditos que lhe foram cedidos pela Caixa Geral de Depósitos, designadamente dos créditos emergentes dos dois contratos de mútuo em causa nos presentes autos, não tendo o documento força probatória suficiente para fundamentar a pretendida alteração da decisão relativa aos pontos 1 e 2 de 2.1.2.. Os documentos juntos aos autos com a petição inicial como docs. 7 e 8, por seu turno, consistem em cópias certificadas de parte de cada uma das escrituras através das quais foram celebrados os contratos de mútuo a que aludem, respetivamente, os pontos 1 e 8 de 2.1.1., delas não se extraindo qualquer elemento relativo ao montante das prestações acordadas. Consta de cada um dos docs. 7 e 8 um documento complementar que constitui parte integrante da respetiva escritura, resultando do teor de cada um desses anexos, além do mais, a forma de cálculo dos juros estipulados, o prazo de amortização do empréstimo respetivo e os termos e prazos de pagamento das prestações de capital e juros devidas; porém, consignou-se em cada um desses documentos complementares que o montante das prestações seria oportunamente comunicado pela credora (cfr. cláusula 8.ª, § 2 do doc. 7 e cláusula 7, § 2 do doc. 8), o que não permite aferir o concreto plano de pagamentos acordado em qualquer dos dois contratos, designadamente quanto à restituição do capital mutuado. Quanto aos documentos apresentados pela apelante com o requerimento de 27-09-2024 e invocados em sede da impugnação da decisão de facto, verifica-se o seguinte: o doc. 2 consiste na reclamação de créditos a alude o ponto 21 de 2.1.1., formulada pela Caixa Geral de Depósitos, S.A. no processo de execução identificado no ponto 19 de 2.1.1., no âmbito do qual havia sido penhorado o imóvel sobre o qual incidiam as hipotecas constituídas para garantia dos contratos de mútuo a que aludem os pontos 1 e 8 de 2.1.1.; o doc. 7 consiste no requerimento a que alude o ponto 24 de 2.1.1., apresentado pela Caixa Geral de Depósitos nessa ação executiva, e o doc. 8 consiste no despacho a que alude o ponto 25 de 2.1.1., proferido na mesma ação executiva; os docs. 11, 13 e 14, por seu turno, consistem nos atos a que aludem, respetivamente, os pontos 26, 27 e 28 de 2.1.1., relativos à junção de procuração pela apelada no aludido processo executivo, notificação da mesma e pronúncia que apresentou relativamente à venda do imóvel. Não se vislumbra que qualquer dos elementos invocados pela apelante – factos tidos por assentes e documentos juntos aos autos – permita aferir, com o mínimo de segurança, os valores em dívida a título de capital aquando da cessação do pagamento pela apelada das prestações acordadas em cada um dos contratos de mútuo, mostrando-se acertada a decisão proferida, na parte em que considerou não provados os factos constantes dos pontos 1 e 2 de 2.1.2.. Nesta conformidade, improcede a impugnação da decisão de facto deduzida pela apelante. 2.2.4. Declaração de insolvência da requerida A improcedência da impugnação da decisão relativa à matéria de facto, com a consequente não alteração da factualidade considerada provada, importa se considere prejudicada a reapreciação da pretensão de declaração de insolvência da requerida, nos termos peticionados nas alegações de recurso. A solução que a recorrente defende para o litígio assenta na alteração da decisão de facto, concretamente no aditamento dos pontos 1 e 2 de 2.1.2. à factualidade julgada provada; rejeitada tal modificação da matéria de facto provada, não defende qualquer alteração da matéria de direito, a apreciar na hipótese de se manter a factualidade fixada pela 1.ª instância. Nesta conformidade, face à improcedência da impugnação da decisão relativa à matéria de facto, mostra-se prejudicada a apreciação da questão de direito suscitada. Improcede, assim, a apelação. Em conclusão: (…) 3. Decisão Nestes termos, acorda-se em julgar improcedente a apelação, confirmando a decisão recorrida. Custas pela apelante. Notifique. Évora, 16-12-2024 (Acórdão assinado digitalmente) Ana Margarida Carvalho Pinheiro Leite (Relatora) Rosa Barroso (1ª Adjunta) Vítor Sequinho dos Santos (2º Adjunto) |