Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | RUI MACHADO E MOURA | ||
Descritores: | EMBARGO DE OBRA NOVA COMPETÊNCIA LEGITIMIDADE PASSIVA | ||
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Data do Acordão: | 06/30/2021 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Sumário: | - Os tribunais comuns – e não os administrativos – são os competentes para conhecer do procedimento cautelar de embargo de obra nova, em que a requerente alega ter ocorrido ofensa do seu direito de propriedade, na sequência de obras de construção de prédio levadas a cabo por Município, sendo este o dono da respectiva obra e quem decide e ordena a sua execução ao empreiteiro. - No que tange à legitimidade passiva dos requeridos constata-se que, após a prolação do despacho de aperfeiçoamento pela Julgadora a quo, a requerente veio indicar como sujeito passivo, além do construtor da obra ou empreiteiro, também o dono da respectiva obra, sendo certo que é jurisprudência pacífica dos nossos tribunais superiores que, numa providência cautelar de embargo de obra nova, têm legitimidade passiva, não só o autor material da obra, como também o mandante da referida obra. - Do teor da petição inicial e do requerimento posterior de aperfeiçoamento verificamos que a requerente alegou diversa factualidade tendente a demonstrar que é titular de um direito de propriedade comum e de um direito de usufruto sobre imóvel que identificou nos autos, estando a ser realizada uma obra em prédio confinante com o seu (a sul e a poente), a qual irá bloquear a luz e as vistas a sul e a poente, com janelas tapadas por paredes com a altura de 5 pisos, a um metro de distância, violando, assim, o disposto nos artigos 57.º e 59.º do PDM de Olhão e o artigo 73.º do RGEU, pelo que esta construção iniciada, se vier a ser terminada, irá causar um prejuízo no prédio da requerente em, pelo menos, 20% do seu actual valor comercial. - Ora, resulta claro que a factualidade acima descrita – caso seja feita prova da mesma – preenche os requisitos previstos no artigo 397.º, n.º 1, do C.P.C., para que a providência cautelar de embargo de obra nova possa vir a ser decretada. (Sumário do Relator) | ||
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Decisão Texto Integral: | P. 324/21.3T8OLH.E1 Acordam no Tribunal da Relação de Évora: (…) intentou procedimento cautelar para embargo de obra nova contra (…), Engenharia e Construções, S.A. peticionando que seja ordenada o embargo da obra iniciada pela aqui demandada. Alegou, em síntese, que é co-proprietária e usufrutuária do prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de Olhão sob o n.º (…), construído em 1972. Refere que está a ser construída uma obra, não tendo possibilidade de identificação do diretor da obra e que não se encontram afixados elementos informativos. No quarteirão onde se situam os prédios da requerente e o iniciado, os prédios existentes apenas têm um ou dois pisos. Nos termos dos artigos 57.º e 59.º do PDM, o número de pisos nunca poderia exceder os três. E mesmo que pudesse ir até cinco pisos, não estão respeitadas as distâncias mínimas previstas no artigo 73.º do RGEU. O prédio da requerente fica com a luz e as vistas bloqueadas a sul e poente, com janelas tapadas por paredes com a altura de 5 pisos a um metro de distância, pelo que esta construção iniciada, se vier a ser terminada, irá desvalorizar o prédio da requerente em, pelo menos, 20% do seu actual valor comercial. A requerente foi convidada, por despacho proferido pela Julgadora a quo, a esclarecer quais as distâncias entre os prédios, indicar o prédio onde está a ser realizada a construção e a proceder à junção da certidão do registo predial, de forma a aferir da legitimidade passiva para a presente acção. Em cumprimento de tal despacho a requerente veio então informar os autos que o dono da obra é o Município de Olhão (contra quem a presente providência também deverá prosseguir), não sendo possível aferir de mais elementos relativos ao prédio onde a obra nova está a ser construída. Requereu, assim, a junção de requerimento inicial aperfeiçoado, indicando, por isso, como 2º requerido o Município de Olhão. De seguida, pela M.ma Juiz a quo veio a ser proferida decisão que, por entender que o presente procedimento cautelar é manifestamente improcedente, indeferiu o mesmo liminarmente e, em consequência, absolveu a requerida da instância. Inconformada com tal decisão dela apelou a requerente, tendo apresentado para o efeito as suas alegações de recurso e terminando as mesmas com as seguintes conclusões: 1. A interpretação do artigo 30.º do CPC, no sentido de que o construtor da obra que justifica o requerido embargo de obra nova é parte ilegítima, viola o direito à tutela judicial efetiva, garantido pelo artigo 20.º da Constituição. 2. Se o embargo extrajudicial pode ser notificado ao construtor, se não for possível fazê-lo ao dono da obra, não se vê razão para que seja diferente para o embargo judicial. 3. Todos os tribunais são competentes para interpretar e aplicar quaisquer normas jurídicas que façam parte do ordenamento jurídico português, independentemente do ramo em que se insiram. 4. O artigo 73.º do RGEU, por exemplo, é uma norma de direito administrativo que visa defender interesses privados, e que o Tribunal Judicial da Comarca de Faro não se pode coibir de interpretar e aplicar. 5. O tribunal a quo entende que é incompetente para interpretar e aplicar normas de direito administrativo sem apresentar qualquer fundamentação, o que constitui a causa de nulidade prevista no artigo 615.º, n.º 1, alínea b), do CPC. 6. É ininteligível a parte da sentença recorrida que afirma não serem indicados prejuízos subsumíveis no artigo 1360.º do Código de Processo Civil, o que consubstancia a causa de nulidade prevista no artigo 615.º, n.º 1, alínea b), do CPC. 7. A decisão recorrida admite o requerimento inicial aperfeiçoado, em que é também requerido o Município de Olhão, mas depois não retira daí as necessárias consequências sem que se perceba porquê, o que constitui, além da causa de nulidade prevista no artigo 615.º, n.º 1, alínea c), do CPC, uma violação do disposto no artigo 9.º-A do mesmo diploma (Princípio da utilização de linguagem simples e clara). 8. A decisão recorrida não decide nada quanto ao Requerido Município de Olhão o que constitui a causa de nulidade prevista no artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC. Não foram apresentadas contra-alegações de recurso. Atenta a não complexidade das questões a dirimir foram dispensados os vistos aos Ex.mos Juízes Adjuntos. Cumpre apreciar e decidir: Como se sabe, é pelas conclusões com que a recorrente remata a sua alegação (aí indicando, de forma sintética, os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida: artigo 639.º, n.º 1, do C.P.C.) que se determina o âmbito de intervenção do tribunal ad quem [1] [2]. Efectivamente, muito embora, na falta de especificação logo no requerimento de interposição, o recurso abranja tudo o que na decisão for desfavorável à recorrente (artigo 635.º, n.º 3, do C.P.C.), esse objecto, assim delimitado, pode vir a ser restringido (expressa ou tacitamente) nas conclusões da alegação (n.º 4 do mesmo artigo 635.º) [3] [4]. Por isso, todas as questões que tenham sido objecto de apreciação na decisão recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões da alegação da recorrente, mostrando-se objectiva e materialmente excluídas dessas conclusões, têm de se considerar decididas e arrumadas, não podendo delas conhecer o tribunal de recurso. No caso em apreço emerge das conclusões da alegação de recurso apresentadas pela requerente, ora apelante, que o objecto do mesmo está circunscrito à apreciação das seguintes questões: 1º) Saber se o tribunal comum é o competente para dirimir o presente litígio e se os requeridos têm legitimidade passiva nesta providência; 2º) Saber se na petição inicial foi alegada pela requerente a factualidade essencial tendente a, resultando provada, preencher os requisitos necessários para que a providência cautelar de embargo de obra nova venha a ser decretada; 3º) Saber se a decisão é nula, nos termos do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alíneas b), c) e d), do C.P.C.. Apreciando, de imediato, a primeira questão suscitada pela requerente, ora apelante – mais concretamente a competência material do tribunal comum – importa dizer a tal respeito que o direito (substantivo) litigado não é o embargo da obra nova (este é um meio cautelar de defesa do direito litigado), nem é mesmo a obra feita ou iniciada, mas o direito que se alega que a obra nova ofende: o direito de propriedade. O presente procedimento não se destina, por exemplo, a obter a declaração de nulidade ou a anulação do (alegado) acto administrativo que deliberou levar a efeito aquela obra, mas a acautelar o direito de propriedade da requerente: é instrumental de uma acção de defesa da propriedade. E, como nessa acção se pode pedir, não só o reconhecimento da propriedade, como por exemplo também uma indemnização por danos, está evidenciado que o tribunal competente só pode ser o comum. A relação jurídica litigada, tal como a requerente a desenha e formula o pedido, não é de direito administrativo, mas de direito privado, pelo que materialmente competente é, indubitavelmente, o tribunal comum (cfr. Oliveira Ascensão, Direito do Urbanismo, págs.340 a 342). Neste sentido, veja-se, entre outros, o Ac. do STJ de 4/3/1997, disponível in www.dgsi.pt, no qual é afirmado o seguinte: - A providência cautelar requerida por quem alega a qualidade de proprietário de prédio com vista à defesa do respectivo direito violado pela actividade de uma entidade pública (município) é da competência dos tribunais comuns. Em sentido idêntico ou similar pode ver-se o Ac. desta Relação de 16/12/2003 (em que o aqui relator interveio como 2.º Ajunto), também disponível in www.dgsi.pt, onde é referido o seguinte: - O que está em causa na presente providência não é a execução pela Câmara Municipal das obras de abertura, limpeza ou alargamento dum caminho público, mas sim saber-se se esta, deliberadamente, violou o direito de propriedade do A. e, tendo-o feito, impedir que continue a violá-lo. Estando em causa apenas uma ofensa ao direito de propriedade, ou à posse do requerente, é óbvio que serão os Tribunais comuns e não os administrativos os competentes para apreciar e decidir este pleito onde está apenas em causa a apreciação dum ilícito de natureza cível (sendo que a natureza do ilícito não se altera pela qualidade do agente – seja pessoa de direito público ou privado). Por outro lado – e no que respeita à legitimidade passiva dos requeridos – constata-se que, após a prolação do despacho de aperfeiçoamento pela Julgadora a quo, a requerente veio indicar como sujeito passivo, além da construtora da obra (…, Engenharia e Construções, S.A.), também o dono da respectiva obra (Município de Olhão). Ora, é jurisprudência pacífica dos nossos tribunais superiores que, numa providência cautelar de embargo de obra nova, têm legitimidade passiva, não só o autor material da obra, como também o mandante da dita obra – cfr., entre outros, o Ac. desta Relação de 18/10/1984, CJ 1984, Tomo IV, pág. 296. Assim sendo, pelas razões supra elencadas, forçoso é concluir que, não só o tribunal comum é o competente para dirimir o presente litígio, como também os dois requeridos acima identificados são parte legítima passiva nesta providência. Analisando agora a segunda questão levantada pela requerente, ora apelante – relativa a saber se na petição inicial foi alegada por aquela a factualidade essencial tendente a, resultando provada, preencher os requisitos necessários para que a providência cautelar de embargo de obra nova venha a ser decretada – haverá que referir a tal propósito que decorre do estipulado no artigo 397.º do C.P.C. que são requisitos essenciais do embargo de obra nova os seguintes: a) o requerente seja titular de um direito; b) esse seu direito tenha sido ofendido, em consequência duma obra, trabalho ou serviço novo; c) as ditas obras, trabalho ou serviço novo lhe causem ou ameacem causar prejuízo. O direito de que o requerente tem de ser titular há-de ser ou o direito de propriedade (sob a forma singular ou comum), ou a posse ou qualquer outro direito real de gozo, como o usufruto, o uso e habitação, a servidão, o direito do arrendatário e o do senhorio – cfr., neste sentido, Moitinho de Almeida in “Embargo ou Nunciação de Obra Nova”, 1974, págs. 19, 20, 21 e 36. Por outro lado, «este primeiro requisito – existência de um direito – exprime a aparência do direito do requerente da diligência, contentando-se a lei, para a sua verificação, com um juízo de probabilidade ou verosimilhança» – cfr. autor e obra citada, pág. 22. Por isso se tem entendido que: a) «no julgamento de embargo de obra nova, não pode o tribunal decidir sobre a existência ou inexistência do direito em que o embargante funda a sua pretensão, pois só lhe compete, em face das provas oferecidas ou exigidas, ajuizar da verosimilhança desse direito e da existência do perigo que porventura o ameaça» – cfr. Ac. do S.T.J de 30/7/1954, in BMJ 44, pág. 321. b) «para o decretamento do embargo não é necessário que o requerente esteja já legalmente reconhecido como titular do direito que invoca, visto que isso é matéria a dirimir na acção principal, de que a referida providência é liminar ou incidente» – cfr. Ac. da R.L. de 30/7/1965, in Jurisprudência das Relações, ano 4º, pág. 603. c) «no procedimento cautelar de embargo de obra nova, a prova dos direitos invocados pelo requerente não tem de ser cabal, em face da sua finalidade, da natureza urgente do seu decretamento e da possibilidade de reacção do requerido, por meios adequados à ofensa dos seus direitos, se tal se verificar» – cfr. Ac. da R.L. de 1/3/1968, in Jurisprudência das Relações, ano 14º, pág. 219. d) «não é necessário para que a providência [de embargo de obra nova] seja decretada, que a prova produzida fundamente um juízo de certeza acerca da titularidade do direito invocado; basta que permita formular um juízo de probabilidade acerca dessa titularidade» – cfr. Ac. da R.E. de 27/11/1974, in BMJ 242, pág. 370. e) «a prova da titularidade do direito e da sua ofensa, no embargo de obra nova, pode não ser completa, de modo a criar um juízo de certeza; basta apenas o «juízo de verosimilhança» ou de «forte probabilidade» – cfr. Ac. da R.L. de 25/2/1976, in C.J., 1976, tomo 1, pág. 245. f) «é suficiente a prova testemunhal sobre os fundamentos do embargo, incluindo o direito de propriedade; não se torna aqui indispensável a prova documental desse direito» – cfr. Ac. da R.P. de 5/2/1980, in BMJ 295, pág. 460. E g) «num processo cautelar de embargo de obra nova, é suficiente a prova perfunctória do direito de propriedade do requerente, sem prejuízo da discussão e da clarificação a realizar e a emergir da causa principal» – cfr. Ac. da R.E. de 30/1/1986, in BMJ 355, pág. 452. É, portanto, consensual o entendimento segundo o qual o preenchimento do requisito do embargo de obra nova consistente na titularidade, por parte do requerente, de um direito, real ou pessoal de gozo, ou na posse duma coisa, se basta com a formação de um juízo de verosimilhança sobre a existência do direito cuja titularidade o requerente se arroga, de acordo com a regra geral contida no artigo 368.º, n.º 1, do C.P.C.. O segundo dos requisitos do embargo de obra nova é – como vimos – a «existência de obra, trabalho ou serviço novo que cause ou ameace causar prejuízo, isto é, um facto ilícito ou ameaça de facto ilícito, ofensivo do direito do requerente» – cfr. Moitinho de Almeida, in obra citada, pág. 22, in fine. É este facto ilícito que constitui, precisamente, a causa de pedir do embargo – cfr. Alberto dos Reis, in “Código de Processo Civil anotado”, vol. II, 3ª ed., 1981, pág. 61. Este segundo requisito decompõe-se afinal em dois sub-requisitos, quais sejam: a) A existência da obra nova (entendendo-se por obra nova tanto «a que é feita pela 1ª vez como toda a obra que é feita em obra antiga, modificando-a ou alterando a sua situação de modo a que a modificação seja capaz de alterar o estado da coisa» – cfr. Moitinho de Almeida, in obra citada, pág. 23; «o que importa é que o facto seja novo, isto é, que não seja a reprodução ou a repetição, pura e simples, de facto anterior») – cfr. Alberto dos Reis, in obra e vol. citado, pág. 63; b) Que tal obra consista num facto ilícito («a ilicitude da obra nova é essencial para justificar o embargo, visto este não poder ter lugar quando a obra constitua o legítimo exercício de um direito do seu autor, embora daí possa advir prejuízo ao requerente da diligência») – cfr. Moitinho de Almeida, in obra citada, pág. 26. Muito embora a letra da lei (o texto do n.º 1 do citado artigo 397.º) inculque a exigência dum terceiro requisito (que a obra, trabalho ou serviço novo, além de constituir um facto ilícito, cause ou ameace causar prejuízo ao requerente), a verdade é que – como nota Moitinho de Almeida – «o prejuízo, como requisito do embargo de obra nova, não carece de valoração autónoma, pois deriva sempre pura e simplesmente da própria violação do direito» – cfr. obra citada, pág. 28. Também para Alberto dos Reis «basta a ilicitude do facto, basta que este ofenda o direito de propriedade, a posse ou a fruição; o prejuízo consiste exactamente nessa ofensa» – cfr. obra e vol. citado, página 64, in fine. «Trata-se de dano jurídico, isto é, de dano derivado, pura e simplesmente, da violação do direito de propriedade, da posse ou da fruição» – cfr. Alberto dos Reis, ibidem. De sorte que – conclui este último autor – «desde que o facto tem a feição de ilícito, porque é contrário à ordem jurídica concretizada num direito de propriedade, numa posse ou fruição legal, tanto basta para que haja de considerar-se prejudicial para os efeitos do embargo de obra nova; o embargante não precisa de filiar o seu prejuízo noutra razão que não seja a ofensa da sua situação jurídica subjectiva, não precisa de alegar que, na realidade das coisas, a obra lhe acarreta perdas e danos» – cfr. obra e vol. citado, pág. 65. No caso dos presentes autos, sustenta a requerente, ora apelante, que é co-proprietária e usufrutuária de um prédio construído em 1972, sendo que está a ser realizada em prédio confinante ao seu imóvel uma obra que irá bloquear a luz e as vistas a sul e a poente, com janelas tapadas por paredes com a altura de 5 pisos, a um metro de distância. Ora, não poderá deixar de se reconhecer à requerente legitimidade activa para requerer a ratificação do embargo em questão, pois, de uma maneira geral, tem legitimidade activa para lançar mão do embargo de obra nova, todo aquele que, sob a forma singular ou comum, for titular de um direito de propriedade ou de qualquer outro direito real de gozo. Quanto ao proprietário, como ele goza de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso e fruição da coisa que lhe pertence (artigo 1305.º do Código Civil), «toda a obra que o limite na possibilidade desse uso e fruição, ainda que de facto ele não esteja [de momento] exercendo plenamente o seu direito, constitui ofensa ao direito de propriedade» – cfr. Lebre de Freitas-Montalvão Machado-Rui Pinto, in “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. 2º, 2001, pág. 139. «Isto é assim mesmo que o direito de propriedade se ache comprimido por um direito real menor, visto que a extinção deste fará recuperar a plenitude do uso e fruição da coisa». O embargo de obra nova integra-se, portanto, no «rol dos meios de defesa da propriedade, quer a ofensa derive de um conflito de vizinhança, quer de outro facto de onde, em termos objectivos, possam resultar prejuízos de ordem patrimonial» – cfr. Abrantes Geraldes, in “Temas da Reforma do Processo Civil”, Vol. IV, 2ª ed., 2003, pág. 241. O mesmo se aplica ao titular dum qualquer dos restantes direitos reais menores de gozo, tais como o direito de usufruto, de superfície ou de servidão predial, «que igualmente pode usar e fruir a coisa sobre a qual incide o seu direito, plenamente em certos casos (artigo 1439.º do C.C., para o usufrutuário) e limitadamente em outros (artigo 1481.º, n.º 1, do C.C. para o titular do direito de uso e habitação; artigos 1524.º do C.C. e 1532.º do C.C., para o superficiário; artigos 1543.º do C.C. e 1544.º do C.C., para o proprietário do prédio dominante» – cfr. Lebre de Freitas-Montalvão Machado-Rui Pinto, in obra e vol. citado, pág. 140. Ora, como vimos supra, resulta do teor da petição inicial, e do requerimento posterior de aperfeiçoamento, que a requerente alegou diversa factualidade tendente a demonstrar que é titular de um direito de propriedade comum e de um direito de usufruto sobre imóvel que identificou nos autos, estando a ser realizada uma obra em prédio confinante com o seu (a sul e a poente), a qual irá bloquear a luz e as vistas a sul e a poente, com janelas tapadas por paredes com a altura de 5 pisos, a um metro de distância, violando, assim, o disposto nos artigos 57.º e 59.º do PDM de Olhão e o artigo 73.º do RGEU, pelo que esta construção iniciada, se vier a ser terminada, irá causar um prejuízo no prédio da requerente em, pelo menos, 20% do seu actual valor comercial. Deste modo, resulta claro que a factualidade acima descrita – caso seja feita prova da mesma – preenche os requisitos previstos no artigo 397.º, n.º 1, do C.P.C., para que a providência cautelar de embargo de obra nova possa vir a ser decretada. Assim sendo, atentas as razões e os fundamentos supra referidos, forçoso é concluir que a decisão recorrida não se poderá manter, de todo, revogando-se a mesma em conformidade e, por via disso, determina-se que os presentes autos prossigam os seus ulteriores termos na 1.ª instância (nomeadamente com a citação dos dois requeridos, já identificados nos autos, para, querendo, deduzirem a respectiva oposição). Uma vez que, como vimos, procedeu a segunda questão recursiva suscitada pela requerente, aqui apelante, mostra-se prejudicada a apreciação e análise da terceira questão por aquela levantada (relativa às pretensas nulidades da decisão recorrida, previstas no artigo 615.º do C.P.C.). Por fim, atento o estipulado no n.º 7 do artigo 663.º do C.P.C., passamos a elaborar o seguinte sumário: (…) Decisão: Pelo exposto acordam os Juízes desta Relação em julgar procedente o presente recurso de apelação interposto pela requerente e, em consequência, revogam a decisão recorrida nos exactos e precisos termos acima explanados. Sem custas. Évora, 30 de Junho de 2021 Rui Machado e Moura Eduarda Branquinho Mário Canelas Brás __________________________________________________ [1] Cfr., neste sentido, Alberto dos Reis in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. V, págs. 362 e 363. [2] Cfr., também neste sentido, os Acórdãos do STJ de 6/5/1987 (in Tribuna da Justiça, n.ºs 32/33, p. 30), de 13/3/1991 (in Actualidade Jurídica, n.º 17, p. 3), de 12/12/1995 (in BMJ n.º 452, p. 385) e de 14/4/1999 (in BMJ n.º 486, p. 279). [3] O que, na alegação (rectius, nas suas conclusões), o recorrente não pode é ampliar o objecto do recurso anteriormente definido (no requerimento de interposição de recurso). [4] A restrição do objecto do recurso pode resultar do simples facto de, nas conclusões, o recorrente impugnar apenas a solução dada a uma determinada questão: cfr., neste sentido, Alberto dos Reis (in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. V, págs. 308-309 e 363), Castro Mendes (in “Direito Processual Civil”, 3º, p. 65) e Rodrigues Bastos (in “Notas ao Código de Processo Civil”, vol. 3º, 1972, pp. 286 e 299). |