Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
653/14.2TDLSB.E1
Relator: JOÃO GOMES DE SOUSA
Descritores: FACTOS
TRÁFICO DE DROGA
CONSUMO MÉDIO INDIVIDUAL
CONCURSO APARENTE DE INFRACÇÕES
Data do Acordão: 12/15/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: 1 - O que não pode ser declarado refutável por falta de concretização não pode ser declarado provado.
2 - Se a refutabilidade (através da falsificabilidade) é critério básico de identificação de uma teoria como científica, esse mesmo conceito pode ser pedido emprestado a Popper para permitir a delimitação daquilo que é facto (logo refutável), daquilo que é não-facto, logo ficção, do reino do imaginativo, objecto das pós-modernas “narrativas” aplicadas ao processo penal.

3 - Os tipos penais relativos ao consumo de estupefaciente ao referirem a dose média individual diária estão a entender esta numa perspectiva objectiva, mas não absoluta na medida em que permite a prova concreta de diversa realidade de consumo individual. Mas não se impõe a necessidade de apurar o quantum concreto de estupefaciente de que necessita o consumidor.

4 - Exigindo o enquadramento normativo uma objectividade que seja universalizável, que abarque o universo dos consumidores de forma o mais objectiva e igualitária possível, não se exclui a individualização em atenção à pessoa de cada arguido isto é, a um subjectivismo aceitável mas dependente de prova cabal.

5 - Estes considerandos apenas se enquadram nos tipos penais que dizem respeito ao consumo, designadamente os tipos penais previstos nos artigos 26º e 40º do Dec-Lei nº 15/93, de 22-01 e o tipo contra-ordenacional contido no artigo 2º da Lei nº 30/2000, de 29-11, porque aí é relevante o elemento comum aos vários tipos, a finalidade, expressa nas locuções “finalidade exclusiva conseguir plantas, substâncias ou preparações para uso pessoal” (do artigo 26º do Dec-Lei nº 15/93, de 22-01), “consumir ou, para o seu consumo, cultivar, adquirir ou detiver” (do artigo 40º do mesmo diploma) e “consumo, a aquisição e a detenção para consumo próprio” (do artigo 2º da Lei nº 30/2000, de 29-11).

6 - O conceito de “dose média individual diária” é irrelevante para os tipos penais relativos ao tráfico, designadamente os tipos penais contidos nos artigos 21º, 24 e 25º do diploma supra citado. Nestes apenas interessa saber se estamos perante substâncias a inserir nas tabelas e em qualquer grau de pureza, já que este é irrelevante pela exclusão da intenção de consumo.

7 – Existe concurso legal, aparente ou impuro de crimes entre o crime de tráfico de estupefacientes do artigo 21º, nº 1 do DL 15/93 de 22/01 e o crime de consumo, do art. 40º, ns. 1 e 2 do mesmo diploma.

Decisão Texto Integral:

Acordam os Juízes que compõem a Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:


A - Relatório:
No Tribunal Judicial da Comarca de Faro – Portimão, 2ª Secção Criminal, J2 - correu termos o processo comum colectivo supra numerado no qual são arguidos:
PGBE
natural da freguesia de Mártires, concelho de Lisboa, nascido a 12/471977, solteiro, vendedor desempregado, sujeito à medida de coacção de prisão preventiva, no Estabelecimento Prisional de Lisboa,
NMER,
natural de Portimão, nascido a 7/4/1975, solteiro, cozinheiro, actualmente, sujeito à medida de coacção de obrigação de permanência na habitação sob vigilância electrónica,
ZEA,
natural de Portimão, nascida a 27/6/1987, solteira, empregada de hotelaria,

A quem foram imputados a prática, em autoria material:
- arguido PGBE –
em autoria material, sob a forma consumada e em concurso efectivo,
- um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art. 21° nº1, por referência à tabela I-C do DL 15/93 de 22/01,
- um crime de consumo de estupefacientes, p. e p. pelo art. 40º nº1 e 2 do mesmo diploma legal; e,
- um crime de detenção de arma ilegal, p. e p. pelo art. 86º nº1, al. d) por referência ao art. 2º nº1 al. am) e 3º nº2 al. i) da Lei 5/2006 de 23/2,
- arguido NMER -
- um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art. 21° nº1, por referência à tabela I-B e I-C do DL 15/93 de 22/01, e,
- arguida ZEA -
-um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art. 21° nº1, por referência às tabelas I-B e I-C do DL 15/93 de 22/01,
*
O tribunal recorrido veio, por acórdão de 02 de Junho de 2015, a:
a) - condenar o arguido PGBE pela prática como autor material de um crime de tráfico de estupefacientes do art. 21º/1 do DL 15/93 de 22/01, na pena de 6 (seis) anos e 6 (seis) meses de prisão;
b) - condenar o arguido PGBE pela prática como autor material de um crime de consumo, do art. 40º/1 e 2 do DL 15/93 de 22/01, na pena de 3 (três) meses de prisão;
c) - condenar o arguido PGBE pela prática como autor material de um crime de detenção de arma proibida dos arts. 86º/1-d) e 2º/1-am) e 3º/2 -i) da Lei 5/2006 na pena de 3 (três) anos de prisão;
d) - condenar o arguido NMER pela prática como autor material de um crime de tráfico de estupefacientes do art. 21º/1 do DL 15/93 de 22/01, na pena de 6 (seis) anos e 6 (seis) meses de prisão;
e) - condenar a arguida ZE Est pela prática como autora material de um crime de tráfico de menor gravidade do art. 25º/a do DL 15/93 de 22/01, na pena de 2 (dois) anos de prisão, suspensa por igual período;
f) - operar o cúmulo jurídico das penas aplicadas ao arguido PE e condená-lo na pena única de 7 (sete) anos e 10 (dez) meses de prisão;
g), h) – (…)
i) - declarar perdidos a favor do Estado o dinheiro, os estupefacientes e demais produtos e objectos, e o veículo de matrícula 12-34-OD pertencente ao arguido PE;
j) - após trânsito, ordenar a destruição dos referidos produtos estupefacientes e objectos apreendidos com excepção do dinheiro, do veículo e dos equipamentos;
k) a m) - no mais legal.
*
Inconformados, interpuseram recurso os arguidos, com as seguintes conclusões (transcritas):

Arguido PGBE
É voz corrente e princípio assente do ius puniendi que ‘vale mais absolver um culpado do que condenar um inocente’, sob pena de se incorrer em Erro Judiciário. E não há erro, segundo o pensamento filosófico de PLATÃO, senão no julgamento
1. Por decisão de 2 de Junho do corrente ano, tendo por base os factos dados como provados e que aqui se dão por reproduzidos para todos os devidos e legais efeitos, foi o arguido, ora recorrente, condenado,
- Pelo crime do artigo 21.º, nº 1, com referência à Tabela I-C, do Decreto-lei 15/93, de 22/01, na pena de 6 anos e 6 meses de prisão efectiva;
- Pelo crime do artigo 40.º, n.ºs 1 e 2 do mesmo diploma legal, na pena de 3 meses de prisão efectiva;
- Pelo crime de detenção de arma proibida do artigo 86.º, n.º 1, al. d), da Lei 5/2006, na pena de 3 anos de prisão,
· Em cúmulo jurídico das penas parcelares, nos termos do art.º 77,º na pena única de 7 (sete) anos e 10 (dez) meses de prisão efectiva.
2. Porque não se conforma com a douta decisão condenatória tem lugar o presente recurso que é de facto e de direito no que tange ao imputado crime do artigo 21.º do DL 15/93. De 22/0; competindo ainda ser alterada a decisão de direito no que se reporta ao crime do artigo 40.º, nºs 1 e 2, do citado diploma legal; bem ainda, no que se reporta à medida da pena pelo crime de detenção de arma proibida, do artigo 86.º, n.º 1, al. d), da Lei 5/2006.
Quanto ao crime do artigo 21.º, do DL 15/93 de 22/01, com referência à Tabela I-C
Dos factos dados como provados e valoração da prova

3. Considera o ora recorrente que face à prova produzida, especialmente testemunhal e documental, constante dos autos, se impunha decisão diversa, e, no limite, a aplicação do princípio basilar do direito penal do in dubio pro reo.
4. Neste contexto, e nos termos do artigo 412.º, nº 3, impugna o recorrente os pontos ‘1.7.’ a ‘1.10.’ dos factos provados aqui dados por reproduzidos para todos os devidos e legais efeitos, contraditados,
- Por documentos constantes dos autos, como seja a Certidão de fls. 1442 e autos de destruição de escutas de que terá sido alvo a fls.;
- Pelos depoimentos prestados, quer pelas testemunhas por si arroladas, quer pelos senhores agentes da PSP
· Vd. (…), CD Áudio 20150507095919_3619786_2871989, em 07-05-2015 - 14:48:10 a 14:52:54, em especial aos mm 01:02/01:53; agente (…) - CD Áudio 07-05-2015 11:29:05 a 11:39:23, do mm 06:45 a 07: 03; agente (…), - CD Áudio mm 02:01 – (…) quando lhe perguntei remeteu-se ao silêncio (…) - CD Áudio mm 03:04 -, “ (…) fui eu quem o conduziu à bagageira e ele remeteu-se ao silêncio (…)” – CD Áudio mm 03:08; agente (…) CD Áudio 19-05-2015 15:24:30/31, mm’10:02’, ‘10:24’, ‘13:50’.
- Pelo juízo efectuado pelo próprio Tribunal no que se reporta ao descritivo factual constante das acusação e pronúncia vertido aos pontos 2.1 a 2.5 dos factos não provados.
5. É ainda entendimento do ora recorrente verificar-se, nos termos do artigo 410.º, n.º2 al. a) e b), contradição na fundamentação e entre esta e a decisão pelo cotejo entre os referidos pontos 1.7 a 1.10 dos ‘Factos Provados’ e os pontos 2.1 a 2.5 dos ‘Factos Não Provados’.
6. Por uma questão de lógica, não se alcança como se alicerçou a convicção do douto Pretório para considerar provados os factos dados como tal, em especial os pontos ‘1.9’ e ‘1.10’ – por conseguinte, apenas o transporte, tout court, poderá ser considerado ‘facto provado’
7. Desta forma, a deficiente avaliação da matéria de facto, não só viola o art.127.º do CPP, como consubstancia também erro notório na apreciação da prova, nos termos do n.º 2 do art.º 410 do CPP.
8. Acresce que, em sede de motivação da decisão de facto, o douto Pretório descreve quais os meios e elementos de prova em que se sustentou para decidir no sentido em que o fez, no entanto, desconhece o ora recorrente quais os segmentos dos depoimentos dos senhores agentes da PSP e documentos constantes dos autos, demonstrativos e sustentadores da convicção a que chegou o douto Pretório, em especial, no que se reporta ao ponto 1.10 dos factos provados.
9. E porque assim é, o douto Acórdão é omisso nesta parte – motivo pelo qual se considera padecer a douta decisão de falta de fundamentação nos termos do artigo 379.°, n.º l, al. a), por referência ao artigo 374.º, n.º 2, e 375.º todos do CPP.
Atento o exposto,
Da presunção de inocência e princípio In Dubio Pro Reo
10. Considerados que foram ‘Não Provados’ os factos elencados em 2.1 a 2.5 do douto Acórdão recorrido falece a imputação ao arguido de uma conduta típica dolosa e integradora do crime de tráfico de estupefacientes nos exactos termos pelos quais vinha acusado e pronunciado.
11. Considerados que foram ‘Não Provados’ os factos acima referenciados apenas subsiste uma detenção de produto estupefaciente de que se ilacciona o conhecimento dessa natureza.
12. Conhecimento que se impõe concreto e especifico, estando, por conseguinte, afastada a detenção de produto estupefaciente a título de negligência.
13. Exige-se um dolo específico relativamente à proveniência da coisa: é necessário que o agente saiba efectivamente que a coisa detida provém de um facto ilícito típico, pelo que a simples admissão dessa possibilidade, a título de dolo eventual, não é suficiente para o preenchimento do tipo subjectivo…”
14. Sucede que, sem prova da conduta dolosa concertada com outros, como pretendido em sede de acusação e necessariamente conexa com a detenção do produto apreendido, sendo este (produto estupefaciente), decorrência daquela, e, o transporte, meio adequado ao fim (posterior venda e obtenção de lucros avultados), que se considerou não provado, inexiste o elemento típico sustentador da decisão condenatória.
15. Não é porque o arguido, ora recorrente, transportou na bagageira da sua viatura um saco ali colocado por terceiro (como resulta da Certidão de fls 1432 no âmbito do processo 447/13.2JELSB), contendo 99 placas de haxixe, sem cuidar de as dissimular, que se poderá inferir que sabia o que transportava, pelo contrário, é bem sabido que quem transporta produto estupefaciente, com conhecimento, o faz dissimuladamente.
16. E, não é pelo facto de o ora recorrente, no local e retorno a Lisboa, ‘acompanhado’ pelos senhores agentes da PSP, não ter sido visualizado a ‘pegar’ ou ‘olhar’ para o saco colocado na bagageira, por um seu conhecido, que se pode concluir pelo conhecimento da natureza do produto que o mesmo continha - como entendido pelo douto Pretório recorrido a pág. 20, § 2º Ac proferido.
17. Por outro lado, ditam as regras da experiência que se o ora recorrente pretendesse negar o conhecimento da natureza estupefaciente do produto transportado por uma mera estratégia de defesa, nem sequer assumiria ir receber qualquer pagamento, bem como, é sabido, nestas circunstâncias não são efectuados pagamentos antecipados, muito menos sem saber se o produto chega ao destino.
18. Sem pretender por em causa o princípio da livre apreciação da prova, consagrado no artigo 127.º do CPP, essencial para a independência do julgador, é convicção do ora recorrente que atendendo ao antecedente de condenação, no ano de 2010, pela prática, em 2009, de um crime de tráfico de menor gravidade, impendeu sobre si uma presunção de culpa.
19. Com o devido respeito, entende o ora recorrente que o artigo 127.º não é o meio adequado para suprir as falhas da investigação e do inquérito, sob pena de inconstitucionalidade material do mesmo quando assim interpretado, por violação do artigo 32.º, n.º 2 da CRP – e que desde já se suscita.
20. Neste desiderato, impunha-se, entenda-se, com o devido respeito por opinião diversa, a aplicação do princípio In Dubio Pro Reo - e que ora se reclama.
· Sem prescindir, caso não seja este o entendimento perfilhado por esse douto e venerando tribunal da Relação de Évora,
Do enquadramento jurídico-penal e medida concreta da pena.
21. A entender-se a inexistência dos invocados vícios, a ausência de erro de julgamento e que o douto Pretório recorrido de um facto conhecido (apreensão), retirou a correcta ilação (não demonstrada) do elemento subjectivo do tipo (conhecimento da natureza estupefaciente) na convicção, determinada pelas regras da experiência, de que normal e tipicamente (id quod plerumque accidit) certos factos são a consequência de outros (apesar de, sublinhe-se, não considerar uma conduta típica de quem trafica), competirá analisar se preenchidos os elementos integradores do tipo inserto no artigo 21.º do DL 15/93, de 22/01.
22. Assim sendo, e ainda que considerando – como pretendido pelo douto Pretório recorrido - o conhecimento da natureza estupefaciente, porque comprovadamente o recorrente não tinha o domínio do facto, apenas lhe poderia ser assacada uma conduta ilícita privilegiada ou a título de cumplicidade, com a necessária adequação da pena concreta aplicada.
23. Caso entenda esse douto e Venerando Tribunal dever manter-se a condenação pelo artigo 21.º do citado diploma legal, como determinado pelo tribunal a quo, sempre se dirá – com o devido respeito - ser a pena concreta aplicada (6 anos e 6 meses de prisão) excessiva, até pelo cotejo com situações semelhantes, impondo-se a sua redução para o mínimo legal aplicável.
24. Sendo uma realidade que por norma e em regra a medida da pena aplicada a um arguido pelo tipo do artigo 21.º do DL 15/92 de 22/1 – ainda que em sede de recurso - é inferior à aplicada ao ora recorrente.
- Vd. Ac. Tribunal da Relação de Évora, Processo:40/09.4PEEVR.E2, Relator: ANA BARATA BRITO - Descritores: TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES – MEDIDA DA PENA - Data do Acórdão: 26-06-2012; Ac. Relação de Évora, Processo: 374/12.0JELSB.E1 Relator: JOÃO AMARO, Descritores: TRÁFICO DE DROGA BUSCA DOMICILIÁRIA -Data do Acórdão: 20-01-2015; ACSTJ de 15-02-2007 - Proc. n.º 4339/06 - 5.ª Secção Carmona da Mota (relator) ** Pereira Madeira Simas Santos.
Quanto ao crime pp pelo art.º 40.º/1 e 2 do D.L 15/93, de 22/1.
25. Sustentando-nos no entendimento de Faria Costa, na RLJ, Ano134º, nº 3930, fls. 275 e segs.
“ (…) Refere, com efeito, que, depois de muito excogitar, não encontrou uma única razão que tivesse levado o legislador a querer continuar a punir como crime, em função de um critério puramente quantitativo, uma conduta que decidiu «despenalizar», sendo de todo incompreensível que a posse de uma única dose de droga a mais «faça variar extraordinariamente não só a sanção, mas também a própria natureza do ilícito», especialmente quando se critica a forma como é definida a dose individual para os vários tipos de droga (…) ”.
26. Acresce que o exame pericial de fls. não especifica o grau de pureza do produto encontrado e apreendido na residência do arguido, sendo que este é um elemento determinante para se aferir se a quantidade apreendida, efectivamente, excede, ou não, o considerado legalmente admissível, e não o tipo do artigo 40.º, do DL 15/93, de 22/1, pelo que, deveria o arguido ter sido absolvido.
- Absolvição que se reclama.
Do crime de detenção de arma proibida do artigo 86.º, n.º 1, al. d), da Lei 5/2006.
27. O douto acórdão recorrido excede o nível intransponível da culpa do agente.
28. Como referido em sede de contestação, a sobredita arma já existia à data da busca efectuada na residência do arguido no âmbito do processo comum colectivo nº 120/09.6JELSB, da Comarca da Grande Lisboa Noroeste, tendo aí sido condenado na pena única de 2 anos de prisão, suspensa por igual período, pelos crimes de tráfico de menor gravidade (18 meses) e detenção ilegal de arma (15 meses) – Vd. Certidão de fls.
29. Atento o exposto, por critérios de estrita equidade e comparação com penas aplicadas pelo mesmo tipo de ilícito, a determinada pelo douto Pretório recorrido afigura-se excessiva, competindo ser reduzida para um quantum aceitável e proporcionado.
30. Em suma e em especial no que se reporta às penas aplicadas, entende o ora recorrente que as penas parcelares e única são excessivas e desproporcionadas (em violação dos artigos 40.°, n.° 1, 71.°, nºs 1 e 2, alíneas a), b), c), d) e e), e 77.°, n.° 1, do Código Penal, e dos princípios politico-criminais da necessidade e da proporcionalidade das penas.
31. Sendo que, não excedendo a pena única a aplicar, como se espera, o limite dos 5 anos de prisão, reclama-se a suspensão da mesma na execução atendendo a que o recorrente está social e familiarmente integrado, sempre teve, e mantem, hábitos de trabalho.
Dos bens perdidos a favor do Estado
32. Declarou o Tribunal perdidos a favor do Estado os objectos apreendidos ao arguido PE, como sejam, o veículo automóvel 12-34-OD; as quantias monetárias e telemóveis, relegando para ‘apreciação ulterior ‘o destino a dar-lhes.
33. No entanto para que com prioridade assim se pudesse concluir importaria aferir se os bens descritos se destinavam à prática do crime pelo qual o arguido veio a ser condenado, ou se eram o seu produto, devendo ser usada a noção de ‘instrumentalidade’, esclarecida pela invocação de causalidade adequada e o princípio da proporcionalidade cfr. artigo 18 n. 2 da CRP
34. Ora, como retro referido, nenhuma prova foi feita de que as quantias proviessem de uma conduta ilícita, que os telemóveis fossem ou tivessem sido utilizados para qualquer acto ilícito, que a viatura fosse única e exclusivamente utilizada para um fim igualmente ilícito, ou que, sem eles não pudesse - se fosse essa a intenção e vontade - o ora recorrente desenvolver a conduta que lhe é imputada.
35. Por outro lado, estatui o artigo 373.º, n.º 3. al. c) do CPP que a sentença “(…) contem a indicação do destino a dar a coisas ou objectos relacionados com o crime”, motivo pelo qual não poderia o douto Pretório ter relegado para ‘ulterior apreciação’ o destino dos bens apreendidos.
36. Reclamando-se a devolução dos referidos bens aos seus proprietários, o ora recorrente PGBE, e companheira, MIBM– como Doc. a juntar.
Nestes termos e nos melhores de Direito,
Sempre com o Douto suprimento de Vossas Excelências deve ser dado provimento ao presente Recurso,
A) Procedendo os invocados vícios nos termos do artigo 410.º, n.º 2, do CPP, bem ainda,
B) A invocada falta de fundamentação nos termos do disposto nos artigos 379º, nº 1, als a), por força do artigo 374º, nº 2, e 375º, todos do C. P.P.
C) Reapreciando-se a prova com a consequente alteração dos factos considerados provados aos pontos ‘1.7.’ a ‘1.10.’, considerando-os ‘Não Provados;
D) Se decida como peticionado pela aplicação do princípio In Dubio Pro Reo.
Sem prescindir, se assim não entender o douto Pretório,
E) Se decida, pela alteração da qualificação do tipo do artigo 21.º do DL 15/93, 22.1, para o tipo privilegiado do artigo 25.º, ou, auxilio material, com a consequente redução da pena.
Se ainda assim não o entender o douto Pretório,
F) A manter-se o tipo comum do artigo 21.º do citado diploma legal, seja a pena parcelar reduzida para o mínimo legal.
Mais se peticiona,
G) Seja o ora recorrente absolvido do crime do artigo 40.º, do DL 15/93, de 22.1.
H) Seja a pena concreta aplicada pelo crime do artigo 86.º, n.º 1, al. d), da Lei 5/2006, diminuída nos termos propostos.
I) Mais se requer, a proceder o presente recurso e não excedendo a pena única a aplicar os 5 anos de prisão, seja a referida suspensa na execução.
J) Seja determinada a devolução dos bens apreendidos aos seus legítimos proprietários.

Arguido NMER
- Conforme resulta do douto Acórdão em Recurso, o Arguido, ora Recorrente, alegou que era consumidor de estupefacientes, o que é verdade, mas o douto Tribunal “a quo” não o deu, nem por provado, nem por não provado, o que configura ausência de matéria de facto para decidir, imprescindível para a boa Decisão, havendo, por isso, e para bem decidir, determinar-se o reenvio do Processo, com as legais consequências.
- Determinando-se se o ora Recorrente seria consumidor de produtos de natureza estupefaciente, como era, efectivamente, haveria que apurar-se que parte, do apreendido, iria afectar ao seu exclusivo consumo, e que parte destinaria a ceder a terceiros, identificados, o que se não tendo verificado, configura ausência de matéria de facto para decidir, havendo, por isso, e para bem decidir, determinar-se o reenvio do Processo.
- Sendo o ora Recorrente, tão consumidor, quanto a sua co-Arguida ZE, com quem trocou estupefacientes, dela recebendo, e a ela entregando, assemelham-se tais condutas, nada mais tendo resultado da produção de prova, não se justifica que o ora Recorrente seja mais penalizado do que aquela.
- Sendo imensamente diferentes as quantidades de estupefaciente apreendido ao ora Recorrente, e ao seu co-Arguido PE, jamais as penas a aplicar a cada um, perante a factualidade resultante da produção de prova, se poderiam aproximar, o que viola, princípios de Justiça relativa e a constitucional presunção de inocência.
- Em Julgamento, e realizada que foi a produção de prova, não foi apurado que estupefaciente, quer em quantidade, quer em qualidade, ou por que preço, terá sido cedido, a quem quer que seja, pelo que, faltando matéria de facto, não poderia o douto Tribunal “a quo” dar por provadas as alegadas transacções, havendo, por isso, que absolver, pois, por falta de prova, nunca poderia ter sido dado por provado que o Recorrente cedeu, pois o meio de obtenção de prova não levou a que a prova fosse obtida.
- As escutas telefónicas são um meio de obtenção de prova, e, com elas, não se logrou obter a desejada prova, desconhecendo-se o que terá sido cedido, ou a quem, pelo que devia o Recorrente ter sido absolvido, e, tal não se tendo verificado, decidiu o douto Tribunal “a quo” sem matéria de facto, e contra a constitucional presunção de inocência.
- Em Processo Penal, e com dignidade constitucional, os Arguidos presumem-se inocentes, não lhes cabendo, a eles, produzir prova da sua presumida inocência, pelo que, nunca o douto Tribunal “a quo” poderia concluir que o escutado, e sem mais, se veio a verificar, ultrapassando os limites da livre apreciação da prova, assim cabendo considerar não provada qualquer transacção, para além da troca entre consumidores, provada entre o Recorrente e a co-Arguida ZE, que não configura mais do que a prática do tipo do artigo 25º.
- Se os Senhores Agentes da PSP ouviram as chamadas, na tentativa de obter prova, deveriam ter registado para que números o Recorrente ligava, ou de que números recebia chamadas, identificando-se os indivíduos escutados – interlocutores -, que deveriam ter sido arrolados como Testemunhas, no sentido da obtenção/produção da prova, e tal se não verificando, nunca se poderia dar como provado que as alegadas transacções, não se sabe de quê, quanto, ou com quem, tiveram lugar, tendo, por isso, o douto Tribunal “a quo” decidido sem matéria de facto, ultrapassando os limites da livre apreciação da prova, e contra o constitucional princípio “in bubio pro reo”.
- Se, nos seguimentos, ou vigilâncias, os Senhores Agentes da PSP dizem ter visto contactos, elementar seria que se identificassem os indivíduos com quem o Recorrente contactou, paricularmente aqueles que se faziam transportar em viaturas, com matricula, ou que telefonaram de um concreto número de telefone, para que, inquiridos como Testemunhas, esclarecessem o douto Tribunal “a quo”, o que, a não se ter verificado, configura ausência de matéria de facto, que impede que se dê por provadas as alegadas transacções, sendo determinante do reenvio do Processo, desconhecendo-se que contactos teriam tido lugar.
10º - Não poderia, pois, o douto Tribunal “a quo”, ter dado por provado, como veio a considerar, o dado por provado em 1.13, por inexistir matéria de facto que permita concluir que o ora Recorrente, desde início de 2014, se vinha dedicando à aquisição, transporte, distribuição e venda…, não se sabe o quê, quanto, ou a quem, e por que valor, por completa ausência de matéria de facto resultante da produção de prova, em Julgamento, e que não foi obtida pelo meio de a obter, e que, com prova, se não confunde.
11º - Não poderia, o douto Tribunal “a quo”, ter dado por provado o constante de 1.14, pois desconhece-se a quem, e o quê, o Recorrente, terá vendido…, se é que vendeu, a não se sabe que vendedores, que ninguém conhece.
12º - Se, em 1.16, se deu por provado que o Recorrente utilizava os telefones com os números 962132749 e 960334568, e se esses números estavam a ser escutados, configura falta de matéria de facto desconhecer-se quem, e de que números, contactava o ora Recorrente, alegadamente com vista à prática de factos improvados, e que, assim, deveriam ter sido considerados, cabendo absolver.
13º - Sem que se saiba o que terá sido transaccionado, o que não resulta da prova, e sabendo-se que, na altura, o Recorrente havia recebido o seu ordenado, à falta de matéria de facto, não poderia o douto Tribunal “a quo” ter dado por provado que a quantia apreendida ao Recorrente era produto de alegadas, mas improvadas, vendas de produto estupefaciente, como se verifica em 1.32 do douto Acórdão.
14º - Não sendo os Senhores Agentes da PSP, que confundem meio de obtenção de prova, com prova obtida, quem decide que matéria é prova, à falta de prova, nunca o douto Tribunal “a quo” poderia dar por provada a imputada actividade de tráfico, nos termos em que o fez, e tendo-o feito, decidiu ultrapassando os limites da livre apreciação da prova, contra a presunção de inocência, e sem matéria de facto, o que determinará o reenvio do Processo, caso se não opte por, logo, revogar o douto Acórdão, a substituir por outro que absolva o ora Recorrente.
15º - À falta de outros elementos probatórios, e porque a prova não foi obtida, restaria, ao douto Tribunal “a quo”, julgando a Acusação parcialmente improcedente, considerar provado que, as confessadas cedências, e sua justificação apresentada, configurariam o ilícito do artigo 26º - tráfico-consumo – e não o tipo do artigo 21º do Dec-Lei 15/93, indevidamente considerado.
16º - Porque a matéria efectivamente provada se limita a escassas trocas, ou entre-ajuda no meio de consumidores de estupefacientes, amigos e vizinhos, como se verificou relativamente à Arguida ZE, nada mais se podendo dar por concretamente provado, deveria o douto Tribunal “a quo” ter considerado, a conduta do ora Recorrente, integradora do ilícito do artigo 25º - tráfico de menor gravidade – e não o tipo do artigo 21º do Dec-Lei 15/93.
17º - Porque a factualidade dada por provada, relativamente à co-Arguida ZE, não é diferente, já que o provado se resume a troca de estupefacientes, que ambos consumiam, não deveria o ora Recorrente ser mais penalizado do que aquela, devendo as penas ser semelhantes, por semelhantes serem as condutas.
18º - Sendo diferente, para muito menos, a quantidade de estupefaciente apreendido ao Recorrente, nunca lhe poderia ser aplicada pena igual à aplicada ao seu co-Arguido PE, o que viola os mais elementares critérios de escolha da pena concreta.
19º - Ao decidir considerar provada matéria que não resultou da produção de prova, o douto Tribunal “a quo” ultrapassou os limites da livre apreciação da prova, e o disposto no artigo 127º do Código de Processo Penal.
20º - Em Julgamento, não foi inquirida uma única Testemunha que permitisse ao douto Tribunal “a quo” concluir que existiu a actividade que considerou provada, mas que não é resultado da produção de prova, pelo que se impunha absolver.
21º - Se o Arguido, ora Recorrente, confessou, tem hábitos de trabalho, se é responsável, se se voluntarizou, para se tratar, e se está bem inserido familiar e profissionalmente, nada mais resultando ter praticado do que a sua co-Arguida, bastaria a ameaça da pena, e a consequente suspensão da execução, verificando-se os pressupostos do artyigo 50º do Código Penal, e tal se não tendo verificado, mostra-se violado tal preceito legal.
22º - Para além de o douto Tribunal “a quo” ter decidido sem matéria de facto, determinante do reenvio do Processo, a pena aplicada ao ora Recorrente, violou o disposto no artigo 40º-1 do Código Penal, comprometendo a reintegração do Arguido na sociedade, e o artigo 71º-2 do mesmo Diploma Legal, pois não considerou tanto quanto deveria considerar, e que se traduz no reconhecimento da normal vivência de um consumidor de estupefacientes, que, com outros, se relaciona.
23º - Qualquer que seja a escuta telefónica, sem qualquer apreensão, e sem que seja inquirido o interlocutor, também escutado, cujo nome, ou número de telefone se desconhece, não será possível concluir pela verificação de um facto, que, consequentemente, se deverá dar por não provado, por se não ter logrado obter a desejada prova, o mesmo se tendo que considerar quando o condutor de um veículo, identificado com a respectiva matricula, mas nunca identificado e inquirido, pelo que decidiu o douto Tribunal “a quo” sem matéria de facto, não procedendo a fundamentação para a Decisão, que não considerou a constitucional presunção de inocência, e que ultrapassou os limites da livre apreciação da pena.
24º - Devia, pois, o douto Tribunal “a quo”, ter julgado improcedente, parcialmente que fosse, por não provada, a douta Acusação, e Pronúncia, de Fls, absolvendo o ora Recorrente da generalidade das imputações, por não provadas, condenando-o, como autor do ilícito do artigo 25º, ou 26º, em pena suspensa na sua execução, por verificados os legais pressupostos, e, não o tendo feito, e condenando o ora Recorrente na pena de 6 anos e 6 meses de prisão, perante a factualidade resultante da produção de prova, violou o disposto nos artigos 21º, 25º e 26º do Dec-lei 15/93, 40º-1, 71º-2, 50º-1 do Código Penal, e 127º e 410º-2-a) do Código de Processo Penal, pelo que, a não se determinar o reenvio do Processo, se deverá revogar o douto Acórdão de Fls, a substituir por outro que, julgando a douta Pronúncia parcialmente procedente, condene o ora Recorrente em pena de prisão nunca superior a dois (2) anos de prisão, suspensa na sua execução, assim merecendo integral provimento o presente Recurso.

Nestes termos,
e nos demais de direito que Vªs Exªs doutamente suprirão, a não haver reenvio do Processo, para repetição do Julgamento, deverá o douto Acórdão ora recorrido ser revogado e substituido por outro que, considerando a factualidade, e a prova produzida em Julgamento, condene o ora Recorrente em pena próxima do mínimo legal do crime do artigo 25º do Dec-Lei 15/93, e nunca superior a 2 (dois) anos de prisão, suspensa na sua execução, por verificados os legais pressupostos, assim merecendo provimento o presente Recurso.
*
Respondeu o Digno Magistrado do Ministério Público junto do Tribunal da Comarca concluindo que deve ser negado provimento ao recurso e manter-se na íntegra a sentença recorrida.

PGBE
1º - O arguido vem interpor recurso do douto Acórdão que o condenou pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo art. 21 nº 1 do Decreto-lei 25/93 de 22 de Janeiro, na pratica e um crime de consumo, previsto e punido pelo art. 40 do referido diploma legal e na pratica de um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelo art. 86 nº 1 al. d) da lei 5/2006, na pena unica de 7 anos e 10 meses de prisão efetiva , alegando em suma que da prova reunida não resulta a pratica dos crimes de trafico e de consumo, como , a considerar-se provada a sua prática as penas parcelares aplicadas pela sua prática são excessivas e desadequadas , o mesmo se dizendo relativamente à pena parcelar aplicada pela pratica do crime de detenção de arma proibida, como o acórdão recorrido não está suficientemente fundamentado.
2º - Todavia, ao arguido não assiste razão, não merecendo o Acórdão recorrido qualquer reparo, na medida em faz uma correta apreciação da prova e aplicação do direito;
3º - De resto, a prova produzida em sede de audiência de discussão de julgamento e da factualidade que da mesma resultou provada, só poderá levar, como levou, à condenação do arguido nos termos, fundamentos e extensão em que o foi.
4º - Sendo que a convicção do julgador quando aos factos dados como provados e direito e pena aplicável está fundamentada de forma lógica, coerente e suficiente.
5º - Por isso mesmo, e atendendo aos factos que foram considerandos como provados, outra não poderia ser a conclusão se não que os arguido incorreu na pratica dos crimes em que foi condenado, tendo sido as penas parcelares e unica aplicadas a adequada e necessária para satisfação das necessidade de prevenção geral e especial e ainda de punição que no caso se fazem sentir, não existindo qualquer erro de interpretação, vicio ou nulidade, devendo por isso ser julgado improcedente o recurso.
6º - Na verdade, atendendo ao grau de ilicitude da conduta do arguido, que agiu com dolo intenso, conjugado com os seus antecedentes criminais, aplicar-lhe pena inferior à que lhe foi aplicada seria manifestamente insuficiente face exigências de prevenção geral e especial que nestes autos se fazem sentir.
7º - Do mesmo modo, face à prova reunida e ao disposto no art. 119 nº 1 do Código Penal, conjugado com o disposto no art.35 do Decreto lei nº 15/93 de 22 de Janeiro, bem andou o tribunal “a quo” ao declarar perdido a favor do Estado o veiculo automóvel 12-34-OD, quantias monetárias e telemóveis, tendo sido os mesmos utilizados para a pratica de facto ilícitos como foram produto do mesmo, no que às quantias diz respeito, sem que tivesse, necessariamente, de dar-lhe desde já destino.

NMER,
1º - O arguido vem interpor recurso do douto Acórdão que o condenou pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo art. 21 nº 1 do Decreto-lei 25/93 de 22 de Janeiro, na pena de 6 anos e 6 meses de prisão, alegando em suma nem ficou provado que o mesmo se tenha incorrido no crime, como a considerar-se provado o mesmo apenas se poderia enquadrar no art. 25 do supra citado diploma legal.
2º - Todavia, ao arguido não assiste razão, não merecendo o Acórdão recorrido qualquer reparo, na medida em faz uma correta apreciação da prova e aplicação do direito;
3º - De resto, a prova produzida em sede de audiência de discussão de julgamento e da factualidade que da mesma resultou provada, só poderá levar, como levou, à condenação do arguido nos termos, fundamentos e extensão em que o foi.
4º - Sendo que a convicção do julgador quando aos factos dados como provados e direito e pena aplicável está fundamentada de forma lógica e coerente e suficiente.
5º - Por isso mesmo, e atendendo aos factos que foram considerandos como provados, outra não poderia ser a conclusão se não que os arguido incorreu na pratica de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo art. 21 do Decreto-lei 15/93 de 22 de Janeiro, tendo sido a pena aplicadas a adequada e necessária para satisfação das necessidade de prevenção geral e especial e ainda de punição que no caso se fazem sentir, não existindo qualquer erro de interpretação, vicio ou nulidade, devendo por isso ser julgado improcedente o recurso.
6º - Na verdade, e contrariamente ao que defende o arguido, considerando o tempo em que sua atividade ilícita perdurou, que foi longo, a quantidade de produto que lhe foi apreendido o que revela elevado numero de transações que efetuava diariamente, nunca se poderia concluir pela pratica do ilícito criminal previsto no art. 25 do supra citado decreto-lei.
7º - Como atendendo ao grau de ilicitude da conduta do arguido, que agiu com dolo intenso, aplicar-lhe pena inferior à que lhe foi aplicada desadequando e insuficiente face exigências de prevenção geral e especial que nestes autos se fazem sentir.
*
A Exmª. Procuradora-geral Adjunta neste Tribunal da Relação emitiu douto parecer defendendo a manutenção do decidido.
Foi cumprido o disposto no artigo 417º n.º 2 do Código de Processo Penal.
***
B - Fundamentação:
B.1.1 - O Tribunal recorrido deu como provados os seguintes factos:
1.1 No dia 13/03/2014, pelas 20h55m, o arguido PE foi interceptado pelas autoridades junto às Portagens do Pinhal Novo, na A2, sentido Algarve- Lisboa, conduzindo o seu veículo de marca VOLVO, modelo S80, matrícula 12-34-OD, no qual transportava 99 (noventa e nove) placas de haxixe, no porta-bagagens;
1.2 Produto que foi submetido a exame pericial toxicológico e foi identificado como sendo canabis (resina) com o peso líquido total de amostra-cofre de 1.076,704 gramas e 8.641,613 gramas de remanescente;
1.3 Nessa ocasião, o arguido PE detinha, ainda, no interior do veículo de matrícula 12-34-OD, que conduzia:
- a quantia de €150,00 (cento e cinquenta euros) em numerário;
- um telemóvel de marca Alcatel modelo one touch 228 preto, (…);
- um telemóvel da marca SONY ERICSSON, modelo W1501, preto, com o (…);
- um x-acto encarnado no porta-bagagens;
- um saco de asas em propileno, azul, com motivos da marca “Continente”, no qual estava acondicionado no porta-bagagens o estupefaciente apreendido;
1.4 Na mesma data na sua residência sita na Rua Pires (…), o arguido PE detinha:
– no seu quarto sobre o guarda-vestidos –
a) um cofre metálico de cor preta devidamente fechado, contendo no seu interior a quantia de €500,00 (quinhentos euros) em numerário, numa nota desse valor facial emitida pelo BCE,
b) no interior de uma caixa de papel com as inscrições “Whiskey Logan”, a quantia de €150,00 (cento e cinquenta euros) em numerário em moedas do BCE,
– no quarto, no interior de uma cómoda –
c) um bastão eléctrico, de cor preta, marca “Electronic Paralyser” e respectiva caixa com o número de série 117261,
– na sala de estar, em cima da mesa de centro, junto de uma caixa em cartão de cor preta –
d) dois pedaços de haxixe;
1.5 O haxixe apreendido referido em d), submetido a exame pericial de toxicologia, foi identificado como sendo canabis (resina), com o peso líquido da amostra-cofre, de 6,055 gramas;
1.6 O bastão eléctrico apreendido configura um sistema portátil alimentado por uma bateria de 9 volts, possuindo sistema própria de segurança, actuando de forma eficaz quando pressionado o botão interruptor, sendo verificável uma descarga eléctrica de forte intensidade, em razoáveis condições de utilização, não apresentando qualquer tipo de dano;
1.7 O arguido utilizou o veículo na deslocação ao Algarve, ocultando o estupefaciente que transportava na mala do carro;
1.8 E destinava a quantia apreendida no veículo às despesas inerentes com a viagem para transporte de tal produto, e, sendo as demais quantias produto da remuneração do transporte realizado;
1.9 O arguido destinava os telemóveis apreendidos aos contactos necessários com os seus colaboradores, não identificados, para o transporte e armazenamento do haxixe que transportou e veio a ser apreendido;
1.10 O arguido PE conhecia a qualidade e características estupefacientes do produto que deteve e transportou, tendo como destino final Lisboa, e que era destinado à venda a terceiros, vendedores e consumidores de haxixe;
1.11 O arguido PE destinava ao seu consumo pessoal o haxixe com o peso líquido (da amostra-cofre) de 6,055 gramas, que detinha em sua casa;
1.12 O arguido PE conhecia as características e perigosidade do bastão eléctrico que detinha, destinado à agressão e defesa, bem sabendo que a detenção de tal objecto lhe estava vedada por lei;
1.13 O arguido NMER vinha-se dedicando pelo menos, desde o início de 2014 à aquisição, transporte, distribuição e venda de produto estupefaciente;
1.14 Para o que adquiria tal produto regularmente no Algarve, procedendo à sua venda a indivíduos vendedores de tal produto e a consumidores do mesmo;
1.15 O arguido NR era contactado com frequência diária por indivíduos que queriam adquirir-lhe “erva” (canabis, folhas/sumidades) “haxixe” (canabis, resina) e cocaína;
1.16 Tais indivíduos contactavam o arguido por telefone, para os números 962132749 e 960334568, agendando encontros pessoais para realizar as transacções de estupefaciente;
1.17 Com vista a identificarem os produtos que pretendiam, tais indivíduos e o arguido NR utilizavam as expressões “bolinha” e “belota”, para se referirem a bolotas de haxixe, “verdes” e “alfaces” para se referirem a plantas de “canabis” (“erva”) e “miúdas” e “galinhas” para se referirem a gramas de cocaína;
1.18 Designadamente, uma bolota de haxixe era vendida por este arguido pelo valor de €50,00 (cinquenta euros);
1.19 Para obter produto estupefaciente para vender aos seus clientes, o arguido NR acordava com indivíduos não identificados e, também, com a arguida ZE Est a aquisição desses produtos;
1.20 Por seu turno, a arguida ZE Est também contactava o arguido NR para aquisição de produto estupefaciente;
1.21 Com vista a transaccionarem produto estupefaciente, os arguidos NR e ZE Est acordaram encontro no dia 13/2/2014, junto ao Hipermercado “Pingo Doce”, na Rua dos Pescadores, C, Lagoa, tendo nessa ocasião a arguida adquirido a NR produto suspeito de ser cocaína;
1.22 Ainda em execução do plano gizado, no dia 06/05/2014, e na sequência de contactos telefónicos, mantidos entre os arguidos em 24/4/2014 , 01/05/2014 e 06/05/2014, o arguido NR acordou com ZE Est uma troca de produto estupefaciente;
1.23 Em cumprimento do acordado, no dia 07/05/2014, pelas 00h, o arguido NR deslocou-se à residência da arguida ZE Est , sita na Estrada do (…);
1.24 Nesse local os arguidos trocaram entre si produto estupefaciente, e o arguido NR obteve canabis, com o peso bruto aproximado de 107,77 gramas;
1.25 O arguido abandonou então a residência da arguida ZE Est, transportando consigo o sobredito produto;
1.26 Nessa ocasião, o arguido NR tinha consigo:
– na mão esquerda –
um saco de papel contendo no seu interior plantas secas de canabis, com o peso bruto aproximado de 107,77 gramas,
– no bolso das calças do fato de treino que vestia –
uma carteira com oito notas com valor facial de €20,00, (vinte euros), onze notas com o valor facial de €10,00 (dez euros) e uma nota com o valor facial de €5,00 (cinco euros) num total de €275,00 (duzentos e setenta e cinco euros),
um telemóvel da marca Samsung, modelo GT – E1050, com (…),
um telemóvel de marca Samsung, modelo GT-I9505, com (…);
1.27 O produto apreendido nessa ocasião ao arguido NR foi sujeito a exame pericial toxicológico, e foi identificado como sendo canabis, (folhas/sumidades) com o peso líquido da amostra-cofre de 101,425 gramas;
1.28 Na mesma ocasião a arguida ZE Est detinha na sua posse, na sua residência, sita na Estrada do (…):
– na cozinha, em cima da mesa –
duas embalagens de cocaína, com o peso bruto aproximado de 1,56 gramas;
um saco de papel com a inscrição “Intermarché”, contendo liamba, com peso bruto aproximado, de 1,31 gramas,
– na cozinha no interior de um móvel –
uma balança de precisão, de marca “Soehnle”, apresentando resíduos de canábis,
– na sala –
dez notas de valor facial de €10,00 ( dez euros) num total de €100,00 (cem euros),
um telemóvel da marca SONY, modelo “Experia Go”, branco, com IMEI (…),
um telemóvel da marca NOKIA, modelo N95, preto, com bateria, com IMEI (…);
1.29 Submetidos a exame pericial toxicológico, os produtos apreendidos à arguida ZE Est foram identificados como sendo cocaína (cloridrato), com o peso líquido de amostra cofre de 1,305 gramas e como canabis (folhas/sumidades), com o peso líquido de amostra-cofre de 103,023 gramas;
1.30 Ainda na mesma data, aquando da sua detenção, o arguido NMER detinha na sua posse, na sua residência, sita na Rua Quinta do Paraíso, (…):
- no seu quarto, na primeira gaveta da mesa de cabeceira –
uma embalagem (“bolota”) de haxixe, com o peso bruto aproximado de 10,09 gramas,
seis embalagens de cocaína, com o peso bruto aproximado de 4,76 gramas,
– no seu quarto, na segunda gaveta da mesa de cabeceira –
um cofre de pequenas dimensões e cor verde, contendo oito notas de valor facial de €50,00 (cinquenta euros), trinta notas de valor facial €20,00 (vinte euros), dez notas de valor facial €10,00 (dez euros) num total de €1.100,00 (mil e cem euros),
– na cozinha, na gaveta do móvel –
cinco sacos incolores, contendo no seu interior vários sacos também incolores,
– na sala, na gaveta de um móvel –
um telemóvel da marca (…);
1.31 Submetidos a exame pericial toxicológico, os produtos apreendidos foram identificados como sendo canábis (resina) com o peso líquido de amostra-cofre de 9,299 gramas, e cocaína (cloridrato) com o peso líquido de amostra-cofre de 4,205 gramas;
1.32 As quantias apreendidas a ambos os arguidos NR e ZE Est são produto de vendas de produto estupefaciente, por cada um destes realizadas;
1.33 Os telemóveis apreendidos aos arguidos NR e ZE Est eram usados por cada um dos arguidos para agendarem contactos para transacção de estupefacientes, quer com os seus fornecedores, quer com indivíduos que pretendiam adquirir tais produtos aos arguidos;
1.34 A arguida destinava a balança apreendida à pesagem e divisão do estupefaciente que detinha em doses individuais e para a venda a consumidores;
1.35 O arguido NR possuía os sacos incolores para acondicionar as doses individuais de estupefaciente que vendia aos consumidores desses produtos que o contactavam para o efeito;
1.36 O arguido PE conhecia a qualidade e características estupefacientes dos produtos apreendidos, do que transportou e do que detinha em sua casa destinado ao seu consumo pessoal;
1.37 Os arguidos NR e ZE Est conheciam a qualidade e características estupefacientes dos produtos apreendidos que obtiveram, detiveram e transaccionaram, os quais destinavam em parte não apurada à venda a terceiros, mediante contrapartida económica, e em parte não apurada ao seu consumo pessoal;
1.38 Todos os arguidos agiram de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei;
1.39 O arguido PE foi detido no dia 13/3/2014 e sujeito à medida de coacção de prisão preventiva desde 14/3/2014 à ordem dos presentes autos;
1.40 O arguido NR foi detido no dia 7/5/2014 e sujeito à medida de coacção de obrigação de permanência na habitação com vigilância electrónica desde 8/5/2014 à ordem dos presentes autos;
1.41 O arguido PE já foi condenado:
- no processo abreviado 105/05.1PGAMD do1º juízo, 2ª secção do Tribunal de Pequena Instância Criminal de Lisboa, em 26/11/2007, por decisão transitada em 17/12/2007 pela prática, em 1/3/2005 de um crime de desobediência e um crime de injúria agravada, na pena única de 130 dias de multa e 5 meses de proibição de conduzir, já declarada extinta.
- no processo abreviado 134/09.6PAAMD da Comarca da Grande Lisboa Noroeste, em 2/11/2009, por decisão transitada em 2/12/2009 pela prática, em 9/7/2009, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, na pena de 80 dias de multa e 4 meses de proibição de conduzir, já declarada extinta.
- no processo comum colectivo 120/09.6JELSB da Comarca da Grande Lisboa- Noroeste, em 26/3/2010, pela prática em 6/3/2009, de um crime de tráfico de menor gravidade, e um crime de detenção de arma proibida, na pena única de 2 anos de prisão suspensa por igual período, declarada extinta em 9/10/2012;
1.42 O arguido NR já foi condenado:
- no processo comum colectivo 116/98 do Tribunal do Círculo de Portimão, em 24/3/1999, pela prática, em 15/2/1998, de um crime de tráfico de menor gravidade, na pena de 1 ano e 2 meses de prisão suspensa por 18 meses.
- no processo sumário 2378/03.5PAPTM do 2º juízo criminal do Tribunal de Portimão, em 20/11/2003, por decisão transitada em 5/12/2003, pela prática, em 20/11/2003, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, na pena de 80 dias de multa e em 3 meses e 15 dias de proibição de conduzir, já declarada extinta.
- no processo sumaríssimo 81/11.1GDPTM do 2º juízo criminal do Tribunal de Portimão, em 29/4/2011, por decisão transitada em 2/5/2011, pela prática, em 22/1/2011, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, na pena de 110 dias de multa e em 6 meses de proibição de conduzir, já declarada extinta.
1.43 A arguida ZE Est já foi condenada:
- no processo sumário 482/11.5GDPTM do 1º juízo criminal do Tribunal de Portimão, em 27/6/2011, por decisão transitada em 12/9/2012, pela prática, em 26/6/2011, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, na pena de 50 dias de multa e em 4 meses de proibição de conduzir.
1.44 O arguido PE tem, actualmente, 38 anos, (…)
***
B.1.2 - Factos não provados:
2.1 O arguido PGBE, actuando concertadamente com indivíduos não cabalmente identificados, vinha-se dedicando pelo menos desde o inicio de 2014 à aquisição, transporte, distribuição e venda de produto estupefaciente, designadamente haxixe;
2.2 Em execução de tal plano, este arguido adquiria tal produto regularmente no Algarve e, transportando-o para a zona metropolitana de Lisboa, onde procedia à sua venda a indivíduos vendedores de tal produto e a consumidores do mesmo;
2.3 Que no dia 13/03/2014 o arguido PE adquiriu as 99 (noventa e nove) placas de haxixe, por valor não concretamente apurado;
2.4 Que as quantias apreendidas ao arguido PE eram produto de vendas de estupefaciente por si realizadas;
2.5 Que o arguido PE destinava o haxixe que transportou à venda a terceiros, mediante lucro estimado em quantia não inferior a €3.000,00 (três mil euros);
2.7 Que o arguido NMER partilhava fornecedor de estupefaciente não cabalmente identificado com o co-arguido PE;
2.8 Que os arguidos PE e NR agiram na execução do plano comum;
2.9 Que o arguido PE tinha a alcunha de “Lisboa”;
2.10 Que o arguido NMtinha a alcunha de “Cigano”.
*
***
B.1.3 - E apresentou as seguintes razões para fundamentar a matéria de facto:
«A convicção do Tribunal quanto aos factos provados e não provados fundou-se nos seguintes elementos de prova:
quanto à questão da culpabilidade,
nas declarações dos arguidos
(…)».
*
***
Cumpre conhecer.
B.2 – É sabido que o âmbito do recurso se define pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação sem prejuízo, contudo, das questões de conhecimento oficioso, designadamente a verificação da existência, ou não, dos vícios indicados no art. 410°, n.° 2, do Código de Processo Penal de acordo com a jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário das secções do STJ de 19/10/95 in D.R., I-A de 28/12/95.
Assim, em concreto os arguidos tratam nos respectivos recursos das seguintes questões:
1 - NMER
a) – da alegação de facto não conhecida - conclusões 1ª e 2ª;
b) – da equiparação de pena entre o arguido e os co-arguidos – conclusões 3ª e 4ª;
c) – dos meios de prova e obtenção de prova e os factos dados como provados em 1.13, 1.14, 1.16 e 1.32 dos factos provados – conclusões 5ª a 14ª e 23ª;
d) - da integração da conduta do arguido nos tipos contidos nos artigos 21º, 25º, 26º do Dec-Lei nº 15/93 – conclusões 15ª a 20ª;
e) – da pena aplicada e sua forma de execução.
2 - PGBE
a) – da falta de fundamentação da decisão recorrida – conclusões 8ª, 9ª, 18ª e 19ª;
b) – da existência de vícios contidos no artigo 410º, nº 2 do C.P.P. – conclusões 5ª a 7ª;
c) – da impugnação factual nos termos do artigo 412º do C.P.P. – conclusões 3ª e 4ª;
d) – do princípio in dubio pro reo – conclusões 10ª a 20ª;
e) - da integração no tipo penal do artigo 25º do Dec-Lei nº 15/93 – conclusões 21ª e 22ª;
f) – do crime de consumo previsto no artigo 40º do Dec-Lei nº 15/93 – conclusões 25ª e 26ª;
g) – das penas impostas pelos três crimes – conclusões 23ª, 24ª, 27ª a 30ª;
h) – da suspensão da pena única – conclusão 31ª;
i) – da devolução de bens apreendidos – conclusões 32ª a 36ª.
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Arguido NMER
B.3.a – Da alegação de facto não conhecida.
Invoca aqui o arguido que alegou ser consumidor de estupefaciente e que o tribunal recorrido não esgotou o objecto do processo por não ter conhecido desse facto dando-o como provado ou, em alternativa, não provado.
Trata-se de lapso de leitura do recorrente, naturalmente, pois que o facto invocado consta do facto dado como provado sob 1.37.
De facto ali se dá como provado: “Os arguidos NR e ZE Est conheciam a qualidade e características estupefacientes dos produtos apreendidos que obtiveram, detiveram e transaccionaram, os quais destinavam em parte não apurada à venda a terceiros, mediante contrapartida económica, e em parte não apurada ao seu consumo pessoal”.
Insubsistente a inconformidade.
Por outro lado, o não se ter apurado qual a parte de estupefaciente que o arguido reservava ao seu consumo não configura uma insuficiência factual relevante.
Sendo certamente um non liquet factual, ele não tem a virtualidade de se alcandorar à categoria de vício de conhecimento oficioso, a insuficiência da matéria de facto provada para a decisão, tal como previsto na al. a) do nº 2 do artigo 410º do C.P.P.
O que seria determinante, pela positiva, seria a prova do consumo exclusivo, prova essa que não foi feita. Mas a não prova do consumo exclusivo não é um vício de facto, é uma natural resultante da existência de juízos de prova e de não-prova.
Aspectos particulares desta problemática droga/intenção/consumo serão salientados em B.3.d.
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B.3.b – Da equiparação de pena entre o arguido e os co-arguidos.
Só se pode conhecer da pena depois de estabilizados os factos e o direito pelo que esta matéria será conhecida com o contorno possível em B.3.e.
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B.3.c.1 – Dos meios de prova e obtenção de prova e os factos sob 1.13, 1.14, 1.16 e 1.32 dos factos provados.
O recorrente avançou com a invocação de existência de uma primeira questão prévia que depois não levou às conclusões. Referimo-nos à afirmação de que a declaração de um arguido não faz prova desacompanhada de outros elementos de prova.
Revela-se despiciendo convidar o recorrente a incluir essa questão nas conclusões na medida em que ela se revela, desde já, manifestamente improcedente.
Não consta da lei e apenas é questão referida por alguma doutrina que, lendo o Código de Processo Penal italiano, entende que o legislador português deveria ter consagrado algumas das soluções que ali foram reguladas.
Não foram nem o referido diploma tem curso legal no país pelo que a questão suscitada e olvidada se resolve em sede de livre apreciação probatória.
Ou seja, seria inútil o convite ao complemento das conclusões.
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B.3.c.2 – A afirmação genérica do recorrente nas suas motivações, enquanto segunda questão prévia, de que as escutas - enquanto meios de obtenção de prova - não permitem a prova de factos não concretizados sendo correcta para factos que se não bastam com o mero dixit, necessita de explanação concretizadora que o recorrente não materializa devidamente no seu recurso.
Que é como quem diz. Se na escuta é percebida uma afirmação que constitui facto – uma injúria, uma difamação, uma combinação de encontros, uma encomenda – a escuta funciona como vulgar meio de prova. Já assim não será, naturalmente, para um facto que ali se não substancia e que necessita do seu ocorrer no mundo material. Aqui a “escuta” não faz prova do acontecer que supostamente se anuncia.
Mas sobre o recorrente incumbia a tarefa de concretizar a sua impugnação de forma especificada. Não o fez pelo que perece a inconformidade por ausência de razões atendíveis.
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B.3.c.3 – Apesar de ausência dessa materialização nas motivações de recurso, certo é que – como é jurisprudência conhecida – se mostram insubsistentes os factos dados como provados em 1.13, 1.14 mas por razões diversas das invocadas no recurso.
De facto, nada na fundamentação do tribunal recorrido sustenta a ocorrência estes factos. Mesmo que tal ocorresse aquilo não são factos.
Os factos impugnados pelo recorrente e dados como provados em 1.13, 1.14, 1.16 e 1.32 devem, assim, ter dissemelhante tratamento.
O facto 1.16, dependente do facto 1.15 [“O arguido NR era contactado com frequência diária por indivíduos que queriam adquirir-lhe “erva” (canabis, folhas/sumidades) “haxixe” (canabis, resina) e cocaína], é intocável na medida em que não impugnado, provado com as próprias escutas, bastando-se com estas e com o que destas consta, designadamente que os encontros pessoais eram agendados através de chamadas feitas para aqueles números de telefone e que tais encontros se destinavam a efectuar transacções. Se estas se efectuavam ou não, essa é outra questão de que se não cura porque o relevante neste facto é a prova do contacto e não eventuais encontros.
E porque provados noutros factos não impugnados – que o tribunal, nos termos do artigo 431º, al. b) do C.P.P. não pode alterar – é igualmente intocável o facto provado sob 1.32.
Mas os restantes factos, 1.13 e 1.14, dificilmente poderão considerar-se relevantes e aceitáveis.
Recordemos o seu teor:
1.13 O arguido NMER vinha-se dedicando pelo menos, desde o início de 2014 à aquisição, transporte, distribuição e venda de produto estupefaciente;
1.14 Para o que adquiria tal produto regularmente no Algarve, procedendo à sua venda a indivíduos vendedores de tal produto e a consumidores do mesmo;
Não aceitáveis desde logo em termos de permitir o contraditório, não relevantes também porque nada significam em termos penais.
Nada obstaria à sua subsistência, desde que fossem factos. Porque aquilo não são factos penalmente relevantes. A ficção não chega.
A tendência “pós-moderna” penal enquanto “narrativa” abstracta, tem que ser controlada pelas tendências mais comezinhas do processo penal e dos direitos de defesa do cidadão, algo que se impõe hoje face a casos, felizmente contados, de modorra investigativa e instrutória.
Ninguém se pode defender de factos destes. E ninguém pode ser condenado por um facto destes. É matéria que, para que se considere “objecto do processo”, tem que ser concretizada, tem que permitir possibilidade de ser contraditada e não pode ser considerado apenas como “objecto” de “transferência” para a “opinião” de uma qualquer testemunha que “homologue” uma “generalidade”. Eu “acho” que: o arguido se vinha “dedicando pelo menos, desde o início de 2014 à aquisição, transporte, distribuição e venda de produto estupefaciente”; ou eu acho que o arguido “adquiria tal produto regularmente no Algarve, procedendo à sua venda a indivíduos vendedores de tal produto e a consumidores do mesmo”.
Tudo isto é nada. “Onde”, “quando” e “como”. Em que local, em que data, de que forma. Sem isso nada existe que seja imputável ao arguido por via desse suposto “facto”.
Ou seja, os factos que devem ser/são o “objecto do processo” têm que ter a característica da “falsificabilidade” popperiana, já não como critério essencial para a caracterização das teorias científicas, sim com o sentido de que a sua concretude pode ser declarada falsa. Pode ser refutável.
E aqueles “factos” não podem ser refutados, não podem ser declarados falsos, logo não podem ser declarados provados ou não provados. Sem “falsificabilidade” são um nada jurídico.
Ou seja, se refutabilidade (através da falsificabilidade) é critério básico de identificação de uma teoria como científica, esse mesmo conceito pode ser pedido emprestado a Popper para permitir a delimitação daquilo que é facto (logo refutável), daquilo que é não-facto, logo ficção, do reino do imaginativo, objecto das pós-modernas “narrativas” aplicadas ao processo penal.
Em breve, o que não pode ser declarado refutável por falta de concretização ou por ridículo, não pode ser declarado provado.
Mas não é, apenas, a ausência de factos e/ou prova que se pretendem ultrapassar com este tipo de “alegação”.
As dificuldades de investigação, instrução e prova podem ser relevantes neste tipo de crime. Para isso deve haver compreensão. Não pode haver compreensão para uma generalização que perverte os princípios penais e processuais penais. Factos: investigue-se e prove-se e tenha-se em vista um resultado que almeje um juízo para além da dúvida razoável.
“Aquilo” supra indicado em 1.13 e 1.14 não se investigou, não se pode provar, nem pode alcandorar-se a um juízo do real acontecido.
Muito se disse já sobre este tipo penal, mas a exigência de uma delimitação factual que permita a subsunção aos mesmos tipos penais é uma preocupação quotidiana de quem acusa, defende e julga, que não pode ser desvirtuada por abusivas e, portanto, inaceitáveis, generalizações.
Aliás, a jurisprudência do STJ neste campo é clara e insofismável, quer a propósito do crime de tráfico de droga, quer a propósito de crimes de maus-tratos e violência doméstica, sempre onde se pretende ultrapassar a dificuldade de prova de múltiplos factos pela imputação genérica e, logo, por presunção. Porque a isso se resume esta prática: a presunção factual.
Assim, só de jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça de STJ:

5 - Não são "factos" susceptíveis de sustentar uma condenação penal as imputações genéricas, em que não se indica o lugar, nem o tempo, nem a motivação, nem o grau de participação, nem as circunstâncias relevantes, mas um conjunto fáctico não concretizado ("procediam à venda de produtos estupefacientes", "essas vendas eram feitas por todos e qualquer um dos arguidos", "a um número indeterminado de pessoas consumidoras de heroína e cocaína", "utilizavam também "correios", "utilizavam também crianças", etc.).
6 - As afirmações genéricas, contidas no elenco desses "factos" provados do acórdão recorrido, não são susceptíveis de contradita, pois não se sabe em que locais os citados arguidos venderam os estupefacientes, quando o fizeram, a quem, o que foi efectivamente vendido, se era mesmo heroína ou cocaína, etc. Por isso, a aceitação dessas afirmações como "factos" inviabiliza o direito de defesa que aos mesmos assiste e, assim, constitui uma grave ofensa aos direitos constitucionais previstos no art. 32º da Constituição - (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 06-05-2004 - Proc. 04P908, Rel. Cons. Santos Carvalho);

I - O princípio ou cláusula geral estabelecido no n.º 1 do art. 32.º da CRP significa, ao aludir a todas as garantias de defesa, que ao arguido, como sujeito processual, devem ser assegurados todos os direitos, mecanismos e instrumentos necessários e adequados para que possa, em plena liberdade da vontade, defender-se, designadamente para que possa contrariar a acusação ou a pronúncia, através de um julgamento imparcial, realizado com total independência do juiz, em procedimento leal e justo, sendo certo que a individualização e clareza dos factos objecto do processo são indispensáveis para que o arguido possa valida e eficazmente contraditar a acusação ou a pronúncia, única forma de se poder defender - (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21-02-2007 - Proc. 06P4341, rel. Cons. Oliveira Mendes);

VI – Não se podem considerar como “factos” as imputações genéricas, em que não se indica o lugar, nem o tempo, nem a motivação, nem o grau de participação, nem as circunstâncias relevantes, mas um conjunto fáctico não concretizado, pois a aceitação dessas afirmações para efeitos penais inviabiliza o direito de defesa e, assim, constitui uma grave ofensa aos direitos constitucionais previstos no art.º 32.º da Constituição. Por isso, essas imputações genéricas não são “factos” susceptíveis de sustentar uma condenação penal - (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de Acórdão do STJ de 15-11-2007 - Proc. 07P3236, rel. Cons. Santos Carvalho);

III - Como vem sendo afirmado pela jurisprudência dominante do STJ, as imputações genéricas, designadamente no domínio do tráfico de estupefacientes, sem qualquer especificação das condutas em que se concretizou o aludido comércio e do tempo e lugar em que tal aconteceu, por não serem passíveis de um efectivo contraditório e, portanto, do direito de defesa constitucionalmente consagrado, não podem servir de suporte à qualificação da conduta do agente.
IV - Por isso, será de ter por não escrita aquela imputação genérica, .. . (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 02-04-2008, Proc. 07P4197, rel. Cons. Raul Borges);

XX - Resultando da matéria de facto apurada apenas que (aqui se excluindo factualidade abrangida por anterior condenação judicial), após 03-11-2003, o arguido, que havia estado preso e voltara a viver com a mulher e as filhas, «continuou a consumir bebidas alcoólicas e, por algumas ocasiões, em datas não apuradas», agrediu aquela «com bofetadas» e que com «frequência era chamada a Polícia àquela residência», impõe-se concluir que a descrição da conduta do arguido considerada provada se mostra algo indefinida, vaga e genérica, tanto em relação ao tempo e ao lugar da prática dos factos, como relativamente aos próprios factos integradores das agressões e respectivas motivação e consequências, não se encontrando esclarecido o número de ocasiões em que tal ocorreu, a quantidade de bofetadas em causa ou qualquer elemento relativo à forma e intensidade como foram desferidas, ao local do corpo da ofendida atingido e às suas consequências, em termos de lesões corporais ou de efeitos psíquicos, também se desconhecendo, além do contexto de consumo de álcool, a motivação da conduta em causa, sendo certo que não se encontra assente qualquer facto integrador do elemento subjectivo constitutivo do tipo legal.
XXI - Esta imprecisão da matéria de facto provada colide com o direito ao contraditório, enquanto parte integrante do direito de defesa do arguido, constitucionalmente consagrado, traduzindo aquela uma mera imputação genérica, que a jurisprudência deste Supremo Tribunal tem entendido ser insusceptível de sustentar uma condenação penal – cf. Acs. de 06-05-2004, Proc. N.º 908/04 - 5.ª, de 04-05-2005, Proc. N.º 889/05, de 07-12-2005, Proc. N.º 2945/05, de 06-07-2006, Proc. N.º 1924/06 - 5.ª, de 14-09-2006, Proc. N.º 2421/06 - 5.ª, de 24-01-2007, Proc. N.º 3647/06 - 3.ª, de 21-02-2007, Procs. N.ºs 4341/06 - 3.ª e 3932/06 - 3.ª, de 16-05-2007, Proc. N.º 1239/07 - 3.ª, de 15-11-2007, Proc. N.º 3236/07 - 5.ª, e de 02-04-2008, Proc. N.º 4197/07 - 3.ª. (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 02-07-2008 - Proc. 07P3861, Rel. Cons. Raul Borges).

Logo, os factos dados como provados 1.13 e 1.14 têm-se como não escritos por violação irreparável do contraditório e das garantias de defesa em processo penal – artigo 32º do Constituição da República Portuguesa.
Quanto aos factos provados 1.16 e 1.32 é o recurso improcedente.
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B.3.d. – Dos tipos penais.
B.3.d.1 – Da integração da conduta do arguido nos tipos contidos nos artigos 21º, 25º, 26º do Dec-Lei nº 15/93 – conclusões 15ª a 20ª;
Neste ponto resultou provado que o arguido Nuno:
« … tinha consigo um saco de papel contendo no seu interior plantas secas de canabis, com o peso bruto aproximado de 107,77 gramas,
1.27 O produto apreendido nessa ocasião ao arguido NR foi sujeito a exame pericial toxicológico, e foi identificado como sendo canabis, (folhas/sumidades) com o peso líquido da amostra-cofre de 101,425 gramas;
1.30 Ainda na mesma data, aquando da sua detenção, o arguido NMER detinha na sua posse, na sua residência, sita na Rua Quinta do Paraíso, Casa Rocha Mar, C, Lagoa, no seu quarto: uma embalagem (“bolota”) de haxixe, com o peso bruto aproximado de 10,09 gramas; seis embalagens de cocaína, com o peso bruto aproximado de 4,76 gramas,
(…)
1.31 Submetidos a exame pericial toxicológico, os produtos apreendidos foram identificados como sendo canábis (resina) com o peso líquido de amostra-cofre de 9,299 gramas, e cocaína (cloridrato) com o peso líquido de amostra-cofre de 4,205 gramas

Pretende o recorrente, nesta razão de divergência com a decisão recorrida, que os factos provados permitem a integração nos tipos penais contidos nos artigos 25º e 26º do Dec-Lei nº 15/93, ao invés de serem subsumidos ao tipo base contido no artigo 21º do diploma.
*
B.3.d.2 – Neste ponto, comum aos recursos de ambos os arguidos, convém começar por afirmar que não somos defensores de uma posição que veja nos tipos penais relativos ao consumo a necessidade de apurar o quantum concreto de estupefaciente de que necessita o consumidor.
Os referidos tipos penais ao referirem a dose média individual diária estão a entender esta numa perpsectiva objectiva, mas não absoluta na medida em que permite a prova concreta de diversa realidade de consumo individual. [1]
Exigindo o enquadramento normativo uma objectividade que seja universalizável, que abarque o universo dos consumidores de forma o mais objectiva e igualitária possível, não exclui a individualização em atenção à pessoa de cada arguido isto é, a um subjectivismo aceitável mas dependente de prova cabal.
Isto é, afastamos o entendimento que vê plasmado no conceito dose média individual diária um critério subjectivo absoluto porque dependente do concreto consumo verificado por cada individualizado consumidor, com a agravante de a jurisprudência conhecida mas minoritária colocar a cargo do tribunal a incumbência de prova desse extremista subjectivismo.
No caso, não provado por impossibilidade de conhecimento o consumo concreto, haverá que remeter a realidade factual apurada à norma que delimita a quantificação dessa dose média individual diária, com características de universalidade objectiva.
Mas, naturalmente, que estes considerandos apenas se enquadram nos tipos penais que dizem respeito ao consumo, designadamente os tipos penais previstos nos artigos 26º e 40º do Dec-Lei nº 15/93, de 22-01 e o tipo contra-ordenacional contido no artigo 2º da Lei nº 30/2000, de 29-11.
Porque aí é relevante o elemento comum aos vários tipos, a finalidade, expressa nas locuções “finalidade exclusiva conseguir plantas, substâncias ou preparações para uso pessoal” (do artigo 26º do Dec-Lei nº 15/93, de 22-01), “consumir ou, para o seu consumo, cultivar, adquirir ou detiver” (do artigo 40º do mesmo diploma) e “consumo, a aquisição e a detenção para consumo próprio” (do artigo 2º da Lei nº 30/2000, de 29-11).
Ou seja, o conceito de “dose média individual diária” é irrelevante para os tipos penais relativos ao tráfico, designadamente os tipos penais contidos nos artigos 21º, 24 e 25º do diploma supra citado.
Nestes apenas interessa saber se estamos perante substâncias a inserir nas tabelas e em qualquer grau de pureza, já que este é irrelevante dada a exclusão da intenção de consumo.
*
B.3.d.3 – Comecemos pela solicitação de integração no tipo penal inserido no artigo 26º do diploma.
O Dec-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro centra na quantidade de posse de estupefaciente a diferenciação entre tipos penais, naquilo que foi uma arriscada aposta de política legislativa, não obstante se aceitar a dificuldade da definição daqueles tipos assente num critério de “quantidade” indefinível ou de difícil definição.
Certo é que, não obstante a posição do STJ expressa no seu acórdão de 26-03-1998 (que considerou o artigo 71º, nº 1 a) do Dec-Lei 15/93 organicamente inconstitucional e negou a aplicação do artigo 9º da Portaria 94/96) o acórdão do Tribunal Constitucional 534/98 [2] veio a aceitar a definição dos tipos penais em função do operar de Portaria.
O argumento do Tribunal Constitucional, face à declaração de inconstitucionalidade da norma [artigo 71º, nº 1, al. c) do Dec-Lei nº 15/93] pelo STJ é simples: não há violação do princípio da legalidade pelo recurso às tabelas da Portaria, porque se trata de apreciação de prova nos termos do artigo 263º do C.P.P. e a decisão é judicial.
Aí se decidiu que se deve interpretar “a norma constante da alínea c) do nº 1 do artigo 71º do Decreto-Lei nº 15/93 no sentido de que, ao remeter para a portaria nela referida a definição dos limites quantitativos máximos de princípio activo para cada dose média individual diária das substâncias ou preparações constantes das tabelas I a IV, de consumo mais frequente, anexas ao mesmo diploma, o faz com o valor de prova pericial”. [3]
Assente esta interpretação a subsunção aos tipos penais, designadamente a delimitação negativa do tipo contido no artigo 26º, nº 3, o tipo contido no 40º, nº 2 do referido diploma e o tipo contra-ordenacional previsto no artigo 2º da Lei 30/2000, de 29-11, é feita nos termos do artigo 71º do Dec-Lei nº 15/93 e da Portaria nº 94/96 de 26 de Março, designadamente do seu artigo 9.º e Mapa Anexo.
Mas convém começar por recordar que para a integração da conduta no artigo 26.º, nº 3 do Dec-Lei nº 15/93, só é “traficante-consumidor” quem, com a prática de algum dos factos referidos no artigo 21.º, tiver por finalidade exclusiva conseguir plantas, substâncias ou preparações para uso pessoal.
E isso não resulta provado.
Ou seja, logo aqui baqueia a pretensão do recorrente.
Nem se torna, pois, necessário – até face às quantidades detidas, designadamente as mais de 110 gramas de cannabis – apurar das quantidades efectivamente detidas para a possível integração na previsão do nº 3 do preceito, isto é, para apreciar da “quantidade que exceda a necessária para o consumo médio individual durante o período de cinco dias”.
Ou seja, nenhum dos elementos do tipo penal se mostra preenchido pelo que é improcedente a pretensão de integração da conduta no tipo penal constante do artigo 26º do Dec-Lei nº 15/93.
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B.3.d.4 – A outra pretensão de integração do recorrente foca-se no tipo penal ínsito no artigo 25º do diploma.
Tem sido posição constante da jurisprudência portuguesa que no tipo contido no artigo 25º do Dec-Lei nº 15/93, de 22-01, se prevê uma ilicitude do facto consideravelmente diminuída, por referência à constante do artigo 21º do diploma, através da indicação de elementos factuais inseríveis na ilicitude do facto como indicadores dessa menor ilicitude e que devem ser analisados de forma global.
Daí pretende-se que decorra, da menor gravidade do ilícito, um mais atenuado tratamento penal e um tratamento mais equitativo ou proporcional dos factos praticados, o que se concretiza no afastar da aplicabilidade do artigo 21º do diploma.
É disso exemplo o Ac. do STJ de 24-01-2007 (Proc. 06P3112 - Cons. Santos Monteiro):
I - O tipo legal de crime de tráfico de menor gravidade, construído sobre o tipo matriz, ou seja sobre o tipo-base previsto no art. 21.°, n.º 1, do DL 15/93, de 22/1, procura dar resposta, em nome da proibição de excesso, da equidade e da justiça, àquelas situações que, sem atingirem a gravidade pressuposta no tráfico simples, merecem reprovação, sendo injusto, sem se lançar mão de atenuação especial, não diversificar os campos de incidência, revelando-se, ainda, a perseguibilidade penal como um dos mais eficazes métodos para se atingir o tráfico no seu escalão médio e de maior dimensão.
II - A gravidade à escala assim delineada encontra tradução na conformação da acção típica, enquanto não prescinde de a ilicitude, ou seja o demérito da acção típica, na sua expressão de contrariedade à lei, ser consideravelmente reduzida, um acto de repercussão ética de menor gravidade, em função da consideração, além do mais, dos meios utilizados, da modalidade ou circunstância da acção, da qualidade ou quantidade das substâncias ou preparações – al. a) daquele art. 25.º.
III - Essa ponderação, tal como este STJ tem repetidamente afirmado, não prescinde, antes exige, uma valoração global do evento, sem fazer avultar um seu elemento em detrimento do outro.

Assim, a consideração da “diminuição considerável da ilicitude do facto”, apresenta índices de ponderação assentes na consideração dos meios utilizados, da modalidade ou das circunstâncias da acção, da quantidade ou qualidade do produto traficado ou a traficar. [4]
Ora, que revelam os factos provados?
Que há que reconhecer que a conduta do arguido Nuno, extirpada da ficção, em pouco se distingue da conduta da arguida no tocante à ilicitude e à modalidade de acção. Até as quantidades detidas se aproximam. A qualidade idêntica porque o produto é o mesmo na sua maior parte.
O comportamento anterior diverge em grau. A culpa é nele mais acentuada, é claro.
Ou seja, a ilicitude permite um delimitar da acção muito semelhante e não permite concluir que entre a conduta do arguido e a actuação da arguida haja uma diferença de ilicitude que permita uma distinção por inserção em tipos penais diversos, caindo a conduta do arguido na previsão tipológica do artigo 25º e não na do artigo 21º do Dec-Lei nº 15/93.
Desta forma é procedente o ponto de inconformidade quanto à ilicitude e integração tipológica.
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B.3.e – Da pena aplicada e sua forma de execução.
Adianta o arguido um juízo comparativo com as penas dos co-arguidos assente na quantidade de droga apreendida, quer por aproximação (co-arguida ZE), quer por diferenciação (co-arguido PE).
Admitida a idêntica integração no tipo penal, resta afirmar a necessária divergência das necessidades sancionatórias. Mas os termos comparativos apenas são permitidos no mesmo tipo penal.
Como se afirmou supra, o comportamento anterior do arguido diverge em grau. A culpa é nele mais acentuada e haverá que estabelecer alguma diferença com a pena e o regime de execução imposto à arguida ZE.
Não só quanto à culpa, também quanto ao acréscimo de ilicitude em função do provado em 1.21, a venda de cocaína, pelo arguido, à arguida ZE.
E quanto ao comportamento anterior é de realçar que o arguido já foi condenado em 1999 por crime idêntico numa pena de 1 ano e 2 meses de prisão, suspensa na sua execução, por actos praticados em 1998.
Daqui se retira a necessidade de impor ao arguido uma pena de 4 (quatro) anos de prisão, considerando os pontos acabados de referir, que se consubstanciam num acréscimo das necessidades de prevenção, com maior grau de culpa.
O referido quanto à condenação anterior demonstra um acréscimo das necessidades preventivas, assim como a sua condenação em 2003 e 2011.
No entanto devemos considerar que estes últimos ilícitos se referem à condução com embriaguez, que o consumo de álcool foi já objecto de tratamento (facto provado 1.45) e que os factos relativos ao tráfico de menor gravidade ocorreram em 1998.
Sendo factos que fazem pender a balança num sentido negativo certo é que a actual situação do arguido, reflectida – é necessário ter presente - como provada no facto 1.45, permite formular, ainda, um juízo positivo de prognose assente naquilo que dali consta:
«Pese embora a situação de toxicodependência, NMsempre manteve o apoio de retaguarda da família de origem, tendo a mãe, inclusive, assegurado há vários anos as despesas com um internamento em instituição especializada para tratamento, durante 3 (três) meses. Em simultâneo, existiam consumos exacerbados de bebidas alcoólicas, maioritariamente em contexto de grupo, nos tempos livres e nos períodos de inactividade laboral. Iniciou acompanhamento terapêutico especializado em ambulatório na ETET (equipa técnica especializada de tratamento / ex-CAT) em Portimão, beneficiando assim de tratamento à problemática do alcoolismo e toxicodependência. Há cerca de 5 (cinco) anos abandonou a ingestão de qualquer bebida alcoólica, pese embora, segundo o próprio, tenham emergido recidivas, especialmente, com consumos de cocaína. Desde Junho de 2010 que tem trabalhado como cozinheiro, em regime de contratos de trabalho a prazo sendo descrito como um funcionário detentor de hábitos de trabalho, cumpridor de horários, responsável na execução das tarefas e sempre em busca de melhor desempenho profissional. A sua relação com os patrões, com os colegas de trabalho e com os clientes é avaliada como humilde e cordata. Nos períodos de encerramento sazonal da empresa o arguido tem beneficiado do subsídio de desemprego. À data dos factos vivia em habitação própria permanente, uma casa antiga, restaurada, proveniente de herança familiar, pra cujo restauro solicitou, em 2008, um crédito bancário no montante de 35.000€ à Caixa-Geral de Depósitos (CGD) por um período de 42 anos. O vencimento mensal, acrescido das gratificações diárias, totalizava um rendimento que rondava 1000€. Pese embora as despesas mensais apresentadas (pagamento de um crédito contraído à financeira Credibom, para aquisição de automóvel - 220€ mês, prestação mensal à CGD referente à amortização do empréstimo contraído para restauro da residência - 110€ mês) a economia doméstica foi avaliada como suficiente para fazer face às necessidades quotidianas. Embora sujeito a uma medida de coacção de confinamento absoluto, após autorização judicial, verificou-se o reinício da sua atividade profissional, como cozinheiro em 07Abr p.p., em que face á avaliação e desempenho profissional já conhecido, os proprietários da empresa empregadora delegaram no arguido a responsabilidade pela gestão da cozinha no restaurante e pizzaria. A sua dinâmica familiar pauta-se pela entreajuda, mantendo com a mãe e um irmão (residentes em habitação contigua) uma relação coesa e solidária. Há a registar uma relação afectiva iniciada há cerca de 2 (dois) anos, considerada como um suporte emocional consistente no seu actual quadro de vida. Após a alteração da medida de coacção, de prisão preventiva para OPHVE, NM, reiniciou de forma assídua e regular o acompanhamento terapêutico na ETET em Portimão, essencialmente, com o objectivo de prevenção de recaídas. É assíduo e pontual na comparência às consultas com o terapeuta. Não apresenta qualquer alternativa em termos de ocupação dos tempos de lazer; reconhece porém que a fragilidade em relação à influência do grupo de pares condicionou a sua conduta. Durante a actual medida de coacção o arguido tem demonstrado capacidade no cumprimento de regras, respeitando os compromissos e obrigações inerentes à situação de confinamento. O acompanhamento terapêutico e o enquadramento familiar tem-se revelado de primordial importância na sua estabilidade emocional. NMtem procurado consolidar a alteração comportamental, através do acompanhamento terapêutico à toxicodependência, na ETET em Portimão, ao mesmo tempo que reassumiu o desempenho estável da actividade profissional. Revela capacidade de desenhar cenários alternativos em termos de organização pessoal e familiar, distanciando-se dos contextos relacionais que o associam a comportamentos de risco. Perante a proximidade de uma decisão em audiência de julgamento o arguido denota alguns comportamentos reveladores de ansiedade, especialmente pelo risco de uma condenação em pena de prisão efectiva. Revela capacidade de ponderação relativamente às consequências dos seus actos, assumindo uma posição assertiva em relação aos factos em juízo».

E assim sendo se deve suspender a pena de prisão imposta por igual período.
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Arguido PGBE
B.4.a – Da falta de fundamentação da decisão recorrida.
A invocação de falta de fundamentação da decisão recorrida está limitada pelo recorrente, na essência à errada, na sua perspectiva, apreciação da prova feita no “Relato da Diligência Externa” realizada em 15-03-2014 (e não 13-05-2014) constante de fls. VI-1443 a 1447, integrada na certidão retirada do processo nº 477/13.2JELSB (e não 447/13.2JELSB).
A sua argumentação neste ponto, desenvolvida nas suas motivações a fls. VIII-1883 a 1885 e conclusões 4, 6, 7, 8, 9, 15, 16, 17, 18 e 19, assenta nestas ideias:
- alguém lhe pôs um saco de supermercado, aberto, com 99 placas de haxixe na mala da sua viatura, que não o arguido; isso vê-se na foto de fls. 1447;
- o arguido transportou a droga na mala do seu carro a caminho de Lisboa sem olhar para a droga, logo sem dolo específico de conhecimento da natureza do produto;
- o produto não vinha “dissimulado” na viatura mas sim na sua mala bagageira, o que contraria as regras de experiência comum;
- não é crível que conhecendo o recorrente a natureza do produto e transportando-o na auto-estrada não o dissimulasse;
- não é por o arguido ter transportado o produto ali colocado por um terceiro sem se preocupar em verificar o que transportava que se pode deduzir que sabia o que transportava;
- não é crível que não tendo o arguido “pegado” e “olhado” para o saco que se possa concluir que sabia o que continha;
- quando foi interceptado pelos agentes o arguido não olhou para o saco onde se encontrava o produto e manteve-se em silêncio;
- desconhece o arguido quais os trechos dos depoimentos dos agentes que atestam o que ficou provado em 1.10, o elemento subjectivo do tipo e a intenção dolosa;
A foto que serve de base para o início destes silogismos mostra o recorrente à frente do “terceiro” (e para ele virado) que coloca o saco aberto na mala bagageira da sua própria viatura.
É certo que o recorrente aparenta fazer um esforço para não olhar. O que confirma que não ver, não ouvir e não pegar parecem ser a metodologia preferida. E manter o método por centenas de quilómetros também. Aqui, no entanto, é de dar razão ao recorrente num ponto, pois que enquanto conduz a viatura aquela metodologia mantém-se naturalmente. No carregamento da viatura e na apreensão do produto é que se torna irreal o que o arguido aduz.
É certo que o tribunal tem que manter a mente aberta às várias versões apresentadas e que vão povoando a vida de um juiz. Quer-nos parecer, no entanto, que o recorrente abusa na sua pretensão de que o tribunal premeie a equiparação que faz entre os seus argumentos e a figura simbólica de dois dos três macacos sábios do folclore japonês, designadamente de mizaru, o que tapa os olhos e iwazaru, o que tapa a boca. É claro que falha à simbólica o “não-pegar”, mas só à simbólica, pois que aqui o “não olhar”, “não falar” e o “não pegar” tem um significado diverso, o de antecipação (desejo ou aspiração) de uma razão excludente da ilicitude e culpa.
Mas da simbólica à argumentação vai uma abissal distância que se revela em concreto inultrapassável. Ou seja, é a própria natureza da argumentação do recorrente que demonstra estar devidamente fundamentada a decisão recorrida e a versão do recorrente não ter apoio no senso, na experiência comum e nas razões comportamentais atendíveis.
Porque o recorrente falha, desde logo, na primeira e essencial asserção, a de que não sabia o que continha o saco. A partir daqui esparralha-se o seu argumentário. Não se pode esgrimir com o desconhecimento da natureza do produto se o saco é “plantado” à sua frente, aberto, na bagageira da sua viatura. Isso, esse desconhecimento, é que seria contrário a qualquer regra de experiência comum.
E o final argumentativo falha igualmente, adiantando já resposta à impugnação do recorrente na medida em que o seu argumento, dirimido em dupla sede recursiva, quando se alega que não há depoimentos policiais sobre o saber e o querer inerentes ao dolo.
Se a droga é assestada à frente do arguido em saco aberto na sua viatura e se o arguido reconhece ter sido pago para o transporte da mesma (em 500 euros), inferir os elementos do dolo é uma consequência mais que necessária, imprescindível. Não há espaço para pensar em transporte de mercadoria desconhecida (irreal) ou inócua (surreal).
E aqui nem se revela negligência nem se mostra necessário um dolo “específico” como o recorrente alega. Há, claramente, dolo directo. E chega.
Acresce que o artigo 127º do C.P.P. não se mostra interpretado de forma a ultrapassar a falta de investigação – nem aqui se revela qualquer violação de normas constitucionais – quando o recorrente, em resultado da investigação realizada, é apanhado em flagrante delito. Que se pretendia mais?
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B.4.b – Da existência de vícios contidos no artigo 410º, nº 2 do C.P.P..
Estes são os vícios de conhecimento oficioso que devem resultar patentes numa leitura da decisão recorrida apenas acompanhada pela presença das regras de experiência comum.
Invoca o recorrente, expressamente, os vícios de “contradição insanável na fundamentação” entre os factos provados de 1.7 a 1.10 e os factos não provados em 2.1 a 2.5 e o erro na apreciação da prova. Acrescenta-lhe – conclusão 6ª - a invocação de direito de insuficiência de matéria de facto.
O conceito de “insuficiência para a decisão da matéria de facto provada”, como se afirmava no acórdão do STJ de 11-11-1998 (Proc 98P1093 – Cons. Leonardo Dias) a “é a que decorre da omissão de pronúncia, pelo tribunal, sobre factos alegados ou resultantes da discussão da causa e que sejam relevantes para a decisão, ou seja, é aquela que resulta da circunstância de o tribunal julgador não ter dado como provados ou como não provados todos os factos que, sendo relevantes para a decisão da causa, tenham sido alegados pela acusação e pela defesa ou resultado da discussão. (II) Logo, o mencionado vício não tem nada a ver, nem com a insuficiência da prova produzida, nem com a insuficiência dos factos provados para a decisão de direito proferida”.
A “contradição insanável na fundamentação” sobre matéria de facto pode desdobrar-se em várias hipóteses: contradição entre factos provados que mutuamente se excluem numa versão lógica da “história”; contradição entre factos provados e factos não provados que conduzem à indeterminação quanto à verdade judicial que pretendia ser narrada por esses factos; contradição entre os factos (dados como provados e não provados) e razões contraditórias constantes da fundamentação que deixam dúvida inultrapassável sobre o acerto da convicção factual do tribunal recorrido e que não permitem o julgamento da causa.
O “erro na apreciação da prova” consiste no dar como provado algo que notoriamente está errado «que não pode ter acontecido, ou quando, usando um processo racional e lógico, se retira de um facto dado como provado uma conclusão ilógica, arbitrária e contraditória, ou notoriamente violadora das regras de experiência comum, sendo o erro de interpretação detectável por qualquer pessoa.» (Ac. de 12.11.98, no BMJ 481-325).
Mas nenhum dos vícios se revela na decisão recorrida. Nem o recorrente os demonstra.
E, por tudo, não existe contradição entre os factos provados 1.7 a 1.10 e os não provados em 2.1 a 2.5.
A sua simples leitura é elucidativa e os argumentos do recorrente não permitem outra conclusão.
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B.4.c – Da impugnação factual nos termos do artigo 412º do C.P.P..
É por demais patente que o recorrente não cumpriu na íntegra os ónus recursivos previstos no artigo 412º, ns. 3 e 4 do Código de Processo Penal, tal como interpretado pelo A.U.J. nº 3/2012.
Essas exigências apresentam-se agora com uma configuração alternativa quanto a um dos requisitos e ao recorrente é exigível que cumpra os seguintes ónus processuais:
a. A indicação dos concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados (al. a) do nº 3 do artigo 412º do Código de Processo Penal);
b. A indicação das provas que impõem decisão diversa da recorrida (al. b) do nº 3 do artigo 412º do Código de Processo Penal);
c. Se a acta contiver essa referência, a indicação das passagens em que se funda a impugnação por referência ao consignado na acta, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 364 (nº 4 do artigo 412º do Código de Processo Penal);
d. Ou, alternativamente, se a acta não contiver essa referência, a identificação e transcrição nas motivações de recurso das ditas “passagens” dos meios de prova oral (declarações, depoimentos e esclarecimentos gravados).
E, há que convir, o recorrente não cumpriu de forma completa o seu ónus de impugnação factual, nem nas motivações nem nas conclusões, relativamente aos índices alternativos (c e d) por referência a depoimentos e declarações, pois quando o pretende fazer remete para a totalidade desses elementos de prova.
No entanto e porque indicados os factos impugnados, as provas que entende relevantes e as razões que fundam a sua inconformidade, passaremos à análise dos factos em causa.
O recorrente impugna os factos (provados) 1.7 a 1.10. Recordemos:
1.7 O arguido utilizou o veículo na deslocação ao Algarve, ocultando o estupefaciente que transportava na mala do carro;
1.8 E destinava a quantia apreendida no veículo às despesas inerentes com a viagem para transporte de tal produto, e, sendo as demais quantias produto da remuneração do transporte realizado;
1.9 O arguido destinava os telemóveis apreendidos aos contactos necessários com os seus colaboradores, não identificados, para o transporte e armazenamento do haxixe que transportou e veio a ser apreendido;
1.10 O arguido PE conhecia a qualidade e características estupefacientes do produto que deteve e transportou, tendo como destino final Lisboa, e que era destinado à venda a terceiros, vendedores e consumidores de haxixe;

Quanto ao primeiro (1.7) o recorrente argui com a já conhecida foto da diligência externa da PJ (uma vigilância) onde se descortina um terceiro, à frente do arguido, a colocar o saco com o produto estupefaciente na bagageira do carro do arguido. O arguido, de facto, não “olha” para o saco que, à sua frente, é colocado na sua viatura.
Há que reconhecer algum arrojo nesta versão que, contrariando o evidenciado na foto e nas regras de experiência comum, não revela futuro.
Quanto ao facto seguinte, 1.8, invoca o recorrente as declarações da sua companheira. Estas não impõem uma diversa apreciação probatória, sendo apenas uma versão favorável ao arguido, o que é compreensível e apenas isso.
Ao facto 1.9 o recorrente não indica qualquer prova limitando-se a arguir razões por que entende não se dever o mesmo considerar provado, razões essas não atendíveis.
Também se não verifica contradição entre este facto e o não provado em 2.1 pois que este revela um âmbito diverso e muito específico («2.1 - O arguido PGBE, actuando concertadamente com indivíduos não cabalmente identificados, vinha-se dedicando pelo menos desde o inicio de 2014 à aquisição, transporte, distribuição e venda de produto estupefaciente, designadamente haxixe»).
Por fim, quanto ao facto provado 1.10, valem as razões expostas quanto ao facto 1.7 (o recorrente renova a chamada à certidão onde consta a foto da vigilância de fls. 1447) e o que se afirmou a B.4.a, a que acresce o necessário afastamento, porquanto irrelevantes, das afirmações dos agentes Sérgio Henriques e Fonte Santa (as circunstâncias de o arguido apenas ter sido escutado indirectamente e se ter remetido ao silêncio quando foi interceptado na auto-estrada nem impõem outra decisão quanto a este facto, nem para a sua ponderação se revelam relevantes).
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B.4.d – Do princípio in dubio pro reo.
Quanto ao não uso do princípio in dubio pro reo, a suficiente fundamentação factual do tribunal recorrido permite-nos afirmar que não restaram dúvidas sobre a imputação dos factos ao arguido. Ao tribunal impunha-se uma decisão em função de toda a prova produzida de forma a obter uma verdade judicial, resultado do seu convencimento quanto à verificação dos factos, no caso, a imputação dos factos ao arguido.
Assim, a configuração dos factos (flagrante delito) convicção do tribunal recorrido permite afirmar que não é patente, ostensiva, a necessidade de recurso ao princípio in dubio pro reo. Aliás, num flagrante delito a aplicação do princípio configuraria um erro de apreciação probatória. Ou um erro de direito.
Ou seja, não se revela nos autos que a aplicação do princípio in dubio pro reo se imponha, pois que, avaliada a prova segundo as regras da experiência e a liberdade de apreciação da prova, não conduziu à dúvida no espírito do tribunal sobre a existência do facto. Até diríamos mais: não há, nos factos em presença, a mínima hipótese de fazer operar o princípio in dubio pro reo. Mais, permite afirmar que o tribunal, numa apreciação positiva sobre o acontecer naturalístico, formulou um juízo muito, mas mesmo muito, para além da dúvida razoável.
O princípio in dubio pro reo, com efeito, «parte da dúvida, supõe a dúvida e destina-se a permitir uma decisão judicial que veja ameaçada a concretização por carência de uma firme certeza do julgador» – Cristina Líbano Monteiro, «In Dubio Pro Reo», Coimbra, 1997.
Operar o princípio in dubio pro reo pressupõe um juízo positivo de dúvida resultante de um inultrapassável impasse probatório. O que, obviamente, não ocorre no caso presente.
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B.4.e – Da integração no tipo penal do artigo 25º do Dec-Lei nº 15/93.
Invocando o que já se fundamentou supra passemos à análise dos factos que conformam a conduta do arguido. Que revelam eles?
Que o arguido foi pago para fazer o transporte de 99 placas de haxixe pesando praticamente 10 kg, líquidos, de cannabis, resina - (9.724,372 gr., conforme exame de fls. 1.071). Que fez esse transporte a troco de 500 €. Que o fez, ou pretendia fazer, do Algarve para Lisboa.
Ou seja, o arguido agiu como um elemento profissionalizado num “nicho” de mercado, o transporte, sempre arriscado, de estupefaciente do local de entrada do mesmo em território nacional, o Algarve, para o local de mais fácil distribuição (Lisboa). E só isto revela que não existe a mínima possibilidade de considerar que a modalidade e circunstâncias da acção são passíveis de revelar uma diminuição considerável da ilicitude.
Assim, entendemos que não se pode falar em diminuição da ilicitude e que a conduta do arguido não se pode subsumir ao tipo penal contido no artigo 25º do Dec-Lei nº 15/93, de 22-01.
Pelas mesmas razões aqui referidas – a assunção clara de que o arguido, a troco de dinheiro, procedeu ao transporte da droga, assim resolvendo um problema da distribuição – revela que a conduta do arguido está bem subsumida ao tipo contido no artigo 21º do diploma, sendo certo que a sua conduta se não pode qualificar como a de um mero cúmplice.
O arguido formula várias apreciações onde parece pressupor que a sua actuação é não essencial, daí a defesa da cumplicidade.
Ora, face aos factos provados não se pode afirmar que se ele não actuasse os factos ocorreriam da mesma forma. A essencialidade exigida na distinção entre as figuras da comparticipação é concreta, não abstracta.
O acordo exigível para a co-autoria não é necessariamente um acordo igualitário e prévio pois que os pressupostos da co-autoria, o elemento subjectivo (“o acordo, a decisão, expressa ou tácita, para a realização de determinada acção típica”) e o elemento objectivo (“a realização conjunta do facto, o tomar parte directa na execução”), não surgem como necessariamente pré-existentes.
Como se afirma no acórdão de 07-11-2007 (Proc. 07P3242, rel. Cons. Henriques Gaspar) (I) a “co-autoria pressupõe um elemento subjectivo, o acordo, expresso ou tácito, para a realização de determinada acção típica, e um elemento objectivo, que constitui a realização conjunta do facto, ou seja, tomar parte directa na execução; (II) - A execução conjunta, neste sentido, não exige, todavia, que todos os agentes intervenham em todos os actos, mais ou menos complexos, organizados ou planeados, que se destinem a produzir o resultado típico pretendido, bastando que a actuação de cada um dos agentes seja elemento componente do conjunto da acção, mas indispensável à produção da finalidade e do resultado a que o acordo se destina”. [5]
A co-autoria supõe sempre uma divisão de tarefas ou um agir conjunto que torne possível o crime, o facilite ou que diminua os riscos da acção. E, no caso, existe essa “divisão de tarefas” que facilitou e distribuiu os riscos da acção. Ou seja, o “gemeinsamer Tatentschluss” ou seja, aquele acordo, que é essencial à co-autoria, funciona como elemento unificador dos contributos dos diversos co-autores. [6]
É claro que pode implicar alguma planificação e/ou uma actuação horizontal não unitária – no sentido de diferentes índices de participação (planeamento/execução) entre a coordenação e a mera execução e a divisão desta. O caso dos autos nem se afasta do modelo da co-autoria que é, de facto, principalmente horizontal.
Assim, sempre o arguido recorrente seria considerado co-autor, já que a essencialidade da sua intervenção afasta a cumplicidade.
É, portanto, improcedente o concluído sobre o tema.
Resta retomar o tema da “pureza do produto” já a abordado a propósito da dose média individual diária das substâncias ou preparações constantes das tabelas I a IV.
O argumento do recorrente assenta na constatação de que os exames periciais efectuados pelo LPC não referem a pureza do produto.
Vimos já supra em B.3.d.1 que esse considerando é irrelevante para os crimes de tráfico. Resta saber se terão relevo para a argumentação do recorrente quanto ao crime de consumo.
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B.4.f – Do crime de consumo previsto no artigo 40º do Dec-Lei nº 15/93.
O arguido detinha, e destinava ao seu próprio consumo, 6,055 grs. de cannabis (resina), conforme resultou provado em 1.4.d, 1.5 e 1.11.
Nos termos do artigo 40.º, nº 2 do Dec-Lei nº 15/93, “se a quantidade de plantas, substâncias ou preparações cultivada, detida ou adquirida pelo agente exceder a necessária para o consumo médio individual durante o período de 3 dias, a pena é de prisão até 1 ano ou de multa até 120 dias”.
Após desenvolvimento jurisprudencial, com manifestações doutrinais de que não cabe agora fazer história, fixou-se jurisprudência obrigatória que se segue, desde logo porque o recorrente não adianta qualquer novo argumento que não tenha sido já apreciado.
Referimo-nos ao Acórdão (A.U.J.) do Supremo Tribunal de Justiça n.º 8/2008 (Processo n.º 1008/07), de 25 de Junho de 2008: «Não obstante a derrogação operada pelo artigo 28.º da Lei n.º 30/2000, de 29 de Novembro, o artigo 40.º, n.º 2, do Decreto -Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, manteve-se em vigor não só ‘quanto ao cultivo’ como relativamente à aquisição ou detenção, para consumo próprio, de plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a IV, em quantidade superior à necessária para o consumo médio individual durante o período de 10 dias.»
Nestes autos não se impõe apurar o que seja “consumo médio individual diário” para confirmar o acerto do decidido (a natureza do produto não está em causa), designadamente o que seja a quantidade definida como “limite quantitativo máximo” constantes das colunas do Mapa anexo à Portaria n.º 94/96, de 26 de Março.
Estaria em causa – em termos que se verão meramente hipotéticos - a determinação da quantidade através de critérios alternativos pela quantidade líquida do produto ou pela quantidade definida pelo princípio activo que, note-se, sequer está definido no exame efectuado pelo LPC..
Mas antes disso outra questão se impõe.
O que aqui está em causa em primeira linha é tema que não foi abordado pelo recorrente mas de que se conhece na estrita medida em que o mesmo suscita a questão da sua condenação por este tipo penal com base na falta de concretização laboratorial do princípio activo (“grau de pureza”).
Face ao que se vai expor a argumentação do recorrente – que sempre seria metodologicamente posterior - perde razão de ser.
O arguido PGBE foi condenado, para além de outro crime:
- pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes do art. 21º/1 do DL 15/93 de 22/01, na pena de 6 (seis) anos e 6 (seis) meses de prisão;
- pela prática de um crime de consumo, do art. 40º/1 e 2 do DL 15/93 de 22/01, na pena de 3 (três) meses de prisão;
Do que aqui se trata é de saber se estamos perante um concurso real ou aparente de crimes.
A simples condenação demonstra que o tribunal recorrido considerou a existência de um concurso real de crimes.
Esse não é o nosso entendimento. Trata-se, a nosso ver, de um caso claro de concurso legal, aparente ou impuro, pois que o comportamento do arguido integra várias previsões legais mas só uma é aplicável ao facto já que aí esgota a ilicitude da conduta e se consome a protecção pretendida, aqui, pelo artigo 21º do diploma.
Isto é, trata-se de um caso de consumpção pura pois que a norma que prevê e pune o crime mais grave (artigo 21º) consome a que prevê e pune o menos grave (artigo 40º), por aquela dar maior protecção ao bem jurídico.
E como este é o critério de distinção convém realçar que o bem jurídico tutelado pelas duas normas é o mesmo, a saúde da colectividade que, ao ser tutelado no artigo 21º, protege o bem jurídico idêntico, tutelado no artigo 40º, independentemente do concreto indivíduo que, integrando a comunidade, corporiza tal bem abstracto.
É patente a aceitação da jurisprudência da aplicação do princípio a crimes de perigo abstracto, de que é exemplo o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27-05-2010 (processo 474/09.4PSLSB.L1.S1, rel. Cons. Henriques Gaspar):
VII - A ideia fundamental comum a este grupo de situações é a de que o conteúdo do injusto de uma acção pode determinar-se exaustivamente apenas por uma das leis penais que podem entrar em consideração – concurso impróprio, aparente ou unidade de lei.
VIII - A determinação dos casos de concurso aparente faz-se, de acordo com as definições maioritárias, segunda regras de especialidade, subsidiariedade ou consumpção.
IX - Há consumpção quando o conteúdo de injusto de uma acção típica abrange, incluindo-o, outro tipo de modo que, de um ponto de vista jurídico, expressa de forma exaustiva o desvalor (cf. H. H. Jescheck e Thomas Weigend, "Tratado de Derecho Penal", 5ª edição, pág. 788 e ss.).
X - A razão teleológica para determinar as normas efectivamente violadas ou os crimes efectivamente cometidos, só pode encontrar-se na referência a bens jurídicos que sejam efectivamente violados. O critério do bem jurídico como referente da natureza efectiva da violação plural é, pois, essencial.
XI - O bem jurídico, ainda numa projecção difusa de uma pluralidade de bens jurídicos e numa dimensão mais ampla, autonomiza-se de cada um dos concretos bens jurídicos que possam vir a ser individualmente afectados na respectiva titularidade concreta, sendo, por si, autonomamente e ex ante, considerado com relevante para justificar a definição de um crime de perigo.

E nesta senda e a propósito de crimes de tráfico/consumo de estupefacientes trazemos à colação o acórdão pelo STJ em 10-05-2001 (proc. n.º 472/01, sendo relator o Cons. Carmona da Mota) que decidiu que «I - O bem jurídico protegido tanto pelo art. 21.º (e seus satélites) como pelo art. 40.º do DL 15/93 de 22/01, é o mesmo, e imediatamente, um só: a saúde pública. II - A relação de mútua exclusão, de consunção (“de tal maneira que uma norma consome já a protecção que a outra visa”) ou de subsidiariedade expressa entre os preceitos do art.º 40.º e do art.º 21.º, do DL 15/93 (“que condiciona expressamente a sua eficácia ao facto de (aquel)outro se não aplicar”) aponta para um mero concurso legal ou aparente de infracções. III (…).
Este aresto, com o qual concordamos, afasta-se de uma visão automática e excessivamente securitária do referido diploma legal.
Haverá, portanto, que absolver o arguido da prática de um crime de consumo de estupefaciente, p. e p. pelo artigo 40º, nsº 1 e 2 do Dec-Lei nº 15/93, de 22.01.
Resta prejudicada a questão da “pureza” do produto colocada pelo recorrente.
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B.4.g – Das penas impostas pelos três crimes. Que agora se reduzem a dois.
Analisemos, então, a medida concreta das penas impostas pelo tribunal recorrido.
Relativamente ao tipo de detenção de arma proibida cujo enquadramento legal foi adequadamente efectuado pelo tribunal recorrido, é o mesmo punido no nº 4 do artigo 86º da Lei nº 5/2006 com pena de prisão até 4 anos ou multa até 480 dias.
A opção pela pena de prisão não foi posta em causa pelo recorrente e é uma opção plenamente justificada.
Considerando, no entanto, que se trata de arma de classe E, sem letalidade intrínseca, e que o seu potencial uso na actividade desenvolvida sempre seria de diminuto relevo, ridícula até, entendemos – sem colocar em causa os considerandos do tribunal recorrido – que dentro do tipo penal existe uma ilicitude menor e necessidades de prevenção que não permitem que a pena ultrapasse os dois anos de prisão.
Aliás, a condenação anterior do arguido em 15 meses de prisão pela prática do mesmo tipo de crime, ocorrida em 2010, assentava na posse de arma de maior letalidade e perigosidade, uma pistola de calibre 7,65 mm.
Haverá, pois, que reduzir esta pena parcelar ao indicado quantum.
Já quanto à pena pelo crime de tráfico de droga não se enxerga qualquer possibilidade de diminuição da pena imposta considerando, além do mais, aquilo que se afirmou supra quanto à característica de profissionalização do arguido num “nicho” de mercado, o transporte de estupefaciente do local de entrada do mesmo em território nacional para o local de mais fácil distribuição.
Esta simples circunstância revela uma integração ou contacto com uma organização cujos contornos se desconhecem mas cuja existência não pode ser posta em causa em termos de inferências racionais dos factos, o que redunda num acréscimo de ilicitude, culpa e necessidades preventivas.
Quanto à pena única, restando agora uma pena de 6 anos e 6 meses de prisão imposta pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes e uma pena de dois anos de prisão aplicada pela prática de um crime de detenção de arma proibida, devemos ter presentes um elevado grau de ilicitude e culpa, o comportamento anterior do arguido pela prática do mesmo tipo de crimes em 06-03-2009 (cuja condenação ocorreu em 26-03-2010, com os factos destes autos a ocorrerem em 13-03-2014, cerca de 4 anos depois da anterior condenação), a associação do mesmo tipo de crimes (arma + droga, no que é uma união reveladora de conhecimento e participação voluntária num ambiente com alguma habitualidade delituosa) e as evidentes necessidades de prevenção, quer geral, quer especial.
Por isso que se entenda adequado fixar a pena única nos 7 (sete) anos e 3 (três) meses de prisão.
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B.4.h – Da suspensão da pena.
Como é óbvio apenas se considera a suspensão da pena única o que, por via do disposto no artigo 50º, nº 1 do Código Penal, se mostra inviabilizado.
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B.4.i – Da devolução de bens apreendidos.
Vem o recorrente peticionar a devolução dos bens apreendidos, aí incluindo o veículo automóvel de matrícula 12-34-OD.
Argui, nas suas conclusões 32ª a 34ª da seguinte forma:
32. Declarou o Tribunal perdidos a favor do Estado os objectos apreendidos ao arguido PE, como sejam, o veículo automóvel 12-34-OD; as quantias monetárias e telemóveis, relegando para ‘apreciação ulterior ‘o destino a dar-lhes.
33. No entanto para que com prioridade assim se pudesse concluir importaria aferir se os bens descritos se destinavam à prática do crime pelo qual o arguido veio a ser condenado, ou se eram o seu produto, devendo ser usada a noção de ‘instrumentalidade’, esclarecida pela invocação de causalidade adequada e o princípio da proporcionalidade cfr. artigo 18 n. 2 da CRP
34. Ora, como retro referido, nenhuma prova foi feita de que as quantias proviessem de uma conduta ilícita, que os telemóveis fossem ou tivessem sido utilizados para qualquer acto ilícito, que a viatura fosse única e exclusivamente utilizada para um fim igualmente ilícito, ou que, sem eles não pudesse - se fosse essa a intenção e vontade - o ora recorrente desenvolver a conduta que lhe é imputada.

Confessamos não entender a primeira alegação pois que o tribunal não relegou para “apreciação ulterior” o destino a dar aos bens, declarando-os logo perdidos a favor do Estado, como se constata na alínea i), com posterior destruição na al. j).
Mas já se entende a exigência de causalidade e proporcionalidade.
A configuração dos factos torna fácil a destrinça a fazer nos regimes aplicáveis a diferentes objectos apreendidos.
Desde logo se revela, em concreto, irrelevante a questão da não aplicabilidade do artigo 7º (Perda de bens a favor do Estado) da Lei n.º 5/2002, de 11 de Janeiro (Medidas de combate à criminalidade organizada), apesar da prática de crime de catálogo previsto no artigo 1º do diploma, o crime previsto no artigo 21º do Dec-Lei nº 15/93.
Não é possível operar a presunção contida no artigo 7º, n. 1 da citada Lei ao veículo e aos telemóveis apreendidos na medida em que essa presunção se limita aos producta sceleris (a “vantagem de actividade criminosa” do nº 1 do artigo 7º).
Também porque desconhecidos os pressupostos factuais que permitiriam o operar da presunção.
A questão, portanto, limita-se à aplicação ao caso dos autos do disposto no artigo 109º do Código Penal (Perda de instrumentos e produtos) que determina que serão “declarados perdidos a favor do Estado os objectos que tiverem servido ou estivessem destinados a servir para a prática de um facto ilícito típico, ou que por este tiverem sido produzidos, quando, pela sua natureza ou pelas circunstâncias do caso, puserem em perigo a segurança das pessoas, a moral ou a ordem públicas, ou oferecerem sério risco de ser utilizados para o cometimento de novos factos ilícitos típicos”.
É patente que tem havido uma inflexão jurisprudencial na interpretação, muito mais restritiva, do disposto neste preceito, de que é exemplo o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28-02-2007 (Processo: 06P4815, sendo rel. Cons. Henriques Gaspar), [7] no sentido de atenuar a relação causal entre agente, facto e objecto e centrar a declaração de perdimento – que se pode qualificar como “medida de segurança” mas nunca esquecendo a sua vertente confiscatória - na natureza da coisa e no risco intrínseco de prática de novos ilícitos, sem olvidar causalidade e proporcionalidade.
Parece ser igualmente patente uma dissensão jurisprudencial entre o entendimento de que o artigo 109º é aplicável como norma geral de integração a qualquer tipo de ilícito criminal (no que ora interessa), incluindo os crimes de tráfico de estupefacientes (o acórdão do STJ supra citado) e os que entendem que a alteração introduzida pela nº Lei n.º 45/96, de 03/09 ao artigo 35º Decreto-lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, afasta aquela aplicabilidade e gera um automatismo da declaração de perdimento quando estamos perante este tipo de crimes. [8]
De facto a mera leitura do preceito - artigo 35.º, nº 1 do Decreto-lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro - nas duas redacções faz ressaltar essa diferença. [9]
Não nos parece, no entanto que esse automatismo possa funcionar estando em causa um direito constitucionalmente protegido, como o da propriedade privada (artigo 62º da Constituição da República Portuguesa), de acordo, aliás, com a múltipla jurisprudência constitucional que em variada matéria é avessa a automatismos que dispensem uma ponderação judicial de valores.
Outrossim, essa mesma jurisprudência vê-se obrigada à autolimitação quando afirma:
«X - A afirmação dual do instituto da perda de bens está estritamente imbricada com o exercício do direito de propriedade que lhes está associado, ou seja, se falamos do agente do crime terá toda a razão o apelo a critério de proporcionalidade entre a gravidade do crime e a configuração da intervenção do bem apreendido pois que está em causa a prevenção em qualquer uma das suas modalidades. Porém, se o bem pertencer a um terceiro, não tem justificação o apelo a critérios de culpa, ou proporcionalidade, mas unicamente releva a perigosidade evidenciada pelo bem.
XI - Por imposição do princípio da segurança, a jurisprudência tem vindo a desenhar alguns dos critérios que devem presidir à declaração de perda de bens instrumento do crime de tráfico de estupefacientes, nomeadamente quando este pertence ao agente, apelando a critérios de causalidade e proporcionalidade. Assim, para a declaração de perda a favor do Estado, é necessário que o crime não tivesse sido praticado (ou tivesse sido praticado de uma forma diferente, sendo essa diferença penalmente relevante) sem o objecto em causa (instrumento essencial), havendo que distinguir da utilização episódica ou ocasional. É necessário, por outro lado, que o malefício correspondente à perda represente uma medida justa e proporcional à gravidade do crime, ou à gravidade da própria pena (nela se incluindo não só a pena principal, como todas as penas, sanções acessórias e consequências da condenação).» [10]
Assim, face à inicialmente citada posição de consideração do artigo 109º do Código Penal neste tipo de crime, é certo que a perigosidade da coisa veículo automóvel não existe, já que a perigosidade intrínseca de um veículo automóvel não tem a ver com a prática de crimes de tráfico de estupefaciente, mas sim com a sua mobilidade.
Mas prova-se a perigosidade em função dessa natureza de facilitador de mobilidade quando a prática do crime, a forma que assumiu, visava precisamente obter a capacidade de mover o produto através desse meio, constituindo assim o veículo um instrumento essencial da concreta forma de participação do arguido recorrente. Ou seja, demonstra-se a essencialidade da mobilidade no caso dos autos e, dessa forma, preenchido o requisito da causalidade.
Considerando a gravidade inerente à prática do crime em presença e a essencialidade da conduta do arguido através do uso do instrumento, a perda do bem surge como proporcional à gravidade do crime praticado.
Na perspectiva da ponderação de valores é proporcional declarar o perdimento de veículo que se revelou essencial ao cometimento do crime de tráfico de estupefacientes de âmbito nacional.
Assim como é proporcional a declaração de perda de valores e telemóveis.
Aqui importa recordar o provado nos factos 1.7 a 1.9
1.7 O arguido utilizou o veículo na deslocação ao Algarve, ocultando o estupefaciente que transportava na mala do carro;
1.8 E destinava a quantia apreendida no veículo às despesas inerentes com a viagem para transporte de tal produto, e, sendo as demais quantias produto da remuneração do transporte realizado;
1.9 O arguido destinava os telemóveis apreendidos aos contactos necessários com os seus colaboradores, não identificados, para o transporte e armazenamento do haxixe que transportou e veio a ser apreendido;

É por demais evidente que a causalidade e essencialidade daqueles instrumentos – telemóveis e quantias – e produtos (quantias) se revelam de forma incontestável nos ditos factos provados, respeitando-se a proporcionalidade entre a gravidade do ilícito e a perda desses bens.
Razões porque se chamam à colação os considerandos acabados de fazer quanto aos instrumentos do crime e, em consequência, se considera improcedente esta razão de inconformidade com o decidido.
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C - Dispositivo:
Assim, em face do exposto, acordam os Juízes que compõem a Secção Criminal deste Tribunal de Relação de Évora:
1) - Em conceder parcial provimento ao recurso interposto pelo arguido NR e, em consequência:
- Dão-se como não escritos os factos dados como provados em 1.13 e 1.14;
- Absolve-se o arguido da prática de um crime de tráfico de estupefaciente, p. e p. pelo artigo 21º do Dec-Lei nº 15/93, de 22.01.
- Condena-se o arguido NR pela prática de um crime de tráfico de estupefaciente, p. e p. pelo artigo 25º do Dec-Lei nº 15/93, de 22.01 numa pena de 4 (quatro) anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período.
2) - Em conceder parcial provimento ao recurso interposto pelo arguido PE e, em consequência:
- Absolve-se o arguido da prática de um crime de consumo de estupefaciente, p. e p. pelo artigo 40º, nsº 1 e 2 do Dec-Lei nº 15/93, de 22.01.
- Altera-se a pena imposta pela prática de um crime de detenção de arma proibida dos arts. 86º, nº 1, al. d) e 2º, nº 1, al. am) e 3º, nº 2, al. i) da Lei 5/2006 para a pena de 2 (dois) anos de prisão;
- Condena-se o arguido PE na pena única de 7 (sete) anos e 3 (três) meses de prisão,
Notifique. Sem tributação.
(elaborado e revisto pelo relator antes de assinado).
Évora, 15 de Dezembro de 2015
João Gomes de Sousa
António Condesso

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[1] - Sobre o tema e com proveito v. João Conde Correia, “Droga, exame laboratorial às substâncias apreendidas e diagnóstico da toxicodependência e das suas consequências”, in Revista do CEJ, nº 1, 2º semestre de 2004, 77-99, a pags. 85-86.
[2] - Publicado nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, 40°, 559 e ss.; Boletim do Ministério da Justiça, 479º, 204 e ss. e Revista do Ministério Público, n.° 75 – Julho/Setembro de 1998, 173 e ss., com anotação de Eduardo Maia e Costa.
[3] - O acórdão nº 43/02 do Tribunal Constitucional decidiu no mesmo sentido.
[4] - Da abundante jurisprudência sobre esta matéria apenas se refere, por todos, o acórdão do STJ de 21-09-2011, por ser dos mais recentes.
[5] - Ver também, entre outros, os acórdãos de 02-05-2007 (Proc. 07P1024, rel. Cons. Santos Monteiro) e de 19-03-2009 (Proc. 09P0240, rel. Cons. Santos Monteiro).
[6] - Profª. Valdágua, M.C. - In “Autoria mediata em virtude do domínio da organização ou autoria mediata em virtude da subordinação voluntária do executor à decisão do agente mediato?”, in “Liber discipulorum para Jorge de Figueiredo Dias”, Coimbra Editora, Coimbra, 2003, pg. 658, ponto 6.1. Também o Prof. F. Dias, in “Direito Penal – Parte Geral”, pag. 790.
[7] - “I - O fundamento da perda a favor do Estado dos instrumentos que serviram ou estivessem destinados a servir para a prática de um facto ilícito típico, prevista no art. 109.º do CP, não é uma qualquer relação instrumental com o facto, mas a natureza da coisa e as condições de perigosidade que tal natureza revele; a perda constitui, deste modo, uma medida de segurança pelos riscos do instrumento em relação à afectação de determinados valores, ou de prevenção pela especial aptidão («sério risco») para a prática de novos ilícitos. II - Trata-se de uma norma geral, que convive com a existência de outras previsões específicas para determinadas categorias de factos ilícitos típicos ou para bens específicos. III - …. ”.
[8] - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29-02-2012 (Proc. 999/10.9TALRS.S1, rel. Cons. Santos Cabral): «VIII - De acordo com o disposto no art. 35.º do DL 15/93, de 22-01, são declarados perdidos a favor do Estado os objectos que tiverem servido, ou estivessem destinados a servir, para prática de uma infracção prevista no respectivo diploma. Como refere Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário das Leis Penais Extravagantes, Vol II, págs. 530 e ss., a redacção inicial do artigo em causa, seguindo o teor do art. 109.º do CP, exigia, para a declaração de perda a favor do Estado, que os instrumentos ou produtos do crime, pela sua natureza ou circunstâncias do caso, pusessem em perigo a segurança das pessoas ou a ordem pública, ou oferecessem sério risco de vir a ser utilizados para o cometimento de novos crimes. Tal exigência foi suprimida com a alteração introduzida pela Lei 45/96, de 03-09, derrogando a norma geral do art. 109.º do CP, parecendo implicar uma consequência automática prática ou do destino à prática dos objectos declarados perdidos a favor do Estado».
[9] - Redacção do Decreto-lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro: “1 - São declarados perdidos a favor do Estado os objectos que tiverem servido ou estivessem destinados a servir para a prática de uma infracção prevista no presente diploma ou que por esta tiverem sido produzidos, quando, pela sua natureza ou pelas circunstâncias do caso, puserem em perigo a segurança das pessoas ou a ordem pública, ou oferecerem sério risco de ser utilizados para o cometimento de novos factos ilícitos típicos”. Redacção da Lei n.º 45/96, de 03/09: “1 - São declarados perdidos a favor do Estado os objectos que tiverem servido ou estivessem destinados a servir para a prática de uma infracção prevista no presente diploma ou que por esta tiverem sido produzidos”.
[10] - O referido acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29-02-2012 (Proc. 999/10.9TALRS.S1, rel. Cons. Santos Cabral).