Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
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| Relator: | EMÍLIA RAMOS COSTA | ||
| Descritores: | PRESUNÇÕES JUDICIAIS JUÍZO DE PROBABILIDADE IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO ÓNUS DO RECORRENTE DEPOIMENTO INDIRECTO PROCESSO DISCIPLINAR ÓNUS DA PROVA IMPUGNAÇÃO DA REGULARIDADE E LICITUDE DO DESPEDIMENTO | ||
| Data do Acordão: | 04/09/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | CONFIRMADA A DECISÃO RECORRIDA | ||
| Área Temática: | SOCIAL | ||
| Sumário: | Sumário elaborado pela relatora (artigo 663.º, n.º 7, do Código de Processo Civil):
I – Para apreciar da validade das presunções judiciais adotadas pelo juiz da 1.ª instância, tem de se apurar se, em face dos factos conhecidos, as ilações tiradas assentaram num juízo de probabilidade lógica prevalente. II – A presunção judicial de que foi o Autor a furtar material de grandes dimensões possui uma probabilidade lógica prevalente quando assenta no facto de o Autor ter sido visto a entrar e a sair, no primeiro fim-de-semana, com um contentor, do sítio onde o material furtado se encontrava, e a transportar tal contendor para a oficina onde trabalhava, para no segundo fim-de-semana conduzir uma carrinha, que expressamente pediu emprestada, abrir as portas traseiras da mesma e, posteriormente, sair a conduzir a carrinha, não tendo mais ninguém sido visto, no período que mediou esses dois fins-de-semana, a entrar e a sair do armazém com algo que permitisse transportar material de grandes dimensões. | ||
| Decisão Texto Integral: | Proc. n.º 2050/23.0T8STB.E1
Secção Social do Tribunal da Relação de Évora1 ♣ Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora: I – Relatório AA2 (Autor) intentou ação especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, manifestando, por via da apresentação do requerimento a que alude o artigo 98.º - C do Código de Processo do Trabalho, a sua oposição ao despedimento promovido por “Amarsul, S.A.” (Ré). … Em 22-05-2023, foi realizada a audiência de partes, não tendo sido possível resolver o litígio por acordo, pelo que a Ré foi notificada para, no prazo de 15 dias, apresentar articulado a motivar o despedimento, juntar o procedimento disciplinar ou os documentos comprovativos do cumprimento das formalidades exigidas, sob pena de não o fazendo o despedimento ser logo declarado ilícito e ser proferida sentença (art. 98.º-J, n.º 3, do Código de Processo do Trabalho). … Em 22-05-2023, a Ré apresentou articulado motivador, juntando ao mesmo o procedimento disciplinar; tendo o Autor respondido, em 06-06-2023, contestando os factos e peticionado a declaração da ilicitude do despedimento, com a consequente reintegração ou, caso não optasse por esta, o pagamento de uma indemnização. … Dispensada a realização da audiência prévia, foi proferido despacho saneador, onde se identificou o objeto do processo, foi dispensada a enunciação dos temas da prova e foram apreciados os meios de prova. … Realizado o julgamento, foi proferida sentença, em 24-11-2024, com o seguinte teor decisório: Nestes termos, julgo improcedente a presente ação e, em consequência, absolvo a R. dos pedidos formulados pelo A. * Valor da Acção Nos termos do disposto no art. 305º, do CPC, e art. 98º-P, n.º 2, do CPT, cumpre fixar o valor da acção: Dispõe o art. 98º-P, n.º 2, do CPT, que O valor da causa é sempre fixado a final pelo juiz tendo em conta a utilidade económica do pedido, designadamente o valor da indemnização, créditos e salários que tenham sido reconhecidos. Face à improcedência da acção e porque não foram reconhecidos quaisquer direitos ao A., mantenho o valor da acção fixado em sede de despacho saneador em 2.000,00 €, nos termos do disposto no art. 12º, n.º 1, e), do RCP. * Registe e notifique. Dê baixa. … Inconformado com tal despacho, o Autor veio interpor recurso, terminando com as seguintes conclusões: I - O depoimento indirecto de testemunha, tendo por base imagem de video, só pode ser aceite no caso de tal documento poder ser visualizado e ter sido junto como prova. II - Não podem ser considerados, para a tomada de decisão judicial, factos que não constem do processo disciplinar. III - Para uma decisão baseada em presunções, as permissas do raciocínio, devem ser válidas e baseadas em factos validamente dados como provados. IV- Não existindo aceitabilidade no raciocínio que levou à conclusão judicial, não podem ser considerados os factos alegados pela Ré, pelo que o ónus de prova que sobre si recai, não pode considerar-se ter sido cumprido. V- Na falta de prova, deve a Ré ser condenada conforme peticionado. Deve ser, assim, a decisão substituída por outra que condene a Ré conforme peticionado, fazendo-se, assim, a habitual JUSTIÇA! … A Ré apresentou contra-alegações, pugnando pela improcedência do recurso e confirmação da sentença recorrida. … O recurso foi admitido como sendo de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo, tendo subido os presentes autos a este tribunal, onde foi dado cumprimento ao preceituado no n.º 3 do art. 87.º do Código de Processo do Trabalho, pugnando a Exma. Sra. Procuradora-Geral Adjunta no seu parecer pela improcedência do recurso. O Autor, em resposta, pugnou pela procedência do recurso. Tendo sido mantido o recurso nos seus precisos termos, foram colhidos os vistos, cumprindo agora apreciar e decidir. ♣ II – Objeto do Recurso Nos termos dos arts. 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, aplicáveis por remissão do artigo 87.º, n.º 1, do Código de Processo de Trabalho, o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões do recorrente, ressalvada a matéria de conhecimento oficioso (art. 662.º, n.º 2, do Código de Processo Civil). No caso em apreço, as questões que importa decidir são: 1) Invalidade do depoimento indireto da testemunha; 2) Impossibilidade de serem considerados factos na decisão judicial que não constam do processo disciplinar; e 3) Incumprimento do ónus da prova por parte da Ré. ♣ III – Matéria de Facto O tribunal da 1.ª instância deu como provados os seguintes factos: 1. Em 13 de Julho de 2022 a R. deliberou proceder à abertura de um processo prévio de inquérito, entre outros, ao A., com vista ao apuramento dos factos ocorridos no período de 25 de Junho a 2 de Julho de 2022, envolvendo, entre outros, o A. 2. O referido processo prévio de inquérito foi convolado em processo disciplinar, o qual foi aberto em 25 de Novembro de 2022, tendo culminado com a aplicação ao A. da sanção de despedimento com justa causa. 3. O A. foi contratado pela Ré em 30 de Janeiro de 2004, para exercer as funções de serralheiro. 4. No dia 25 de Junho de 2022, pelas 06:55:43 horas, o A. retirou dos contentores que existem junto do TM um objecto comprido, branco, que colocou no porta bagagens da sua viatura às 06.56.36 horas, a qual se encontrava estacionada no espaço de estacionamento existente próximo da oficina, ao lado do contentor. 5. No dia 25 de Junho de 2022, pelas 10:39:35 horas, o A. foi verificar a porta do armazém contíguo ao TM, tendo-se afastado da mesma às 10:39:43 horas. 6. No dia 25 de Junho de 2022, pelas 10:47:24 horas, o ex-trabalhador da R., BB, entrou no armazém contíguo ao TM. 7. No dia 25 de Junho de 2022, às 12:01:03 horas, o referido ex-trabalhador BB levou consigo o carrinho de rodas que se encontrava em frente ao TM, dirigindo-se com o mesmo para o armazém contíguo ao TM. 8. No dia 25 de Junho de 2022, pelas 12:02:38 horas, o A. e o ex-trabalhador da R. BB entraram no armazém contíguo ao TM, levando consigo o carrinho a que se alude no artigo anterior. 9. No dia 25 de Junho de 2022, pelas 12:05:55 horas, o A. e o ex-trabalhador da R. BB saíram do referido armazém, levando consigo o mesmo carrinho com rodas contendo os rolos de cabo de cobre da propriedade da R. que se encontravam no interior do armazém, ali tendo deixado apenas os cabos, tendo colocado a cobrir o interior do referido carrinho de rodas um cartão, por forma a não ser visível o que no interior do mesmo tinham colocado. 10. No dia 25 de Junho de 2022, pelas 12:13:42 horas, o A. encontrava-se junto ao porta bagagens da sua viatura, encontrando-se a porta do mesmo aberta. 11. As entradas no armazém a que se referem os artigos anteriores, realizadas pelo A. e pelo ex-trabalhador da R. BB, não foram precedidas de autorização para o efeito, nem eram necessárias para o desempenho, por cada um deles, das actividades que lhes foram atribuídas no dia em causa. 12. O chefe de equipa CC programou para o dia 25 de Junho a reparação do equipamento designado por “abre sacos”, reparação esta a ser realizada pelo A., tendo designado para auxiliar o mesmo o trabalhador da R. DD e o ex-trabalhador da R. BB, que prestaram actividade no referido dia em turnos de trabalho sucessivos. 13. No dia 26 de Junho de 2022, cerca das 14:00 horas, o trabalhador da R. EE verificou que tinham desaparecido do referido armazém os rolos de cobre. 14. No dia 29 ou 30 de Junho de 2022 o A. pediu ao trabalhador da R. FF que lhe emprestasse o seu veículo, uma carrinha branca de matrícula ..-..-OE, tendo-lhe referido que necessitava da mesma para ir a Lisboa buscar uma coisas no domingo seguinte. 15. O A. abordou uma segunda vez o então colega de trabalho FF tendo-lhe perguntado se trabalhava no sábado, dia 2 de Julho de 2022, tendo o mesmo afirmado que sim e, acto contínuo, o A. pediu ao então colega FF para trocarem de carro no sábado, tendo referido que dessa forma evitava ter que se deslocar à residência do então colega para ir buscar a viatura. 16. O trabalhador da R. FF, no dia 2 de Julho de 2022, pelas 14:40/14:45 horas, procedeu à troca de chaves e documentos das respectivas viaturas, com o A. 17. No dia 2 de Julho de 2022, pelas 15:30:32 horas, o A., utilizando a viatura da propriedade do trabalhador da R. FF, uma carrinha de cor branca que tem na frente uma ferradura, com a matrícula ..-..-OE, retirou da oficina onde havia escondido o cobre que retirara do armazém, em conjunto com o ex-trabalhador da R. BB, saindo das instalações da Ré ao volante do referido veículo. 18. No dia 2 de Julho de 2022 o ex-trabalhador da R. BB circulou dentro das instalações do Ecoparque com a sua viatura de marca Ford, modelo S Max, de cor azul, tendo estacionado a mesma junto à porta do CDR, ali tendo permanecido com o mesmo de portas abertas. 19. No dia 4 de Julho de 2022 o A. chegou às instalações da empresa conduzindo a viatura a que se alude sob o art.º 17º antecedente. 20. No dia 4 de Julho de 2022, cerca das 22:00 horas, a mesma viatura saiu das instalações da empresa conduzida pelo respectivo proprietário, o trabalhador da R. FF. 21. No dia 25 de Junho de 2022 o A. registou a sua entrada nas instalações da empresa às 06.27 horas e a saída às 16.05 horas. 22. No dia 2 de Julho de 2022 o A. registou a sua entrada nas instalações da empresa às 06.31 horas e a saída às 16.03 horas. 23. No dia 25 de Junho de 2022 o ex-trabalhador da R. BB registou a sua entrada nas instalações da empresa às 08.54 horas e a saída às 17.15 horas. 24. No dia 2 de Julho de 2022 o ex-trabalhador da R. BB registou a sua entrada nas instalações da empresa às 03.54 horas e a saída às 16.18 horas. 25. O A. é filiado no Site Sul - Sindicato dos Trabalhadores das Indústrias Transformadoras, Energia e Actividades do Ambiente do Sul. 26. O A, ultimamente auferia as seguintes retribuições: - Remuneração base - 1.368,00€ - Subsídio de refeição diário - 6,40€ - Subsídio de transporte diário - 5,40€ ♣ IV – Enquadramento jurídico Conforme supra mencionámos, o que importa analisar no presente recurso são as questões supra elencadas. Questão Prévia Nas alegações recursivas, o recorrente fez consignar que colocava em causa os factos 4, 5, 8, 9 e 17. Acontece, porém, que nas conclusões recursivas não fez qualquer menção à pretensão de impugnar quaisquer factos, nem fez qualquer indicação a estes factos, quer através dos seus números, quer através dos seus conteúdos. Dispõe o art. 640.º do Código de Processo Civil que: 1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. 2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte: a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes; b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes. 3 - O disposto nos n.os 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º. Relativamente à interpretação das obrigações que impendem sobre o apelante, nos termos do n.º 1 do art. 640.º do Código de Processo Civil, cita-se, entre muitos, o acórdão do STJ, proferido em 03-03-2016:3 I – No recurso de apelação em que seja impugnada a decisão da matéria de facto é exigido ao Recorrente que concretize os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, especifique os concretos meios probatórios que imponham uma decisão diversa, relativamente a esses factos, e enuncie a decisão alternativa que propõe. II – Servindo as conclusões para delimitar o objecto do recurso, devem nelas ser identificados com precisão os pontos de facto que são objecto de impugnação; quanto aos demais requisitos, basta que constem de forma explícita na motivação do recurso. III – O ónus a cargo do Recorrente consagrado no art. 640º, do Novo CPC, não pode ser exponenciado a um nível tal que praticamente determine a reprodução, ainda que sintética, nas conclusões do recurso, de tudo quanto a esse respeito já tenha sido alegado. IV – Nem o cumprimento desse ónus pode redundar na adopção de entendimentos formais do processo por parte dos Tribunais da Relação, e que, na prática, se traduzem na recusa de reapreciação da matéria de facto, máxime da audição dos depoimentos prestados em audiência, coarctando à parte Recorrente o direito de ver apreciada e, quiçá, modificada a decisão da matéria de facto, com a eventual alteração da subsunção jurídica. É, assim, manifesto o total incumprimento, no âmbito das conclusões recursivas, do disposto no art. 640.º, n.º 1, al. a), do Código de Processo Civil, não só porque nelas não fez constar a sua intenção de impugnar a matéria de facto, como não identificou quaisquer pontos de facto (nem genericamente, quanto mais com precisão) que fossem objeto da impugnação que não peticionou. Na realidade, não tendo sido pedido, em sede de conclusões, qualquer impugnação fáctica, este tribunal encontra-se impedido de se pronunciar sobre tal questão, não deixando, porém, de a referir, em face do que consta das alegações. 1 – Invalidade do depoimento indireto da testemunha Considera o recorrente que o tribunal a quo não podia fundamentar os factos que deu como provados, e que não identifica, no depoimento da testemunha GG, uma vez que os conhecimentos transmitidos pela mesma resultaram da visualização das imagens de videovigilância, imagens essas que nunca foram juntas aos autos. A questão de apurar se é possível valorar um depoimento baseado em imagens de videovigilância que não constam dos autos possui relevância jurídica, pelo que o iremos apreciar. No caso em apreço, apesar de não constar o vídeo que gravou as imagens e que a referida testemunha visualizou, constam as fotografias retiradas desse vídeo. O que acontece é que tais fotografias não possuem a mesma nitidez que o próprio vídeo, porém, não é correto considerar-se, neste caso em concreto, que o teor do vídeo, ou seja, as suas imagens, não foi junto como meio de prova. De qualquer modo, o depoimento da testemunha GG foi apenas um dos depoimentos em que assentou a convicção do juiz da 1.ª instância, visto que, de igual modo, tal convicção assentou, conforme resulta da fundamentação da matéria de facto, no depoimento das testemunhas HH e II, que viram o Autor no local dos factos, e no depoimento da testemunha FF, que emprestou a carrinha ao Autor, carrinha essa que a testemunha II viu a ser conduzida pelo Autor no local dos factos e para onde foram colocados os materiais furtados. Nesta conformidade, no caso em apreço, é de valorar o depoimento da testemunha GG, o qual, de qualquer modo, foi apenas um dos que permitiu fundamentar a convicção do juiz da 1.ª instância. 2 – Impossibilidade de serem considerados factos na decisão judicial que não constam do processo disciplinar Sobre esta questão, o recorrente refere-se a um tubo de escape que teria sido referenciado em sede de audiência de julgamento, sem que tivesse constado do procedimento disciplinar. Ora, não consta, nem da matéria dada como provada, nem da fundamentação da matéria de facto, qualquer menção a um tubo de escape, pelo que não nos é possível sindicar a referência efetuada pelo recorrente, sendo que não constando do procedimento disciplinar qualquer referência a um tubo de escape e, de igual modo, inexistindo qualquer menção a um tubo de escape na sentença recorrida, não se vislumbra qual possa ser o vício que o recorrente pretende imputar à sentença. Nesta conformidade, também nesta parte, improcede a pretensão do recorrente. 3 – Incumprimento do ónus da prova por parte da Ré Entende o recorrente que a Ré incumpriu o ónus da prova, pois a imputação do furto de rolos de cabo de cobre ao Autor resulta de presunções que não assentam num indício certo e provado. Dispõe o art. 349.º do Código Civil que: Presunções são as ilações que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido. Como bem refere o acórdão do STJ, proferido em 17-01-2023, no âmbito do processo n.º 286/09.5TBSTS.P1.S1,4 não sendo possível apreciar a matéria de facto no Supremo Tribunal de Justiça (tal como no presente caso, devido à inexistência de impugnação fáctica em sede de conclusões), ainda assim é possível “sindicar se o uso de presunções judiciais ofende qualquer norma legal de proibição de presunções, se padece de manifesta ilogicidade ou se parte (base da presunção) de factos não provados”. Refere ainda tal acórdão que as “presunções judiciais, também designadas materiais, de facto ou de experiência (art. 349.º do CC), não são, em rigor, verdadeiros meios de prova, mas antes “meios lógicos ou mentais ou operações firmadas nas regras da experiência”, ou, noutra formulação, “operação de elaboração das provas alcançadas por outros meios”, reconduzindo-se, assim, a simples “prova da primeira aparência”, baseada em juízos de probabilidade”, pelo que, continua, para “aferir da manifesta ilogicidade do juízo inferencial, deve partir-se, no plano metodológico, da teoria da “corroboração das hipóteses relevantes”, e da “probabilidade lógica prevalecente”. Assim, para apreciar da validade das presunções judiciais adotadas pelo juiz da 1.ª instância, importa apreciar se, em face dos factos conhecidos, as ilações tiradas assentaram num juízo de probabilidade lógica prevalente. Citamos, por isso, a fundamentação da matéria de facto constante da sentença recorrida: No que se refere aos factos em que a R. assenta a decisão disciplinar – factos provados 4) a 25) – tivemos em consideração, antes demais, os fotogramas retirados das câmaras de videovigilância do espaço da R. Nessas imagens constam a menção aos dias e horas da sua captura. No que se refere aos factos ocorridos a 25/06/2022, referentes à retirada de material do depósito/contentor e subsequente transporte até ao veículo estacionado, as imagens não deixam qualquer dúvida quanto à comissão dos factos pelo A. É certo que se poderia dizer que não se consegue perceber pelos fotogramas que é o A. Porém, aqueles são fotogramas de um filme que foi filmado pelas câmaras de vigilância e que foi visionado, depois, pelas testemunhas GG e II. GG visionou as imagens, e conhece o A. por ser trabalhador da empresa, pelo que não teve qualquer dúvida na sua identificação. Ora, nessas imagens é bastante clara a recolha de material e subsequente transporte para o veículo que ali é visto, onde o A. abre a porta da bagageira para introduzir no seu interior aquele material. II era vigilante na R., pelo que também conhece o A. e consegue identificá-lo nas imagens da câmara, filmadas pelo sistema de vigiância. Na medida em que através daquelas imagens se identifica o A. e o mencionado ex-trabalhador da R. (JJ, que também estava escalado ara aquele dia), que com ele se encontrava, com segurança podemos colocar o A. no espaço em que ocorreram os furtos de material, no dia e hora que ali aparecem registados. Quanto à subtracção dos cabos de cobre que se encontravam no armazém, a prova deve assentar no que é perceptível nas imagens, mas também na sua articulação com um conjunto de elementos circunstanciais que se nos afiguram aptos a comprovar a alegação da R. De facto, conforme se vê das imagens, o A. e o seu comparsa ali são vistos a circular pelo recinto da R. levando um contentor com eles até ao dito armazém, onde aqueles cabos estavam depositados. Veja-se que KK era o responsável pelo armazém onde se encontravam aqueles cabos, e que tinha diligenciado pela arrumação imediatamente antes do início do fim-de-semana em apreço. A testemunha confirmou o que ali se encontrava depositado, conforme se pode ver das fotografias juntas pela R. Podemos ver o A. e outro indivíduo a entrar naquele armazém, Face àquelas que eram as funções do A., e tarefas escaladas, ele não tinha que ali estar ou penetrar. Não tinha justificação para o fazer (quer ele quer o seu colega), e, nomeadamente, não tinha razão para levar até ali aquele caixote que, depois de saírem do referido armazém, transportam consigo até ao local onde o A. e JJ realizavam a sua actividade (a oficina). HH, que trabalhava nas imediações, viu o aqui A. ali, a entrar naquele armazém e, mais tarde, a afastar-se. Porque estranhou a sua presença ali, contactou com KK. Na sequência desse contacto, KK ficou de sobreaviso, pois sabia que não era suposto ali estarem aquelas pessoas estranhas ao seu serviço. No dia seguinte, apercebeu-se do que tinha sido retirado do armazém. Note-se que aquele rolo de cabos de cobre era uma coisa volumosa e pesada, pelo que a sua remoção seria sempre notada, mesmo que às escondidas, como no saco em análise. Era uma coisa que para ser removida e transportada, sem dar nas vistas, carecia de algo como aquele caixote com rodas transportado pelo A. Ou seja, aquele caixote servia uma função de transporte, mas também de ocultação do que era transportado no seu interior, quer para quem se cruzasse com o A., quer para quem olhasse através das câmaras. De facto, olhando para o A. e seu colega a circularem pelo espaço da R. levando aquele contentor de rodas não é perceptível o que nele se encontra. Conforme referido por KK e GG, durante aquele período entre o dia em que KK arrumou aquele material no armazém e aquele dia em que o A. é visto naquele local com aquele carrinho, naquela ida e vinda, não foram percepcionados quaisquer actos (e seus agentes) que pudessem revelar alguém transportando um “volume” compatível com o transporte/remoção daquele material do interior daquele armazém, ou utilizando um contentor semelhante onde as cisas desaparecidas pudessem ter sido levadas. De igual modo, e conforme nota GG, durante aquela semana, também não se verificaram nas imagens do sistema de videovigilância que o A. ou outra pessoa tivessem retirado o que transportaram do dito armazém para o lugar onde o A. presta a sua actvidade, evidenciando que, durante essa semana o que para ali foi transportado ali ficou guardado até que, no fim-de-semana seguinte, o A., depois de conseguir um veículo adequado ao transporte de um volume daquelas dimensões e peso, diligenciou pela sua remoção. E é esse acto que foi captado e que surge, agora, nos fotogramas juntos pela R., referentes ao dia 02/07/2022, em que é possível ver junto à oficina onde o A. presta a sua actividade uma carrinha branca com as portas traseiras abertas. Esta carrinha pertence a FF, a quem o A. tinha pedido emprestada, para algo que precisava fazer no fim-de-semana, conforme nos relatou esta testemunha. A testemunha confirmou esse empréstimo e reconheceu aquele veículo como sendo o seu veículo emprestado ao A. Aquele veículo não podia estar naquele local, e o A., enquanto trabalhador, não tinha necessidade ou autorização para a conduzir até ali. O vigilante e GG descreveram-nos as regras da empresa quanto aos locais de estacionamento dos veículos dos trabalhadores. A testemunha II, porque estranhou aquele veículo ali parado com as portas abertas, depois de visionar a sua presença junto à oficina onde o A. prstava a sua actividade, através de sistema de vídeo vigilância, saiu do seu posto de vigia e deslocou-se até àquele local. Quando estava a chegar, o dito veículo cruzou-se consigo, em sentido contrário ao por si percorrido. Porque ficou de frente para ele, pôde ver o seu condutor, sem qualquer dificuldade ou obstáculo, pelo que conseguiu identificar o A. como pessoa que conduzia aquele veículo. Mais tarde, visionados os filmes, conforme nos descreveu GG, foi possível ver o A. a transportar um volume para dentro daquela carrinha. Ora, considerando que: - não havia motivo ou razão para que o A. levasse aquela carrinha até àquele local – violando as regras internas da R., quanto à circulação de veículos no interior do recinto; - o A. não realizava qualquer actividade que determinasse ou autorizasse que o mesmo removesse algo do interior daquela oficina e o levasse para fora das instalações da R., julgamos que fica demonstrado que, relacionando aqueles dois momentos, em que o A. foi visto em lugares onde não devia estar, fazendo o transporte de algo que não tinha razão para transportar, introduzindo, no primeiro dia (25/06/2022), materiais que retirou do contentor no porta bagens do seu carro, levando-o consigo; e “algo” que retirou de um armazém onde não devia estar ou penetrar (pois a sua actividade profissional e posto de trabalho não levavam a que o fizesse), foi o A. também um dos autores daquela subtracção. O desaparecimento daquele rolo de cabos cobre – que tinham acabado de ser arrumados, mas que, depois daquela sua “entrada” indevida, deixaram de estar ali -, cotejado com o facto de o A. ali ser visto e visionado a transportar um caixote de rodas desde esse local (para onde é visto, em momento anterior a fazer o transporte até aí) até à oficina onde trabalha e de onde sai, nesse dia, sem levar nada consigo, corroboram aquela nossa conclusão. Veja-se que não é vista qualquer outra pessoa a executar actos semelhantes que pudessem ocultar o transporte de algo pesado, mesmo que escondido, durante essa semana; o A. pede a um colega que lhe empreste uma carrinha para usar no fim-de-semana; no fim-de-semana (dia 02/07/2022), o A. é visto e filmado, junto à sua oficina, com aquela carrinha (que ali não podia estar) com a mala traseira aberta e a colocar no seu interior algo que, depois, é transportado por si, para fora das instalações da R.; o A. não tinha motivo ou autorização para ali levar a carrinha ou retirar o que quer que fosse do interior da oficina e transportar para fora das instalações da R.; os cabos desaparecidos nunca foram encontrados nas instalações da R. Tudo visto, estamos em crer que todos estes elementos permitem concluir que foi o A., juntamente com o dito ex-trabalhador da R. (JJ) quem retirou do interior do armazém aquele rolo de cabos de cobre, e que, depois de o esconder na oficina onde presta a sua actividade, até encontrar um meio de transporte daqueles cabos para fora das instalações da R., no fim-de-semana seguinte, aproveitando a pouca actividade da R. e poucas pessoas ali presentes, já na posse de um veículo que havia conseguido, carregou aqueles cabos e levou-os para fora das instalações da R. Por isso a provado dos factos em apreço. Na realidade, concordamos inteiramente com a presente fundamentação, que subscrevemos. Atente-se que, para além da identificação que foi feita do Autor, através das imagens de videovigilância, como sendo a pessoa que foi vista a circular pelo recinto da Ré, com um outro indivíduo (o colega JJ, que trabalhava no mesmo local que o Autor), levando um contentor até ao dito armazém, onde os rolos de cabo de cobre furtados estavam depositados (e que tinham sido ali arrumados exatamente antes do início do fim-de-semana em que o furto ocorreu) e aí entraram e depois saíram, transportando tal contentor consigo até ao local onde o Autor e JJ realizavam a sua atividade (na oficina), o Autor foi, igualmente, visto, nesse dia, pela testemunha HH, que trabalhava nas imediações, a entrar naquele armazém e, mais tarde, a afastar-se, tendo informado KK dessa presença. Por sua vez, no fim-de-semana seguinte, o Autor, depois de conseguir um veículo adequado ao transporte de um volume daquelas dimensões e peso, diligenciou pela sua remoção, ato esse que foi igualmente capturado pelas câmaras de videovigilância, onde é possível ver, junto à oficina onde o Autor prestava a sua atividade, uma carrinha branca com as portas traseiras abertas, pertencendo essa carrinha à testemunha FF, que a tinha emprestado ao Autor (conforme confirmou em julgamento), porque dela precisava nesse fim-de-semana, sendo que a testemunha II viu o referido veículo a cruzar-se consigo, encontrando-se o mesmo a ser conduzido pelo Autor, não tendo igualmente, no período desses dois fins-de-semana sido visto mais ninguém a entrar e sair do referido armazém com algo que permitisse retirar os referido rolos de cabo de cobre, dada a grande dimensão dos mesmos. Assim, dos factos certos e provados, concretamente que o Autor entrou no primeiro fim-de-semana no referido armazém transportando um contentor, tendo saído do armazém com o contendor que transportou até à oficina onde trabalhava e que no fim-de-semana seguinte estacionou uma carrinha, que pediu emprestada especificamente para aquele fim-de-semana, abrindo as portas traseiras junto a essa oficina, tendo, posteriormente, saído a conduzir tal carrinha, tendo ainda a seguir ao primeiro fim-de-semana desaparecido rolos de cabo de cobre que aí tinham acabado de ser guardado em momento imediatamente anterior a esse fim-de-semana, existe uma probabilidade lógica prevalente (diríamos até intensamente prevalente) de que foi o Autor quem procedeu ao furto dos rolos de cabo de cobre. Pelo exposto, não corresponde à verdade que a imputação ao Autor do furto dos rolos de cabo de cobre tenha resultado de presunções que não assentam num indício certo e provado, pelo que, também nesta parte, a pretensão do recorrente terá de improceder. … ♣ V – Decisão Pelo exposto, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em julgar o recurso improcedente, mantendo-se a sentença recorrida. Não se comina em custas, visto o Autor delas estar isento (art. 4.º, n.º 1, al. h), do Regulamento das Custas Processuais). Notifique. ♣ Évora, 9 de abril de 2025 Emília Ramos Costa (relatora) Mário Branco Coelho Paula do Paço
__________________________________________ 1. Relatora: Emília Ramos Costa; 1.º Adjunto: Mário Branco Coelho; 2.ª Adjunta: Paula do Paço.↩︎ 2. Doravante AA.↩︎ 3. No âmbito do processo n.º 861/13.3TTVIS.C1.S1, consultável em www.dgsi.pt.↩︎ 4. Consultável em www.dgsi.pt.↩︎ |