Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
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| Relator: | MANUEL BARGADO | ||
| Descritores: | DIREITO DE PREFERÊNCIA COMUNICAÇÃO ACÇÃO DE PREFERÊNCIA PRAZO AUDIÊNCIA PRÉVIA LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ | ||
| Data do Acordão: | 12/10/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | REVOGADA PARCIALMENTE A SENTENÇA RECORRIDA | ||
| Área Temática: | CÍVEL | ||
| Sumário: | Sumário:
I - Não está prevista legalmente a dispensa da audiência prévia quando o juiz pretenda decidir do mérito da causa ou de alguma exceção perentória. II - A dispensa dessa diligência ao abrigo dos poderes/deveres de gestão e adequação processual deve ser antecedida de audição das partes quer sobre tal adequação, quer sobre a possibilidade de decidir, quer sobre o teor da decisão a proferir. III - O direito legal de preferência atribuído pela lei aos comproprietários pode ser considerado como o paradigma do direito de preferência legal na alienação de coisas, prosseguindo finalidades que transcendem os interesses privados e imediatos do respetivo titular e encontrando-se teleologicamente orientado à proteção da propriedade perfeita, através da sua exploração mais racional e da minimização dos litígios inerentes à comunhão de direitos. IV - Entre os elementos necessários à decisão do preferente, tais como exigidos no nº 1 do art. 416º do CC e o «conhecimento dos elementos essenciais da alienação», constante do nº 1 do art. 1410º do CC, não há inteira analogia. V - O dever de comunicação para preferência resulta da vontade séria do obrigado à preferência a contratar, e supõe a sua realização expressa num projeto concreto, articuladamente delineado, que deverá ser transmitido ao preferente. VI - Quando os requisitos exigidos no nº 1 do art. 416º do CC não tenham na comunicação sido observados (qualificada a inobservância como essencial, em termos de habilitar a decisão do preferente, quanto ao exercício do direito), não valerá ela para os efeitos previstos nesse artigo, abrindo caminho ao preferente, em caso de alienação, para a propositura da ação prevista no art. 1410º do CC. VII - O prazo previsto neste último preceito inicia-se após a transmissão válida do bem objeto do direito de preferência e conta-se a partir da data em que o preferente preterido tomou conhecimento dos elementos essenciais da alienação do bem. VIII - A interpretação dos factos feita pela ré/recorrente, deve ser entendida como a defesa convicta de uma perspetiva jurídica desses factos, que no caso foi diversa daquela que a decisão judicial acolheu, o que não implica, por si só, litigância censurável a despoletar a aplicação de qualquer sanção processual. | ||
| Decisão Texto Integral: | Proc. nº 6286/23.5T8STB.E1
Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora I - RELATÓRIO AA instaurou a presente ação declarativa, sob a forma de processo comum, contra Bestyellow - Sociedade Imobiliária, Lda. e Agenda Alerta, Unipessoal Lda., pedindo que seja: «I. Reconhecido o direito de preferência da Autora sobre a metade indivisa da fração autónoma designada pela letra “L” correspondente ao quinto andar, letra B, destinado a habitação, do prédio urbano em regime de propriedade horizontal sito na Urbanização 1 (lote 67), na Rua A, freguesia de Cidade 1), concelho de Cidade 1 onde se encontra descrito na 2.ª Conservatória do Registo Predial de Cidade 1 sob a descrição n.º 2343/19910926, da mencionada freguesia, e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 15847 - L da freguesia de Cidade 1), concelho de Cidade 1; II. Reconhecido à Autora o direito de propriedade sobre a fração anteriormente identificada e que a Autora AA, divorciada, portadora do cartão de cidadão n.º ..., emitido pela República Portuguesa e válido até ........2031, contribuinte fiscal n.º ..., com residência na Rua A, lote 67 – 5.º Dto., ... Cidade 1, substitua a Ré AGENDA ALERTA, UNIPESSOAL LDA., sociedade comercial unipessoal por quotas, com o número único de matrícula e identificação fiscal n.º ..., matriculada na Conservatória do Registo Predial e Comercial da Amadora, com o capital social de € 15.000,00 e sede no Caminho 2, no negócio celebrado no dia 30 de março de 2023; III. Declarada a nulidade do contrato de compra e venda com termo de autenticação, datado de 25 de maio de 2023, realizado no escritório da Dr.ª BB, solicitadora portadora da cédula n.º ..., sito na Rua B, que se encontra arquivado sob o n.º A40984/2023 a fls. N.º 11 da Pasta de Atos e Contratos n.º P 4098/2023, depositado em www.predialonline.pt, com um total de 11 (onze) páginas e o n.º de registo A/2599402, na Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução e selo de autenticação 6205420, por se tratar de uma venda de bens alheios, por parte da 1.ª Ré e com a conivência da 2.ª Ré ou, caso assim não se entenda, que seja declarada com base na simulação operada pelas Rés; IV. Em consequência, ordenado o cancelamento da inscrição de registo predial a favor da 2.ª Ré (Ap. 5854 de 2023/06/23, registada no sistema às 16:24:12 UTC), mediante averbamento da titularidade a favor da Autora a efetuar nos termos do artigo 101.º do Código do Registo Predial, ou de quaisquer outras inscrições de registo predial sobre o mencionado prédio. Alegou, em síntese, que inicialmente os proprietários da dita fração “L” eram a autora, na proporção de ½, e o seu companheiro, na mesma proporção, sendo que, por questões relacionadas com dívidas, a metade indivisa propriedade do companheiro foi adquirida pelo Novo Banco, S.A. por compra em negociação particular que teve lugar no âmbito de execução movida ao companheiro, situação de compropriedade que durou até 09.11.2025, data em que a 1ª ré, na sequência da compra que celebrou com a referida entidade bancária, registou a seu favor a aquisição do direito de propriedade de ½ da referida fração. Mais alegou que, posteriormente, no decurso do ano de 2023, a 1ª ré vendeu a dita fração à 2ª ré, não tendo cumprido com os necessários requisitos de tempo e forma quanto à comunicação para a preferência, inviabilizando a hipótese de a autora adquirir, como pretendia, o direito indiviso que foi adquirido pela 2ª ré a qual, de modo a inviabilizar o exercício do direito de preferência, repetiu os atos, procedendo a nova venda, quando a propriedade já havia sido transferida. Comunicada a pendência da ação à Conservatória do Registo Predial e perante a existência de um despacho de qualificação como provisório por dúvidas, veio a autora, por sua iniciativa, aperfeiçoar a petição inicial, o que lhe foi admitido por despacho de 08.04.2024, pretendendo, além do mais e em síntese, ver reconhecida a validade do negócio celebrado no dia 30 de março de 2023, devendo a 2ª ré ser condenada a promover o registo de aquisição do direito de propriedade de ½ da fração a seu favor, tendo por base o contrato de compra e venda outorgado com a 1ª ré, na referida data, e o consequente cancelamento da inscrição a favor da 2ª ré. Contestaram ambas as rés. A 1ª ré alegou ter concedido à autora várias oportunidades para a mesma preferir no negócio, caso assim o entendesse, tanto mais que deu instruções para dar sem efeito o contrato celebrado com a 2ª ré em 30.03.2023, mediante pedido para não se proceder ao registo de aquisição a favor desta ré e, bem assim, que o contrato e que os cheques bancários relativamente ao preço não fossem depositados, como não foram, pelo que tal negócio ficou inválido, sendo válido o que veio a ser celebrado em 25.05.2023, este com o preço depositado e, por conseguinte, válido. Invoca assim a exceção de caducidade, porquanto a autora conheceu as condições do negócio em 16.03.2023 e a presente ação apenas deu entrada em 27.09.2023, já depois de decorrido o prazo de seis meses. Mais pede que a autora seja condenada como litigante de má-fé. A 2ª ré alegou que a aquisição do direito em causa veio a ser feita em 25.05.2023, data em que veio a pagar o preço e não, como pretende a autora, em 30.03.2023, uma vez que esse negócio foi dado sem efeito pela autenticadora, configurando a conduta da autora no executar de manobras dilatórias para ganhar tempo, com vista a angariar os recursos financeiros necessários para o pagamento dos valores consubstanciados ao exercício do direito de preferência, que não veio a exercer nos diversos momentos que lhe foram concedidos. Excecionou, tal como a 1ª ré, a caducidade do direito, uma vez que a autora tomou conhecimento do negócio em 17.03.2023, pelo que, em qualquer dos casos, pede a improcedência da ação. A autora respondeu à exceção de caducidade para sustentar que a carta que chegou ao seu conhecimento a 20 de março, foi uma comunicação feita por alguém que não tinha poderes para o efeito, dado que dos documentos apresentados, a sociedade “HG PT, S.A.” não possuía poderes de representação da 1.ª Ré, por não se encontrar devidamente mandatada, pelo que não poderia a comunicação produzir quaisquer efeitos, sendo que o contrato também não dizia respeito ao direito em causa. Mais alega a autora que perante avanços e recuos, apenas tomou conhecimento dos elementos essenciais do negócio no dia 6 de Abril de 2023, ou seja, na data em que foi confrontada com o teor do contrato de compra e venda celebrado em 30 de Março de 2023, pelo que a presente ação foi proposta em prazo. A autora respondeu também ao pedido de condenação como litigante de má-fé, concluindo pela sua improcedência e, por sua vez, pediu a condenação da 1ª ré como litigante de má-fé em multa e indemnização. Respondeu a 1ª ré, concluindo pela improcedência do pedido de condenação como litigante de má-fé. Frustrou-se a tentativa de conciliação entre as partes, as quais, ouvidas sobre a oportunidade de conhecimento imediato do mérito da causa, nada disseram. Foi de seguida proferida sentença em cujo dispositivo se consignou: «Face às razões de facto e de direito indicadas, julgo a acção totalmente procedente e, em consequência: 1) Reconheço como válido o negócio celebrado, entre as Rés Bestyellow - Sociedade Imobiliária, Lda., e Agenda Alerta, Unipessoal Lda., no dia 30 de Março de 2023, que versou sobre a aquisição de metade indivisa da fracção autónoma designada pela letra “L” correspondente ao quinto andar, letra B, destinado a habitação, do prédio urbano em regime de propriedade horizontal sito na Urbanização 1 (lote 67), na Rua A, freguesia de Cidade 1), concelho de Cidade 1, descrito na 2.ª Conservatória do Registo Predial de Cidade 1 sob a descrição n.º 2343/19910926, da mencionada freguesia, e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 15847 - L da freguesia de Cidade 1), concelho de Cidade 1. 2) Condeno as Rés a reconhecerem o direito a preferir da Autora, AA, no negócio referido em 1); 3) Declaro nulo e de nenhum valor, o negócio de compra e venda com termo de autenticação, datado de 25 de Maio de 2023, de idêntico objecto ao referido em 1), realizado no escritório da Dr.ª BB, solicitadora portadora da cédula n.º ..., sito na Rua B, que se encontra arquivado sob o n.º A40984/2023 a fls. N.º 11 da Pasta de Atos e Contratos n.º P 4098/2023, depositado em www.predialonline.pt, com um total de 11 (onze) páginas e o n.º de registo A/2599402, na Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução e selo de autenticação 6205420; 4) Em consequência, ordeno o cancelamento da inscrição de registo predial a favor da 2.ª Ré, sobre o referido direito, que corresponde à Ap. 5854 de 2023/06/23, registada às 16:24:12 UTC e determino a inscrição do referido direito com base no contrato referido em 1); 5) Condeno as Rés a reconhecerem o exercício da referida preferência, substituindo-se a referida Ré, Agenda Alerta, Unip. Lda., na aquisição da mencionada propriedade (metade indivisa), ocorrida em 30 de Março de 2023, pela Autora, AA; 6) Determino que o referido em 5) seja averbado à inscrição de aquisição, sub-rogando a favor da Autora a posição da Ré Agenda Alerta, Unip. Lda. 7) Absolvo a Autora do pedido de litigância de má fé contra si formulado, condenado em custas pelo incidente a 1.ª Ré, no montante de 2 UC´s. 8) Condeno a 1.ª Ré Bestyellow - Sociedade Imobiliária, Lda., como litigante de má fé, em 25 UC´s (€2.550,00) de multa processual. 9) Condeno a 1.ª Ré Bestyellow - Sociedade Imobiliária, Lda., como litigante de má fé, a indemnizar a Autora na quantia de €5.000,00 (cinco mil euros), valor este em acréscimo às custas de parte e a liquidar directamente à mandatária da Autora, salvo se a Autora demostrar que a sua mandatária já está embolsada. 10) Fixo as custas da acção a cargo da 1.ª Ré.» Inconformada, a ré Bestyellow - Sociedade Imobiliária, Lda. apelou do assim decidido, finalizando a respetiva alegação com a formulação das conclusões que se transcrevem: «1. O juiz não pode dispensar a realização da audiência prévia quando se proponha julgar de mérito no despacho saneador [artigo 591.º, nº 1 al. b) do CPCivil]. 2. A Audiência Prévia é tendencialmente obrigatória, porquanto, por um lado, só em casos contados a lei permite que ela não se realize (artigo 592.ºdo CPCCivil) e, por outro, só nas hipóteses contempladas no artigo 593.º do mesmo diploma fica ao critério do juiz dispensar a sua realização. 2. Dispõe o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, Proc. N.º 2246/18.6T8FNC-A.L1-2: “No caso de pretender conhecer integralmente do mérito da causa, o juiz apenas poderá dispensar a realização da audiência prévia, depois de auscultadas as partes e usando dos mecanismos de gestão processual e de adequação formal, em conformidade com o disposto nos artigos 6.º e 547.º do CPC. 3. Tal omissão processual, gera a nulidade de todos os atos subsequentes e por conseguinte, a nulidade da sentença por não ter sido convocada a audiência prévia. 4. Pelo que desde logo, é nula a douta sentença do Tribunal a quo, por falta da realização da Audiência Prévia. 5. Por outro lado, em momento algum do processo judicial e na diversa troca de correspondência, a Recorrente atuou alguma vez como litigante de má-fé, para que o Tribunal a quo a tenha condenado de forma injusta e exagerada. 6. E ainda, mais veio o Tribunal a quo, a elevar a conduta da Recorrida, como sendo a única que trouxe a verdade aos autos, para concluir que a ação interposta pela Recorrida apenas se deve à culpa da Recorrente, afirmando na douta sentença que não soube ou não quis dar o direito de preferência à Recorrida. 7. Acrescentando o Tribunal a quo na douta sentença, que bastava a Recorrente proceder de forma correta, leal e de boa-fé para com a Recorrida e dar-lhe um contrato promessa com melhores condições e facilidades. Mais ainda, dizemos nós? 8. Se a Recorrente, não pretendesse conceder à Recorrida a faculdade de esta exercer o seu direito de preferência não tinha enviado diversas comunicações à Recorrida para o efeito. 9. Comunicações que continham todos os termos e condições do negócio e que a Recorrida confessou ter recebido. 10. Não há quaisquer dúvidas, pois resulta das comunicações efetuadas à Recorrida e esta as recebeu, de que a Recorrente tudo fez, para que a Autora exercesse o seu direito de preferência, que em momento algum lhe foi negado, ou não lhe foi reconhecido. 11. A Recorrida, não exerceu o seu direito de preferência, quando recebeu a carta para o efeito datada de 16/03/23, que continha todos os termos e condições do negócio e que confessou ter recebido, porque não tinha claramente capacidade económica para o efeito. 12. Aliás faz prova de que efetivamente a Recorrida não tinha fundos para efetuar a compra, nas datas indicadas pela Recorrente, porque para efetuar o depósito na ação de preferência no valor de 46.429, 00€, constituiu uma hipoteca voluntária sobre a sua quota parte de ½ que está registada pela AP. 3586 de 2023/09/27 14:45:27 UTC – e que se transcreve: Registado no Sistema em: 2023/09/27 14:45:27 UTC QUOTA HIPOTECADA: ½ SUJEITO(S) ATIVO(S): ** CC NIF ... Casado/a com DD no regime de Comunhão de adquiridos NIF do Conjuge ... Morada: Rua C Localidade: Cidade 1 ** DD NIF ... Casado/a com CC no regime de Comunhão de adquiridos NIF do Conjuge ... Morada: Rua C Localidade: Cidade 1 ** AA NIF ... Para garantia do empréstimo no valor de 46.429,00€. 13. O que manifestamente faz prova de que a Recorrida usou e abusou de todos os expedientes para protelar no tempo e sem qualquer fundamento legal, o exercício do seu direito de preferência, precisamente porque não tinha fundos para a compra quando foi notificada por diversas vezes pela procuradora da Recorrente, para que adquirisse a quota parte do imóvel. 14. A Recorrente, na sua contestação requereu que a Recorrida fosse notificada, para vir aos autos fazer prova em que data obteve os fundos para a compra da referida quota parte, o certo é que nada juntou e, o Tribunal a quo, fez tábua rasa dessa factualidade, de extrema importância para a descoberta da verdade. 15. A Recorrida não exerceu o seu direito de preferência, apesar de lhe terem sido dadas todas as oportunidades para o efeito, pela Recorrente, como está provado à saciedade, porque não tinha capacidade económica para o efeito, pelo que não pode a Recorrente que sempre atuou segundo os ditames da boa fé, vir agora a ser condenada como litigante de má fé, em multa de 25UC´s (€2.550,00) e em indemnização, ao ponto do Tribunal a quo chegar a enaltecer e justificar tal valor de 5.000,00€ pelo “patrocinio forense de elevado talento e destreza (como foi o caso)” (negrito e sublinhado nosso). 16. A Recorrida é que atuou de forma habilidosa e com intuito de claro de contornar a lei, arrastando a situação em meses, pois o prazo de oito dias, seria demasiado curto para obter o dinheiro para pagar o preço da compra e venda. 17. E não é como o tribunal a quo entendeu que a Recorrente devia ter celebrado um contrato promessa de compra e venda com a Recorrida para lhe dar melhores facilidades na obtenção de um crédito. 18. Estando em venda a quota parte do imóvel em crise, e havendo interessado na compra, como efetivamente aconteceu, a Recorrente comunicou os termos e condições do negócio à Recorrida em 16/3/25. 19. Manifestamente a Recorrente reconheceu o direito de preferência da Recorrida enquanto comproprietária previsto nos termos do artigo 1409 do Código Civil. 20. O direito de preferência significa que, em caso de venda ou dação em cumprimento da quota de um comproprietário a um estranho, os demais comproprietários têm direito a adquirir essa quota em condições iguais às oferecidas ao estranho. 21.Não é como o Tribunal a quo entendeu que a Recorrente devia ter dado outras condições e melhores facilidades à Recorrida, celebrar contrato promessa de compra e venda e, por essa razão a condenou aquela em litigante de má fé. 22.A lei é muito clara, pelo que o Tribunal a quo fez má interpretação dos preceitos normativos que regulam o direito de preferência. 23. A Recorrida não exerceu o seu direito de preferência, como lhe competia, demonstrado está nos autos, porque não tinha dinheiro, e pretendeu ganhar tempo, com pedidos sucessivos de esclarecimentos, expedientes meramente dilatórios, pois não basta dizer, mas sim atuar em conformidade com essa vontade real e esclarecida, com a declaração de vontade em preferir e comparecer, no local e horas indicados, em qualquer um dos dias designados, 30/03, 26/04 e 25/05 e, foram três, para outorgar a escritura ou o documento particular autenticado. 24. Ora, o prazo previsto no artigo 1410º do CC é um prazo de caducidade e, esta só é impedida pela prática de ato dentro do prazo legal, nos termos do artigo 331º do mesmo diploma, isto é, através de uma ação judicial a propor dentro de certo prazo. 25. O que não aconteceu, como se disse, pois desde 16/03/23, decorreram mais de seis meses, até ao dia 27/09/23, data da entrada da ação em juízo, pelo que a douta sentença devia ter decidido pela total improcedência da ação, e concluir pela sua intempestividade o que naturalmente conduz à absolvição da Recorrente e da 2ª Ré do pedido, devendo a sentença ser igualmente revogada nessa parte. 25. E apesar da Recorrida ter tomado conhecimento do projeto de venda e das condições de negócio, o certo é que, a sua atuação não passou de palavras vãs, pois nunca agiu de forma a concretizar o negócio definitivo, ou seja, a compra e venda. 26.A Recorrente embora tudo tenha diligenciado para a Recorrida formalizar o negócio de compra e venda, o certo é que, não a podia obrigar a comparecer para a formalização do negócio nas datas indicadas, mas muito menos perder a oportunidade de realizar o negócio com o terceiro interessado, 2ª Ré na ação. 27. Mesmo que tenha havido lapso, na indicação do código da procuração da Recorrente, na carta de 16/03/23, não afasta de forma alguma que lhe foram transmitidos de forma clara e transparente todos os termos do negócio e se a recebeu a 20/03/23, como confessa, pelo que até 27/09/23, decorreram mais de seis meses. (negrito e sublinhado nosso). 28. A Recorrida não pode de forma alguma negar que não entendeu os termos e condições do negócio que lhe foram comunicadas pela procuradora de Recorrente. 29. Foi na data de 25/05/23, que se consumou o negócio da compra e venda, pois foi nesta data depositado o cheque do preço ajustado e que a 2ª Ré procedeu ao registo da aquisição a seu favor, sendo este negócio válido e eficaz, tendo produzidos os seus efeitos, e que por isso deve manter-se. 30. A Recorrida na sua douta p.i, chega a ser ofensiva e manifestamente difamatória do bom nome e imagem da Recorrente ao vir acusá-la de que atuou em conluio com a 2ª Ré, com o intuito de a enganar e de a prejudicar, quanto ao exercício do direito de preferência, quando as diversas cartas remetidas fazem prova do contrário. 31. Tendo a Recorrente pedido a condenação de litigante de má fé e, que a conduta da Recorrida era suscetível de gerar responsabilidade civil e criminal, mas que pasme-se o Tribunal a quo só valorizou para um lado, o da Recorrida, ao ponto de referir na douta sentença, que a Recorrente estava a exercer “buling” junto da Recorrida. 32. O Tribunal a quo tem de ser imparcial na apreciação e valoração do que as partes alegam nos seus articulados. 33. O princípio da independência dos tribunais (art. 203.º da CRP), implica uma exigência de imparcialidade, que, na projecção do direito a um tribunal independente e imparcial constitucionalmente garantido, integram o sistema internacional de protecção dos direitos humanos, nomeadamente a CEDH (art. 6.º) e o Pacto dos Direitos Civis e Políticos (art. 14.º) 34. É fundamental que o juiz se posicione de forma equitativa entre as partes, buscando a verdade dos fatos e aplicando a lei de forma objetiva, o que manifestamente não aconteceu na douta sentença. 35.A imparcialidade do tribunal constitui um dos elementos densificadores da garantia do processo equitativo, com a dignidade de direito fundamental. 36. Foi a Recorrida, que à luz dos factos alegados e apurados, que atuou de forma consciente, voluntária e intencional e instaurou a presente ação alterando a verdade dos factos, servindo-se de meios processuais (a ação), com o propósito evidente de obter da Recorrente a anulação de um negócio e, todos os atos subsequentes, contornando a lei, de forma a conseguir o prazo para preferir que lhe dava mais jeito, de forma a obter vantagens económicas à custa do património e dos interesses da Recorrente, de forma a obter um prazo mais longo do que o prazo de oito dias, violando, assim, e de forma grosseira, aqueles deveres de cooperação e boa fé processual a que estava e está obrigada. 37. Nos termos previstos nos Artigos 542º e seguintes do Código de Processo Civil (CPC), a Recorrida não podia ignorar que a sua pretensão é vazia de fundamento e faz uso “manifestamente reprovável, com o fim de entorpecer a ação da justiça”. 38. E assim, devia sim a Recorrida ser condenada em multa e em indemnização à aqui Recorrente e, não o contrário. 39. A Recorrida não exerceu o direito de preferência, no prazo de oito dias, nem posteriormente nas datas que lhe vieram a ser designadas pela Recorrente, porque não tinha capacidade financeira. 40. E naturalmente, pretendendo adquirir ½ do imóvel, a Recorrida só tinha de o comunicar e igualar a proposta do terceiro interessado, a 2ª Ré. 41. E não com melhores condições ou facilidades, como o Tribunal a quo assim o decidiu. 42. A Recorrente cumpriu todos os requisitos do artigo 1409 do Código Civil ao comunicar à Recorrida todas os termos e condições de negócio e o nome do terceiro, pelo que se entende que a. Recorrida não exerceu o seu direito de preferência, no prazo ou melhor nos prazos que lhe foram dados, por sua exclusiva culpa e responsabilidade. 43. Está manifestamente provado que a Recorrente, só veio a concretizar a venda com recebimento do restante preço, quando outorgou novo documento particular autenticado em 25 de Maio de 2023, pois foi nesta data que depositou o cheque entregue, pela 2ª Ré, tendo esta registado legitimamente a aquisição da quota parte em seu nome, pelo que o negócio é válido, eficaz e produziu efeitos, devendo a sentença ser revogada também nesta parte. 44. Pelo que a ação devia ter sido julgada improcedente por não provada e por ter ocorrido a caducidade do seu exercício, como igualmente da caducidade de interposição da ação, por decurso dos seis meses, como se disse e, por conseguinte, conducente à absolvição da Recorrente e da 2ª Ré de todos os pedidos. 45. O Tribunal de 1ª Instância fez errada apreciação e interpretação do artigo 1409º do Código Civil, ao decidir pela condenação da Recorrente dos pedidos, com base em imputação de culpa à Recorrente que no entendimento do Tribunal a quo devia ter dado um contrato promessa de compra e venda, com melhores condições e facilidades para a Recorrida, e, na apreciação da prova que só podia conduzir à absolvição da Recorrente. 46. E ainda na não valorização da comunicação de 16/03/23 da Recorrente, onde está expressa e sem quaisquer dúvidas a intenção de venda a terceiro e os termos e condições do negócio, por parte da Recorrente à Recorrida, que deve ser considerada válida e eficaz, pois a Recorrida teve conhecimento claro do projeto de venda, só tinha de informar que pretendia exercer o seu direito de preferência nas condições que o terceiro estava disposto a comprar a quota parte do imóvel. 47. A decisão recorrida é nula e ilegal, violando o artigo 9° e, consequentemente, os artigos 1409º e 1410º, todos do Código Civil e artigo 542º e seguintes e 591.º, nº 1 al. b) ambos do Código de Processo Civil. Assim, com o Douto Suprimento do Tribunal ad quem, deve ser concedido provimento ao presente recurso e, em consequência, ser revogada a decisão que julgou totalmente procedente a ação, com a condenação da Recorrente, sendo a mesma substituída por outra que verifique a caducidade do direito de preferência, e a caducidade de interposição da ação e mantenha válido o negócio celebrado em 25/05/23, e, consequentemente absolva a Recorrente dos pedidos formulados, fazendo-se assim, inteira e sã JUSTIÇA». A autora contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso e consequente manutenção da sentença recorrida. Suscitou ainda a autora/recorrida as questões da não admissibilidade do recurso “por incumprimento do dever de apresentar conclusões”. Corridos os vistos, cumpre apreciar e decidir. II – ÂMBITO DO RECURSO Sendo o objeto dos recursos delimitado pelas conclusões das alegações da recorrente, sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (arts. 608º, nº 2, 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do CPC), as questões essenciais a decidir consubstanciam-se em saber: - se a sentença recorrida enferma de nulidade por ter sido dispensada a audiência prévia; - se ocorre no caso, por um lado, a caducidade do direito de exercer a preferência, na sequência da comunicação do projeto do negócio (artigo 416º, nº 2, do CC), e a caducidade do direito de ação de preferência (art. 1410º, nº 1, do CC). - se a ré/recorrente litiga de má-fé. Importará ainda, em primeiro lugar, apreciar a questão prévia suscitada pela autora, da rejeição do recurso por falta de conclusões. III – FUNDAMENTAÇÃO OS FACTOS Na 1ª instância foram dados como provados os seguintes factos1: 1. A Autora é proprietária e legítima possuidora da metade indivisa da fracção autónoma designada pela letra “L” correspondente ao quinto andar, letra B, destinado a habitação, do prédio urbano em regime de propriedade horizontal sito na Urbanização 1 (lote 67), na Rua A, freguesia de Cidade 1), concelho de Cidade 1 onde se encontra descrito na 2.ª Conservatória do Registo Predial de Cidade 1 sob a descrição n.º 2343/19910926, da mencionada freguesia, e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 15847 - L da freguesia de Cidade 1), concelho de Cidade 1. 2. Este prédio veio à posse da Autora por compra à sociedade comercial com a firma ERCAMAR-SOCIEDADE DE CONSTRUÇÕES, LIMITADA, encontrando-se a aquisição de ½ inscrita a seu favor pela apresentação n.º 15 de 2001/07/30, convertida em definitiva através do averbamento correspondente à apresentação n.º 7 de 2002/01/25. 3. Sobre a metade indivisa da Autora incidem duas hipotecas voluntárias, ambas a favor do NOVO BANCO, S.A. a primeira inscrita pela Ap. 16 de 2001/07/30, para garantia de capital no valor de 16.000.000$00 escudos e no montante máximo de 21.571.040$00 escudos, e segunda inscrita pela Ap. 54 de 2007/05/17, para garantia de capital no valor de €9.215,49 euros e no montante máximo de €13.039,92 euros. 4. Inicialmente, os proprietários da mencionada fracção eram a Autora e EE, ambos na proporção de ½ (metade). 5. A metade indivisa propriedade de EE foi adquirida pelo NOVO BANCO, S.A., por compra em negociação particular que teve lugar no âmbito do processo executivo n.º 5316/11.8TBSTB, que correu termos no Juiz 1 da Secção de Execução da Instância Central, junto do Tribunal Judicial da Comarca de Cidade 1. 6. Até início de Novembro de 2021, os proprietários da fracção eram a Autora e o NOVO BANCO, S.A., em partes iguais. 7. Em 9 de Novembro de 2021, na sequência da compra que celebrou com o NOVO BANCO, S.A., a 1.ª Ré, Bestyellow - Sociedade Imobiliária, Lda., registou a aquisição do direito de propriedade de ½ da referida fracção a seu favor. 8. Quando adquiriu a referida propriedade, a 1.ª Ré constituiu uma hipoteca voluntária a favor do NOVO BANCO, S.A., que incidiu sobre 33 prédios e 93 fracções, para garantia de capital no valor de €247.000.000,00 Euros e no montante máximo de €308.750.000,00 Euros, tendo como fundamento garantir “contratos financeiros concedidos a Bestyellow – sociedade Imobiliária, Lda. (NIPC ...); Blue Fields - Sociedade Imobiliária, Lda. (NIPC ...); Yellow Nuance – Sociedade Imobiliária, Lda. (NIPC ...), Juticalpa, Sociedade Imobiliária, Lda. (NIPC ...); Great Missouri - Sociedade Imobiliária, Lda. (NIPC ...) e Colba Directorship, S.L. (NIPC ...). 9. Com data de 16 de Março de 2023, colocada em correio no mesmo dia e depositada no receptáculo postal no dia 17 de Março de 2023, a sociedade comercial com a firma “HG PT, S.A.”, indicando ser procuradora da 1.ª Ré, remeteu à Autora uma carta com o seguinte teor: “N.ª Ref.ª: VIRE-1270 Assunto: Notificação para exercício do direito de preferência na alienação de imóvel IMÓVEL: ½ da fração autónoma designada pelas letras “L” correspondente ao Quinto andar letra B, destinado a habitação do prédio urbano sito em Urbanização 1 (lote 67) Rua A descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de Cidade 1, freguesia de Cidade 1), sob o n.º 2343, artigo matricial nº 15847 Exmos(as) Senhores(as) BESTYELLOW – SOCIEDADE IMOBILIÁRIA, LDA, com sede na….., que outorga através da sua procuradora, HG PT-SA, anteriormente HG PT Unipessoal, Lda,…..neste ato representada pelo procurador FF, cujas Procurações se encontram disponíveis para consulta no site procurações on line com os códigos PR-81627-48160-70808 e PR-05744-06863-40600, na qualidade de legitimo proprietário do direito de superfície do imóvel, vem pela presente informar V. Exas. nos termos legais e para os efeitos de exercício do direito de preferência, nos termos do disposto no artigo 28º do Decreto-Lei n.º 502/99, de que tem em curso um projeto de alienação do direito de superfície sobre o imóvel identificado em epígrafe: A) ADQUIRENTE: AGENDA ALERTA, UNIPESSOAL LDA. B) PREÇO GLOBAL: €45.000,00 (quarenta e cinco mil euros) C) PRAZO PARA ESCRITURA: até ao dia 20 de março de 2023 D) OUTRAS CONDIÇÕES: o imóvel será vendido livre de ónus ou encargos Neste sentido, solicitamos a V. Exas. que se dignem pronunciar, querendo, no prazo de 8 (oito) dias sobre o exercício do direito de preferência na alienação do referido imóvel, nos exatos termos e condições ora comunicados, sob pena de caducidade do referido direito de preferência. Junto segue: CRP e CPU…” 10. De acordo com da procuração com o código PR-81627-48160-70808, que corresponde ao código de identificação 04130-27258-63466, a mandante é a sociedade comercial “BLUE FIELDS - SOCIEDADE IMOBILIÁRIA, LDA” e em que esta constituí sua mandatária a “HG PT, S.A.”, e a procuração com o código PR-05744-06863-40600, que corresponde ao código de identificação 58301-14713-38185, a mandante é a sociedade comercial “HG PT, S.A.” e em que constituí seu mandatário FF. 11. Em seguida, a Autora dirigiu uma carta à sociedade comercial “HG PT, S.A.”, datada de 23/03/2023, enviada em 24/03/2023 e por aquela recepcionada em 27/03/2023, com o seguinte conteúdo: “Exm.os Senhores, Os meus cumprimentos Acuso a receção do v/ ofício, enviado em 16.03.2023 e rececionado em 20.03.2023, que mereceu a minha atenção e, nos termos do qual, me facultam o exercício de um alegado direito de preferência em nome de BESTYELLOW – Sociedade Imobiliária, Lda. Informo que não vos poderei reconhecer qualquer legitimidade de representação, atendendo a que a matéria retratada no ofício não vem acompanhado do correspondente mandato, sendo certo que a BLUE FIELDS não é, nem nunca foi, proprietária de ½ do referido imóvel. Sem conceder, sempre direi que não foram cumpridos os requisitos previstos no artigo 416.º do Código Civil, nem o imóvel em questão está sujeito à aplicação do disposto no Decreto-Lei n.º 502/99, por não se tratar de um direito de superfície. Por outro lado, não se compreende como poderá a escritura ser outorgada no dia 20.03.2023, sem indicação da hora e local da sua realização e, simultaneamente, considerarem que se encontra cumprido o prazo de 8 (dias) para exercício do mencionado direito. Informo, ainda, que não foram anexos os documentos que indicaram no v/ ofício. Assim, não possuo condições que me permitam pronunciar sobre o teor do vosso ofício, sendo certo que não prescindirei de qualquer direito que me assista, pois tenho interesse na aquisição do ½ da fração autónoma. Transmiti esta informação, anteriormente, via email, mas nunca obtive qualquer resposta. (…)” 12. Nas mesmas datas, a Autora deu a conhecer o conteúdo da referida missiva à 1.ª Ré. 13. Em 30/03/2023, através de documento particular autenticado por sujeito legalmente habilitado para o efeito, a 2.ª Ré, Agenda Alerta, Unipessoal Lda., declarou comprar à 1.ª Ré, Bestyellow - Sociedade Imobiliária, Lda., pelo preço de €45.000,00 (quarenta e cinco mil euros) que declarou já ter recebido, o direito de propriedade sobre a metade indivisa referida em 5) e 7). 14. No acto declararam que em 14/02/2023 havia sido “pago a título de sinal e princípio de pagamento”, a importância de €4.500,00 (quatro mil e quinhentos euros), e o remanescente de €40.500,00 (quarenta mil e quinhentos euros), suportado naquela data. 15. Nesse mesmo dia, o referido contrato, bem como os documentos que o instruíram, foram depositados no portal “www.predialonline.pt” do Instituto dos Registos e do Notariado, para tal negócio passar a beneficiar de todos os efeitos legalmente permitidos. 16. Por carta datada de 31/03/2023, enviada em 05/04/2023 e recepcionada pela Autora em 06/04/2023, a 2.ª Ré deu-lhe conhecimento de que havia adquirido ½ da fracção identificada em 1) no dia 30/03/2023 e, para o efeito, anexou uma cópia certificada do contrato de compra e venda outorgado com a 1.ª Ré. 17. Posteriormente, em carta datada de 12/04/2023 e entregue em 13/04/2023, a sociedade comercial com a firma “HG PT, S.A.”, invocando a qualidade de procuradora da 1.ª Ré, remeteu à Autora a dita missiva com o seguinte teor: “N.ª Ref.ª: VIRE-1270 Assunto: Notificação para Escritura (Documento Particular Autenticado) de Compra e Venda de ½ da fração autónoma designada pelas letras “L” correspondente ao Quinto andar letra B, destinado a habitação do prédio urbano sito em Urbanização 1 (lote 67) Rua A descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de Cidade 1, freguesia de Cidade 1), sob o n.º 2343, artigo matricial nº 15847 Exm.ª Senhora BESTYELLOW – SOCIEDADE IMOBILIÁRIA, LDA, com sede na….., que outorga através da sua procuradora, HG PT-SA, anteriormente HG PT Unipessoal, Lda.,…..neste ato representada pela sua procuradora GG, cujas Procurações se encontram disponíveis para consulta no site procurações on line com os códigos PR-36862-08124-81683 e PR-05744-06863-40600, adiante designada como Promitente Vendedora, vem no seguimento da vossa missiva datada de 23 de Março de 2023 comunicar que a escritura de compra e venda (Documento Particular Autenticado) de metade do imóvel supra mencionado se encontra agendada para o dia 26/04/2023, pelas 10:30 horas no Escritório da Dr.ª BB, sito na Rua B. Caso não exerça o seu direito de preferência no local, dia e hora supra indicados, a metade do imóvel será vendida neste local, dia e hora a: A) ADQUIRENTE: AGENDA ALERTA, UNIPESSOAL LDA. B) PREÇO GLOBAL: €45.000,00 (quarenta e cinco mil euros) C) OUTRAS CONDIÇÕES: o imóvel será vendido livre de ónus ou encargos, sendo o custo do cancelamento da hipoteca atualmente registada suportada pelo comprador. No dia da escritura deverá ser entregue um cheque visado / bancário à ordem de BESTYELLOW – SOCIEDADE IMOBILIÁRIA, LDA, no valor de €45.000,00 (quarenta e cinco mil euros), que corresponde ao valor da venda. Neste sentido, solicitamos a V. Exas. que se digne pronunciar, querendo, no prazo de 8 (oito) dias sobre o exercício do direito de preferência na alienação da metade do referido imóvel, nos exatos termos e condições ora comunicados, sob pena de caducidade do referido direito de preferência. Junto segue: CRP, CPU e Procurações” 18. Confrontada com tal comunicação, a Autora dirigiu uma carta resposta à sociedade comercial com a firma “HG PT, S.A.”, datada de 20/04/2023 e recepcionada em 21/04/2023, com o seguinte conteúdo: “Exm.os Senhores, Os meus cumprimentos Acuso a receção do v/ ofício datado de 12.04.2023, que mereceu a m/ atenção, mas considero que me deverão ser prestados os necessários esclarecimentos relativamente a este assunto, atento o seguinte circunstancialismo: No indicado ofício conferem-me o direito de exercer a preferência na aquisição de ½ do imóvel descrito, sendo que agendam a outorga do DPA para o próximo dia 26 de abril de 2023, pelas 10:30 h, no escritório da Dr.ª BB. Indicam-me, ainda, que o adquirente será a sociedade comercial com a firma “Agenda Alerta, Unipessoal, Lda.”. Confesso que não compreendo o teor da vossa notificação e entendo que não se verificam as condições exigidas para estar presente, pois a v/ representada já não é coproprietária de ½ do imóvel. De facto, no dia 10 de abril de 2023, a “Agenda Alerta, Unipessoal, Lda.” notificou-me de que era a actual coproprietária do imóvel, que poderia vender-lhe a minha quota-parte e que deveria proceder à entrega de uma cópia das chaves da fração. Anexo ao referido ofício, constava uma cópia certificada do contrato de compra e venda celebrado entre a v/ representa e esta firma, o qual teve lugar no passado dia 30 de março, no escritório da referida Dr.ª BB. Parece-me que, neste momento, a v/ representada está a arrogar-se de um direito que não lhe assiste e para o qual não detém legitimidade, tal como se alcança do teor da fotocópia do contrato e da caderneta predial do imóvel, que anexo. Acresce que, analisado o teor da cláusula nona do contrato de compra e venda, facilmente se permite concluir que foram prestadas falsas declarações pela procuradora da vossa representada, em meu prejuízo. Relativamente a esta questão, informo que irei participar o sucedido junto das competentes entidades. Em face do exposto, e não prescindindo de qualquer dos direitos que me assiste, sou a solicitar me prestem os necessários esclarecimentos e me indiquem como pretendem ultrapassar esta situação. Informo que me encontro disponível para uma resolução extrajudicial da questão.” 19. Nas mesmas datas, a Autora deu a conhecer o conteúdo da referida missiva à 1.ª Ré. 20. Em seguida, em carta datada de 04/05/2023 e entregue à Autora em 08/05/2023, a sociedade comercial com a firma “HG PT, S.A.”, invocando a qualidade de procuradora da 1.ª Ré, remeteu à Autora uma missiva com o seguinte teor: “N.ª Ref.ª: VIRE-1270 Assunto: Notificação para Escritura (Documento Particular Autenticado) de Compra e Venda de ½ da fração autónoma designada pelas letras “L” correspondente ao Quinto andar letra B, destinado a habitação do prédio urbano sito em Urbanização 1 (lote 67) Rua A descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de Cidade 1, freguesia de Cidade 1), sob o n.º 2343, artigo matricial nº 15847 Exm.ª Senhora BESTYELLOW – SOCIEDADE IMOBILIÁRIA, LDA, com sede na….., que outorga através da sua procuradora, HG PT-SA, anteriormente HG PT Unipessoal, Lda.,…..neste ato representada pela sua procuradora HH……, cujas Procurações se encontram disponíveis para consulta no site procurações on-line com os códigos PR-... e PR-..., vem no seguimento da vossa missiva datada de 23 de Março de 2023 comunicar que a escritura de compra e venda (Documento Particular Autenticado) de metade do imóvel supra mencionado se encontra agendada para o dia 25 de Maio de 2023, pelas 17h no Escritório da Dr.ª BB, sito na Rua B. Caso não exerça o seu direito de preferência no local, dia e hora supra indicados, a metade será vendida a: A) ADQUIRENTE: AGENDA ALERTA, UNIPESSOAL LDA. B) PREÇO GLOBAL: €45.000,00 (quarenta e cinco mil euros) C) OUTRAS CONDIÇÕES: o imóvel será vendido livre de ónus ou encargos. No dia da escritura deverá ser entregue um cheque visado/bancário à ordem de BESTYELLOW – SOCIEDADE IMOBILIÁRIA, LDA, no valor de € 45.000,00 (quarenta e cinco mil euros), que corresponde ao valor da venda. Neste sentido, solicitamos a V. Exas. que se digne pronunciar, querendo, no prazo de 8 (oito) dias sobre o exercício do direito de preferência na alienação da metade do referido imóvel, nos exatos termos e condições ora comunicados, sob pena de caducidade do referido direito de preferência. Junto segue: CRP, CPU e Procurações” 21. Após, a Autora dirigiu nova carta resposta à “HG PT, S.A.”, datada de 09/05/2023, por aquela recepcionada em 10/05/2023, com o seguinte conteúdo: “Exm.os Senhores, Os meus cumprimentos Acuso a receção do v/ ofício datado de 04.05.2023 e rececionado em 08.05.2023, que mereceu a m/atenção, mas considero que me deverão ser prestados os necessários esclarecimentos relativamente a este assunto, atento o seguinte circunstancialismo: No indicado ofício conferem-me o direito de exercer a preferência na aquisição de ½ do imóvel descrito, sendo que agendam a outorga do DPA para o próximo dia 25 de maio de 2023, pelas 17:00 h, no escritório da Dr.ª BB. Indicam-me, ainda, que o adquirente será a sociedade comercial com a firma “Agenda Alerta, Unipessoal, Lda.”. Confesso que não compreendo o teor da vossa notificação e entendo que não se verificam as condições exigidas para estar presente, pois a v/ representada já não é coproprietária de ½ do imóvel. De facto, no dia 10 de abril de 2023, a “Agenda Alerta, Unipessoal, Lda.” notificou-me de que era a actual coproprietária do imóvel, que poderia vender-lhe a minha quota-parte e que deveria proceder à entrega de uma cópia das chaves da fração. Anexo ao referido ofício, constava uma cópia certificada do contrato de compra e venda celebrado entre a v/ representa e esta firma, o qual teve lugar no passado dia 30 de março, no escritório da referida Dr.ª BB. Parece-me que, neste momento, a v/ representada está a arrogar-se de um direito de propriedade que não possui, dada a falta de legitimidade, tal como se alcança do teor da fotocópia do contrato e da caderneta predial do imóvel que tive oportunidade de enviar no meu ofício datado de 20.04.2023. Acresce que, analisado o teor da cláusula nona do contrato de compra e venda, facilmente se permite concluir que foram prestadas falsas declarações pela procuradora da vossa representada, em meu prejuízo. Relativamente a esta questão, informo que irei participar o sucedido junto das competentes entidades. Em face do exposto, e não prescindindo de qualquer dos direitos que me assiste, sou a solicitar me prestem os necessários esclarecimentos e me indiquem como pretendem ultrapassar esta situação. Informo que me encontro disponível para uma resolução extrajudicial da questão.” 22. Na mesma data, a Autora deu a conhecer o conteúdo da sua resposta à 1.ª Ré, que a recebeu em 11/05/2023. 23. Posteriormente, a “HG PT, S.A.”, remeteu à Autora nova carta, datada de 22/05/2023 e entregue em 23/05/2023, com o seguinte teor: “….vem no seguimento da vossa missiva datada de 09 de Maio de 2023 comunicar que a sociedade aqui indicada ainda é proprietária do imóvel, conforme CRP e CPU que anexa. Mais se informa que não tendo V. Ex.ª exercido a preferência iremos avançar com a venda do imóvel a sociedade Agenda Alerta, Unipessoal, Lda., no dia 25/05/2023, pelas 16:00 horas no Escritório da Drª BB, sito na Rua B. Junto segue: CRP e CPU” 24. A 25/05/2023, através de documento particular autenticado por sujeito legalmente habilitado para o efeito, a 2.ª Ré, Agenda Alerta, Unipessoal Lda., declarou comprar à 1.ª Ré, Bestyellow - Sociedade Imobiliária, Lda., pelo preço de €45.000,00 (quarenta e cinco mil euros) que declarou já ter recebido, o direito de propriedade sobre a metade indivisa referida em 5) e 7). 25. No acto declararam que em 14/02/2023 havia sido “pago a título de sinal e princípio de pagamento”, a importância de €4.500,00 (quatro mil e quinhentos euros), e o remanescente de €40.500,00 (quarenta mil e quinhentos euros), suportado naquela data. 26. Em seguida, por carta recebida em 02/06/2023, a Autora comunicou à 1.ª Ré que daí em diante, qualquer outro contacto deveriam ser realizados através da mandatária que constituiu, facultando para o efeito os seus contactos. 27. A aquisição da metade indivisa da fracção autónoma referida em 1), antes pertencente à 1.ª Ré, veio a ser registado pela 2.ª Ré, Agenda Alerta, Unipessoal Lda., em 23/06/2023, com base no negócio mencionado em 24) e 25). 28. Pese embora o referido em 27), pelo menos em 17/04/2023 já tinha sido participada a aquisição, pela 2.ª Ré, e a favor da mesma inscrito o respectivo direito na matriz predial urbana daquele prédio. E foi considerado não provado que: a) O negócio celebrado entre a 1.ª e 2.ª Ré, quanto ao direito sobre o imóvel referido em 1), ajustado em 30/03/2023, não foi sujeito a depósito legal no portal próprio do Instituto dos Registos e do Notariado. O DIREITO Questão prévia: da rejeição do recurso por falta de conclusões Segundo a ré/recorrente, o recurso deve ser rejeitado em virtude de as conclusões do recurso serem uma reprodução integral das alegações apresentadas. Como se sabe, e resumidamente, as conclusões exercem a importante função de delimitação do objeto do recurso [cf. o disposto nos nºs 3 e 4 do art. 635º, nº 3, do CPC] e como tal nos termos do nº1 do art. 639º, nº1, do mesmo Código, recai sobre o recorrente o ónus de ali sintetizar a argumentação que apresente na motivação do recurso, procedendo à enunciação dos fundamentos de facto e/ou de direito que constituem as premissas essenciais do encadeamento lógico que conduzirá à pretendida alteração ou a anulação da decisão recorrida. Assim, deverão corresponder à identificação, clara e rigorosa, de tais fundamentos que justificam a pretensão formulada, e que como se depreende, não se confundem com os argumentos que possam ser apresentados na motivação ou corpo das alegações, de ordem jurisprudencial ou doutrinal. Saliente-se que tem vindo a ser entendido pelo Supremo Tribunal de Justiça, que a reprodução nas conclusões do recurso da respetiva motivação não se configura como uma falta de alegações, prevista no art.º 641, n.º 2, al. b), do CPC, pois embora em termos formais, foi efetuada uma diferenciação entre a motivação do recurso e as conclusões e desse modo, uma diferenciação entre ambas, ainda que não assumindo a forma sintética a que reporta o legalmente estabelecido, e na medida em que não se mostre comprometida a perceção da essência do recurso, não dá lugar à sua rejeição, mas à prolação de despacho de convite ao aperfeiçoamento das conclusões2, conforme o nº 3 do art. 639º do CPC com a posterior apreciação face ao acolhimento (ou não), bem como à inerente concretização. Voltando à forma sintética como devem ser apresentadas as conclusões, reafirmando a clareza e precisão quanto às razões e fundamentos do recurso, permitindo ao recorrido responder de modo adequado, no cabal exercício do contraditório, mas também facilitando a delimitação do objeto do recurso ao tribunal ad quem, potencializando uma maior eficácia na realização da Justiça, deve tal formulação ser interpretada, todavia, de forma flexível, deixando a aplicação da cominação somente para aqueles casos em que é manifesto e objetivo o desrespeito pelas conclusões sintéticas, pelo que «(…) o não conhecimento do recurso deve ser usado com parcimónia e moderação, devendo ser utilizado, tão só, quando não for de todo possível, ou for muito difícil, determinar as questões submetidas à apreciação do tribunal superior ou ainda, quando a síntese ordenada se não faça de todo»3. Ora, debruçando-nos sobre as conclusões formuladas pela ré/recorrente, necessariamente fora do âmbito da bondade ou não do articulado em função da apreciação pretendida, verifica-se como percetível, não obstante alguma prolixidade, a invocação da nulidade da sentença, por ter sido dispensada a audiência prévia, da exceção de caducidade, por a autora não ter exercido o direito de preferência no prazo de seis meses a que alude o art. 1410º, nº 1, do Código Civil, e ainda na discordância pela sua condenação como litigante de má-fé. Não se estando perante conclusões que permitam afirmar que houve um rigoroso cumprimento, em termos técnicos, do dever de formulação conclusões sintéticas, não se configura que tal deva ser apreciado de forma rígida, numa prevalência da forma que não deve ser o caminho a seguir, mas sim realizado um juízo de proporcionalidade entre as falhas denotadas de falta de síntese, com os decorrentes efeitos, que não importam numa ininteligibilidade dos fundamentos e pretensão recursivos, relativamente aos quais se entendeu também desnecessário o convite ao aperfeiçoamento. Ademais, ao invés do afirmado pela autora, não se pode dizer que as conclusões sejam uma mera reprodução integral das alegações apresentadas, não obstante o seu caráter prolixo. Deste modo, com a moderação e parcimónia referidas, que devem pautar o não conhecimento do recurso por deficiências/falhas nas conclusões, não se configura que no caso, a mera prolixidade daquelas seja de tal forma relevante, que lhe retire o seu conteúdo útil, impedindo o conhecimento do recurso, sendo que a própria recorrida percebeu bem o sentido e alcance de tais conclusões. A este respeito, nada obsta, pois, ao conhecimento do recurso. Da dispensa da audiência prévia Diz a ré/recorrente que é nula a sentença por falta de realização da audiência prévia. No que respeita a esta matéria, importa começar por referir que quando o Tribunal pretenda conhecer do mérito da causa, deve convocar a audiência prévia, não se tratando aqui de um caso no qual a audiência prévia possa ser dispensada, em conformidade com as disposições conjugadas dos arts. 591º, nº 1, al. b) e 593º, nº 1, do CPC. A omissão desta formalidade legalmente prescrita constitui, assim, nulidade de procedimento, e gera também a nulidade da própria decisão, por excesso de pronúncia, nos termos, respetivamente, dos arts. 195º, nº 1 e 615º, nº 1, al. d) do CPC4. Há quem admita, com razão, que ao abrigo do princípio da gestão processual e do princípio da adequação formal (arts. 6º, nº 1 e 547º do CPC, respetivamente), o Tribunal dispense a realização da audiência prévia, desde que comunique às partes a sua intenção de conhecer do mérito da causa, de modo fundamentado, e desde que as partes se não oponham a tal dispensa5. A comunicação do Tribunal tem, pois, como finalidade, observar o princípio do contraditório, consagrado no art. 3º, nº 3, do CPC, preceito que resulta «duma conceção moderna do princípio do contraditório, mais ampla do que a do direito anterior à sua introdução no nosso ordenamento. Não se trata já apenas de, formulando um pedido ou tomada uma posição por uma parte, ser dado à contraparte a oportunidade de se pronunciar antes de qualquer decisão e de, oferecida uma prova por uma parte, ter a parte contrária o direito de se pronunciar sobre a sua admissão ou de controlar a sua produção. Este direito à fiscalização recíproca das partes ao longo do processo é hoje entendido como corolário duma conceção mais geral da contraditoriedade, como garantia da participação efetiva das partes no desenvolvimento de todo o litígio, em termos de, em plena igualdade, poderem influenciar todos os elementos (factos, provas, questões de direito) que se encontrem em ligação, direta ou indireta, com o objeto da causa e em qualquer fase do processo apareçam como potencialmente relevantes para a decisão»6. Deste modo, ainda que não se exija ao Tribunal que informe as partes do sentido final da decisão que pretende proferir, o exercício cabal do contraditório implica que seja transmitido o fundamento do conhecimento antecipado do mérito da causa, o que será variável em função das circunstâncias de cada caso. Assim, se se tratar de questão debatida nos articulados e relativamente à qual todos os factos relevantes estejam já estabilizados, será esse o fundamento a comunicar às partes, não tendo o Tribunal de informar sobre se vai julgar procedente ou improcedente a pretensão da parte7. Vejamos o caso concreto. Alegou a ora recorrente nos 63º e 64º da contestação que apresentou: «(…), considera a 1ª Ré, estarem reunidas todas as condições para ser proferida uma decisão de mérito, sem necessidades de formalidades processuais adicionais, uma vez que os autos já possuem todos os elementos/documentos relevantes para o efeito» (63º). «Pelo que se requer, desde já, que o Douto Tribunal dispense a realização da Audiência Prévia, com tentativa de conciliação, proferindo a respetiva decisão de mérito» (64º)». Temos assim que a 1ª ré, parte que pediu ao Tribunal que dispensasse a audiência prévia e proferisse decisão de mérito, recorre dizendo, no essencial, que o Tribunal fez o que lhe pedira, como bem se evidencia no despacho em que o Sr. Juiz a quo se pronunciou sobre a nulidade em causa. Ora, nos termos do nº 2 do art. 197º do CPC, «[n]ão pode arguir a nulidade a parte que lhe deu causa ou que, expressa ou tacitamente, renunciou à arguição», o que se afigura ser o caso, e tanto bastaria para julgar improcedente a arguida nulidade. Sem prejuízo, sempre se dirá que não corresponde à verdade a afirmação de que o Tribunal dispensou a audiência prévia, sem mais, pois aquando da realização da tentativa de conciliação realizada em 30.04.2024, na qual as partes se encontravam representadas respetivos mandatários, consignou-se o seguinte na respetiva ata: «(…), as partes foram advertidas que a acção pode ser conhecida sem necessidade de produção de prova testemunhal, em fase do teor da acção e das posições expressas pelas partes, havendo a necessidade, todavia de junção dos documentos que a autora indica no seu requerimento probatório, exceptuando o n.º 1 da alínea b), por tal documento já ter sido junto sem que ninguém tenha posto em causa a sua autenticidade. Seguidamente, a 2ª ré diz necessitar de 10 dias para proceder à junção desses mesmos documentos. As demais partes disseram nada ter a opor ou a requerer.» Em 20.02.2025, o Sr. Juiz a quo proferiu o seguinte despacho: «Cotejados os termos da acção, aliados aos documentos juntos nos autos, estamos em crer que a presente acção está habilitada a ser decidida mediante saneador-sentença, nos termos do disposto no art.º 595.º n.º 1 al. b) do Código de Processo Civil, sem necessidade de outra ou melhor prova. Em tal situação, a regra é a convocação de audiência prévia expressamente para o efeito de comunicação do teor da decisão. No entanto, conforme tem este Tribunal vindo a entender desde a entrada em vigor do actual Código de Processo Civil, é de conceder, ao abrigo dos poderes de gestão processual e de celeridade, que ao invés possa ser concedida às partes a oportunidade de, por escrito, esclarecerem da necessidade da sua realização para algum dos fundamentos elencados no n.º 1 do art.º 591.º do Código de Processo Civil, com a advertência que nada sendo fundadamente requerido em dez (10) dias, será proferido “saneador-sentença” ao abrigo do art.º 595.º n.º 1 al. b) do Código de Processo Civil, sem necessidade de convocação de audiência prévia expressamente para esse efeito. Notifique-se.» Da sequência processual acabada de referir, resulta não só que as partes estavam bem cientes de que o tribunal iria conhecer no saneador-sentença do mérito da causa, não se tendo oposto a que assim fosse, como foi a própria requerente a requerer, na contestação, a dispensa da audiência prévia, por entender que estavam «reunidas todas as condições para ser proferida uma decisão de mérito, sem necessidades de formalidades processuais adicionais, uma vez que os autos já possuem todos os elementos/documentos relevantes para o efeito». Em suma, não se verifica a nulidade invocada pela recorrente. Da caducidade Antes de entramos na análise desta questão, importa referir que lendo as conclusões apresentadas pela recorrente, não se vislumbra qualquer manifestação, ainda que ténue, de impugnar a decisão proferida sobre a matéria de facto, pelo que se tem por intocada a factualidade dada como assente pelo tribunal recorrido, situando-se assim o objeto do presente recurso no estrito plano da impugnação de direito8. Segundo a recorrente, o Tribunal a quo fez errada apreciação e interpretação do art. 1409º do Código Civil9, ao imputar a culpa à recorrente por não «ter dado um contrato promessa de compra e venda, com melhores condições e facilidades para a Recorrida, e, na apreciação da prova que só podia conduzir à absolvição da Recorrente», bem como «na não valorização da comunicação de 16/03/23 da Recorrente, onde está expressa e sem quaisquer dúvidas a intenção de venda a terceiro e os termos e condições do negócio, por parte da Recorrente à Recorrida, que deve ser considerada válida e eficaz, pois a Recorrida teve conhecimento claro do projeto de venda, só tinha de informar que pretendia exercer o seu direito de preferência nas condições que o terceiro estava disposto a comprar a quota parte do imóvel». Nos termos do disposto no nº 1 do art. 1409º do CC, o comproprietário goza do direito de preferência e tem o primeiro lugar entre os preferentes legais no caso de venda, ou dação em cumprimento, a estranhos da quota de qualquer dos seus consortes. É aplicável ao direito de preferência conferido no artigo 1409º o disposto nos arts. 416.º a 418.º e 1410.º, com as necessárias adaptações [nº 2 do art. 1409º do CC]. O direito de preferência dotado de “eficácia real” constitui um direito real de aquisição, enquanto tal e por assim ser, atribuindo ao respetivo titular, prioridade na celebração de determinado negócio jurídico que proporciona a aquisição de um direito real, desde que manifeste vontade de o realizar nas mesmas condições e termos que foram acordados entre o sujeito vinculado à preferência e um terceiro10. Neste âmbito, o direito legal de preferência atribuído pela lei aos comproprietários pode ser considerado como o paradigma do direito de preferência legal na alienação de coisas11, prosseguindo finalidades que transcendem os interesses privados e imediatos do respetivo titular e encontrando-se teleologicamente orientado à proteção da propriedade perfeita, através da sua exploração mais racional e da minimização dos litígios inerentes à comunhão de direitos12. Nos termos do disposto no nº 1 do art. 416º do CC, querendo vender a coisa que é objeto do pacto, o obrigado deve comunicar ao titular do direito o projeto de venda e as cláusulas do respetivo contrato. Lê-se no sumário do Ac. do STJ de 27.11.201813: «VI - Entre os elementos necessários à decisão do preferente, tais como exigidos no nº 1 do art. 416º e o «conhecimento dos elementos essenciais da alienação», constante do nº 1 do art. 1410º, não há inteira analogia. VII - O dever de comunicação para preferência resulta da vontade, da vontade séria, do obrigado à preferência a contratar – «Querendo vender a coisa», diz-se no nº 1 da art. 416º («Se quiser vender a coisa», no nº 1 do artigo seguinte) – e supõe a sua realização expressa num projeto concreto, articuladamente delineado, que deverá ser transmitido ao preferente. VIII - Tal comunicação não pode qualificar-se como convite a contratar, devendo por este entender-se apenas um ato tendente a provocar uma proposta, resumindo-se a um incentivo para que alguém dirija uma proposta contratual a quem convida, cabendo depois a este o papel de aceitar ou não a proposta. IX - Quando os requisitos exigidos no nº 1 do art. 416º não tenham na comunicação sido observados (qualificada a inobservância como essencial, em termos de habilitar a decisão do preferente, quanto ao exercício do direito), não valerá ela para os efeitos previstos nesse artigo, abrindo caminho ao preferente, em caso de alienação, para a propositura da ação prevista no citado art. 1410º.» No caso dos autos, o negócio de compra e venda do direito de propriedade sobre a metade indivisa da fração em discussão nos autos, foi celebrado em 30.03.202314 e a ação foi instaurada em 27.09.2023, pelo que, embora permaneça controvertida a data em que a autora (preferente) teve conhecimento do negócio, pode, com segurança, afirmar-se que não se verifica a exceção de caducidade (de ação). Porém, a ré/recorrente alega ter comunicado o projeto do negócio à autora, através de missiva datada de 16.03.2023, colocada no correio nesse mesmo dia e depositada no recetáculo postal no dia seguinte (17.03.2023), mais sustentando que foram dados à autora novos prazos e oportunidades para preferir em negócio a realizar em 26.04.2023 e, posteriormente, em 25.05.2023. A autora, por sua vez, contrapõe que a aludida carta, a qual chegou ao seu conhecimento em 20.03.2023, foi uma comunicação feita por alguém que não tinha poderes para o efeito, dado que dos documentos apresentados, a sociedade “HG PT, S.A.” não possuía poderes de representação da ré/recorrente, por não se encontrar devidamente mandatada para o efeito, pelo que não poderia tal comunicação produzir quaisquer efeitos, sendo que o contrato também não dizia respeito ao direito em causa e tendo a propriedade sido transmitida em 30.03.2023, «o direito de preferência foi coartado por iniciativa das Rés e não por qualquer conduta sua». Deste modo, constitui questão nuclear, saber se a comunicação prevista no artigo 416º, nº 1, do CC, foi ou não cabalmente efetuada, dado que, na afirmativa, opera a caducidade prevista no artigo 416º, nº 2, do CC, como facto extintivo do direito da autora, por o não ter exercido no prazo de 8 dias. Porém, na hipótese negativa, designadamente se não tiverem sido respeitados todos os requisitos da comunicação, tudo se passa como se a comunicação não tivesse sido efetuada, estando o preferente (preterido) legitimado a lançar mão da ação de preferência regulada no artigo 1410º do CC. Neste caso, a comunicação não produz efeitos «(…) abrindo caminho ao preferente, no caso de alienação, para a propositura da ação prevista no citado art. 1410º (…)»15. Resulta da factualidade provada que a sociedade “HG PT, S.A.”, indicando ser procuradora da 1ª ré, ora recorrente, expediu uma missiva dirigida à autora, datada de 16.03.2023, que veio a ser depositada no recetáculo postal a 17 de Março de 2023, na qual invocando a sua qualidade de «legitimo proprietário do direito de superfície do imóvel», fez saber que «até ao dia 20 de Março de 2023», poderia a autora exercer o direito de preferência no prazo de 8 (oito) dias. Em epígrafe, fez menção que o imóvel em causa era «½ da fracção autónoma designada pelas letras “L” correspondente ao Quinto andar letra B, destinado a habitação do prédio urbano sito em Urbanização 1 (lote 67) Rua A descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de Cidade 1, freguesia de Cidade 1), sob o n.º 2343, artigo matricial nº 15847» [ponto 9 dos factos provados]. Com a referida missiva foi junto o código da procuração em que é mandante a sociedade comercial “BLUE FIELDS - SOCIEDADE IMOBILIÁRIA, LDA”, que constituí sua mandatária a “HG PT, S.A.”, e a procuração em que é mandante esta última sociedade, a qual constituiu seu mandatário FF [ponto 10]. Por sua vez, a autora, em 24.03.2023, enviou uma carta à sociedade “HG PT, S.A.”, por esta rececionada em 27.03.2023, na qual dá conta de que não poderia reconhecer legitimidade na representação, «atendendo a que a matéria retratada no ofício não vem acompanhado do correspondente mandato, sendo certo que a BLUE FIELDS não é, nem nunca foi, proprietária de ½ do referido imóvel» [ponto 11]. Nessa mesma missiva, refere ainda a autora16: «Sem conceder, sempre direi que não foram cumpridos os requisitos previstos no artigo 416.º do Código Civil, nem o imóvel em questão está sujeito à aplicação do disposto no Decreto-Lei n.º 502/99, por não se tratar de um direito de superfície. Por outro lado, não se compreende como poderá a escritura ser outorgada no dia 20.03.2023, sem indicação da hora e local da sua realização e, simultaneamente, considerarem que se encontra cumprido o prazo de 8 (dias) para exercício do mencionado direito.» Entendeu-se na sentença recorrida que nenhum valor pode ser atribuído à comunicação efetuada pela sociedade “HG PT, S.A.”, aduzindo-se o seguinte: «- Em primeiro lugar, foi comunicado à Autora, em 17/03/2023, que tinha o prazo de oito (8) dias, para preferir num negócio a ocorrer daí a três (3) dias (dado que lhe foi indicado o prazo de dia 20/03/2023); Esta contingência, por si só, era suficiente para ilustrar a ineficácia daquela concessão de oportunidade a preferir. Todavia, existe várias outras vicissitudes: - Quem fez a comunicação da preferência não exibiu, como lhe competia, os poderes que arrogava, o que assume especial relevância no caso, porque exibiu poderes que não correspondiam às afirmações invocadas na missiva, sendo assim hábil a gerar a confusão ao normal destinatário (art.º 236.º do CCiv.); - Não foram indicadas as cláusulas estipuladas, nomeadamente, as facilidades de celebração de contrato-promessa, como beneficiou a 2.ª Ré (cuja existência, seriedade e contornos do negócio, mais das vezes lavrados em contrato-promessa, importam na concessão de crédito bancário, que tantas vezes é necessário para aceitação do financiamento por banda dos bancos); - A comunicação foi realizada de forma deficiente, pois foi-lhe concedido o direito de preferir num projecto de alienação de um direito de superfície. - Por fim, não foi indicado nem onde, nem como deveria a Autora exercer o seu direito de preferência. De resto, a caducidade do exercício do direito de preferência acabou frustrada, pois que indiferente aos legítimos pedidos de esclarecimento da Autora (art.º 260.º n.º 1 do CCiv.), a 1.ª Ré decidiu celebrar, com a 2.ª Ré, o negócio em 30/03/2023, data esta não previamente comunicada à Autora. Desse negócio e seus efectivos contornos, só tomou a Autora efectivo conhecimento em 06/04/2023, quando foi a 2.ª Ré que deu conhecimento de que havia adquirido ½ da fracção identificada em 1) no dia 30/03/2023, mediante exibição do contrato de compra e venda outorgado com a 1.ª Ré (facto 16).» Afigura-se correto o entendimento vertido na sentença, salientando-se ainda o facto de o prazo previsto no art. 1410º do CC se iniciar após a transmissão válida do bem objeto do direito de preferência17, e contar-se a partir da data em que o preferente preterido tomou conhecimento dos elementos essenciais da alienação do bem18. Ora, como está provado, a autora apenas teve conhecimento do negócio celebrado em 30.03.2023, entre a 1ª ré/recorrente e a 2ª ré, em 06.04.2023, quando a 2ª ré lhe deu conhecimento de que havia adquirido ½ da fração dos autos, através da exibição do contrato de compra e venda outorgado com a 1ª ré. Não caducou, pois, o direito de a autora exercer a preferência. Do direito de preferência Vimos já supra que o comproprietário goza do direito de preferência e tem o primeiro lugar entre os preferentes legais no caso de venda, ou dação em cumprimento, a estranhos da quota de qualquer dos seus consortes [art. 1409º do CC]. Está provado que a autora é proprietária e possuidora da metade indivisa da fração autónoma em discussão nos autos, sendo que no decurso do ano de 2023, compartilhava a propriedade daquela fração com a ré/recorrente, que decidiu alienar aa sua metade a terceiros, no caso à 2ª ré. Inequivocamente a autora tinha direito a preferir naquele negócio, o que não fez porque, conforme se provou, terceiros comunicaram-lhe, em 17.03.2023, a realização da venda a ocorrer em 20/03/2023, o que acabou efetivamente por ter lugar em 30.03.2023. Bem andou, pois, a sentença recorrida, ao reconhecer o direito da autora a preferir no negócio celebrado em 30.03.2023, substituindo em tal negócio a 2ª ré, “Agenda Alerta, Unipessoal, Lda.”. Da litigância de má-fé Considerou-se na sentença recorrida que a ré/recorrente sabia, por ser a interveniente direta no negócio de 30/03/2023, que o mesmo tinha sido concretizado e depositado no portal apropriado ao efeito, e que apesar disso optou não só por não juntar tal prova aos autos (o que veio a ser feito pela 2ª Ré, por decisão judicial e após pedido da autora), como alegar precisamente o oposto, ou seja, afirmando que após receber a missiva da autora, «deu “instruções precisas à Senhora Dra BB, para que o mesmo não fosse depositado, não procedesse ao registo de aquisição a favor da 2ª Ré e, bem assim, que o cheque bancário relativamente ao preço não fosse depositado” (art.º 10.º da sua contestação), pelo que “o documento particular autenticado outorgado no dia 30/03/23, que não tendo sido depositado, nesse dia, ficou inválido, como no que veio a ser celebrado em 25/05/23, este sim depositado na predial online e, por conseguinte, válido.” (art.º 12.º da sua contestação), e “que mal chegou ao conhecimento (28/03) o teor da 1ª carta da A. logo de imediato, deu indicações para que não fosse depositado o cheque do valor do preço que lhe tinha sido entregue pela 2ª Ré, remetendo à A. várias comunicações no sentido de celebrar com a A. o negócio definitivo” (art.º 42.º da sua contestação). Por isso considerou a sentença recorrida «que a conduta da 1.ª Ré só se pode tomar como eticamente reprovável, na medida em que alterou, deliberadamente, a verdade dos factos, suscitando assim, desnecessariamente, uma demanda para a qual a Autora teve de mover esforços que lhe geraram despesas. Mais se pode ler na sentença recorrida: «Não adianta ensaiar a ideia de que nos autos não alegou que o contrato não foi depositado, mas apenas que deu instruções para o mesmo não ter sido depositado: se a 1.ª Ré não desejasse a validade do negócio, mais que a falta de depósito, não tinha o tinha celebrado, como celebrou, já que tomou conhecimento da posição da Autora antes de proceder à venda, como procedeu, que só aconteceu porque ali compareceu para o realizar, sendo que em qualquer dos casos a ideia que se pretendeu passar foi a de que o contrato não foi depositado. Consequentemente, sustentar perante o Tribunal, a falta de validade do negócio de 30/03/2023 não por razões de diferente interpretação jurídica, mas por alegar factos que bem sabe não serem verdadeiros, motiva que se conclua que a mencionada Ré agiu de forma não negligente mas dolosa, pretendendo deturpar factos cuja realidade não ignora, pretendendo ao invés, impedir a descoberta da verdade, e até instrumentalizando o próprio instituto da litigância de má fé com vista a constranger o direito de acção da Autora, pelo que é justificada e merecida a sua censura a título de litigância de má-fé (art.º 542.º n.º 1 e 2 al. a), b) e d) do CPC).» A recorrente insurge-se contra este entendimento, sustentando que em momento algum do processo judicial e na diversa troca de correspondência, atuou como litigante de má-fé, não compreendendo as razões pelas quais o tribunal a quo considerou a conduta da autora/recorrida como sendo a única que trouxe a verdade aos autos, para concluir que a ação interposta pela autora apenas se deve a culpa da recorrente, afirmando-se na sentença que não soube ou não quis dar o direito de preferência à recorrida. Acrescenta a recorrente que caso não pretendesse conceder à recorrida a faculdade de esta exercer o seu direito de preferência não lhe tinha enviado diversas comunicações para o efeito, as quais no seu entender, continham todos os termos e condições do negócio e que a recorrida confessou ter recebido, pelo que tudo fez para que a autora exercesse o seu direito de preferência, que em momento algum lhe foi negado, ou não lhe foi reconhecido, não o tendo feito porque não tinha capacidade económica para o efeito. Vejamos. «Diz-se litigante de má-fé quem, com dolo ou negligência grave: a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar; b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa; c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação; d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objetivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a ação da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão» (art. 542º, nº 2, do CPC). O instituto da litigância de má fé visa que a conduta dos litigantes se afira por padrões de probidade, verdade, cooperação e lealdade. Ora, «[a] concretização das situações de litigância de má fé exige alguma flexibilidade por parte do intérprete, o qual deverá estar atento a que está em causa o exercício do direito fundamental de acesso ao direito (art. 20º da Constituição da República Portuguesa), não podendo aquele instituto traduzir-se numa restrição injustificada e desproporcionada daquele direito fundamental. Importa não olvidar a natureza polémica e argumentativa do direito, o carácter aberto, incompleto e autopoiético do sistema jurídico, a omnipresente ambiguidade dos textos legais e contratuais e as contingências probatórias quer na vertente da sua produção, quer na vertente da própria valoração da prova produzida. (…). Assim, à semelhança da liberdade de expressão numa sociedade democrática, o direito fundamental de acesso ao direito só deve ser penalizado no seu exercício quando de forma segura se puder concluir que o seu exercício é desconforme com a sua teleologia subjacente, traduzindo-se na violação dos deveres de probidade, verdade e cooperação e numa utilização meramente chicaneira dos meios processuais, com o objectivo de entorpecer a realização da justiça. Por isso, o tipo subjectivo da litigância de má fé apenas se preenche em caso de dolo ou culpa grave.»19 Na verdade, o art. 20.º da CRP consagra dois fundamentais princípios, em tema de direito de defesa: - a todos é assegurado o acesso aos tribunais para defesa dos seus direitos; - todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objecto de decisão mediante processo equitativo. Trata-se de regras que estabelecem a possibilidade para qualquer sujeito de agir em juízo com o fim de obter a tutela dos seus direitos, mas também de exercer o direito de defesa em qualquer estado e grau do processo. A lei sanciona as situações em que a parte tenha uma conduta abusiva, dolosa ou gravemente negligente, no exercício do direito de ação ou de resistência em juízo. É unânime o entendimento de que não constitui dolo nem negligência grave, porque a incerteza da lei e a dificuldade de apurar os factos e de os interpretar, podem levar as partes a afirmarem um direito que não possuem ou a impugnar uma obrigação que devessem cumprir. Dito de uma forma simples: a falta de razão não basta para justificar a má fé20. No caso em apreço, afigura-se que a recorrente não pretende confundir o Tribunal, sucedendo apenas que é ela que está algo confusa em questões de direito, não tendo em devida conta a factualidade apurada. Está convencida de que tem razão, embora não a tenha, pois não demostrou ter efetuado validamente a comunicação prevista no nº 1 do art. 416º do CC. Ora, a sustentação de uma posição jurídica pouco esclarecida, como sucede in casu, não merece medida sancionatória. Também não se vislumbra em que medida a recorrente tenha «instrumentalizando o próprio instituto da litigância de má fé com vista a constranger o direito de acção da Autora», apenas pelo facto de ter pedido a condenação da autora como litigante de má-fé, o que encontra justificação na defesa convicta de uma perspetiva jurídica dos factos, que no caso foi diversa daquela que a decisão judicial acolheu Em suma, não indiciam os autos que a recorrente tenha atuado com dolo ou culpa grave, pelo que se impõe a revogação da sua condenação como litigante de má-fé. Vencida nas questões essenciais da apelação, e porque o incidente de má-fé não altera o valor da causa, suportará a ré/recorrente as custas respetivas - art. 527º, nºs 1 e 2, do CPC. IV - DECISÃO Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar parcialmente procedente a apelação e, em consequência, revogam a sentença recorrida na parte em que condenou a ré/recorrente como litigante de má-fé, mantendo-se no mais o decidido. Custas pela recorrente, nos termos sobreditos. * Évora, 10 de dezembro de 2025 Manuel Bargado (relator) Sónia Moura Ana Pessoa (documento com assinaturas eletrónicas)
___________________________________________ 1. Mantém-se a numeração e redação da sentença recorrida.↩︎ 2. Cf. Ac. STJ de 24.09.2020, proc. 4899/16.0T8PRT.P1.S1, disponível, como os demais adiante citados sem outra indicação, in www.dgsi.pt, referindo ser entendimento mais coerente com o direito de acesso aos Tribunais, consagrado no art. 20º, nº4, da Constituição da República Portuguesa, e ao próprio papel do Juiz enquanto gestor do processo [art. 6º do CPC], bem como uma ampla referência jurisprudencial. Também no Ac. do STJ de 13.4.2021, proc. 6086/19.7T8STB.E1.S1, se pode ler que «(…) no âmbito da ponderação dos pressupostos processuais, os princípios antiformalistas, “pro actione” e “in dubio pro favoritate instanciae” impõem uma interpretação que se apresente como a mais favorável ao acesso ao direito e a uma tutela jurisdicional efetiva, pelo que, suscitando-se quaisquer dúvidas interpretativas nesta área, deve optar-se por aquela que favoreça a ação e assim se apresente como a mais capaz de garantir a real tutela jurisdicional dos direitos invocados pela parte, o que, na espécie equivale a dizer que se deveria ter optado por um convite à sintetização e/ou esclarecimento das conclusões, ao invés da rejeição do recurso».↩︎ 3. Cf. Ac. do STJ de 18.02.2021, processo n.º 18625/18.6T8PRT.P1.S1. No mesmo sentido o Ac. do STJ de 30.11.2023, proc. 2861/22.3T8BRR.L1.S1, que aqui seguimos de perto.↩︎ 4. Cf., inter alia, os Acs. do Supremo Tribunal de Justiça de 16.12.2021, proc. 4260/15.4T8FNC-E.L1.S1, da Relação de Lisboa de 09.11.2023, proc. 7556/22.5T8LRS.L1-6, da Relação do Porto de 08.02.2024, proc. 2430/22.8T8VLG-B.P1, da Relação de Évora de 26.09.2024, proc. 3310/23.5T8FAR.E1, e da Relação de Guimarães de 18.12.2024, proc. 358/24.6T8VNF-A.G1.↩︎ 5. Cf., inter alia, os Acs. da Relação de Lisboa de 28.11.2023, proc. 19609/15.1T8LSB-A.L1-1, da Relação do Porto de 22.01.2024, proc. 347/23.8T8PRD.P1, da Relação de Guimarães de 28.11.2024, proc. 3731/21.8T8BRG-D.G1, e da Relação de Évora de 02.10.2025, proc. 229/24.6T8PTM-A.E1.↩︎ 6. Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Vol. 1.º, 4.ª ed., Almedina, 2014, p. 29.↩︎ 7. Cf. o Ac. desta Relação de 02.10.2025, citado supra (nota 2).↩︎ 8. Não há, assim, que conhecer a questão suscitada pela autora/recorrida nas contra-alegações, de que a recorrente não cumpriu os ónus previstos no art. 640º do CPC.↩︎ 9. Doravante abreviadamente designado CC.↩︎ 10. Cf. MÁRIO JÚLIO ALMEIDA COSTA, Noções fundamentais de direito civil, 5.ª ed., colab.: António Vieira Cura, Almedina, Coimbra, 2009, pp. 415-416 (como direito que faculta ao respetivo titular “a aquisição de direitos relacionados com uma coisa aos mesmos juridicamente afectada”); CARLOS MOTA PINTO, Teoria geral do direito civil, 4.ª ed. por António Pinto Monteiro/Paulo Mota Pinto, Coimbra Editora, Coimbra, 2005, p. 157; LUÍS CARVALHO FERNANDES, Lições de Direitos Reais, 6.ª ed., Quid Iuris, Lisboa, 2009, pp. 166-167, e, desenvolvidamente, MANUEL HENRIQUE MESQUITA, Obrigações reais e ónus reais, Almedina, Coimbra, 1990 (reimp.: 2003), pp. 187 e ss.↩︎ 11. RUI PINTO DUARTE, Curso de Direitos Reais, 4.ª edição, revista e aumentada, Principia, Lisboa, 2020, pp. 462-463.↩︎ 12. AGOSTINHO CARDOSO GUEDES, O exercício do direito de preferência, Publicações Universidade Católica, Porto, 2006, p. 254.↩︎ 13. Proc. 14589/17.1T8PRT.P1.S1.↩︎ 14. Cf. ponto 13 dos factos provados.↩︎ 15. Cf. Ac do STJ de 27.11.2018, proc. 14589/17.1T8PRT.P1.S1.↩︎ 16. Cujo conteúdo a autora, nessa mesma data, deu a conhecer à 1ª ré.↩︎ 17. Cf. Ac. da Relação de Coimbra de 08.03.2022, proc. 291/18.0T8GRD-C1, também citado na sentença recorrida.↩︎ 18. Cf., inter alia, o Ac. do STJ de 08.01.2015, proc. 164/09.8TCLRS.L1.S1.↩︎ 19. Ac. da Relação do Porto de 16.07.2014, proc. 117/13.1TBPNF.P1.↩︎ 20. Cf. Ac. do STJ de 21.10.2025, proc. 91/21.0T8TND-A.C1.SA.↩︎ |