Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
4804/22.5T8STB.E1
Relator: JOSÉ ANTÓNIO MOITA
Descritores: PRESUNÇÃO DE CULPA
PRESUNÇÃO LEGAL
CULPA IN VIGILANDO
Data do Acordão: 05/22/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A SENTENÇA RECORRIDA
Área Temática: CÍVEL
Sumário: Sumário do Acórdão

(Da exclusiva responsabilidade do relator – artigo 663º, nº 7, do CPC)


1- O n.º 2-, do artigo 493.º, do Código Civil contempla uma presunção legal de culpa (presunção iuris tantum), que foi ilidida no caso vertente;


2- Por seu turno tendo resultado provados factos tendentes a ilustrarem a culpa dos representantes legais do lesado, de acordo com o disposto no artigo 571.º do Código Civil, sempre seria aplicável, mesmo em caso de não elisão da referida presunção, o disposto no n.º 2 do artigo 570.º do mencionado diploma legal.

Decisão Texto Integral: Proc. nº 4804/22.5T8STB.E1

Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal - Juízo Central Cível de ... – Juiz 1


Apelantes: AA


BB


Apeladas: Sociedade de Exploração Turística Infante de Sagres, Lda


Companhia de Seguros Fidelidade – Mundial, S.A.


***


*


Acordam os Juízes na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora no seguinte:


I – RELATÓRIO


AA e mulher BB intentaram a presente acção declarativa de condenação, com processo comum, contra Sociedade de Exploração Turística – Infante Sagres SA peticionando a condenação da Ré a pagar-lhes a quantia de € 600,00 a titulo de indemnização por danos patrimoniais e a quantia de € 230.000,00 a titulo de danos não patrimoniais, acrescidas de juros vencidos e vincendos desde a data da prática dos factos até integral pagamento.


Alegaram, em síntese, que o seu filho CC de dois anos e quatro meses entrou no Parque de Campismo com ambos e com os irmãos para irem celebrar o aniversário de um destes últimos, de nome DD, sendo a primeira vez que se deslocavam a este espaço, acrescentando que se dirigiram à recepção, a qual, por causa das restrições sanitárias, somente comportava a presença de numero reduzido de pessoas. Alegaram, ainda, que, de seguida, o Autor levou um dos irmão do CC, de nome EE, de quatro anos, a urinar junto a uma planta próxima da recepção, mantendo-se o CC na zona da recepção onde estava a mãe e outras pessoas, esclarecendo os Autores que quando esta saiu da recepção estava sozinha sem o CC, tendo de imediato iniciado buscas pela criança, pelo parque, sem o conseguirem encontrar, mais acrescentando os Autores que passados alguns minutos a funcionária da recepção encaminhou-os para um portão pequeno próximo da recepção e ligeiramente escondido, que estava aberto encontrando-se atrás do mesmo um piscina ampla, com água coberta de limos verdes, o que lhe conferia uma aparência de um longo tapete verde, como que relva, passaram o portão, procuraram e aperceberam-se de uma pequena clareira na piscina onde estava caído o menor, já falecido.


Adiantaram ainda os Autores que a presença da piscina num complexo onde circulam crianças e idosos, obrigava à existência de uma protecção de forma que não fosse possível o acesso à piscina, a não ser que autorizado pela proprietária através dos seus responsáveis, imputando a responsabilidade pelo decesso do seu filho à Ré Sociedade., concluindo pela condenação da mesma no pagamento da indemnização peticionada por danos patrimoniais e não patrimoniais.


Citada, apresentou a Ré contestação e deduziu pedido de intervenção principal provocada da Companhia de Seguros Fidelidade SA, por ter com a mesma celebrado contrato de seguro de responsabilidade civil para eventos que viessem a ocorrer no parque de campismo pelo exercício e em consequência da actividade da Ré de que viesse a resultar obrigação indemnizatória.


Foi deferida a intervenção principal provocada da Companhia de Seguros Fidelidade SA, associada à Ré tomadora de seguro.


A Ré Sociedade alegou, em suma, que a piscina do parque estava encerrada e a desativação informada aos utentes do parque, esclarecendo que tal estava assinalado com sinaléctica adequada e com os portões de acesso ao recinto da piscina fechados a cadeado ou ferrolho, tendo o acidente ocorrido porque houve uma trágica falha de vigilância por parte daqueles que estavam obrigados a esse dever e que face à idade da criança e à sua irrequietude teria que ser uma vigilância permanente, seja mantendo-o ao colo, seja, segurando-o pela mão o que de todo, não sucedeu.


Conclui a Ré em causa que ocorreu violação do dever de vigilância por parte dos Autores, pugnando pela improcedência da acção e a sua absolvição do pedido.


A Companhia de Seguros Fidelidade SA apresentou contestação alegando, em suma, que à data do sinistro, entre a Ré Sociedade de Exploração Turística Infante de Sagres, SA e a ora interveniente vigorava um contrato de seguro facultativo do ramo de responsabilidade civil geral exploração da actividade de parques de campismo, mediante o qual a segurada e tomadora transferiu para a Ré a sua responsabilidade civil extracontratual ou geral de exploração garantindo "dentro dos limites fixados nas Condições Particulares, as indemnizações que legalmente sejam exigíveis ao Segurado pelos danos decorrentes de lesões corporais e/ou materiais causados aos utilizadores do PARQUE DE CAMPISMO designado nas Condições Particulares, em virtude de deficiente instalação e manutenção dos alvéolos e espaços verdes para fixação de material de campismo e caravanismo e ainda dos espaços de recreio, desporto e parque de viaturas, bem como do equipamento de higiene e limpeza.", também "garantindo os danos causados a terceiros.


Encontrando-se excluídas as situações previstas no ponto 2 das Condições Particulares, nomeadamente no que para este caso possa relevar: "a) Os danos causados por inobservância das regras de segurança impostas por lei ou disposições administrativas; (...) c) Os danos causados pela exploração de qualquer tipo de negócio alheio à atividade do Segurado; (...) e) Os danos causados por falta de conservação, manutenção ou limpeza das instalações sanitárias, água da piscina, parques infantis e outras; f) A responsabilidade direta dos utilizadores do parque em geral e dos utentes da piscina em particular; (...).”


Mais alegou ainda a Interveniente que os pais não vigiaram a cada instante um bébé de apenas dois anos e não zelaram pelo cumprimento das restrições de acesso à piscina impostas pela Ré Sociedade e pelo regulamento do Parque, verificando-se, assim, omissão do dever de vigilância a que por lei os pais estavam obrigados, o que deu azo ao sinistro, terminando a concluir pela improcedência da acção.


Agendou-se e realizou-se audiência prévia, no âmbito da qual foi proferido despacho saneador, identificado o objecto do litigio, enunciados os temas de prova, admitidos os meios probatórios requeridos e agendada a audiência final.


Procedeu-se à realização de audiência final, a que se seguiu a prolação de sentença, que contem o seguinte dispositivo:


“V - DECISÃO


Pelo exposto, decide-se julgar a acção totalmente improcedente absolvendo-se as RR do pedido.


Custas a cargos dos AA.


Registe e notifique.”


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Inconformados com a sentença, vieram os Autores apresentar requerimento de recurso para este Tribunal da Relação de Évora, nele exarando extensas conclusões elencadas em 13 páginas. :


As Rés responderam ao recurso pugnando ambas pela improcedência do mesmo e manutenção na íntegra da sentença recorrida.


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O recurso da sentença foi recebido na 1ª Instância, por despacho de 19/11/2024, como de apelação, a subir de imediato, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.


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Nesta instância foi proferido despacho pelo relator convidando os Apelantes ao aperfeiçoamento das suas conclusões recursivas, tendo aqueles apresentado novas conclusões mais sintéticas com o seguinte teor:


“1. Com o devido respeito, inexplicavelmente, o Tribunal a quo absolve as Rés, dando como não provada matéria essencial (fls. 10 de 21):


a. “Não havia indicação da existência de uma piscina;”


b. “O portão junto à recepção estava ligeiramente escondido e aparentemente destinado a possibilitar o acesso a casas de banho;”


c. “Esse pequeno portão estava aberto encontrando-se atrás do mesmo uma piscina ampla, que com a água coberta com limos, lhe conferia uma aparência de um longo tapete verde, como que relva;”


2. Com o devido respeito, o Tribunal a quo fez uma errada interpretação e valoração da prova produzida, já que a mesma impunha dar como demonstrados factos que omitiu no elenco dos provados, importando por isso ampliá-lo.


3. Baseando-se a Douta Sentença na prova testemunhal, inspeção ao local e registos fotográficos juntos aos autos conforme expressamente refere, necessariamente verifica-se através de audição dos depoimentos testemunhais e das fotografias que não havia sinalética e, igualmente, a água estava negra, o que para uma criança seria um tapete.


4. Assim, no Relatório Fotográfico da Guarda Nacional Repúblicana junto pelo Ministério Publico ao presente processo em 27.XI.2023 (Refª 7642177) a fls. 26, supra reproduzido, assim como de fls. 82 e 83 as fotografias 3 e 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10.


5. Efectivamente, a prova é clara: “Não havia indicação da existência de uma piscina;”.


6. Assim, não se sabia haver uma piscina e o portão colocado pela primeira Ré para evitar a passagem não era seria adequado à função, pois permitiu a passagem de uma criança por estar aberto ou, se fechado, permitiu que a mesma passasse entre as suas barras verticais conforme medido pelo Tribunal, (fls. 18 da Douta Sentença ex vi Doc. ___ junto aos autos pela Unidade Local de Saúde ..., notificado às partes sob referência 99635780 – 27 de Maio de 2024 e dos Autos de Inquérito n.º 352/20.6... juntos ao processo, o Auto de notícia de 21-06-2020, elaborado pelo militar da GNR Guarda Principal FF).


7. Estes elementos probatórios impõem decisão diversa da tomada em primeira Instância sendo que a decisão que deve ser proferida sobre cada um dos factos impugnados, necessariamente será a recondução dos indicados para os factos provados e, assim impondo-se decisão diversa com condenação das rés no Pedido


8. CC, de dois anos e meio, morreu na piscina do parque de campismo propriedade da Ré, Sociedade de Exploração Turística – Infante de Sagres, SA., por asfixia por submersão, por causa de manifesta conduta negligente dos proprietários e dos gerentes ou administradores da Ré, violadora de elementares cuidados em relação à existência de mecanismos de proteção e segurança, como barreiras efetivas aptas a evitar acidentes deste género.


9. Para a criança, para os Pais, ou qualquer outra pessoa era impossível ter consciência da falta de segurança perante a falta de visibilidade da piscina, a qual não estava assinalada.


10.Impõe-se assim a reapreciação da matéria de facto pois os factos objecto de impugnação seguramente, face às circunstâncias próprias do caso em apreciação, têm relevância jurídica,


11.Vossas Excelências, no uso dos dos poderes de alteração da decisão da Primeira Instância sobre a matéria de facto, concluirão pela existência de erro de apreciação relativamente aos concretos pontos de facto indicados, face aos depoimentos prestados em audiência, às fotografias existentes e demais que, conjugados com a restante prova produzida, impõem uma conclusão diferente.


12.E tal apreciação da prova -errada- foi determinante na Decisão do tribunal a quo , pois a fls. 16 afirma (tomamos a liberdade de citar) “Ora, in casu, a piscina encontrava-se devidamente assinalada, assim como no seu acesso foram adoptadas as medidas adequadas a proporcionar a proteção de um acesso seguro à mesma, e assim sendo o acesso à área da piscina pelo publico é efectuado por portão metálico que se encontrava fechado a cadeado, pois que no momento a piscina estava encerrada ao publico pela impossibilidade de uso pela situação pandémica que se vivia.”


13.Assim, peticionaram os autores a quantia de €600,00 (seiscentos euros) a titulo de indemnização por danos patrimoniais e a quantia de € 230.000,00 a título de danos não patrimoniais, sendo:


- Perda do direito à vida - € 130.000,00


- Danos morais da própria vítima – € 20.000,00


- Danos patrimoniais dos pais da vítima, ora AA – € 80.000,00


14.No que as Rés devem ser condenadas após adequada apreciação da prova, dando-se como provado que:


a. “Não havia indicação da existência de uma piscina;”


b. “O portão junto à recepção estava ligeiramente escondido e aparentemente destinado a possibilitar o acesso a casas de banho;”


c. “Esse pequeno portão estava aberto encontrando-se atrás do mesmo uma piscina ampla, que com a água coberta com limos, lhe conferia uma aparência de um longo tapete verde, como que relva;”


Pelo exposto, dando provimento ao presente recurso, deve ser revogada a decisão recorrida e substituída por Acórdão deste Venerando Tribunal que, fazendo aplicação do Direito conforme


o enquadramento jurídico que aqui se advoga, por ser o único consentâneo, julgue o presente procedente por provada e, em consequência, revogue aquela decisão com adequada apreciação


da prova, dando-se como provado que:


“Não havia indicação da existência de uma piscina;”


“O portão junto à recepção estava ligeiramente escondido e aparentemente destinado a possibilitar o acesso a casas de banho;”


“Esse pequeno portão estava aberto encontrando-se atrás do mesmo uma piscina ampla, que com a água coberta com limos, lhe conferia uma aparência de um longo tapete verde, como que relva;” com as necessárias consequências na Douta Decisão decorrida, a qual a final condenará as RR como peticionado a pagar a quantia de €600,00 a titulo de indemnização pelos danos patrimoniais, a quantia de € 230.000,00 (duzentos e trinta mil euros) a título de indemnização pelos danos não patrimoniais.


Tudo com as devidas consequências em matéria de custas. com o que se fará JUSTIÇA.”


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As Apeladas não apresentaram resposta às conclusões recursivas aperfeiçoadas.


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O recurso da sentença final é o próprio e foi correctamente admitido quanto ao modo de subida e efeito fixado, sendo certo que os Apelantes revelaram algum esforço no sentido da redução das conclusões recursivas iniciais na peça que subsequentemente apresentaram nos autos, o que nos permite admitir as mesmas para apreciação.


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Correram Vistos, pelo que cumpre agora apreciar.


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II – OBJECTO DO RECURSO


Nos termos do disposto no artigo 635º, nº 4, conjugado com o artigo 639º, nº 1, ambos do Código de Processo Civil (doravante apenas CPC), o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões do recurso, salvo no que respeita à indagação, interpretação e aplicação das normas jurídicas ao caso concreto e quando se trate de matérias de conhecimento oficioso que, no âmbito de recurso interposto pela parte vencida, possam ser decididas com base em elementos constantes do processo , pelo que as questões a apreciar e decidir traduzem-se objectivamente no seguinte:


1-Impugnação da decisão relativa à matéria de facto;


2- Reapreciação de mérito.


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III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO


Decorre da sentença recorrida a seguinte matéria de facto:


“III – Enquadramento factual


Com relevância para apreciação da causa resultou provada a seguinte factualidade:


1. CC nasceu em ... de ... de 2018, filho de AA, e de BB;


2. AA e BB tinham já naquela data um filho mais velho, EE,


3. BB era já Mãe de DD, nascido em ... de ... de 2010;


4. CC faleceu em ... de ... de 2020, no “Parque de Campismo”;


5. O “Parque de Campismo” pertence à Sociedade de Exploração Turística – Infante de Sagres, S.A., pessoa coletiva n.º ..., com sede em ...;


6. No dia ... de ... de 2020, pelas 15 horas, CC, de dois anos e quatro meses, entrou no “Parque de Campismo” com os seus pais e os seus irmãos, tendo-se os cinco dirigido para a Receção, a qual fica junto à entrada do recinto à direita;


7. Iam comemorar o aniversário de DD com alguns amigos deste;


8. Foi a primeira vez que foram ao local, tendo ouvido diversas recomendações para aí irem e descansarem em família;


9. Era um grupo de cerca de dez pessoas e iam confraternizar num espaço amplo, florestado, ao ar livre;


10. Circulavam várias pessoas, de diversas idades, utilizadores do parque de campismo;


11. Tal espaço apresentava um ambiente “familiar”, acolhedor e distante de aglomerados urbanos o que lhe confere um ambiente relaxante;


12. Os AA. entraram na receção com o CC, mas no interior havia limitações à presença de número de pessoas mercê da pandemia Covid 19;


13. Admitido o pretendido convívio, foi de imediato iniciado o “chek-in” para os membros do referido grupo, coordenado pela mãe do aniversariante, a A., BB;


14. O “chek-in” consistia na cobrança de entradas de visitantes, devendo entrar na receção apenas uma pessoa de cada vez, ficando os restantes a aguardar no espaço exterior à receção, e com esta contíguo;


15. Feito o registo, pessoa a pessoa, poderiam seguir para o interior do parque;


16. DD e EE estavam no exterior com outros meninos convidados para o aniversário;


17. Entretanto o CC entrou e saiu várias vezes do interior da recepção para o exterior, onde se encontravam DD e EE;


18. Passados uns minutos o filho EE –à data com 4 anos- pediu ao irmão DD para urinar, tendo-se este dirigido a AA para que este o ajudasse;


19. AA levou o seu filho EE para que pudesse satisfazer essa necessidade junto de uma planta, de forma recolhida e próxima da receção;


20. CC mantivera-se na zona exterior da recepção com outros convidados;


21. AA apercebeu-se então que o seu filho CC não estava junto à mãe, nem no espaço exterior;


22. Temeram um rapto, dirigindo-se ao portão de entrada do recinto, perguntando se alguém o vira.


23. Depois caminharam no sentido contrário cruzando-se com pessoas de toalha de praia/banho ao ombro, tendo-lhes as mesmas dito que vinham de uma lagoa que fica no outro extremo do complexo de campismo, mas que ninguém vira uma criança pequena só;


24. Passado algum tempo, começou a ouvir-se na receção o chamamento de uma criança, com vozes altas, em crescente insistência;


25. A rececionista de serviço, questionada por alguém do grupo, informou que não vira a criança, passando de imediato também à ação de busca, chamando o pessoal de serviço ao parque e pedindo colaboração dos clientes campistas que estavam ali mais próximos da área da receção;


26. Passado algum tempo, depois de já terem procurado o CC, a funcionária da receção, apercebendo-se do pânico dos pais, encaminhou o pai para um portão pequeno próximo da receção que se encontrava fechado;


27. Após mais de uma hora de buscas por diversas pessoas pelo interior do parque, e em diversas direções, todas em vão, um elemento do grupo, de nome GG, voltou a entrar e a inspecionar o espaço da zona da piscina, tendo verificado que estava um vulto no plano da água da piscina, que se confirmou ser, infelizmente, o corpo da criança desaparecida;


28. Retirada a criança da piscina e trazida para a proximidade da receção por GG, iniciaram-se de imediato manobras de reanimação,


29. (…) que continuaram também pela equipa do INEM que compareceu no local, mas sem sucesso, tendo a criança falecido no local;


30. O óbito de CC foi provocado por asfixia por submersão;


31. Foi chamada a GNR e o INEM, que pouco depois chegaram ao parque e tomaram conta da ocorrência;


32. Foi efectuada participação criminal apresentada pelos Autores contra a R, que deu origem ao Inquérito n.º 352/20.6...;


33. E foi elaborado Auto de notícia de 21-06-2020, pelo militar da GNR Guarda Principal FF;


34. A atividade da R. encontra-se licenciada através da licença de construção n.º 265/2002 e licença de utilização turística n.º1/2006;


35. Os serviços da piscina estavam encerrados ao público desde o início da pandemia em 2019;


36. No verão do ano de 2020, estando declarada a pandemia, com regras de contingência impostas a diversas atividades, com especial incidência naquelas que implicassem ajuntamentos humanos, a R. decidiu não abrir ao público os serviços inerentes ao espaço dedicado à piscina, bem como o uso da mesma, que se manteve encerrada todo o ano de 2020;


37. O próprio empreendimento “Parque de Campismo” esteve encerrado ao público, situação ocorrida em face das regras de contingência impostas pelo Governo e pelas autoridades de saúde pública em consequência da pandemia;


38. O serviço requisitado pelo grupo não incluía, a utilização da piscina, que, estava encerrada ao público;


39. Toda a zona envolvente da área dedicada à piscina estava vedada com rede de arame, sebe vegetal e portões, fechados à chave, ou com ferrolho, e ainda com sinalética de proibição de entrada e proibição de passagem;


40. O espaço dedicado exclusivamente à piscina, estava, e está delimitado por uma rede circundante de proteção;


41. O tanque da piscina tem uma cobertura completa de metal e de material acrílico, possuindo nos topos portas de correr em alumínio e material acrílico que se fecham completamente e se sobrepõem;


42. A piscina estava desativada e fora de uso, apresentando líquenes e algas verdes na superfície da água existente na piscina;


43. O tapete de relva, que constitui o solário, termina numa barreia, que é uma rede que circunda toda a piscina;


44. O acesso à piscina não é direto, ninguém acedendo à piscina sem passar por uma porta de correr, existente num dos topos da piscina, tendo mesmo que passar pelo chamado lava-pés, à entrada dessa porta de correr;


45. O corredor da zona da recepção até ao portão junto à recepção tem o comprimento de 9, 35 m e a largura de 97 cm; tendo o portão metálico a altura de 1,40 m, a largura de 97 cm, e espaçamento entre barras de 15cm e 15,5 cm, estando o ferrolho da fechadura a 1,20m, com sinalética de proibição de entrada a pessoas não autorizadas;


46. Junto à porta da recepção existe, no início do corredor, uma corrente de cor vermelha e branca;


47. À data do sinistro, ...-...-2020, entre a R. Sociedade de Exploração Turística Infante de Sagres, SA e a ora interveniente vigorava um contrato de seguro facultativo do ramo de responsabilidade Civil Geral Exploração da Actividade de Parques de Campismo titulado pela apólice RC63394048, nos termos das Condições Particulares, Gerais nº023 e Especial 001;


48. (…) Contrato mediante o qual a R. Companhia de Seguros Fidelidade SA garante a sua responsabilidade civil extracontratual ou geral de exploração garantindo "dentro dos limites fixados nas Condições Particulares, as indemnizações que legalmente sejam exigíveis ao Segurado pelos danos decorrentes de lesões corporais e/ou materiais causados aos utilizadores do PARQUE DE CAMPISMO designado nas Condições Particulares, em virtude de deficiente instalação e manutenção dos alvéolos e espaços verdes para fixação de material de campismo e caravanismo e ainda dos espaços de recreio, desporto e parque de viaturas, bem como do equipamento de higiene e limpeza. ", também "garantindo os danos causados a terceiros:


49. (…) a) Por quaisquer materiais, equipamentos, utensílios e decorações, interiores ou exteriores, incluindo tabuletas ou outros objetos de identificação ou publicidade, existentes no(s) estabelecimento(s) e/ou instalações do Segurado ou por este ocupados;


50. (…) b) Na qualidade de proprietário, ou arrendatário, de terrenos, edifícios, instalações e equipamentos afetos à atividade segura;


51. (…) c) Pela manutenção e conservação de instalações de iluminação e de megafonia;


52. (…) d) No decurso de trabalhos relacionados com a atividade segura e realizados pelo pessoal ao serviço do Segurado ou sob sua responsabilidade;


53. (…) e) Utilização de instalações sociais nomeadamente postos de enfermagem/primeiros socorros, instalações desportivas e de recreio;


54. (…) f) Intoxicação alimentar provocada por alimentos e/ou bebidas servidas e preparadas nas instalações de restauração do Segurado desde que diretamente exploradas pelo mesmo;


55. (…) g) Incêndio e/ou explosão ocorridos dentro das instalações do Segurado e cuja responsabilidade lhe seja imputável. "


56. O contrato de seguro referido em 50) tem como limite de indemnização máximo garantido o valor de € 250.000,00 por sinistro e anuidade, e com uma franquia a cargo da segurada de 10% do valor dos prejuízos indemnizáveis, com o mínimo de € 250,00 por sinistro;


57. O contrato de seguro encontra-se adstrito às suas Condições Particulares, Especiais nº001 (Responsabilidade Civil Exploração) e Gerais, e nº023, delas se encontrando excluídas as situações previstas no ponto 2 das Condições Particulares, nomeadamente «a) Os danos causados por inobservância das regras de segurança impostas por lei ou disposições administrativas;


58. (...) c) Os danos causados pela exploração de qualquer tipo de negócio alheio à atividade do Segurado;


59. (...) e) Os danos causados por falta de conservação, manutenção ou limpeza das instalações sanitárias, água da piscina, parques infantis e outras;


60. (…) f) A responsabilidade direta dos utilizadores do parque em geral e dos utentes da piscina em particular;


61. (...) l) Responsabilidade Civil Profissional.


62. Do contrato seguro resultam não garantidas, «a) As expressamente previstas no art. 3º da CONDIÇÃO ESPECIAL 001 Responsabilidade Civil Exploração): "ARTIGO 3º EXCLUSÕES ESPECÍFICAS (…)


63. (…) de onde consta que «1. Para além das exclusões previstas no Artigo 6º das Condições Gerais, a garantia desta Condição Especial também não abrange os danos:


64. a) Decorrentes de erros ou omissões profissionais;


65. b) Resultantes da inobservância de disposições legais, regulamentares ou não cumprimento de normas técnicas;


66. c) Resultantes do incumprimento de quaisquer cláusulas contratuais;(...)"


67. b) As expressamente previstas no art. 6º das CONDIÇÕES GERAIS nº 023: "ARTIGO 6° EXCLUSÕES


68. 1. O presente contrato nunca garante os danos: (...)


69. c) Decorrentes de responsabilidade civil profissional;(...)


70. m) Causados por quaisquer atividades ou bens, móveis ou imóveis, que, nos termos da lei, devam ser objeto de seguro obrigatório de responsabilidade civil;(...)


71. o) Sofridos por qualquer pessoa em consequência de ato voluntário por ela praticado;"


72. O sinistro não foi comunicado à Companhia de Seguros Fidelidade, SA;


73. Os Autores suportaram as despesas do funeral do CC, com as quais despenderam a quantia de €600,00 (seiscentos euros);


74. O CC era um menino feliz e saudável, que transmitia alegria a todos os que com ele conviviam;


75. O CC era um filho muito querido e desejado pelos Pais, vivendo à data dos factos para além de com estes, com os seus irmãos;


76. O CC uma vez dentro da água da piscina ter-lhe-á faltado o oxigénio e qualquer possibilidade de exercer as vitais funções respiratórias e vindo por isso, a falecer;


77. Os AA têm dificuldade em falar sobre o assunto;


78. Vivem tristes e amargurados, refugiando-se em casa e evitando confraternizar regularmente com amigos;


79. Todos os dias sentem a falta do filho, de quem se recordam com tristeza;


80. Desde a morte do filho ambos os Autores mantêm dificuldade em dormir e em trabalhar;


81. Foi proferida em 11.08.2021, decisão de arquivamento do Inquérito n.º 352/20.6...;


82. O menor CC tinha no último registo clínico da consulta de saúde infantil o perímetro cefálico de 48,5 cm.


Matéria de facto não provada:


Com relevância para a resolução da causa, considerando os factos concretos alegados pelas partes e excluindo a matéria alegada de forma conclusiva, conceitos, proposições normativas ou juízos jurídico-conclusivos, nada mais resultou provado, nomeadamente não resultou provado que:


1. Não havia indicação da existência de uma piscina;


2. O portão junto à recepção estava ligeiramente escondido e aparentemente destinado a possibilitar o acesso a casas de banho;


3. Esse pequeno portão estava aberto encontrando-se atrás do mesmo uma piscina ampla, que com a água coberta com limos, lhe conferia uma aparência de um longo tapete verde, como que relva;


4. Os AA. estão a considerar, a necessidade de os irmãos do CC serem acompanhados por médica especializada ou psicólogo pelas perturbações decorrentes da separação do convívio do seu irmão mais novo.”


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IV- FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO


Iniciemos este segmento com a análise da primeira questão definida no objecto do recurso em 1.


Os Apelantes pretendem que se proceda a alterações à matéria de facto considerada como não provada na sentença recorrida, pugnando as Apeladas pela improcedência dessa pretensão.


Resulta do artigo 640º do CPC, que se debruça sobre o ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto, o seguinte:


“1-Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:


a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;


b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;


c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.


2 - No caso previsto na alínea b), do número anterior, observa-se o seguinte:


a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;


b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.


[…] “


A este propósito sustenta o Conselheiro António Abrantes Geraldes (“Recursos no Novo Código de Processo Civil“, Almedina, 5ª ed., a págs. 168-169), que a rejeição total ou parcial respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto deve ser feita nas seguintes situações:


a) Falta de conclusões sobre a impugnação da decisão da matéria de facto (arts. 635º, nº 4 e 641º, nº 2, al. b));


b) Falta de especificação, nas conclusões, dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorretamente julgados (art. 640º, nº 1, a));


c) Falta de especificação, na motivação, dos concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados (v.g. documentos, relatórios periciais, registo escrito, etc);


d) Falta de indicação exata, na motivação, das passagens da gravação em que o recorrente se funda;


e) Falta de posição expressa, na motivação, sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento da impugnação“, esclarecendo, ainda, que a apreciação do cumprimento de qualquer uma das exigências legais quanto ao ónus de prova prevenidas no mencionado nº 1 e 2, a ), do artigo 640º do CPC, deve ser feita “à luz de um critério de rigor “.


Decorre, ainda, do artigo 662º, do CPC, o seguinte:


1 - A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa“.


Refere a propósito deste normativo o Conselheiro António Abrantes Geraldes (obra acima citada, pág. 287), que:


O actual artigo 662º representa uma clara evolução no sentido que já antes se anunciava […], através dos nºs 1 e 2, als. a) e b), fica claro que a Relação tem autonomia decisória, competindo-lhe formar e formular a sua própria convicção, mediante a reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou daqueles que se mostrem acessíveis e com observância do principio do dispositivo no que concerne à identificação dos pontos de discórdia.


Diz-nos também sobre este preceito o Conselheiro Fernando Pereira Rodrigues (“Noções Fundamentais de Processo Civil”, Almedina, 2ª edição atualizada, 2019, pág. 463-464), o seguinte:


“A redação do preceito [662º, nº 1] não parece ter sido muito feliz quando manda tomar em consideração os “factos assentes” para proferir decisão diversa, que só pode ser daqueles mesmos factos considerados assentes, porque o que está em causa é modificar a decisão em matéria de facto proferida pela primeira instância.


[…]


A leitura que se sugere como mais adequada do preceito, salvaguardada melhor opinião, é que ele pretende dizer que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, “confrontados” com a prova produzida ou com um documento superveniente impuserem decisão diversa”.


Nesta sede importa ainda recordar o teor dos n.ºs 4 e 5 do artigo 607.º do CPC, relativo à “Sentença”, que se traduz no seguinte:


“4- Na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência.”


“5- O juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto; a livre apreciação não abrange os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes”.


Argumentam, a este propósito, José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre (“Código de Processo Civil Anotado”, Volume 2º, Almedina, 4ª edição, 2019, pág. 709), o seguinte:


“O principio da livre apreciação da prova situa-se na linha lógica dos princípios da imediação, oralidade e concentração[…]: é porque há imediação, oralidade e concentração que ao julgador cabe, depois da prova produzida, tirar as suas conclusões, em conformidade com as impressões recém-colhidas e com a convicção que, através delas, se foi gerando no seu espirito, de acordo com as máximas de experiências aplicáveis.“


Assim, a prova submetida à livre apreciação do julgador não significa prova sujeita ao livre arbítrio do mesmo, como, aliás, bem se depreende da leitura do nº 4- do supra referido artigo 607º do CPC, que na sua primeira parte impõe ao juiz que analise “criticamente” as provas, indique as “ilações tiradas dos factos instrumentais” e especifique os “demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção”.


Neste domínio referem, outrossim, António Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe de Sousa (“Código de Processo Civil Anotado, Vol I”, Almedina, 2ª edição, 2020, pág. 745), o seguinte:


O juiz deve, pois, expor a análise crítica das provas que foram produzidas, quer quando se trate de prova vinculada, em que a margem de liberdade é inexistente, quer quando se trate de provas submetidas à sua livre apreciação, envolvendo os motivos que o determinaram a formular o juízo probatório relativamente aos factos considerados provados e não provados.”


Dito isto apreciemos, então, a impugnação relativa à matéria de facto apresentada pelos Apelantes começando, desde já, por aferir se foi devidamente cumprido o ónus de obrigatória especificação nos termos em que se encontra legalmente previsto.


Conforme decorre das conclusões recursivas aperfeiçoadas os Apelantes identificaram devidamente os pontos de facto cujo teor entendem ter sido incorrectamente julgado percebendo-se igualmente a solução que defendem (precisamente a consideração dos mesmos como provados), indicando ainda os meios de prova que julgam sustentar a solução defendida.


Relativamente a estes últimos resulta do corpo/motivação da peça recursiva dos Apelantes que os mesmos indicaram devidamente as passagens gravadas dos depoimentos que consideraram relevantes para sustentar a diferente decisão que defendem, tendo, inclusive, transcrito esses mesmos excertos.


Não existindo, assim, razão para rejeitar a impugnação dirigida contra a matéria de facto discriminada na sentença recorrida, uma vez que os ónus de obrigatória especificação foram cumpridos, impõe-se analisar do mérito a aludida impugnação.


Os Apelantes impugnaram concretamente o teor dos pontos 1., 2. e 3. do segmento da sentença recorrida atinente aos factos considerados como não provados, entendendo que os mesmos resultaram demonstrados.


Recordando o teor desses pontos temos, então, que na sentença recorrida resultou não provado que:


1. Não havia indicação da existência de uma piscina;


2. O portão junto à recepção estava ligeiramente escondido e aparentemente destinado a possibilitar o acesso a casas de banho;


3. Esse pequeno portão estava aberto encontrando-se atrás do mesmo uma piscina ampla, que com a água coberta com limos, lhe conferia uma aparência de um longo tapete verde, como que relva;”


Os Apelantes procuram convencer do desacerto da solução a que chegou o Tribunal a quo com base no teor do auto de notícia levantado pela GNR no dia do sinistro, ou seja em .../.../2020, bem como num relatório fotográfico efectuado pela mesma força militarizada a 22/02/2021, em anexo a um relatório intercalar redigido pela mesma GNR em 07/04/2021, elementos que instruíram os autos de inquérito n.º 352/20.6... e que foram juntos aos presentes autos, bem como um documento emitido pela Unidade Local de Saúde da ... e excertos muito pontuais de depoimentos prestados em audiência final por parte das testemunhas que arrolaram FF, GG, HH e das testemunhas arroladas pela Ré Sociedade II, JJ e KK.


Espreitando a sentença recorrida verificamos que no segmento respeitante aos factos não provados ficou a constar o seguinte:


“A matéria de facto não provada resulta da ausência de produção de prova relativamente à mesma e bem assim de produção de prova em sentido contrário.”


Ora bem, escrutinados devidamente os meios probatórios indicados pelos Apelantes conjugadamente com a demais prova produzida nos autos temos de convir que não resultaram demonstrados, desde logo, os factos discriminados sob os pontos 1. e 2. da matéria de facto considerada como não provada.


Com efeito, começando pela análise da impugnação dirigida contra o facto contido no ponto 1., verifica-se que da prova carreada aos autos e neles produzida não resulta demonstrado que a .../.../2020, dia do infeliz acidente que vitimou o menino CC, não haveria a indicação da existência de uma piscina.


Na verdade, se nos debruçarmos com atenção sobre os elementos remetidos aos presentes autos em 27/11/2023 provenientes dos autos de inquérito n.º 352/20.6..., mormente o “suporte fotográfico” que foi elaborado logo a .../.../2020 (dia da ocorrência dos factos), em anexo ao “Auto de Notícia” levantado pela GNR nesse mesmo dia e que inclui 8 fotografias, bem como sobre os excertos dos depoimentos de testemunhas selecionados no corpo do respectivo recurso pelos Apelantes e ainda o registo fotográfico efectuado aquando da inspeção judicial realizada pelo Tribunal a quo ao local no dia 18/01/2024 percebemos, desde logo, que nenhuma das testemunhas se pronunciou expressamente sobre a questão.


Por outro lado, se é verdade que do visionamento das fotografias (expressamente referidas pelos Apelantes no seu recurso), nºs 3 a 10 do “Relatório Fotográfico” elaborado pela GNR em 22/02/2021, por ocasião de nova ida por parte daquela força militarizada ao local dos factos, ou seja ao Parque de Campismo, concretizada no âmbito de diligência realizada na companhia do Ministério Público, nos autos de inquérito n.º 352/20.6..., elementos esses que foram anexados ao “Relatório Intercalar” elaborado naquele inquérito em 07/04/2021 e que foram carreados ao presente processo em 27/11/2023 como parte integrante do dito inquérito, não é possível retirar nada sobre a indicação de existência de uma piscina no local do parque já do visionamento das fotografias n.ºs 1 e 2 do “suporte fotográfico” efectuado em 21/06/2020 tiradas ao local de entrada da recepção do mencionado parque de campismo assim como das tiradas ao mesmo local no dia da inspeção judicial realizada pelo Tribunal a quo em 18/01/2024, é possível visualizar à direita da porta de entrada da recepção (parcialmente coberto por um cartaz informativo de gelados “Olá” quanto às fotografias tiradas no dia 18/01/2024), na perspectiva de quem se encontre no exterior dessa recepção e virado para a porta da mesma, um cartaz/letreiro com fundo azul que anuncia o “Horário da piscina”.


Na conformidade exposta e sendo certo que se tratava de facto a provar pelos Apelantes, que o alegaram expressamente na petição inicial, é de considerar que o facto contido sob o ponto 1. do segmento da sentença recorrida referente à matéria de facto não provada não pode considerar-se como demonstrado nos autos.


Quanto ao facto não provado contido sob o ponto n.º 2 da matéria de facto não provada não resulta igualmente do visionamento das fotografias contidas no “relatório fotográfico” realizado pela GNR a 22/02/2021, (designadamente das fotografias nºs 4 a 10), ou do “suporte fotográfico” efectuado logo a .../.../2020, ( mormente das fotografias nºs 1 a 3), nem das registadas aquando da inspeção judicial feita ao local por parte do Tribunal a quo, ou sequer dos excertos dos depoimentos transcritos no corpo das alegações do recurso dos Apelantes que, por um lado, o portão existente junto à recepção estivesse “ligeiramente escondido” e que se destinasse “a possibilitar o acesso a casas de banho”.


Na verdade, tal portão encontra-se ao fundo de um corredor adjacente à recepção do Parque de Campismo sendo facilmente percepcionável a sua existência.


Nos termos expostos improcede, igualmente, a impugnação no tocante ao facto contido no ponto 2 do segmento atinente à matéria de facto considerada como não provada na sentença recorrida.


Por último, quanto ao facto contido sob o ponto 3 da matéria de facto considerada como não provada importa dizer logo à partida que tendo resultado provado sob o ponto 26. do segmento da sentença recorrida respeitante aos factos considerados como provados que o portão pequeno próximo da receção se encontrava fechado, deveriam os Apelantes ter impugnado igualmente o mesmo a par da impugnação que dirigiram contra o ponto 3. dos factos considerados como não provados.


De todo o modo considerando os meios probatórios indicados pelos Apelantes temos de convir que os registos fotográficos carreados aos autos não se afiguram suficientes para fazer vingar a solução defendida por aqueles dado que mesmo os que foram efectuados no dia do acidente sofrido pelo CC e que se traduzem nomeadamente nas fotografias n.ºs 1 a 3 do “suporte fotográfico” anexado ao “Auto de Notícia” elaborado nessa data pela GNR apenas podem relevar como prova da existência desse pequeno portão e não que o mesmo se encontrasse aberto no momento em que o acidente se produziu, pois além de mostrarem o portão em causa tanto aberto como fechado tão pouco foram obtidos imediatamente antes do acidente.


Por maioria de razão, os registos fotográficos que foram carreados aos autos, obtidos posteriormente em 22/02/2021 e em 18/01/2024, de que já fomos dando nota acima, tão pouco podem servir para demonstrar a solução defendida pelos Apelantes de que o portão em apreço estaria aberto aquando do desaparecimento do CC do local onde antes estivera com pais e amigos e que precedeu o infeliz sinistro que o vitimou.


No Auto de Notícia elaborado em .../.../2020 também não vem mencionado que o portão se encontrasse aberto.


Escrutinando os excertos dos depoimentos transcritos pelos Apelantes na motivação do seu recurso constatamos que apenas a testemunha LL, vizinho há cerca de sete anos dos Apelantes, referiu que “Não encontrei porta fechada … eu fui sempre em frente”.


Porém, a testemunha MM, administrativa e funcionária desde 2016 no Parque de Campismo, com a categoria de recepcionista, presente no local no dia e horário do acidente, referiu que o portão se encontrava fechado, tendo o seu depoimento sido valorado para a prova do facto contido no ponto 26. dos factos considerados como provados na sentença recorrida.


Importa, ainda, salientar que a testemunha GG na procura incessante do CC foi por duas vezes à zona onde se situa a piscina tendo no momento em que foi inquirido pela GNR, a .../.../2020, ou seja no dia do sinistro sofrido pelo menino CC, pouco depois da sua ocorrência, referido (e tal consta do auto de inquirição de testemunha então lavrado), que “quando foi à piscina encontrou o portão da mesma aberto”.


Sabendo-se, porém, que o tanque da piscina possui uma cobertura completa de metal e de material acrílico possuindo nos topos portas de correr em alumínio e material acrílico (facto contido no ponto 41. dos factos considerados como provados na sentença recorrida e não impugnado expressamente no recurso), suscita-se desde logo a dúvida sobre o que pretendeu transmitir a testemunha GG em sede de audiência final quando no seu depoimento disse “Não encontrei porta fechada…”.


Referia-se a essa(s), portas(s) existente(s) no topo ou ao pequeno portão localizado próximo da recepção?


Por outro lado, se atentarmos no que, anos antes, referiu à GNR logo no dia do acidente também se pode suscitar a dúvida, em face do que singelamente disse, sobre se encontrou o portão aberto logo na primeira vez em que se deslocou à zona da piscina, ou apenas quando lá voltou na segunda vez em que deparou com a criança dentro da piscina.


Relativamente ao demais plasmado nesse facto considerado como não provado cumpre dizer que na parte em que se refere “encontrando-se atrás do mesmo uma piscina ampla, com a água coberta com limos, lhe conferia uma aparência de um longo tapete verde, como que relva”, além de no tocante à parte final se traduzir num juízo eminentemente conclusivo/especulativo e não num facto concreto e naturalístico, tal não decorre dos registos fotográficos carreados aos autos sobre que temos vindo a aludir, nem dos excertos dos depoimentos selecionados e transcritos pelos Apelantes na motivação do seu recurso.


Com efeito, apenas a testemunha FF ao ser inquirida em audiência final disse quanto ao aspecto da piscina que parecia “um chão, parecia um tapete, uma cobertura.”, não fazendo, todavia, sequer, qualquer alusão a um “longo tapete verde, como que relva”.


Acresce que os factos contidos nos pontos 42. e 43. do segmento da sentença recorrida relativo aos factos considerados como provados, não expressamente impugnados pelos Apelantes no seu recurso e que o Tribunal a quo considerou como demonstrados em resultado da conjugação dos depoimentos prestados pelas testemunhas NN, II, JJ, MM, com os registos fotográficos juntos aos autos, não permitem considerar demonstrada a solução defendida pelos Apelantes, mas apenas que à data do infeliz acidente sofrido pelo CC a superfície da água existente na piscina apresentava líquenes e algas verdes e bem assim que o tapete de relva que constituía o solário terminava numa barreira constituída por uma rede que circunda toda a piscina, o que se pode constatar, sem margem para rebuços, da visualização das fotografias nºs 5 a 8 do “suporte fotográfico” que foi efectuado e anexado ao auto de noticia levantado em .../.../2020, dia do infeliz acidente.


Note-se, ainda, que mesmo a referência de que atrás do pequeno portão se encontrava uma piscina ampla também peca por não ser exacta e não estar demonstrada tal qual, nem através dos excertos de depoimentos selecionados no recurso pelos Apelantes, nem principalmente pelos registos fotográficos juntos aos autos, apenas se podendo retirar da respectiva visualização, no que concerne à zona envolvente da piscina e sua localização, o que resultou provado (e não impugnado expressamente pelos Apelantes), sob os pontos 39., 40. e 44., do segmento atinente aos factos considerados como provados na sentença recorrida.


Do exposto resulta, assim, que também quanto ao ponto 3 dos factos considerados como não provados decai a pretensão recursiva dos Apelantes, improcedendo, assim, consequentemente, na totalidade, a impugnação relativa à decisão sobre a matéria de facto constante da sentença recorrida suscitada pelos Apelantes no presente recurso.


Destarte, mantem-se inalterada a matéria de facto considerada como provada e como não provada na sentença recorrida.

2-Reapreciação de mérito

Segue-se a abordagem da segunda e última questão objecto do recurso atinente à reapreciação de mérito.


Do acervo das conclusões recursivas aperfeiçoadas delineadas pelos Apelantes decorre que os mesmos sustentam uma diferente solução jurídica desta causa, com a consequente condenação das Apeladas, assente na modificação da decisão de facto de acordo com a impugnação que apresentaram, a qual, como acima se constatou, não vingou, tendo improcedido na totalidade.


Por outras palavras, o recurso apresentado pelos Apelantes de acordo com as conclusões recursivas aperfeiçoadas afigura-se-nos consubstanciar eminentemente um recurso sobre a matéria de facto e não um recurso sobre matéria de direito, o qual, aliás, implicaria o devido cumprimento do disposto no n.º 2 do artigo 639.º do CPC.


De todo o modo, sem podermos deixar de reconhecer e lamentar o infortúnio que atingiu os Apelantes derivado do decesso do pequeno CC, com apenas 28 meses de idade à data da sua morte, importa reconhecer que se mostra acertada a solução jurídica defendida na sentença recorrida perante os factos discriminados como provados na mesma.


Na verdade, partindo da factualidade assente nos autos o tribunal a quo trouxe à colação no segmento da sentença recorrida atinente ao enquadramento jurídico a referência aos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos, demonstrando a inexistência em concreto de culpa na produção do infeliz acidente que vitimou o CC por parte da Apelada Sociedade, reconduzindo a exploração comercial de uma piscina de acesso público a actividade potencialmente perigosa por sua própria natureza invocando expressamente a norma prevista no n.º 2 do artigo 493.º do Código Civil (doravante apenas CC).


Estatui-se no artigo 487.º do CC, epigrafado “Culpa”, que:


“1. É ao lesado que incumbe provar a culpa do autor da lesão, salvo havendo presunção legal de culpa.


2. A culpa é apreciada, na falta de outro critério legal, pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias de cada caso.”


Por seu turno, estatui o artigo 493.º do aludido Código, epigrafado “Danos causados por coisas, animais ou atividades”, que:


“[…]


2-Quem causar danos a outrem no exercício de uma atividade, perigosa por sua própria natureza ou pela natureza dos meios utilizados, é obrigado a repará-los, exceto se mostrar que empregou todas as providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de os prevenir.”


Refere a propósito desta norma Mário Júlio de Almeida Costa (“Direito da Obrigações”, Almedina, 12ª edição revista e actualizada, 2018, págs. 587-588), o seguinte:


A estatuição alarga-se aos danos decorrentes do exercício de uma actividade perigosa, «por sua própria natureza ou pela natureza dos meios utilizados» (ex: fabrico de explosivos, navegação aérea, transporte de matérias inflamáveis, aplicação médica de raios X, ondas curtas). Deve tratar-se, pois, de actividade que, mercê de qualquer dessas razões, tenha ínsita ou envolva uma probabilidade maior de causar danos do que a verificada nas restantes actividades em geral. Apenas é excluída a responsabilidade derivada de tais danos, se o agente «mostrar que empregou todas as providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de os prevenir».


Como se apura, o legislador limitou-se a fornecer ao intérprete uma directriz genérica para identificação das actividades perigosas.”.


A presunção de culpa reconhecida no transcrito n.º 2, do artigo 493.º, do CC, implica necessariamente uma inversão do ónus da prova (art. 350º, nº 1, do CC), sendo aquela ilidível, mediante prova em contrário (art. 350º, nº 2, do CC), ou seja, exige-se fazer prova da falta de culpa, ou de que os danos se teriam igualmente verificado, o que tem que resultar do acervo da factualidade considerada como demonstrada.


Na sentença recorrida referiu-se a este propósito o seguinte:


“[…]


Está-se perante uma situação de presunção de culpa, cabendo ao demandado provar que empregou todas as medidas exigidas pelas circunstâncias, com o fim de prevenir os danos causados.


Esta inversão do ónus da prova justifica-se pelo perigo que certas coisas ou actividades representam como causa de danos, ou, dito de outro modo, do risco que a ausência de especiais precauções pode acarretar nesses casos.


Não basta assim que se prove a normal diligência, tornando-se necessário que se alegue e prove terem sido adoptadas as precauções particulares que a técnica respectiva indicar como idóneas a prevenir os resultados danosos de actividades intrinsecamente perigosas ou a perigosidade dos meios principal ou acessoriamente utilizados - Cons. Rodrigues Bastos " Notas ao Código Civil" II, página 292.


Não dizendo a lei o que se entende por actividade perigosa, deverá existir uma cautelosa e ponderada apreciação casuística.


Tratando-se de piscina aberta ao público, em geral há que ter em conta o risco que a ausência de protecção de acesso ou de vigilância da sua utilização pode causar. São relativamente vulgares os acidentes ocorridos em piscinas públicas, sendo de considerar tal actividade como perigosa por sua própria natureza, para os efeitos no disposto no citado artigo 493º nº2 CC pondo a cargo do agente o dever de adoptar todas as medidas aptas a evitar o dano, o que se justifica pela periculosidade que a actividade representa e pela previsão de dano, excluindo-se a responsabilidade " só para as lesões absolutamente inevitáveis"- Prof. Vaz Serra, Bol. 85, págs. 376 e 378; Acs. STJ de 17-3-98 CJ I, pág. 138.


Ora, in casu, a piscina encontrava-se devidamente assinalada, assim como no seu acesso foram adoptadas as medidas adequadas a proporcionar a proteção de um acesso seguro à mesma, e assim sendo o acesso à área da piscina pelo publico é efectuado por portão metálico que se encontrava fechado a cadeado, pois que no momento a piscina estava encerrada ao publico pela impossibilidade de uso pela situação pandémica que se vivia.


Aliás, a escolha deste local para celebração do aniversário prendia-se até com a oportunidade de celebrar o aniversário em família, ao ar livre, na parte de picnic com arvoredo onde se poderiam reunir, em cumprimento das normas restritivas impostas pelo Covid.


Assim sendo, alegam os AA. que a R. mantinha desprotegida uma piscina sem manutenção e sem vigilância, mas sucede que a piscina estava encerrada ao público, existindo sinalização de impossibilidade de acesso à mesma e mantendo-se esta toda cercada de cerca metálica e de rede metálica e com os portões de acesso encerrados.


Acresce que a utilização da piscina por todos aqueles que pagarem o ingresso é, em abstracto, uma actividade perigosa, quando em funcionamento, o que nem era o caso, não se pretendendo com isto significar que a R. devesse descurar a protecção que em redor da piscina criou, o que não sucedeu, pois que os portões de acesso mantiveram-se encerrados a cadeado e com um ferrolho, e o menor terá forçado a sua entrada no espaço de relva, passando por entre as barras metálicas do portão junto ao corredor da recepção, depois de se ter afastado dos pais e demais familiares e amigos que se encontravam no interior e exterior da recepção, sendo preceptível que todos estavam em ambiente descontraído e preparando-se para um dia feliz de celebração, procurando uns ajudar com o transporte dos alimentos para a festa que se seguiria após terem feito o chek in junto à recepção e não tendo nenhum deles atentado a que o CC de 2 nanos e meio se afastara do grupo.


Ora, se é certo que a Ré só veria a sua responsabilidade excluída se provasse que empregou todas as providências, todas as medidas e meios exigidos para impedir um afogamento evitável na piscina sua propriedade, forçoso se torna concluir que a R. logrou provar que desenvolveu todos os esforços adequados a tornar o acesso à piscina seguro, protegendo o acesso à mesma, mesmo estando esta desativada e encerrada ao público.”


Aqui chegados devemos descartar a aplicabilidade ao caso concreto em apreço da norma prevista no artigo 486.º do CC atinente à responsabilidade civil extracontratual por “omissões” estribada na norma prevista no n.º 2 do artigo 9.º do Dec.Lei n.º 80/2017 de 30/06 (vide pontos 29 e 46 da motivação recursiva dos Apelantes), perante a matéria de facto considerada como provada na sentença recorrida e acima referenciada no excerto acabado de transcrever, mormente a que foi incluída no segmento da sentença recorrida respeitante aos factos provados sob os pontos 26. (parte final), 35., 36., 38. e 39.


Por outro lado, revela-se também acertado sublinhar que não consta da matéria de facto provada o modo pelo qual o menino CC terá acedido à zona onde se encontrava a piscina, apenas se podendo admitir como possível que o tenha feito através do espaço existente entre uma ou outra das grades do pequeno portão existente próximo da recepção do Parque de Campismo, que se encontrava fechado, o que ainda assim e perante o que resultou assente sob o ponto 82. do segmento da sentença recorrida atinente aos factos considerados como provados relativo ao perímetro cefálico registado à criança pouco tempo antes do infeliz acidente (48,5cm), anotado no respectivo boletim individual de saúde, não pode deixar de justificar sérias dúvidas à cerca de tal possibilidade importando aqui e agora recordar o que também ficou expresso na sentença recorrida sobre esta matéria, que passamos a recordar […] “(sendo que o perímetro cefálico do mesmo era de 48,5cm logo o diâmetro da cabeça, que note-se é oval, é de 15,44 cm, sendo que o espaço medido entre as barras é de 15cm e dois deles de 15,50 cm) “


Por conseguinte apenas temos como certo que, infelizmente, a criança chegou à zona onde se encontrava o espaço do tanque da piscina e nela caiu falecendo de asfixia por submersão, mas não sabemos com níveis mínimos de segurança por que forma conseguiu chegar a tal zona, não podendo sequer afastar-se de todo a possibilidade (não alvitrada nos autos), de ter tido algum eventual auxílio, ainda que totalmente inocente, para aceder ao local.


Em face do exposto e perante a matéria de facto considerada como provada nos autos estamos em sintonia com a conclusão a que chegou o Tribunal a quo de que as Apeladas lograram afastar a presunção legal de culpa que impendia sobre a Apelada Sociedade.


Focando-nos agora na argumentação trazida aos autos pelas Apeladas tendente a demonstrar a responsabilidade dos Apelantes por incumprimento do dever de vigilância sobre o CC no momento do acidente, vejamos o que ficou expresso na sentença recorrida a este propósito:


O art. 491º do C. Civil estabelece uma presunção de culpa de quem, por força da lei, esteja obrigado a vigiar outra pessoa em virtude da sua incapacidade natural.


Tal presunção só é ilidida se a pessoa incumbida da vigilância mostrar que cumpriu tal dever ou que os danos se teriam produzido ainda que tal dever tivesse sido cumprido.


Trata-se não de uma responsabilidade objectiva ou por facto de outrem, mas por facto próprio, baseada na presunção ilidível de um dever de vigilância (culpa in vigilando).


A presunção de culpa contém simultaneamente uma presunção de causalidade. A responsabilidade de pessoas obrigadas à vigilância, não é objectiva nem por facto de outrem, mas por facto próprio: é, tem que ser, culposa e por omissão ou incumprimento daquele dever (Ac. TRL 31.01.2008, in www.dgsi.pt ).


Simplesmente para a afastar cabe-lhes o ónus de provar que não incorreram em tal omissão ou incumprimento.


Existindo tal dever, e apurando-se que um incapaz sujeito a tal obrigação de vigilância sofreu danos, cabe à pessoa obrigada à vigilância o ónus de demonstrar que não houve omissão daquele dever ou que, mesmo que cumprido, os danos se teriam igualmente verificado, cabia, assim, aos pais do CC, nos termos do citado artigo 491°, provar que o cumpriram, o que in casu não lograram fazer.


Pois que, da factualidade provada, resulta que o menor de dois anos não foi mantido ao colo pelos pais, ou sequer pela mão, num local a que se deslocavam pela primeira vez e que, portanto, desconheciam o que desde logo os deveria ter alertado para necessidade de maior cuidado com o menor, apesar de estarem num dia festivo rodeado de familiares e amigos, no entanto, era sobre os pais do CC que recaia o dever de o vigiar, protegendo-o da natural irrequietude inerente à idade do mesmo, decorrendo da factualidade provada que, por momentos, a criança deixou de estar vigiada tanto pelo pai como pela mãe, tendo-se afastado do grupo e dando-se o infeliz decesso do mesmo por submersão na piscina para onde se conseguiu esgueirar, não obstante todas as proteções colocadas e instituídas pela R., sendo certo que a piscina estava encerrada ao público na sequência das medidas de protecção inerentes à pandemia por Covid.


Aliás, os pais temeram até que o menor tivesse sido raptado, sendo certo que a área exterior da recepção fica junto à entrada do parque, existindo um pequeno largo e uma entrada/saída franca para a zona onde circulam viaturas, pelo que vários eram os perigos que se apresentavam aos pais, que no exercício do seu dever de vigilância, deveriam ter mantido o CC de 2 anos e 4 meses, pelo menos pela mão e sob vigilância constante, o que não sucedeu, tendo tido as consequências trágicas que se sucederam.


E nem se diga que o facto de o menor ter conseguido passar pelas grades do portão verde (sendo que o perímetro cefálico do mesmo era de 48,5cm logo o diâmetro da cabeça, que note-se é oval, é de 15,44 cm, sendo que o espaço medido entre as barras é de 15cm e dois deles de 15,50 cm) é imputável à R. na medida em que tal portão não é de acesso público e se encontra fechado e devidamente assinalado como de acesso proibido a pessoas estranhas, e o acesso à piscina faz-se por outro portão, e logo à entrada do parque de campismo, antes da recepção está assinalado com uma seta a direcção da piscina, sendo que a entrada se faz através desse outro portão, que estava fechado a cadeado, pois a piscina estava fechada ao público, estado a piscina vedada com cera de arame e sebe e com uma cerca de metal, logo caso os pais tivessem o CC sob vigilância permanente ou pela mão, ou ao colo, ou entregando-o a algum familiar que o mantivesse pela mão, não teria este possibilidade de se afastar desta forma do grupo (Ac. 06.05.2008 Ac. STJ in www.dgsi.pt) .


Aliás o facto de ser dia de festa, de reunião familiar, num local relaxante terá dado azo a que os pais relaxassem e provavelmente assumissem que o menor estaria com o outro progenitor ou com alguma familiar, o que infelizmente, não se verificou.


Em suma, (Ac. STJ 06.05.2008 in www.dgsi.pt ) a obrigação de vigilância, no caso de filhos menores, incumbe aos pais, desde que não inibidos do poder parental, porquanto, competindo-lhes o dever educar, a sua responsabilidade radica em acto próprio – a omissão daquele poder-dever, cuja exigência e padrões são indissociáveis de razões culturais e idiossincráticas.


O poder paternal deve ser exercido no interesse dos filhos, competindo aos pais o poder-dever de velar pela segurança e saúde e prover ao seu sustento e “dirigir a sua educação”.


Cabe, assim aos pais, nos termos dos arts. 122º, 123º, 1878º, nº1, 1881º, nº1 e 1885º, nº1, do Código Civil, a promoção do desenvolvimento físico e psíquico, intelectual e moral dos filhos menores e velar pela sua segurança, educação, saúde, assim como representá-los.


“Dois postulados comandam aqui a presunção de culpa das pessoas obrigadas à vigilância de outrem, impondo: a) — que exista um dever legal ou convencional de vigilância; b) — que essa vigilância obrigatória tenha por objecto prevenir perigos resultantes de vigilandos (menores ou dementes), quer pela educação, quer através de cautelas normais, a apreciar segundo as circunstâncias de cada caso” ( Dário Martins de Almeida – “Manual de Acidentes de Viação”, em comentário ao art. 491º do Código Civil).


Fixada na lei como culpa presumida, ela existe, desde que não seja ilidida a presunção. E, para ilidir esta, basta que se faça a prova de um destes factos: a) — que o dever de vigilância foi cumprido, segundo as circunstâncias de cada caso concreto, nas quais se incluem a ocupação e a condição do próprio vigilante; b) — que os danos se teriam produzido mesmo que esse dever tivesse sido cumprido (ausência, portanto de nexo de causalidade), e in casu os AA não lograram provar nenhuma das premissas.”


Cumpre aqui sublinhar que por força do disposto nos artigos 122.º, 123.º, 1878.º, n.º 1 e 1885.º, n.º 1, todos do CC, recaia sobre os Apelantes, à data de .../.../2020, o poder-dever de vigiar o seu filho CC de apenas dois anos e quatro meses de idade com o fito de obviar a que o mesmo pudesse incorrer na pratica de actos passíveis de provocar danos a terceiros ou a si mesmo.


A destrinça entre danos a terceiros ou a si mesmo, sendo nesta última hipótese, como veio a suceder, a criança o próprio lesado, é importante na medida em que neste último caso a previsão do artigo 491.º do CC, chamado à colação na sentença recorrida, não tem efectivamente aplicação, pois o mesmo refere expressamente que “As pessoas que, por lei ou negócio jurídico, forem obrigadas a vigiar outras, por virtude da incapacidade natural destas, são responsáveis pelos danos que elas causem a terceiro […](Itálico a negrito nosso).


Conforme sabemos no caso vertente apenas resultaram danos, infelizmente fatais, para o próprio lesado, ou seja para o menino CC.


Aqui chegados impõe-se referir, pois que o acompanhamos nessa parte, o acórdão de 15/01/2013 proferido no Tribunal da Relação de Coimbra (relatora Albertina Pedroso), no processo n.º 611/10.6T2AVR.C1, acessível para consulta in www.dgsi.pt, onde se refere concretamente que:


“[…] Ora, da letra do artigo 491.º do CC decorre claramente que a presunção de culpa ali estabelecida se refere aos danos que o incapaz causar a terceiro. Portanto, a mesma não se aplica aos danos causados por falta dessa vigilância na pessoa que deve ser vigiada. Assim, quanto aos danos sofridos pela pessoa que legalmente deve ser vigiada, decorrentes da omissão do dever de vigilância por quem tem tal obrigação legal, vigoram os princípios gerais.


Portanto, no caso em apreço, sobre a mãe do menor não impende qualquer presunção legal de culpa na ocorrência do evento danoso, aplicando-se, porém, as regras gerais relativas à culpa do lesado a que se reporta o artigo 570.º do CC, porquanto ao facto culposo do lesado é equiparado o facto culposo dos seus representantes legais, ex vi do disposto no artigo 571.º do referido diploma legal.”


Por conseguinte devemos afastar no caso vertente a presunção de culpa ínsita no aludido artigo 491.º do CC, o que significa que no caso vertente os Apelantes não estavam adstritos a demonstrar ter cumprido no dia e no local do infeliz acontecimento que motivou o falecimento do CC, em momento imediatamente anterior à ocorrência do acidente, o seu dever de vigilância, ou que a morte da criança se teria produzido ainda que o tivessem cumprido, passando para as Apeladas o encargo de demonstrar ter havido da parte dos Apelantes no momento imediatamente anterior ao acidente sofrido pelo CC uma omissão do cumprimento do dever de vigilância do menino determinante em absoluto para o infeliz desfecho que se traduziu na morte da criança.


Ora da matéria de facto considerada como provada e consolidada neste acórdão, máxime a que se encontra discriminada sob os pontos 17., 19., 20., 21., resulta que as Apeladas lograram fazer essa prova, uma vez que se constata que apesar de o CC possuir menos de dois anos e meio de idade ficou em momento anterior à ocorrência do fatídico acidente que o motivou desprovido da necessária supervisão e vigilância por parte dos Apelantes, (podendo estes ter pedido auxílio pontual nessa tarefa a algum convidado, até porque alguns dos convidados estavam na zona exterior da recepção do Parque de Campismo por onde o CC também andava), designadamente enquanto a mãe da criança coordenava no interior da recepção do mencionado Parque de Campismo o “check in” atinente aos convidados e o pai foi auxiliar outro filho a satisfazer necessidades fisiológicas, tendo tal omissão de vigilância à criança determinado que a mesma imediatamente antes de ocorrer o fatídico acidente tivesse ficado em situação de autogestão e com plena liberdade de movimentos na zona exterior da recepção do Parque de Campismo.


Tratando-se de uma criança tão pequena, sem a mínima noção do perigo, mas já com alguma capacidade de se mover por si conferindo-lhe a possibilidade de se esgueirar rapidamente para vários sítios naturalmente que se impunha uma efectiva e apertada vigilância dos pais sobre todos os seus movimentos, tanto mais que todos se encontravam pela primeira vez naquele local, onde circulavam muitas pessoas e certamente viaturas automóveis.


Do exposto resulta, pois, que mesmo que as Apeladas não tivessem logrado ilidir a presunção de culpa que sobre elas foi lançada através do disposto no n.º 2 do artigo 493.º do CC, a verdade é que no conspecto factual provado sempre a obrigação de reparação estaria excluída por então se mostrar aplicável o disposto no n.º 2 do artigo 570.º do Código Civil, que prevê precisamente que “Se a responsabilidade se basear numa simples presunção de culpa, a culpa do lesado, na falta de disposição em contrário, exclui o dever de indemnizar.”


Destarte e ainda que com argumentação jurídica não exactamente coincidente com a plasmada na sentença recorrida improcedem na totalidade as conclusões recursivas aperfeiçoadas, devendo manter-se a sentença recorrida.


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V- Decisão


Termos em que, face a todo o exposto, acordam os Juízes desta Relação em negar provimento ao presente recurso de Apelação interposto pelos Apelantes AA e BB e, em consequência, decidir o seguinte:


1-Confirmar a sentença recorrida;


2-Fixar as custas a cargo dos Apelantes (artigo 527º, nºs 1- e 2-, do CPC).


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Notifique.


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ÉVORA, 22 de Maio de 2025


(José António Moita-relator)


(Elisabete Valente-1.ª adjunta)


(Filipe César Osório - 2.º adjunto)