Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1115/17.1T9STR.E1
Relator: FÁTIMA BERNARDES
Descritores: FURTO
TENTATIVA
DESISTÊNCIA
Data do Acordão: 04/11/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO
Sumário:
I – Não tendo sido produzida qualquer prova que suporte a ilação/conclusão, que foi por razões alheias à vontade dos arguidos que abandonaram o estabelecimento sem que nada levassem consigo, tem de admitir-se a hipótese, até por aplicação do princípio in dúbio pro reo, de ter havido desistência espontânea ou voluntária, por parte daqueles, em termos de terem tomado a decisão de não prosseguir com a execução do crime, numa opção, livre, que não se ficou a dever a fatores externos à sua vontade.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, na Secção Criminal, do Tribunal da Relação de Évora:

1 - RELATÓRIO
Neste processo comum, com intervenção do Tribunal Singular, n.º 1115/17.1T9STR, do Tribunal Judicial da Comarca de Santarém – Juízo Local Criminal de Santarém, J2, foram submetidos a julgamento os arguidos RA e RB, melhor identificados nos autos, acusados da prática, em coautoria, de um crime de furto qualificado, na forma tentada, p. e p. pelos artigos 22º, 23º e 73º, 203º, n.ºs 1 e 2 e 204º, n.º 2, al. e), este com referência ao artigo 202º, al. e), todos do Código Penal.

Realizado o julgamento, foi proferida sentença, em 12/07/2018, depositada nessa mesma data, com o seguinte dispositivo:

«(…), o Tribunal julga a acusação deduzida pelo Ministério Público procedente, por provada e, consequentemente, decide:

Condenar cada um dos arguidos RB e RA como co-autores materiais de:
- Um crime de furto qualificado, na forma tentada, p. e p. nos artigos 203.º n.º 1, 204.º, n.º 2, al. e), este referido ao artigo 202.º, alínea e), 22.º, 23.º e 73.º todos do CPenal, cada um, na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão;

Condenar os arguidos RB e RA nas custas, fixando-se a taxa de justiça em 2 UC´s para cada um dos arguidos.
(…).»
Inconformado com o assim decidido, recorreu o arguido RA para este Tribunal da Relação, extraindo da motivação de recurso apresentada as conclusões que seguidamente se transcrevem:

1º - No presente recurso o Recorrente impugna a matéria de facto dada como provada pelo Tribunal "a quo", quantos aos factos provados indicados de 1. a 7., reportando-se para o efeito aos respetivos suportes magnéticos a partir dos quais efetuou as transcrições que entendeu mais pertinentes para o teor do mesmo e ainda o teor da douta sentença de que se recorre.

2º- Entende o Recorrente que a matéria que o Tribunal "a quo" deu como provada na decisão recorrida e os fundamentos que para tanto invocou não são, de todo, suficientes e fortes, para se decidir como se decidiu, pela condenação do arguido "tout court".

3º- A douta sentença sobre esses pontos essenciais da matéria de facto apurada não procedeu como o deveria ter feito ou fê-lo de forma deficiente.

4º - Não se fez prova, muito menos direta, dos factos que se imputavam ao arguido, com relevância criminal, socorrendo-se o Tribunal de provas meramente indiciárias.

5º - Por outro lado, aquilo que as testemunhas da acusação declararam em sede de audiência de julgamento, não podia levar às conclusões retiradas no conteúdo da douta sentença de que se recorre e com interesse para a decisão da causa, não foi, sequer valorado como o deveria pelo Tribunal. Tendo sido inclusivamente valorado de forma deficiente a prova documental ou pericial.

6º - Na douta sentença ora recorrida optou-se por acolher, sem mais e comodamente, a versão da acusação, aceite integralmente nos seus precisos termos.

7º - Não se fez prova bastante em audiência de julgamento, dos factos imputados ao arguido, conducentes à prática do crime de que vinha acusado, na forma tentada, conforme decorre com clareza, desde logo, de algumas transcrições efetuadas nesta sede e depoimentos registados em suportes magnéticos, aqui dados por reproduzidos.

8º - Em suma, nenhuma das duas testemunhas viu os arguidos, nem existe ninguém que tivesse reconhecido os “assaltantes”, porque nem sequer estavam no local; não existiu flagrante delito ou perseguição dos “assaltantes”; o arguido apenas foi identificado como tal e surgiu neste processo, porque foram recolhidas impressões digitais e palmares – identificações lofocóspicas -, a saber respetivamente no LCD e na janela do dito estabelecimento/bar, de arguidos distintos e em lugares de fácil acesso a qualquer pessoa.

9º - O princípio probatório “in dubio pro reo", a bem das garantias de defesa do arguido constitucionalmente consagradas, deveria ter sido acionado, na hipótese de, não colhendo a tese da acusação, por falta de prova.

10º - Porém e porque não foi isso que aconteceu, a douta sentença encontra-se inquinada pelo vício do artigo 410º, nº 2, alínea a) do Código de Processo Penal – uma clara insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, porque se nos afigura que resulta do texto da douta sentença que tal condenação nunca poderia ter sido decidida (com remissão para a prova ali referida e os fundamentos ali vertidos).

11º - Sobrevém, igualmente, como atrás se especificou, um erro notório na apreciação da prova e contradição entre a fundamentação e a decisão, com referência, respetivamente, ao artigo 410º, n° 2, alíneas c) e b) do Código de Processo Penal.

12º - Deveria, pois, a douta decisão recorrida que condenou o arguido pela prática de um crime de furto qualificado na forma tentada, ter proferido decisão de absolvição, porque não preenche todos os elementos da tentativa do tipo de ilícito, por que o arguido foi condenado, violando pois o disposto na alínea b), do n.° 3, do artigo 412° do Código de Processo Penal.

13º - Inexiste pois o crime de furto qualificado na forma tentada, pelo que ao decidir como decidiu o Tribunal a quo violou o disposto nos artigos 203º, n.ºs 1 e 2, 204.º, n.º 2, alínea e), este referido ao artigo 202º, alínea e) e 22º, 23º e 73º todos do Código Penal.

14º - Caso não seja considerada procedente a absolvição do arguido, tendo em conta a matéria de facto que não consideramos provada e por mera cautela processual, sem nunca condescender, sempre se dirá que o arguido não concorda de todo com a qualificação jurídica do crime em apreço, na forma de tentativa, tendo em conta a falta de prova produzida em audiência de discussão e julgamento, já que não estão preenchidos todos os elementos essenciais à punição enquanto tentativa.

15º - Em momento algum esta douta sentença, na fundamentação jurídica, concretiza no caso dos presentes autos, porque entendeu que o arguido, por razões concretamente não apuradas, mas alheias à respetiva vontade, abandonou o local, nada levando. Mas tal fundamentação competia ao Tribunal, para perceber o que esteve na base deste “facto”.

16º - Iniciada a execução de um crime, pode ser interrompida por duas razões: pela própria vontade do agente ou por circunstâncias estranhas à sua vontade. Na primeira hipótese pode haver arrependimento ou desistência voluntária, na segunda está configurada a tentativa. O agente que inicia a realização de uma conduta típica pode, voluntariamente, interromper a sua execução (desistência voluntária) ou impedir que o resultado se produza (arrependimento eficaz). Mas em nenhuma dessas hipóteses impeditivas, a não ocorrência do resultado deve-se a circunstância alheia à vontade do agente, configurando tentativa abandonada, a qual não é punível.

17º - Para que se tipifique a tentativa como punível, é necessário que a circunstância impeditiva do resultado pretendido seja “alheia à vontade do agente”.

18º - Quando o agente não consegue praticar todos os atos necessários à consumação, por interferência externa, diz-se que há tentativa propriamente dita, porque o processo executório é interrompido por circunstâncias estranhas à vontade do agente, como por exemplo quando é surpreendido pelas autoridades, que encetam uma perseguição.

19º - O que se impunha ao Tribunal a quo era subsumir o comportamento concreto do arguido à definição de tentativa, porque a Lei assim o exige, para se perceber que o enquadramento jurídico tem aplicação num ou noutro comportamento que o arguido pudesse ter adotado.

20º – Existiu, na realidade, a falta de fundamentação fática essencial para poder afastar a tentativa, e absolver o arguido RA, existindo consequentemente a verificação dos pressupostos do artigo 410º, n.º 2, alíneas a) e c) do Código de Processo Penal.

Assim decidindo, será feita a acostumada JUSTIÇA!

O recurso foi regularmente admitido.

O Ministério Público, junto da 1ª Instância, apresentou resposta ao recurso, nos termos constantes de fls. 198 a 201, pugnando pela improcedência do recurso e consequente manutenção da sentença recorrida, defendendo que a valoração da prova a que o Tribunal a quo procedeu se mostra acertada, não havendo fundamento para que se fizesse funcionar o princípio in dúbio pro reo e que a aplicação do direito se mostra correta, não merecendo qualquer censura a sentença recorrida.

Neste Tribunal, a Exm.ª Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer, a fls. 210, no sentido da improcedência do recurso, aderindo à posição defendida pelo Ministério Público junto da 1ª Instância, na resposta que este ofereceu.

Foi cumprido o disposto no art.º 417.º, n.º 2, do Cód. Proc. Penal, sem resposta do recorrente.

Efetuado exame preliminar e colhidos os vistos, vieram os autos à conferência, cumprindo agora apreciar e decidir.

2 – FUNDAMENTAÇÃO
2.1. Delimitação do objeto do recurso
Em matéria de recursos, que ora nos ocupa, importa ter presente as seguintes linhas gerais:

O Tribunal da Relação tem poderes de cognição de facto e de direito – cf. artigo 428º do C.P.P.

As conclusões da motivação do recurso balizam ou delimitam o respetivo objeto – cf. artigo 412º, n.º 1, do C.P.P.

Tal não preclude o conhecimento, também oficioso, dos vícios enumerados nas alíneas a), b) e c), do nº. 2 do artigo 410º do C.P.P., mas tão somente quando os mesmos resultem do texto da decisão recorrida por si só ou em sua conjugação com as regras da experiência comum (cf. Ac. do STJ nº. 7/95 – in DR I-Série, de 28/12/1995, ainda hoje atual), bem como das nulidades principais, como tal tipificadas por lei.

Tendo presentes as considerações que se deixam enunciadas e atentas as conclusões extraídas pelo recorrente da motivação de recurso apresentada, são as seguintes as questões suscitadas:

- Insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;
- Contradição entre a decisão e a fundamentação;
- Erro notório na apreciação da prova;
- Impugnação da matéria de facto dada como provada, nos pontos 1 a 7, no que respeita ao arguido/recorrente;
- Violação do princípio in dúbio pro reo;
- Erro de subsunção jurídica.
*
Para que possamos apreciar as questões suscitadas, importa ter o teor da sentença recorrida, que se passa a transcrever, nos segmentos que, para o efeito, relevam:

2.2. Sentença recorrida
«(…)
FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Realizada audiência de julgamento, o tribunal decide julgar os seguintes:

Factos provados:
1. Em data concretamente não apurada, mas certamente situada antes do dia 12 de Junho de 2017, os arguidos combinaram introduzir-se no estabelecimento comercial "Bar Moinho de Fau", sito na Rua Moinho de Fau, nesta cidade, e dali retirar dinheiro e os bens que encontrassem convertíveis em dinheiro.

2. Em execução de tal acerto, no dia 12 de Junho de 2017, a hora concretamente não apurada, mas situada entre as 4 e as 15 horas, RA e RB subiram ao telhado do dito estabelecimento comercial, localizado a três metros do chão, e destruíram a fechadura de uma janela ali existente, que abriram, assim se introduzindo no espaço de bar.

3. Uma vez no seu interior, os arguidos puxaram um televisor LCD, marca LG, que se encontrava afixado à parede, através de um suporte, visando arrancá-lo e levá-lo consigo.

4. A certa altura, por razões concretamente não apuradas, mas alheias à respectiva vontade, os arguidos abandonaram o local, nada levando.

5. Os arguidos agiram livre, voluntária e conscientemente, em comunhão de esforços e intenções e bem sabendo que os bens existentes no estabelecimento comercial e, nomeadamente, o televisor LCD, no valor jurado de € 300 lhes não pertencia.

6. Queriam fazê-lo coisa sua, contra a vontade do legítimo dono, o que só não sucedeu por razões alheias à sua vontade.

7. Os arguidos conheciam não ser permitida tal conduta e que a mesma era punida por lei, sendo capazes de a orientar de acordo com esse conhecimento.

Das condições pessoais, sociais e profissionais do arguido RB.
8. Reportando-se à data dos factos constantes no presente processo, RB coabitava com a companheira e a filha do casal, num ambiente familiar pouco estruturado do ponto de vista financeiro e disruptivo, por vezes, ao nível da conjugalidade. Residiam numa habitação arrendada. A nível económico, o agregado sobrevivia do vencimento da companheira como operadora de supermercado. O arguido contribuía para a economia doméstica, mas de forma irregular. Não desenvolvia atividades estruturadas, passando a maior parte do tempo desocupado e na companhia dos amigos, detentores de uma imagem social desfavorável.

9. Pelo que é possível observar e atendendo ao seu percurso vivencial e criminal, RB denota características de imaturidade, consciência crítica diminuta e dificuldades de reflexão acerca dos comportamentos desajustados que apresentou no passado e/ou das práticas delituosas pelas quais já foi condenado, bem como das consequências daí resultantes, não parecendo, até ao momento, reconhecer a necessidade de equacionar estratégias de mudança.

10. Em contexto familiar, RB é avaliado como um indivíduo impulsivo, pouco recetivo à orientação externa. Todavia, presentemente, a família refere verificar algumas mudanças na sua maneira de pensar e agir, crendo na sua capacidade de mudança e aquisição de maiores competências pessoais. Dispõe de suporte afetivo, habitacional e económico por parte dos pais, irmão (menor e estudante) e companheira, que reside na casa dos sogros desde a prisão daquele.

11. Em termos laborais não especifica um projeto futuro e concreto de empregabilidade. Verbaliza, no entanto, confiança em inserir-se na vida ativa de forma célere, após libertação, o que avaliamos com algumas reservas, atendendo aos reduzidos hábitos de trabalho antes de ser preso, permanecendo a área da empregabilidade como carente de intervenção no momento atual.

12. RB revela lacunas na assunção de comportamentos de acordo com o “dever-ser”. O seu projeto de vida futuro dependerá essencialmente das suas capacidades para minorar as suas fragilidades pessoais, tentando adaptar-se ao esperado e desejável, aspetos que avaliamos nesta fase ainda de forma reservada, atendendo a ausência de rotinas laborais, aos défices de responsabilização e de resolução adequada de problemas, aspetos ainda não minorados apesar da intervenção penitenciária a que está sujeito. Acresce que o contexto familiar atual não se mostra orientador da aquisição de certas capacidades que lhe permitam realizar positivamente alguma mudança atitudinal e comportamental, dado o próprio revelar baixa permeabilidade à orientação externa.

13. Em meio prisional formalizou recentemente inscrição para curso de dupla certificação EFA B3 na área da Manutenção de Edifícios Hoteleiros, previsto iniciar em setembro de 2018, com duração de dois (2) anos. Aguarda resultados da seleção. Sujeito a testes de despiste a consumo de estupefacientes em junho de 2018, obteve resultado negativo. Regista uma medida disciplinar em janeiro de 2018, altura em que protagonizou incidente interno (agressão a um guarda prisional), tendo cumprido quinze (15) dias de permanência obrigatória no alojamento (POA). Não iniciou ainda o processo de reaproximação ao meio livre através de medidas de flexibilização da pena, pelo que permanece por validar o seu comportamento nessa situação.

14. O arguido RB, tem os seguintes antecedentes criminais:
a) TRIBUNAL: SANTARÉM - TRIBUNALJUDICIAL UNIDADE ORGÂNICA: 2º Juízo CRIMINAL; ESPÉCIE DE PROCESSO: PROCESSO SUMÁRIO (ARTº 381º CPP) (PN) N.2 PROCESSO: ---/11.1PBSTR; DATA DA DECISÃO: 2011/08/02;DATA TRÂNSITO JULGADO: 2011/08/23; CRIME:1 CRIMES(S) DE FURTO QUALIFICADO P.P. PELO ART.º 204º DO C. PENAL; DATA DA PRÁTICA: 2011/08/02; 1 ANO(S) O MÊS(ES) O DIA(S) DE PRISÃO, SUSPENSA POR 2 ANOS, DEMONSTRAR NOS AUTOS, EM 90 DIAS, QUE ESTÁ MATRICULADO NA ESCOLA OU QUE SE ENCONTRA INSCRITO NO CENTRO DE EMPREGO E QUE DILIGENCIOU NO CUMPRIMENTO DOS DEVERES INERENTES À CONDIÇÂODE ESTUDANTE OU À CONDIÇÃO DE JOVEM À PROCURA DO PRIMEIRO EMPREGO. NÃO PODERÁ FREQUENTAR BARES, DISCOTECAS E CAFÉS OU OUTROS ESTABELECIMENTOS DE LAZER E RECREAÇÃO, APÓS AS 21 HORAS. DEVERÁ APRESENTAR-SE MENSALMENTE PERANTE A ENTIDADE RESPONSÁVEL NO ÂMBITO DA REINSERÇÃO SOCIAL E ACATAR AS DETERMINAÇÕES QUE LHE FOREM ENDEREÇADAS POR ESTA ENTIDADE, NO ÂMBITO DO REGIME DE PROVA A QUE ALUDE O ARTº 53º DO CP; DATA DE EXTINÇÃO: 2012/08/23;

b) TRIBUNAL: ALMEIRIM - TRIBUNALJUDICIAL UNIDADE ORGÂNICA: SECÇÃO ÚNICA - ESPÉCIE DE PROCESSO: PROCESSO COMUM (TRIBUNAL SINGULAR) (PN) N.2 PROCESSO: ---/11.1GEALR - DATA DA DECISÃO: 2013/04/24 - DATA TRÂNSITO JULGADO: 2013/05/24 - CRIME:1 CRIMES(S) DE FURTO QUALIFICADO - NORMA LEGAL INCRIMINADORA: P.P. PELO ART.º 203.º E 204º, N.º 2, AL. E) DO C. PENAL, COM REFERÊNCIA AO ART. 202.º, AL. D) CP LOCAL DO CRIME - DATA DA PRÁTICA: 2011/06/27 - DECISÃO/PENA: PRISÃO SUSPENSA COM REGIME DE PROVA MOTIVO DA PENA - DURAÇÃO PENA: 1 ANO(S) DE PRISÃO, SUSPENSA POR 1 ANO - INFORMAÇÃO ADICIONAL: - PRESTAÇÃO DE 90 HORAS DE TRABALHO A FAVOR DA COMUNIDADE, A PRESTAR EM ENTIDADE BENEFICIÁRIA E EM HORÁRIO A DEFINIR COM A DGRS - JUNÇÃO AOS AUTOS DE DOCUMENTO COMPROVATIVO DE O ARGUIDO SE ENCONTRAR A TRABALHAR, EM 30 DIAS, EMITIDO PELA ENTIDADE EMPREGADORA RESPECTIVA, COM INDICAÇÃO DA ACTIVIDADE PROFISSIONAL, HORÁRIO DE TRABALHO, RETRIBUIÇÃO MENSAL E DESCONTOS PARA A SEGURANÇA SOCIAL - EM ALTERNATIVA, A JUNÇÃO DE COMPROVATIVO DE ESTAR INSCRITO NO IEFP, NÃO PODENDO RECUSAR OFERTAS DE TRABALHO EXCEPTO SE OBTIVER OUTRA QUE ACEITE OU ESTAR INSCRITO E A FREQUENTAR ESTABELECIMENTO ESCOLAR - INFORMAÇÃO AO TRIBUNAL DE QUALQUER ABANDONO DE TRABALHO OU ESCOLA POR PARTE DO ARGUIDO - A OBRIGAÇÃO DE TRAZER AOS AUTOS INFORMAÇÃO DOCUMENTADA DE TODAS AS ALTERAÇÕES DA SUA VIDA PROFISSIONAL, NO PRAZO DE DEZ DIAS APÓS A EVENTUAL OCORRÊNCIA DAS MESMAS - A OBRIGAÇÃO DE COMPARECER NA DGRS SEMPRE QUE PARA TAL FOR CONVOCADA PELO TÉCNICO RESPONSÁVEL.

c) TRIBUNAL: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE SANTARÉM UNIDADE ORGÂNICA: SANTARÉM - JL CRIMINAL - JUIZ 2 - ESPÉCIE DE PROCESSO: PROCESSO COMUM (TRIBUNAL SINGULAR) (PN) N.2 PROCESSO: ---/12.9PBSTR - DATA DA DECISÃO: 2015/02/16 DATA TRÂNSITO JULGADO: 2015/11/18 - CRIME:1 CRIMES (S) DE FURTO QUALIFICADO P.P. PELOS ARTS. 203.º, N.º 1 E 204.º, N.º 2, AL. E), AMBOS DO C. PENAL - DATA DA PRÁTICA: 2012/04/01 - DESCRIÇÃO: 3 ANOS DE PRISÃO, SUSPENSA POR 3 ANOS - INFORMAÇÃO ADICIONAL: ACOMPANHADOA POR REGIME DE PROVA PREVISTO NO ARTº 53º DO CÓDIGO PENAL.

d) TRIBUNAL: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE SANTARÉM UNIDADE ORGÂNICA: SANTARÉM - JL CRIMINAL - JUIZ 2 - ESPÉCIE DE PROCESSO: PROCESSO COMUM (TRIBUNAL SINGULAR) (PN) N.2 PROCESSO: ---/15.7PBSTR - DATA DA DECISÃO: 2017/05/09 - DATA TRÂNSITO JULGADO: 2017/06/19 - CRIME:1 CRIMES (S) DE OFENSA À INTEGRIDADE FISICA SIMPLES P.P. PELO ART.º 143º N.º l DO C. PENAL - DATA DA PRÁTICA: 2015/09/04 - EXTRATO DA DECISÃO DECISÃO/PENA: PRISÃO SUSPENSA COM REGIME DE PROVA MOTIVO DA PENA: DURAÇÃO PENA: O ANO(S) 5 MÊS(ES) O DIA(S) DESCRIÇÃO: O ANOS, 5 MESES E O DIAS DE PRISÃO, SUSPENSA POR 1 ANOS, O MESES E O DIAS INFORMAÇÃO ADICIONAL:

15. À data dos factos, o arguido RA estava inserido no mesmo agregado, junto da companheira (19 anos, doméstica) e filho com 18 meses de idade. Na dinâmica familiar a companheira, assume um papel central na gestão familiar junto do filho e do próprio, face à passividade do arguido. Encontrando-se a companheira grávida de 6 meses, o casal aguarda o nascimento do segundo filho em comum.

16. Residem num antigo barracão de uma fábrica desativada, cedido pelos seus proprietários, que não dispõe das mínimas condições de habitabilidade, utilizando a cozinha e casa de banho da habitação da mãe. Esta última reside no mesmo local numa pequena casa, com seis irmãos do arguido (todos menores) e o padrasto (que está atualmente preso).

17. A sobrevivência do agregado tem registado dificuldades, sendo assegurada com o subsídio referente à prestação familiar do filho do arguido e com a ajuda dos pais da companheira. Todavia, recentemente observou-se uma evolução positiva no comportamento e na situação vivencial de RA, que em 06-06-2018 começou a trabalhar como cantoneiro de limpeza no âmbito do projeto CEI+ para a Câmara Municipal de Almeirim, atividade que é valorizada pelo arguido e da qual aufere €428,00 mensais, conforme recibo de vencimento apresentado.

18. Ao nível individual RA apresentou uma atitude educada, mas pouco participante, manifestando algumas dificuldades cognitivas, permeabilidade às influências exteriores e revelou reduzida capacidade autocrítica face às suas ações e percurso de vida, orientando o seu comportamento em função da satisfação imediata das suas necessidades.

19. Em termos sociais, embora a presença do arguido RA seja aceite, a sua imagem social é desfavorável, por ter um modo de vida à margem da comunidade, sendo alguns dos elementos da família, associados à ausência de hábitos de trabalho e à prática de atividades ilícitas.

20. Nas suas relações de sociabilidades o arguido convivia habitualmente com indivíduos aos quais são associados comportamentos problemáticos, desocupados e com processo judiciais, como é exemplo o seu co-arguido neste processo judicial e no processo n.º ---/17.4GBMMN do Juízo Central Cível e Criminal de Évora – Juiz 2, que também estava sujeito a medida probatória.

21. Na GNR de Almeirim o arguido, tal como alguns familiares, tem expediente naquele posto, nomeadamente o seu irmão mais velho que JA, que também é acompanhado nesta DGRSP, mas o qual tem apresentado um comportamento responsável e evolução vivencial.

22. O arguido RA apresenta os seguintes antecedentes criminais:
a) TRIBUNAL: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LISBOA NORTE UNIDADE ORGÂNICA: LOURES - JC CRIMINAL - JUIZ 2 - ESPÉCIE DE PROCESSO: PROCESSO COMUM (TRIBUNAL COLECTIVO) (PN) N.2 PROCESSO: ---/16.4GALNH - DATA DA DECISÃO: 2017/04/04 DATA TRÂNSITO JULGADO: 2017/05/15 - CRIME: 1 CRIMES (S) DE DANO SIMPLES P. E P. PELO ART.º 212º, Nº 1 DO C. PENAL, COM A ATENUAÇÃO PREVISTA NO ART.º 4º DO REGIME PENAL ESPECIAL PARA JOVENS CONSAGRADO NO DL N.º 401/82, DE 23-09 - DATA DA PRÁTICA: 2016/06/06 - CRIME: 1 CRIMES (S) DE FURTO QUALIFICADO P. E P. PELO ART.º 204º, Nº 2, AL. E), C/ REFª AO ARTº 202º, AL. D) E 203º, Nº 1, TODOS DO C. PENAL, COM A ATENUAÇÃO PREVISTA NO ART.º 4º DO REGIME PENAL ESPECIAL PARA JOVENS CONSAGRADO NO DL N.º 40 - DATA DA PRÁTICA: 2016/06/03 - CRIME: 1 CRIMES (S) DE FURTO DE USO DE VEICULO P. E P. PELO ART.º 208º, Nº 1 DO C. PENAL, COM A ATENUAÇÃO PREVISTA NO ART.º 4º DO REGIME PENAL ESPECIAL PARA JOVENS CONSAGRADO NO DL N.º 401/82, DE 23-09 - DATA DA PRÁTICA: 2016/06/03 - CRIME: 1 CRIMES (S) DE FURTO SIMPLES P. E P. PELO ART.º 203º, Nº 1 DO C. PENAL, COM A ATENUAÇÃO PREVISTA NO ART.º 4º DO REGIME PENAL ESPECIAL PARA JOVENS CONSAGRADO NO DL N.º 401/82, DE 23-09 - DATA DA PRÁTICA: 2016/06/06 - DECISÃO/PENA: PRISÃO SUSPENSA COM REGIME DE PROVA MOTIVO DA PENA - DURAÇÃO PENA: 2 ANO (S) 3 MÊS (ES) O DIA (S) - DESCRIÇÃO: 2 ANOS, 3 MESES E O DIAS DE PRISÃO, SUSPENSA POR 2 ANOS, 3 MESES –

b) TRIBUNAL: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE SANTARÉM UNIDADE ORGÂNICA: ABRANTES - JL CRIMINAL - ESPÉCIE DE PROCESSO: PROCESSO COMUM (TRIBUNAL SINGULAR) (PN) N.2 PROCESSO: ---/17.8GBABT - TIPO DE DECISÃO: SENTENÇA DATA DA DECISÃO: 2018/02/09 DATA TRÂNSITO JULGADO: 2018/03/19 - CRIME: 1 CRIMES (S) DE CONDUÇÃO SEM HABILITAÇÃO LEGAL P.P. PELO ART.º 3º DO DEC. LEI 2/98, DE 3 DE JANEIRO - DATA DA PRÁTICA: 2017/04/23 - EXTRATO DA DECISÃO - DECISÃO/PENA: MULTA MOTIVO DA PENA: DURAÇÃO PENA: O ANO (S) O MÊS (ES) O DIA (S) - DESCRIÇÃO: 200 DIAS DE MULTA, À TAXA DIÁRIA DE 5,00, QUE PERFAZ O TOTAL DE 1.000,00 EUROS - PENA ACESSÓRIA DE PROIBIÇÃO DE CONDUZIR VEICULOS MOTORIZADOS MOTIVO DA PENA: DURAÇÃO PENA: O ANO (S) 2 MÊS (ES) O DIA (S) DESCRIÇÃO: PELO PRAZO DE O ANOS, 2 MESES E O DIAS.

Factos não provados:
Não existem factos não provados
*
Motivação da decisão de facto
O tribunal formou a sua convicção sobre a matéria de facto provada e não provada com base nos meios de prova produzidos em audiência de julgamento, tais como:
Prova testemunhal;
Prova documental.
Da prova testemunhal

Das testemunhas de acusação:
Depoimento de JQ, solteiro, 29 anos de idade, Barman, residente em Santarém.

Declarou, em síntese, que – nunca viu os arguidos, mas o seu estabelecimento é frequentado por muita gente. Há cerca de um ano antes entraram no estabelecimento por uma janela. Tem duas portas. Existe uma tenda no exterior e subindo para a tenda dá acesso a uma janela que se situa no telhado. Era fácil subir a tenda. A janela era pequena, quadrada e a parte superior é redonda e passa uma pessoa por ela. A janela é fechada por dentro. Foi um vizinho seu que mora em frente e que cerca das 6 horas da manhã lhe telefonou. Esse vizinho disse que eram duas pessoas. Depois foi ao estabelecimento e viu tudo desarrumado, mesas sujas com pegadas de ténis e viu o suporte da televisão. Apercebeu-se que as pessoas entraram pela janela pois aquele local não tinha alarme e o resto tinha alarme. Quando saiu a janela ficou semi aberta e suportada por um braço. Mas este braço foi quebrado para abrir a janela na totalidade. Garrafas de bebida branca e a televisão que tinha um ano e estava a funcionar que custou 300 e poucos €. Partiram parcialmente o suporte da televisão. Para retirar a televisão era necessário retirar um parafuso. A televisão estava cerca de um metro do chão. O Estabelecimento fecha às 2:00 horas e depois ter de limpar e arrumar o estabelecimento. Foram polícias recolher impressões digitais e estava presente. Tem caixa registadora no piso de baixo. Não foram a este piso porque o alarme não foi activado. O que estava arrancado eram os parafusos do suporte do ecrã e não os que fixam à parede. Um homem médio pode alcançar, em pé, os botões de baixo do ecrã mas não chega à parte superior onde foram encontradas as dedadas.

Depoimento de NM, casado, 41 anos de idade, Agente da PSP a prestar serviço na Esquadra da PSP de Santarém há cerca de 1 ano e 8 meses. Está na PSP há 19 anos.

Declarou, em síntese, que – conhece o arguido RB da esquadra de Santarém mas nunca teve intervenção com ele. Foi ao local e o dono disse que tentaram levar o LCD. Fez inspecção ao local e verificou que uma janela do telhado tinha sido forçada e por onde entraram. Verificou que havia dedadas no ecrã e pegadas no chão ou na parede. Fls. 12 confirma que as fotografias registam o local como estava quando lá se deslocou. Foi a polícia técnica que tirou as fotografias. Foi ao local às 16 horas e que tenha conhecimento não houve deslocação anterior ao local.

Da prova documental
- Auto de notícia de fls. 2; - Relatório de Inspecção Judiciária de fls. 9 a 13 (incluindo fotografias); - Certificado de registo criminal dos arguidos de fls. 116 a 127.

Da prova pericial
- Demonstração gráfica da identidade de dois vestígios (digital e palmar) de fls. 26 a 33.

EXAME CRÍTICO DAS PROVAS
Do depoimento da testemunha JQ resulta a descrição do local, bem como dos objectos que se encontravam no interior do estabelecimento, designadamente na zona onde estiveram presentes os arguidos. Resulta ainda a descrição da janela, sua localização e proximidade dos objectos que os arguidos tentaram furtar. Resulta ainda a descrição das propriedades físicas da própria janela, suas dimensões, que permite que o corpo de uma pessoa de porte médio por ela pudesse passar do exterior para o interior do estabelecimento. Resulta ainda a descrição do estado em que foi encontrar o espaço – todo desarrumado, bem como encontrou o suporte em que estava instalado o aparelho LCD e que os arguidos tentaram arrancar mas que não conseguiram, não deixando de o danificar. Resulta ainda deste depoimento a descrição das distâncias entre o solo e o aparelho, bem como das possibilidades de uma pessoa de estatura normas alcançar os botões do aparelho LCD, bem como os seus limites superiores. Este depoimento mostrou-se descritivo, coerente, objectivo, revelador de conhecimento directo dos factos sobre os quais depôs e prestado com convicção, pelo que o Tribunal lhe atribui total credibilidade.

Do depoimento da testemunha NM, agente da PSP que se deslocou ao local após a ocorrência dos factos descritos na acusação, resulta a prova sobre a recolha das impressões digitais, bem como das fotos juntas aos autos, as quais reproduzem, sob a forma de fotografia, o local onde ocorreram os factos. Destas fotografias se retira a sua conformidade com a descrição do local e dos objectos existentes no espaço interior, parte superior do estabelecimento e anteriormente descritos pela testemunha anterior. Resulta ainda a verificação do estado em que se encontrava a janela, sua localização, características e dimensões, o que se mostra coincidente com o depoimento da testemunha anterior. Resulta ainda deste depoimento que foram recolhidos vestígios lofoscópicos, os quais depois de analisados e tratados pela Unidade de Polícia Técnica da PSP, revelaram-se como identificações lofoscópicos atribuídas aos arguidos RB e RA. Quanto ao primeiro o vestígio foi recolhido na janela arrombada por onde entraram e quanto ao segundo recolhido na parte superior, lado esquerdo do televisor LCD alvo de tentativa de furto. O depoimento desta testemunha mostrou-se descritivo, coerente, de boa memória, revelador de conhecimento directo dos factos sobre os quais depôs e, sobretudo, coincidente como os demais elementos de prova, pelo que o Tribunal lhe atribui total credibilidade.

Assim, da conjugação destes elementos de prova, com observância das regras de experiência e cumprimento do princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal forma a sua convicção no sentido de que foi praticado um crime de furto qualificado, na forma tentada e que os arguidos RB e RA foram os seus autores.

ASPECTO JURÍDICO DA CAUSA

Enquadramento jurídico - penal
Sendo estes os factos provados, impõe-se fazer um resumido enquadramento jurídico - penal.
(…)
DO CRIME DE FURTO QUALIFICADO
Vêm os arguidos acusados da prática, em co-autoria material e na forma tentada, de um crime de furto qualificado, previsto e punido pelos artigos 203.º, n.º 1, e 204.º, n.º 2, alínea e), por referência à alínea e) do artigo 202.º, e artigos 22.º, 23.º e 73.º, todos do Código Penal.

Nos termos daquele primeiro normativo, “Quem, com ilegítima intenção de apropriação para si ou para outra pessoa, subtrair coisa móvel alheia, é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa”.

De acordo com o disposto na alínea e) do citado artigo 204.º, n.º 2, é punido com prisão de 2 a 8 anos quem furtar coisa móvel alheia penetrando em estabelecimento comercial ou outro espaço fechado por arrombamento, conceito que a alínea e) do referido artigo 202.º define como “Escalamento: a introdução em casa ou em lugar fechado dela dependente, por local não destinado normalmente à entrada, nomeadamente por telhados, portas de terraços ou de varandas, janelas, paredes, aberturas subterrâneas ou por qualquer dispositivo destinado a fechar ou impedir a entrada ou passagem;”.

Quanto aos elementos, objectivo e subjectivo deste tipo de crime, prevalecem os enunciados anteriormente no tocante ao crime de furto simples - a subtracção, de coisa móvel alheia e a ilegítima intenção de apropriação. O dolo conforme já definido.

Da tentativa

Da leitura atenta do disposto nos artigos 22.º e 23.º do Código Penal, para que se verifique a tentativa do crime de furto qualificado previsto e punível pelas disposições dos artigos 203.º e 204.º n.º 2 al. e) do citado diploma, necessário se torna a convergência dos seguintes pressupostos: 1 - que o agente resolva ou decida, com ilegítima intenção de apropriação para si ou para outrem, subtrair coisa móvel alheia pertencente ao sector público; 2 - penetrando em edificação, por meio de arrombamento, escalamento ou chaves falsas; 3 - que tal crime que o agente decidiu perpetrar não chegue a consumar-se, por circunstâncias independentes da sua vontade; 4 - que o agente pratique actos de execução; e 5 - que ao crime consumado corresponda pena superior a dois anos de prisão.

Como resulta do artigo 22.º, n.º 1 do Código Penal “Há tentativa quando o agente praticar actos de execução de um crime que decidiu cometer, sem que este chegue a consumar-se”, precisando-se no seu n.º 2 o que são actos de execução. Assim, já haverá crime tentado ou tentativa propriamente dita quando se está perante a realização parcial do correspondente crime, indo-se, no entanto, para além do respectivo acto preparatório.

A propósito do crime de furto têm surgido várias conceitualizações para se precisar ou destrinçar a consumação da tentativa, que vão desde a “teoria da contretação” (contrectatio), em que basta pegar ou tocar na coisa, passando quer pela “teoria da apreensão”, onde é necessário que a coisa seja colocada sob o controle de facto e exclusivo do novo detentor, quer pela “teoria da ablação” (ablatio), em que é essencial tirar ou levar essa coisa da zona ou local do domínio do anterior detentor, até se chegar à “teoria da ilação” (illatio), segundo a qual é necessário que a coisa seja transferida ou recolhida de modo pacífico na esfera de domínio do novo detentor.

A jurisprudência tem, de um modo generalizado e persistente, excluído categoricamente aquela primeira posição, surgindo no entanto dividida entre os demais posicionamentos, o que dá para ver que a solução desta controvérsia está longe de ser pacífica. A propósito chegou-se a sustentar que “Não é necessária à consumação do crime de furto que o agente tenha o objecto furtado em pleno sossego ou em estado de tranquilidade, pelo que o arguido que chegou a apropriar-se dos objectos subtraídos colocando-os dentro de um saco e que depois foi interpelado por agentes da autoridade, comete um crime de furto na forma consumada”, ainda que esteja no interior do estabelecimento, mas com os objectos já dentro de um saco (Ac. STJ de 1989/Jul./05, BMJ 389/298), mesmo que essa loja estivesse aberta ao público nessa ocasião (Ac. STJ de 1988/Jan./13, BMJ 373/279). Mas também se seguiu uma posição mais exigente, ao decidir-se que “Não há consumação quando o objecto do furto não entra na esfera patrimonial do agente ou de terceiro, embora aquele tenha actuado com intenção de apropriação e chegue a deslocá-la do local onde se encontra”, assentando que só há consumação quando o objecto subtraído chega a estar na posse do agente em pleno sossego ou em estado de tranquilidade (Ac. STJ de 1982/Nov./23, BMJ 312/316).

A meio caminho entre um e outro destes posicionamentos temos aqueles segundo os quais “O crime de furto consuma-se quando o agente tira ou subtrai a coisa da posse do respectivo dono ou detentor, contra a vontade deste, e a coloca na sua própria posse, substituindo-se ao poder de facto sob o qual ela se encontrava” (Ac. STJ de 1990/Nov./21, BMJ 401/234), precisando-se “Comete um crime de furto, na forma tentada, o agente que entra numa ourivesaria, se apodera de vários objectos que retira de cima e do interior do balcão e os mete num saco que levava, mas, em virtude de se ter apercebido da presença de agentes da GNR, deixou ficar o saco junto ao balcão, dirigindo-se para a saída, onde foi detido” (Ac. TR Coimbra de 1985/Nov./06, CJ V/48). A propósito cremos que esta última corrente jurisprudencial é aquela que mais se aproxima da caracterização da subtracção como um acto de desapossamento e em que, consequentemente, passa a existir um novo domínio factual, de modo que ocorrerá a consumação de um crime de furto, quando o agente passa a ter, directa ou indirectamente, a disponibilidade da coisa subtraída (Ac. TRPorto de 2013/Fev./13, em www.dgsi.pt). Assim, não basta tocar na coisa ou mesmo o seu apoderamento material sem disponibilidade, em virtude do agente ter sido surpreendido in fragante. E isto mesmo que o agente consiga fugir, desde que seja desde logo perseguido, mantendo-se essa perseguição ininterrupta e de modo que o mesmo não tenha a disponibilidade efectiva, ainda que momentânea, dos objectos de que se pretende apropriar. Para melhor precisar este entendimento, consideramos que se a perseguição tem lugar depois de descoberto o furto, ainda que passados alguns momentos, mas o agente sempre teve a possibilidade de dispor, ainda que hipoteticamente dispor, do que foi por si subtraído, então existe consumação, mas se aquela perseguição se inicia no preciso momento em que aquele se apodera de tais bens, então já haverá tentativa. [1]
Isto assente e face à matéria de facto provada, temos por seguro que os arguidos RB e RA, com o seu actuar, retractaram os elementos configurantes dos artigos 22.º, 23.º, 74.º n. 1 alínea d), 203.º, 204.º n.º 2 al. e), todos do Código Penal, e, consequentemente, constituíram-se co-autores do crime de furto qualificado, na forma de tentativa.
(…).»
*
2.3. Apreciação do recurso
2.3.1. Da contradição insanável entre a fundamentação e a decisão

Sustenta o recorrente que a sentença recorrida enferma da indicada contradição insanável, na parte referente ao enquadramento jurídico da tentativa, para fundamentação, ao fazer-se menção a vários acórdãos – entre os quais, o Acórdão do TRC de 1985/Nov./06, CJ V/48 – que vão exatamente no sentido do conhecimento das circunstâncias serem alheias à vontade do arguido.

Vejamos:
O vício da contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão, previsto na al. b) do nº. 2 do artigo 410º do C.P.P., ocorrerá quando, através de um raciocínio lógico, se conclua pela existência de oposição insanável entre os factos provados, entre estes e os não provados, entre a fundamentação probatória da matéria de facto (ou seja, entre os meios de prova invocados na fundamentação como base dos factos provados) ou, ainda, entre a fundamentação e o dispositivo da decisão.

Conforme vem sendo afirmado pela jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores e decorre do preceito legal, os vícios decisórios previstos nas diversas alíneas do artigo 410º, nº. 2, do C.P.P. têm que resultar do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, não sendo admissível o recurso a elementos estranhos à decisão recorrida, para fundamentar a sua existência, ainda que constem dos autos e mesmo que tenham resultado da prova produzida no julgamento.

Ora, da leitura da sentença recorrida, não se descortina a existência de qualquer contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão, sendo que os acórdãos citados na parte da sentença a que o recorrente alude, são-no para fundamentar a tese acolhida pelo Tribunal a quo, quanto ao critério de distinção entre consumação e a tentativa, no crime de furto, e não, contrariamente ao que é alegado pelo recorrente, para fundamentar o conhecimento de as circunstâncias serem alheias à vontade do agente.

Refira-se que o que se deixa dito, não prejudica a questão suscitada no recurso da errada qualificação jurídica dos factos, como integrando a tentativa do crime de furto qualificado, questão essa que infra apreciaremos, se não ficar prejudicada, pela solução dada a outras questões.

Improcede, pois, este fundamento do recurso.

2.3.2. Do erro notório na apreciação da prova
Alega o recorrente que a sentença sob recurso padece de erro notório na apreciação da prova, defendendo não ter sido produzida prova, em audiência de julgamento dos factos imputados ao arguido/recorrente, conducentes à prática do crime de furto qualificado, na forma tentada, por que foi condenado, sendo que «nenhuma das duas testemunhas viu os arguidos, nem existe ninguém que tivesse reconhecido os “assaltantes”, porque nem sequer estavam no local; não existiu flagrante delito ou perseguição dos “assaltantes”; o arguido apenas foi identificado como tal e surgiu neste processo, porque foram recolhidas impressões digitais e palmares – identificações lofoscópicas –, a saber respetivamente no LCD e na janela do dito estabelecimento/bar, de arguidos distintos e em lugares de fácil acesso a qualquer pessoa».

Apreciando:
O erro notório na apreciação da prova (artigo 410º, nº. 2, al. c), do C.P.P.), ocorre quando no texto e no contexto da decisão recorrida, «existam e se revelem distorções de ordem lógica entre os factos provados e não provados, ou traduza uma apreciação manifestamente ilógica, arbitrária, de todo insustentável, e por isso incorreta, e que, em si mesma, não passe despercebida à observação e verificação comum do homem médio». Ou seja, a apreciação da prova, nos termos em que foi feita pelo tribunal a quo, na decisão recorrida, terá de evidenciar «descontinuidades ou incongruências ostensivas ou evidentes que um homem médio com a sua experiência da vida e das coisas, facilmente apreenderia e delas se daria conta

Assim, «o erro notório na apreciação da prova, vício da decisão previsto no art. 410.º, n.º 2, al. c), do CPP, verifica-se quando no texto da decisão recorrida se dá por provado, ou não provado, um facto que contraria com toda a evidência, segundo o ponto de vista de um homem de formação média, a lógica mais elementar e as regras da experiência comum. Porém, o vício, terá de constar do teor da própria decisão de facto, não da motivação dessa decisão, ou da fundamentação de direito.» - Ac. do STJ de 02/02/2011, proc. 308/08.7ECLSB.S1, acessível no endereço www.dgsi.pt.

Revertendo ao caso dos autos, verifica-se que o arguido/recorrente, ao impugnar a matéria de facto dada como provada, na sentença recorrida, sob os pontos 1 a 7, fá-lo evidenciando confundir o erro notório na apreciação da prova e o erro de julgamento, na apreciação/valoração da prova, previsto no artigo 412º, n.º 3, do CPP, na medida em que convocando depoimentos prestados na audiência de julgamento e as ilações extraídas pelo julgador da existência de vestígios lofoscópicos recolhidos no local da ocorrência dos factos, pertencentes aos arguidos, invoca, como fundamento do recurso, nesta parte, o vício do “erro notório na apreciação da prova”, previsto na alínea c) do nº. 2 do artigo 410º, nº. 2, do CPP, que constitui, tal como se referiu supra, vício intrínseco da sentença.

Não obstante a apontada incongruência, apreciaremos a impugnação da matéria de facto, nas duas vertentes enunciadas, sendo que no tocante à impugnação ampla da matéria de facto, o recorrente observou, ainda que de forma não rigorosa, como observância do disposto no n.º 4 do artigo 412º, que remete para o n.º 3 do artigo 364º, ambos do CPP, mas, no essencial (tendo, no corpo da motivação, com respeito ao depoimento da testemunha JQ, dono do estabelecimento onde ocorreram os factos, indicando a hora do respetivo inicio e transcrevendo as partes que entendeu relevantes), o ónus de especificação previsto na al. b) do n.º 3 do artigo 412º do CPP.
Neste contexto, tendo em conta os contornos do erro notório na apreciação da prova, que se deixaram definidos supra, entendemos ser inequívoco, que da leitura do texto da sentença recorrida, designadamente, em relação aos factos impugnados pelo arguido/recorrente, a decisão não enferma de tal vício.

2.3.3. Do erro de julgamento, na apreciação/valoração da prova
Manifesta o arguido/recorrente que não foi produzida prova que sustente a decisão de dar como provados os factos vertidos nos pontos 1 a 7.

Defende que os depoimentos das duas testemunhas inquiridas, uma delas JQ, dono do estabelecimento/bar de que se trata e a existência de vestígios lofoscópicos correspondentes a impressão digital do arguido/recorrente, no LCD e a impressão palmar do coarguido, numa janela do estabelecimento, tratando-se este de um local frequentado por várias pessoas, não podendo, em face do depoimento da testemunha JQ, excluir-se que os arguidos também o frequentassem e estando o LCD e a janela, onde foram recolhidos os ditos vestígios situados em locais onde facilmente qualquer cliente podia chegar, não permitem sustentar a prova dos factos impugnados, designadamente, extrair a ilação de que o arguido/recorrente foi o autor dos factos de que se trata.

O Ministério Público pronuncia-se no sentido de que a prova a que o Tribunal a quo atendeu para dar como provados os factos impugnados pelo arguido/recorrente, ainda que indireta, é bastante para que assim decidisse, mostrando-se as inferências retiradas da conjugação dos elementos de prova a que atendeu, respeitadoras das regras da lógica e da experiência comum, não existindo erro de julgamento.

Vejamos:
Lida a motivação da decisão de facto consignada na sentença recorrida e que se deixou exarada supra, resulta que foi determinante para que o tribunal a quo desse como provado serem os arguidos, um deles o ora recorrente, os autores dos factos que foram dados como provados, entrando no estabelecimento de que se trata, através de uma janela, que foi forçada e pretendendo levar consigo objetos o televisor/LCD existente no mesmo estabelecimento e fixo num suporte colocado numa das paredes daquele, a existência de vestígios lofoscópicos recolhidos na dita janela, precisamente na zona onde foi forçada e na parte superior do ecrã do televisor/LCD, vestígios esses coincidentes, os primeiros, com a impressão palmar do coarguido RB e os últimos com a impressão digital do arguido RA, ora recorrente.

De acordo com o entendimento dominante da jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores, a impressão digital de uma pessoa, só por si, não faz prova direta da sua participação no facto criminoso, mas pode constituir um indício relevante, que quando conjugado com outros indícios, pode levar a concluir no sentido dessa participação e a fundamentar uma decisão condenatória (neste sentido, cf., entre outros, Ac.s da RE de 03/03/2015, proc. 420/02.6.PATVR.E1, Ac. da RP de 16/01/2013, proc. 277/10.3PASTS.P1 e Ac.s da RG de 25/01/2010, proc. 300/04.0GBBCL.G1 e de 19/06/2017, proc. 285/12.0GACMN.G1 – este último com voto de vencido –, todos acessíveis em www.dgsi.pt).

Entendemos que a relevância de tal indício, em termos de poder levar a inferir a participação do individuo a que pertence a impressão digital, no facto criminoso, dependerá do caso concreto, designadamente, tendo em conta o local ou locais, em que a impressão (impressões) digital (digitais) foi (foram) encontrada(s) e as circunstâncias relativas à ocorrência dos factos e, ainda, de saber se existe ou não razão plausível para justificar o facto do sujeito a quem pertence(m) essa(s) impressão(ões) ter estado em contato direto com o(s) objecto(s) onde foi (foram) recolhidas.

De ressalvar, todavia, que nessa avaliação e contrariamente ao entendimento que vem sendo acolhido por certo setor da jurisprudência, caso o(s) arguido(s), no legítimo uso do direito ao silêncio que lhe(s) assiste opte(em) por não prestar declarações, não poderão ser extraídas quaisquer ilações, do facto de não ter apresentado explicação para a existência da(s) sua(s) impressão (impressões) digital (digitais) no(s) objeto(s) onde foi (foram) recolhida(s), na medida em que tal se traduziria na violação daquele direito ao silêncio e do disposto no artigo 343º, n.º 1, do CPP.

Tendo presentes estas considerações e baixando ao caso concreto, conforme decorre da motivação da decisão de facto exarada na sentença recorrida, para a prova da participação dos arguidos na prática dos factos em causa, foi decisivo o teor do relatório de exame pericial aos vestígios lofoscópicos recolhidos no estabelecimento/bar onde ocorreram os factos, no âmbito da inspeção judiciária realizada pela PSP, cujo relatório se mostra junto a fls. 27 a 33 dos autos, do qual resulta que os vestígios encontrados na janela que foi forçada e por onde se deu a entrada naquele estabelecimento e no ecrã do televisor/LCD aí existente, correspondem, respetivamente, ao dedo médio da mão esquerda do arguido RB e às regiões tenar e hipotenar da palma da mão esquerda do arguido, ora recorrente, RA.

Atendendo, aos concretos locais onde as ditas impressões foram deixadas e recolhidas, tratando-se da janela por onde se deu a entrada no estabelecimento, precisamente no sítio onde foi forçada e na respetiva parte interior do lado esquerdo e na parte superior do lado esquerdo do televisor/LCD, que se encontrava, num suporte para o efeito, afixado na parede onde se situa a dita janela (conforme decorre do mencionado relatório de inspeção judiciária, junto a 9 a 13 e das fotografias que dele constam); considerando o cenário que foi encontrado pela testemunha JQ, dono do estabelecimento, quando aí se deslocou, logo após ter sido alertado por um vizinho (constatando a testemunha JQ, que a janela do piso superior tinha sido “arrombada” e que o televisor/LCD colocado na parede tinha sido mexido/deslocado, evidenciando a tentativa de o retirar desse local); tendo a autoridade policial tomado conta da ocorrência, nessa mesma data, deslocando-se os agentes da PSP ao local, entre eles, a testemunha NM, procedendo-se a inspeção judiciária e à recolha dos ditos vestígios lofoscópicos que vieram a ser identificados como pertencentes aos arguidos; e não se vendo, à luz das regras da experiência comum, outra explicação alternativa, plausível (e, ainda que não se olvide tratar-se de um estabelecimento aberto ao público que os arguidos poderiam, eventualmente, frequentar), para que a impressão digital do arguido, ora recorrente, se encontrasse na parte superior do ecrã do televisor/LCD que tentaram retirar da parede e para a impressão palmar do coarguido se encontrar na aludida janela, no preciso local onde foi forçada e acabou por ser aberta, que não seja a de que tais impressões ali foram deixadas pelos arguidos, aquando da prática dos factos em causa, ou seja, da entrada no estabelecimento, através da janela que foi forçada para o efeito e no intuito de retirarem e levarem o televisor/LCD que ali se encontrava, nos termos que foram dados como assentes pelo Tribunal a quo.

Entendemos, assim, ser a prova bastante, ainda que se trate de prova indireta, para que o Tribunal a quo concluísse, com a segurança que se impõe e para além da dúvida razoável, terem sido os arguidos os autores dos factos que deu como provados nos pontos 1 a 3.

No referente à matéria dada como provada no ponto 4: «A certa altura, por razões concretamente não apuradas, mas alheias à respectiva vontade, os arguidos abandonaram o local, nada levando», importa referir o seguinte:

É isento de dúvidas que tal matéria reveste cariz conclusivo.

A conclusão de que foi por razões «alheias à sua vontade», que os arguidos não prosseguiram na execução dos factos e abandonaram o estabelecimento sem nada levarem consigo, pressuponha que tivessem sido apuradas quais essas razões, o que não aconteceu.

Para aquilatar se a não prossecução da execução do plano criminoso, por parte do(s) agente(s), foi voluntária (cf. artigos 24º e 25º do Código Penal) ou se se ficou a dever a razões alheias à sua vontade, como refere Júlio Gomes (in “A desistência da Tentativa – Novas e Velhas Questões”, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, páginas 81 e 82) «não há regras gerais, ou melhor, estas não dispensam nunca uma ponderação e um confronto, no caso concreto, entre os motivos que levaram o agente à execução do facto ilícito e os motivos da desistência, sem esquecer a possibilidade de invocar, nesta sede, o princípio in dúbio pro reo

Assim, não se tendo apurado, como não se apurou, nem se vislumbrando que esse apuramento possa vir a fazer-se, sendo certo que da acusação já constava o teor que foi dado como provado na sentença, no ponto 4, não pode dar-se como provado, por não ter sido produzida qualquer prova que suporte essa ilação/conclusão, que foi por razões alheias à vontade dos arguidos que abandonaram o estabelecimento sem que nada levassem consigo.

Por conseguinte, impõe-se, assim, alterar a matéria de facto dada como provada, nos pontos 4 e 6, respetivamente, no segmento «alheias à sua vontade» e no excerto «o que só não sucedeu por razões alheias à sua vontade», que passarão a constar dos factos não provados.

2.3.4. Da subsunção jurídica dos factos provados
A modificação da matéria de facto a que se acaba de proceder, tem implicações na subsunção jurídica dos factos provados.

Na verdade, resultando não provado que tivesse sido por razões alheias à vontade dos arguidos que estes abandonaram o local, sem nada levarem consigo e não se tendo apurado quais as razões por que assim procederam, há que admitir a hipótese, até por aplicação do princípio in dúbio pro reo, de ter havido desistência espontânea ou voluntária, por parte dos arguidos, em termos de terem tomado a decisão, numa opção, livre, que não se ficou a dever a fatores externos à sua vontade (sufragando-se, a propósito da desistência espontânea, relevante para efeitos do disposto nos artigos 24º e 25º, ambos do C.P., a orientação acolhida no Acórdão do STJ de 18/04/2012, proferido no proc. n.º 274/10.9JACBR.C1.S1, acessível em www.dgsi.pt e também defendida pelo Prof. Germano Marques da Silva, in “Direito Penal Português - Teoria do Crime”, Universidade Católica Editora, 2012, pág. 323), de não prosseguir na execução do plano criminoso previamente delineado e que teve subjacente a intenção de apropriação de bens existentes no estabelecimento, decidindo abandonar o local, sem nada levarem consigo.

Assim sendo, ainda que os arguidos tenham praticado atos de execução do crime de furto que decidiram cometer, estando preenchidos os elementos do tipo objetivo e subjetivo do crime de furto qualificado, na forma tentada, previstos nos artigos 22º, n.ºs 1 e 2, al. c), 203º, n.º 1 e 204º, n. 2, al. e), este último com referência ao artigo 202º, al. e), todos do Código Penal, havendo que admitir, por aplicação do princípio in dúbio pro reo, a possibilidade de os arguidos terem desistido de prosseguir na execução do facto criminoso e dessa desistência ser voluntária, nos termos sobreditos, a tentativa não é punível, nos termos do disposto no artigo 24º, n.º. 1, do C.P.

Nessa decorrência, impõe-se a absolvição do arguido/recorrente, do crime de furto qualificado, na forma tentada, p. e p. pelos artigos 22º, 23º, 73º, 203º, n.º 1 e 204º, n. 2, al. e), este último com referência ao artigo 202º, al. e), todos do Código Penal, por que foi acusado e condenado, na 1ª instância.

Refira-se que os factos dados como provados poderiam levar a equacionar a possibilidade de subsunção ao crime de introdução em lugar vedado ao público, p. e p. pelo artigo 191º do Código Penal.
Porém, tal crime reveste natureza semi-pública, dependendo o procedimento criminal de queixa (cf. artigo 198º do Código Penal), o que significa que o Ministério Público só teria legitimidade para o procedimento criminal se o titular do respetivo direito tivesse apresentado, oportuna e tempestivamente, queixa.

Ora, compulsados os autos, verifica-se que não foi apresentada queixa, tendo-se dado início ao procedimento com base no auto de notícia elaborado pela PSP e que consta a fls. 2 dos autos, aí constando que o dono do estabelecimento, lesado ofendido, JQ, «… foi informado dos trâmites legais a seguir, tendo de momento reservado o direito de queixa pelo prazo legal».

Acontece que o ofendido não veio a exercer o direito de queixa e, atento o prazo já decorrido, tal direito, desde há muito, que se mostra extinto (cf. artigo 115º do Código Penal).

Assim, carecendo o Ministério Público de legitimidade para o procedimento (artigo 49º, n.º 1, do CPP), não pode haver lugar à condenação do(s) arguido(s) por tal tipo legal de crime.

O recurso, é, pois procedente, ficando prejudicado o conhecimento das demais questões nele suscitadas.
*
A decisão absolutória acabada de proferir relativamente ao arguido/recorrente RA, por força do disposto no artigo 402º, n.º. 2, al. a) do CPP, aproveita também ao arguido RB, coautor dos factos, pelo que, vai também absolvido do crime de furto qualificado, na forma tentada, por que vinha acusado e foi condenado na sentença recorrida.

3 – DISPOSITIVO
Nestes termos, em face do exposto, acordam os Juízes que compõem a Secção Criminal deste Tribunal da Relação de Évora em conceder provimento ao recurso interposto pelo arguido RA e, consequentemente:

a) Determinar a alteração da matéria de facto fixada na sentença recorrida, nos pontos 4 e 6 dos factos provados, respetivamente, no segmento «alheias à sua vontade» e no excerto «o que só não sucedeu por razões alheias à sua vontade», que passarão a constar dos factos não provados.

b) Na decorrência dessa alteração, absolver o arguido/recorrente RA da prática do crime de furto qualificado, na forma tentada, p. e p. pelos artigos 22º, 23º, 73º, 203º, 204º, n.º 2, al. e), este último com referência ao artigo 202º, al. e), todos do Código Penal, por que vinha acusado e foi condenado na 1ª instância;

c) Aproveitando o recurso ao coarguido RB, em conformidade com o disposto no artigo 402º, n.º. 2, al. a) do CPP, absolver o mesmo arguido da prática do crime de furto qualificado, na forma tentada, p. e p. pelos artigos 22º, 23º, 73º, 203º, 204º, n.º 2, al. e), este último com referência ao artigo 202º, al. e), todos do Código Penal, por que vinha acusado e foi condenado, na sentença recorrida.

Sem tributação.

Notifique.

Évora, 11 de abril de 2019

FÁTIMA BERNARDES

GILBERTO CUNHA

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[1] Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 8/5/2013, in www.dgsi.pt/jtrp.nsf/ 56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/