Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | FRANCISCO MATOS | ||
Descritores: | RECLAMAÇÃO DA CONTA VALOR DA CAUSA TAXA DE JUSTIÇA REMANESCENTE | ||
Data do Acordão: | 03/19/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Sumário: | O incidente da reclamação da conta de custas não constitui meio processual adequado ao conhecimento da impugnação da decisão que fixou o valor à causa ou das razões de dispensa, total ou parcial, do pagamento do remanescente da taxa de justiça. (Sumário do Relator) | ||
Decisão Texto Integral: | Proc. n.º 393/20.3T8ABF-A.E1 Acordam na 2ª secção do Tribunal da Relação de Évora: I. Relatório 1. (…), Comercial, Lda. instaurou contra (…) e outros, ação declarativa com processo comum, a que foi atribuído o valor de € 4.300.000,00. A ação improcedeu em 1ª instância e a Autora, sem êxito, apelou da sentença; foi condenada em custas em 1ª e 2ª instância. Alcançada a fase da conta e notificada para pagar a quantia de € 147.849,00, a título de taxas de justiça, a Autora reclamou da conta. Alegou, no essencial: a “conta de custas notificada viola o direito de Acesso ao Direito e aos Tribunais, bem como a Tutela Efectiva, colocando em crise a realização plena do Estado de Direito Democrático constitucionalmente consagrado”; “a utilidade da própria ação (…) não equivale sequer ao valor total do contrato-promessa (€ 4.300.000,00), mas apenas a uma parte residual desse imóvel, ficando desde logo demonstrada a desproporcionalidade do valor atribuído à causa (…) que não ascenderia, e de forma generosa a uma valor superior a um milhão de euros (…)”; a resolução da causa “não assumiu complexidade (…) a petição inicial contava com 44 artigos (…) o julgamento realizou-se com um único tema de prova (…) em duas sessões e de simplicidade notória (…)”; “a absoluta desadequação e desproporcionalidade da conta de custas final em função dos factos e do direito (…) violações estas que sempre determinarão a nulidade da própria conta, o que se invoca igualmente para todos os efeitos legais”. Pediu: “a) Seja fixado o valor justo e proporcional à simplicidade da causa, como se alegou, e à consequente reduzida atividade jurisdicional do tribunal no julgamento de um único facto, que se provou, em cerca de quatro horas e que se traduziu numa sentença simples e curta e, subsequentemente, num acórdão reduzido e simples, o que não pode implicar custas superiores a € 15.000,00; b) Subsidiariamente, sempre se dirá que não poderiam as custas ser superiores ao montante equivalente àquele que seria fixado em caso de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, como é de Lei e de Justiça ou, no limite, fixado pelo valor económico correspondente a um milhão de euros (valor dos locados ocupados e cuja desocupação se pretendia através da presente ação), em cumprimento do disposto no artigo 529.º, n.º 2, do C.P.C. e, bem assim, dos artigos 3.º e 6.º do RCP.” Em vista do processo, o Exm.º Magistrado do Ministério Público emitiu douto parecer pugnando pelo indeferimento do requerimento da reclamação considerando “não existirem fundamentos legais para o mesmo.” 2. Sobre o requerimento recaiu o seguinte despacho: “Reclamação da conta de custas – fls. 547 Considerando: - O fundamento apresentado para a reclamação da conta de custas, isto é, a fixação de um valor justo e proporcional à simplicidade da causa, acrescentando ainda a autora reclamante que não poderiam as custas ser superiores ao montante equivalente àquele que seria fixado em caso de dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça; - O valor da causa de € 4.300.000 fixado no despacho de 2 de dezembro de 2020, ainda no Juízo Local de Albufeira, o qual transitou em julgado; - A intervenção obrigatória de advogado nesta ação, estando as partes acompanhadas dos respetivos mandatários, os quais conhecem as normas vigentes, designadamente as relativas ao valor das taxas de justiça, tendo com certeza a autora ponderado esse e outros dados antes de propor a ação; - O conteúdo do artigo 6.º, n.º 7, do Regulamento das Custas Processuais: nas causas de valor superior a (euro) 275 000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento, sendo que o Tribunal não ponderou a aplicação da segunda parte da norma em vista da tramitação normal dos autos – com duas sessões de audiência e sentença –, nos quais ainda houve recurso; - O facto de as partes não terem requerido sequer a dispensa do pagamento do remanescente atempadamente; - O teor da promoção que antecede, Indefiro. Custas do incidente pelo mínimo.” 3. A Autora recorre deste despacho, motiva o recurso e conclui: “1. Vem o presente recurso interposto do despacho que indeferiu (julgou improcedente) a reclamação de contas de custas apresentada pela Autora aqui Recorrente. 2. O Tribunal a quo não se pronunciou sobre o facto de a conta de custas notificada à Autora violar o direito ao Acesso ao Direito e aos Tribunais, bem como a Tutela Efetiva, colocando em crise a realização plena do Estado de Direito Democrático constitucionalmente consagrado, na medida em que, em conformidade com os artigos 2.º, 13.º e 18.º, n.ºs 2 e 3 e 20.º, todos da Constituição da República Portuguesa, não é admissível obstaculizar ou, pelo menos, dificultar objetiva e desproporcionalmente o direito ao acesso aos tribunais e a tutela jurisdicional efetiva. 3. Não cuidou igualmente o Tribunal a quo de analisar a invocação da Autora segundo a qual a interpretação efetuada pelo Tribunal quanto ao teor do artigo 529.º, n.º 2, do CPC e, bem assim, quanto aos artigos 3.º e 6.º do Regulamento das Custas Processuais (RCP), ser contrária à Constituição da República Portuguesa, sendo o exemplo notório da violação do Estado de Direito Democrático, do direito ao acesso aos Tribunais e à Justiça. 4. O Tribunal a quo omitindo assim pronúncia expressa sobre a fundamentação de direito aduzida pela Recorrente, o que gera a nulidade prevista no artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do C.P.C. aplicável à decisão em crise por força do disposto no artigo 613.º, n.º 3, do mesmo diploma legal e que se invoca para todos os efeitos legais. 5. O Tribunal a quo, aparentemente, apoiado na promoção do Digno Magistrado do Ministério Público, considerou a reclamação apresentada pela Autora à conta de custas como um pedido encapotado de dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, o que não é correto, tendo aplicado cegamente, e sem mais, o disposto no artigo 6.º, n.º 7, do RCP, o que é ilegal e não se pode aceitar. 6. A conta de custas notificada à Recorrente viola o direito ao Acesso ao Direito e aos Tribunais, bem como a Tutela Efetiva, colocando em crise a realização plena do Estado de Direito Democrático constitucionalmente consagrado, na medida em que, em conformidade com os artigos 2.º, 13.º e 18.º, n.ºs 2 e 3 e 20.º, todos da Constituição da República Portuguesa, não é admissível obstaculizar ou, pelo menos, dificultar objetiva e desproporcionalmente o direito ao acesso aos tribunais e a tutela jurisdicional efetiva. 7. O Tribunal a quo fixou o valor da ação em função do disposto no artigo 301.º do C.P.C., o que foi objeto de reclamação, tendo em consideração a injusta material de tal fixação, isto porque, e em primeira linha, a verdadeira utilidade dos presentes autos era a do cumprimento contratual da entrega do imóvel livre de ónus e encargos, ou seja, despojado dos lojistas que no imóvel ainda se encontram, não se discutindo nem peticionado a execução específica desse contrato. 8. O que estava em causa nos presentes autos não era o bem objeto desse contrato (este sim no valor de 4 milhões e trezentos mil euros), mas sim a condenação dos Réus a diligenciar no sentido da desoneração do imóvel (retirar do mesmo os ditos lojistas) objeto daquele contrato, o que representava uma parte residual do valor do prédio, como, aliás, ficou provado. 9. Por isso mesmo, a Autora ora Recorrente instaurou uma ação de execução específica (a qual corre termos no Juízo Central Cível de Portimão-Juiz 1, sob o n.º 2545/22.2T8PTM), que só se tornou possível com base na prova produzida nos presentes autos, na medida em que aqui se provou que os Réus (i) se vincularam a vender o prédio sem lojistas; (ii) que incumpriram o contrato promessa de compra e venda e, (iii) que incumpriram o contrato definitivo ao não celebrarem a escritura na data aprazada, uma vez que a condição prévia, desoneração do mesmo imóvel dos lojistas, por parte dos Réus, não estava preenchida. 10. A utilidade da própria ação não equivalia sequer ao valor total do contrato promessa (€ 4.300.000,00), mas apenas a uma parte residual desse imóvel, o que redunda logo na desproporcionalidade do valor atribuído à causa para efeito de fixação do valor das custas finais do processo e inelutavelmente, a violação do direito ao Acesso ao Direito e aos Tribunais bem como à Tutela Efetiva, colocando em crise a realização plena do Estado de Direito Democrático, como acima se invocou. 11. No caso sub iudice a desproporcionalidade da conta de custas resultava ainda inequívoca quando o Tribunal a quo, embora tenha proferido sentença absolutória dos Réus – no sentido de não poder obrigar terceiros a abandonar o locado – decidiu, como matéria provada, que a Recorrente tem, de facto, o direito de exigir judicialmente o cumprimento do contrato promessa por parte dos vendedores, isto é, que a escritura de compra e venda sempre estaria dependente da desocupação do imóvel pelos terceiros. 12. Apesar de o Tribunal a quo referir que no processo foi realizado julgamento e que da sentença houve lugar a recurso, a verdade é que o caso sub iudice não assumiu qualquer complexidade, já que a petição inicial contava com 44 artigos, divididos entre factos e direito, e a única contestação apresentada tinha 40 artigos igualmente divididos entre factos e direito, tendo o julgamento sido realizado para a demonstração de um único tema de prova. 13. O julgamento realizou-se em duas sessões e de simplicidade notória, uma primeira de uma tarde em que se ouviram todas as testemunhas com exceção de uma e uma segunda em que foi ouvida uma única testemunha, cuja matéria de facto sobre a qual se produziu prova se resumiu a uma questão constante do único tema de prova referido. 14. A taxa de justiça corresponde ao montante devido pelo impulso processual de cada interveniente e é fixado, não só em função do valor, mas também da complexidade da causa, como bem explicita o n.º 2 do artigo 569.º do C.P.C.: “A taxa de justiça corresponde ao montante devido pelo impulso processual de cada interveniente e é fixado em função do valor e complexidade da causa, nos termos do Regulamento das Custas Processuais”, o que não se verificou no caso sub iudice, seja porque a utilidade da ação não correspondia objetivamente ao valor global atribuído no contrato promessa de compra e venda, seja porque a ação que subjazeu aos presentes autos não assumiu qualquer grau de complexidade. 15. Assim, é linear que as custas tributadas à Autora aqui Recorrente foram, em si mesmo, desproporcionadas, desadequadas e violadoras dos princípios constitucionais supra invocados, por isso mesmo se mantém o entendimento segundo o qual a interpretação feita pelo Tribunal quanto ao teor do artigo 529.º, n.º 2, do C.P.C. e, bem assim, dos artigos 3.º e 6.º do RCP foi contrária à Constituição da República Portuguesa. 16. Esta questão não equivale àquela que foi objeto de acórdão do Supremo Tribunal de Justiça no âmbito do processo n.º 2309/16.2T8PTM.E1-A.S1, no qual apenas se discutia o momento em que podia ser requerida a dispensa do remanescente da taxa de justiça, tendo esse Tribunal entendido que tal pedido apenas podia ser feito antes do trânsito em julgado da decisão final do processo ou dentro do prazo para o incidente de reforma da decisão quanto a custas, pelo que também aqui errou o Tribunal a quo ao dar merecimento ao teor da promoção do Digno Magistrado do Ministério Público quando o mesmo pecou, por manifesto erro de avaliação sobre os fundamentos da reclamação apresentada. 17. Desta forma, o Tribunal a quo, sem conceder na nulidade apontada, ao manter a conta de custas notificada à Recorrente, violou os princípios constitucionais acima elencados, como sejam os do Acesso ao Direito e aos Tribunais, à Tutela Efetiva, à Proporcionalidade e a realização plena do Estado de Direito Democrático (em conformidade com os artigos 2.º, 13.º, 18.º, n.ºs 2 e 3 e 20.º, todos da Constituição da República Portuguesa), 18. Devendo ter determinado a sua reformulação em moldes que fossem justos e proporcionais à simplicidade da causa e à consequente reduzida atividade jurisdicional do tribunal no julgamento de um único facto, que se provou, em cerca de quatro horas e que se traduziu numa sentença simples e curta e, subsequentemente, num acórdão reduzido e simples, o que nunca poderia implicar a imputação de custas à Recorrente num valor superior a € 15.000,00. 19. No limite, estas custas nunca poderiam ser superiores ao montante equivalente àquele que seria fixado em caso de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça ou, no máximo, fixado pelo valor económico correspondente a um milhão de euros (valor dos locados ocupados e cuja desocupação se pretendia através da presente ação), em cumprimento do disposto no artigo 529.º, n.º 2, do C.P.C. e, bem assim, dos artigos 3.º e 6.º do RCP, na interpretação que se impõe pela aplicação dos artigos 2.º, 13.º, 18.º, n.ºs 2 e 3 e 20.º, todos da Constituição da República Portuguesa. Nestes termos, deverá o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, ser proferido douto acórdão que ordene a reformulação da conta de custas nos termos peticionados no presente recurso, em cumprimento do disposto no artigo 529.º, n.º 2, do C.P.C. e, bem assim, dos artigos 3.º e 6.º do RCP, na interpretação que se impõe pela aplicação dos artigos 2.º, 13.º, 18.º, n.ºs 2 e 3 e 20.º, todos da Constituição da República Portuguesa.” Não houve lugar a resposta. Observados os vistos legais, cumpre decidir. II. Objeto do recurso O objeto dos recursos é delimitado pelas conclusões das alegações de recurso, sem prejuízo do conhecimento de alguma das questões nestas suscitadas vir a ficar prejudicada pela solução dada a outras – cfr. artigos 635.º, n.º 4, 639.º, n.º 1, 608.º, n.º 2 e 663.º, n.º 2, todos do Código de Processo Civil; as conclusões do recurso colocam as seguintes questões: i) se a decisão recorrida é nula por omissão de pronuncia, ii) se a desproporcionalidade das custas, em função do valor e complexidade da causa, constitui fundamento da reclamação da conta de custas. III. Fundamentação 1. Relevam os factos supra relatados. 2. Direito 2.1. Se a decisão recorrida é nula por omissão de pronúncia Com fundamento na omissão do conhecimento da argumentação expendida no requerimento de reclamação, segundo a qual, o montante das custas, por desproporcional à utilidade da ação e complexidade da causa, viola o princípio constitucional de acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva, a Recorrente considera nula a sentença por omissão pronúncia [ccls. 2 a 4]. Segundo o artigo 615.º, n.º 1, alínea d), 1ª parte, do Código de Processo Civil (CPC), a sentença é nula quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar [disciplina é aplicável, com as necessárias adaptações, aos despachos – artigo 613.º, n.º 3, do CPC]. Sobre as questões a resolver na sentença e a ordem do julgamento, o artigo 608.º do CPC, prevê: “1 - Sem prejuízo do disposto no n.º 3 do artigo 278.º, a sentença conhece, em primeiro lugar, das questões processuais que possam determinar a absolvição da instância, segundo a ordem imposta pela sua precedência lógica. 2 - O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.” |