Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:

283/10.8GHSTC.E1
Relator: ANA BARATA BRITO
Descritores: PRESTAÇÃO DE TRABALHO A FAVOR DA COMUNIDADE
REVOGAÇÃO
EXTINÇÃO DA PENA
Data do Acordão: 07/11/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO
Sumário:
I- A prestação de trabalho a favor da comunidade prevista no art. 58º do Código Penal não é uma pena principal, que se extinguiria logo que cumpridas as horas de trabalho; é uma pena de substituição da prisão.

II - As penas substitutivas pressupõem uma possibilidade de regresso à prisão principal, condicionando-se o seu cumprimento particularmente ao não cometimento de novos crimes, e impendendo sobre o arguido a ameaça da prisão até à extinção daquela.

III - Neste sentido convergem também os regimes de execução da pena de proibição de exercício de profissão do art. 43º, de permanência na habitação do art. 44º, de suspensão na execução dos arts. 50º ss e de trabalho a favor da comunidade do art. 58º (arts. 43º, nº 5, b), nº 6, 44º, nº 3, b), 56º, nº 1, b), 57º e 59º, nº 2, c), do Código Penal).

IV - A efectiva prestação do trabalho não é, pois, a única condição da pena de substituição do art. 58º do Código Penal, e as causas de revogação desta também não se confundem com o regime de cumprimento da pena de prisão, no caso de revogação.

V - A verificação da situação prevista na alínea c) do nº 2 do art. 59º do Código Penal – cometimento de crime pelo qual o agente venha a ser condenado – não está dependente de um cumprimento meramente parcial da prestação de trabalho; ela representa a causa de revogação da pena substitutiva por excelência, na coerência do sistema legal punitivo e independentemente do trabalho ter sido integral e satisfatoriamente prestado.

VI - O art. 59º, nº 4, do Código Penal limita-se a impor e a regular o desconto da prestação laboral prestada no tempo de prisão a cumprir, e uma coisa é a decisão sobre a revogação da pena de substituição, outra a liquidação e cumprimento da prisão principal.

VII - Em caso de revogação, e independentemente de restar ou não prisão a cumprir, também nunca é indiferente saber se a pena substitutiva foi revogada, pois os efeitos desta produzem-se no processo e também fora dele, permitindo, através do registo criminal, apresentar a situação penal do condenado ao longo do tempo. [1]
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:

1. No Processo Comum Singular nº 283/10.8GHSTC do Juízo Criminal de Santiago do Cacém foi proferido despacho de extinção da pena de 210 (duzentas e dez) horas de trabalho comunitário, em que o arguido C fora condenado em substituição da pena única de 7 (sete) meses de prisão (pela prática de dois crimes de condução sem habilitação legal, do artigo 3º, n.º 2 do DL n.º 2/98).

Inconformado com o assim decidido, recorreu o Ministério Público concluindo que:

“1. O Ministério Público veio recorrer do despacho de 11.02.2013 que declarou extinta a pena em que o arguido foi condenado nos autos, por dele discordar, com os seguintes fundamentos:

- o despacho recorrido interpretou incorrectamente o disposto nos arts. 59º, nº 2, c), e nº 3, e 57º, ambos do Código Penal, porquanto entendeu que a pena de trabalho a favor da comunidade, enquanto pena substitutiva de pena de prisão, se mostra cumprida apenas pela circunstância de o arguido ter cumprido a prestação laboral, determinando a extinção da pena sem averiguar se existiam circunstâncias que determinassem a sua revogação;

- o despacho recorrido padece de vício de raciocínio no que respeita à aplicação do disposto no art. 59º, nº 4, do Código Penal, confundindo causas de revogação da pena substitutiva com o regime de cumprimento da pena de prisão em caso de revogação.

2. A pena de prisão só é aplicada em situações graves, pelo que a sua substituição por pena não privativa da liberdade que não implique contacto com o meio prisional só se pode justificar se for acompanhada da sujeição do arguido a regras que permitam concluir que a pena substitutiva foi adequada à realização das finalidades das penas.

3. Por isso, o legislador aproximou os regimes das penas substitutivas de pena de prisão, enquanto verdadeiras penas (quando o cumprimento dessas penas não implique contacto com o meio prisional), fazendo impender sobre o arguido a ameaça da prisão até ao término do período probatório de boa conduta, condicionando o cumprimento das penas substitutivas ao não cometimento de novos crimes.

4. Esse é o regime de execução transversal às seguintes penas substitutivas: pena de proibição de exercício de profissão prevista no art. 43º, pena de permanência na habitação prevista no art. 44º, pena suspensa prevista nos arts. 50 e ss e pena de trabalho a favor da comunidade prevista no art. 58º - cfr. os arts. 43º, nº 5, b), nº 6, 44º, nº 3, b), 56º, nº 1, b), 57º e 59º, nº 2, c), todos do Código Penal.

5. A causa de revogação da pena de trabalho consubstanciada na prática de novos crimes, não depende do cumprimento parcial da prestação laboral e tal conclusão não resulta do disposto no art. 59º, nº 4, do CP, pois que, ao contrário do defendido pelo tribunal a quo, o desconto dos dias de trabalho da pena de prisão pode não implicar o seu cumprimento integral.

6. Considerando que a pena de trabalho pode ser aplicada a quem for condenado em pena de prisão até 2 anos e que cada dia de prisão equivale a uma hora de trabalho, então, uma pena de prisão de dois anos de prisão deveria equivaler a 730 horas de trabalho, todavia a lei apenas se admite o cumprimento de 480 horas (art. 58º, no 3, do CP). Como tal, desde que a pena de prisão seja superior a 1 ano e 4 meses (o equivalente a 480 horas de trabalho), há sempre efeito útil, para cumprimento do remanescente de dias de prisão, determinar se a pena de trabalho deve ser revogada.

7. Acresce que, os efeitos da revogação da pena de trabalho produzem-se quer no próprio processo, implicando o cumprimento da pena de prisão (à qual deverá ser descontado o trabalho já prestado), quer fora do processo, no sistema jurídico em si, permitindo que, através do registo criminal, se represente a situação penal do arguido ao longo do tempo no que respeita a condenações e respectivo cumprimento, com ou sem incidentes de revogação ou modificação das penas.

8. Tal é um elemento decisivo na determinação das penas futuras, tanto que o registo criminal tem valor de documento autêntico e tem que, por isso, traduzir a realidade da situação de cada processo em que foi proferida uma decisão condenatória, no que respeita à sua execução e respectivas vicissitudes (substituição, suspensão, revogação e extinção) – cfr. arts. 363º e 371º do Código Civil e arts. 1º, 2º e 5º, nº 1, a), do Regime Jurídico da Identificação Criminal e de Contumazes, aprovado pela Lei nº 57/98, de 18-08.

9. Termos em que se conclui que, mesmo que o arguido tenha cumprido integralmente a prestação laboral, se cometeu novo que crime que revele a ineficácia dessa prestação laboral, poderá ser revogada a pena de trabalho da comunidade e tal terá relevância para o interesse punitivo do Estado.

10. Consequentemente, não pode o tribunal declarar extinta tal pena apenas com fundamento no cumprimento da prestação laboral, sem aferir da existência de outros processos crime pendentes ou condenações que possam determinar a revogação da pena de trabalho.”

O arguido respondeu ao recurso, pugnando pela improcedência e concluindo por seu turno:

“1ª O recurso apresentado pela Digníssima Procuradora do MP foi interposto fora de tempo, devendo ser recusada a sua admissão – ex vi art.º 414º/2 do C.P.C.;

2ª A Digníssima Procuradora do MP não invocou qualquer justo impedimento para o desfasamento entre a data de cumprimento da notificação do despacho recorrido, ocorrida em 12/02/2013, e a alegada data em que a mesma foi recebida pela Digníssima Procuradora, ou seja, a 20/02/2013; Logo,

3ª O cumprimento da notificação do despacho de 11-02-2013 à Digníssima Magistrada do MP ocorreu em 12-02-2013, e terá de produzir o mesmo efeito que a notificação por correio registado ao arguido: presumem-se notificados no 3º útil posterior ao do envio, sob pena de as partes não se encontrarem em igualdade de posições para defesa dos direitos em causa.

4ª A aposição do visto de Fiscalização em 1 de Março de 2013, pela Digníssima Procuradora do Ministério Publico obsta à interposição de recurso;

5ª A prestação de trabalho em que o arguido foi condenado encontra-se totalmente cumprida;

6ª A eventual revogação dessa pena acarretaria o desconto integral da pena de substituição;

7ª A tese sustentada pela Digníssima Procuradora do Ministério Publico no presente recurso, é contrária aos princípios fundamentais ínsitos no direito penal português que, seguindo de perto as recomendações do Conselho da Europa, privilegia a aplicação de penas alternativas às penas curtas de prisão.

8ª Não existiu incidente de revogação da pena TFC;

9ª E ainda que viesse a ocorrer uma eventual revogação da pena de prestação de trabalho, da conjugação dos nºs 2 e 4 do artigo 59º do CP, caso se verificasse que a mesma não havia surtido os efeitos da condenação, “acarretaria, a posteriori, a necessidade de desconto dos períodos de trabalho comunitário, o que, in casu, se traduziria num desconto integral da eventual pena a cumprir” – ex vi decisão recorrida;

10ª O cumprimento integral da pena TFC torna inócua a sua revogação, pois a decisão judicial a proferir, não pode “apagar” ou “restituir” ao arguido, as horas despendidas na execução da pena.”

Neste Tribunal, a Sra. Procuradora-geral Adjunta referiu acompanhar o recurso apresentado em 1ª instância, nada acrescentando.

Foi proferido despacho liminar, no qual se conheceu da questão prévia “extemporaneidade do recurso”, suscitada na resposta, desatendendo-a.

Colhidos os Vistos, teve lugar a conferência.

2. A decisão recorrida é do seguinte teor.

“O arguido C. foi condenado nos presentes autos, pelo cometimento de 2 (dois) crimes de condução inabilitada de veículo, numa pena única de 7 (sete) meses de prisão, os quais se substituíram por 210 (duzentas e dez) horas de trabalho comunitário.

Informa a DGRS que o arguido deu cabal cumprimento àquela prestação laboral.

Perante a informação em apreço, o Ministério Público promove que se apure da (in)existência de processos e/ou inquéritos contra o arguido e que se requeira CRC atualizado ao mesmo respeitante.

Pese embora se compreenda, formalmente, a posição subscrita pelo Ministério Público, face à redação do artigo 59º do CP, o Tribunal entende que, face à situação de cumprimento integral da prestação comunitária devida, se revela inócua a finalidade pretendida alcançar por via de promoção aludida.

Efetivamente, da conjugação dos n.ºs 2 e 4 do artigo 59º do CP, depreende-se que uma eventual revogação da pena de prestação de trabalho a favor da comunidade, caso se entendesse que a mesma não havia surtido os efeitos da condenação, acarretaria, a posteriori, a necessidade de desconto dos períodos de trabalho comunitário, o que, in casu, se traduziria num desconto integral da eventual pena a cumprir.

Cremos pois que dispositivo em apreço se aplicará, de sobremaneira, nos casos em que o cumprimento de prestação laboral seja meramente parcial e não total.

Assim, e em face do exposto, o Tribunal desde já declara extinta, pelo cumprimento, a pena em que o arguido foi condenado.”

3. Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões do recorrente, a questão a apreciar respeita à pertinência e legalidade da decisão de revogação da prestação de trabalho a favor da comunidade, nos casos em que o trabalho comunitário se mostre já integralmente cumprido.

O despacho recorrido pronunciou-se negativamente, indeferindo a promoção do Ministério Público (no sentido de que fosse apurada a existência de processos contra o arguido e solicitado o CRC actualizado a fim de habilitar o juiz a proferir decisão sobre a extinção ou revogação da pena substitutiva) por considerar que a alínea c) do art. 59º do Código Penal se reservará aos casos em que o cumprimento da prestação laboral tenha sido meramente parcial, e não total.

Também o recorrido sufraga esta posição, discorrendo que “mesmo admitindo ser de aceitar a promoção do Ministério Público, ainda assim, o cumprimento integral do trabalho comunitário torna inócua a sua revogação, pois a decisão judicial a proferir não pode em termos práticos ser diversa, por virtude de não ser possível “apagar” ou “restituir” ao arguido as horas dispendidas na execução da pena.”

Mas o recorrente também aceita que, no caso sub judice, uma eventual revogação da prestação de trabalho a favor da comunidade não possa redundar em privação de liberdade, num regresso à pena principal de prisão. O arguido prestou (integral e satisfatoriamente) o trabalho a favor da comunidade, como é afirmado no despacho judicial, decisão que não foi impugnada nesta parte e é de considerar neste ponto firmada.

Cumprirá decidir tão só se, em casos como o presente – em que da revogação da pena de substituição não resultará tempo de prisão a cumprir –, deverá haver lugar, mesmo assim a revogação da prestação de trabalho a favor da comunidade.

Da resposta afirmativa decorrerá o reconhecimento da pertinência da promoção do Ministério Público, que visa a obtenção de elementos que instruam uma posterior decisão judicial sobre a extinção ou revogação da pena de substituição, promoção indeferida como se viu.

Mas indeferida sem razão.

A decisão judicial assentou no pressuposto (errado) de que a revogação de uma pena de substituição pode ter como (único) efeito útil, apenas o regresso à pena principal que substituiu. E que, nos casos em que este já não seja viável, restaria declarar a extinção da pena substitutiva.

Esta construção assenta numa ideia imprecisa sobre o sistema punitivo, mais precisamente das relações que se estabelecem entre penas principais e substitutivas. No limite, esta posição acolheria a pena de substituição como se de uma pena principal se tratasse.

Partindo dos referentes fundamentais (penais e constitucionais), temos que a prisão se mantém politico-criminalmente como ultima ratio, que deve ser substituída por pena de substituição legalmente prevista sempre que esta sirva adequadamente as finalidades da punição, e que o incumprimento culposo de uma pena de substituição importará, em princípio, o cumprimento da pena de prisão substituída.

Este regresso (não automático) da pena de substituição à pena principal como consequência de um incumprimento culposo, é o reconhecimento da frustração da prognose em que assentou a pronúncia precedente, sobre a adequação e suficiência da pena de substituição para garantir as finalidades da punição.

Como faculdade latente (de conversão em prisão), a possibilidade de revogação das penas substitutivas visa conferir-lhes maior eficácia e efectividade, e insere-se plenamente num programa político-criminal de primeira opção pela não-prisão.

Mas o binómio pena principal / pena de substituição não se esgota na relação que entre uma e outra circunscritamente se estabelece. No processo de determinação da pena, está sempre em causa assegurar a protecção de bens jurídicos, aquilatando-se das exigências de prevenção diagnosticadas no caso, sendo a prevenção especial a relevar sobretudo, neste momento do iter aplicativo.

Interessa-nos agora a prevenção especial (negativa e positiva), no sentido de prevenção da reincidência e de recuperação óptima do condenado.

Se esta prevenção se vier a frustrar, no sentido de o condenado o voltar a ser, haverá então que conhecer os seus antecedentes criminais, nos quais se incluem as concretas penas anteriormente experimentadas e os resultados que se lograram ou não obter na prevenção da reincidência e na integração social do agente.

Assim, como muito bem nota o Ministério Público, “os efeitos da revogação da pena de trabalho produzem-se quer no próprio processo, implicando o cumprimento da pena de prisão, à qual deverá ser descontado o trabalho já prestado, quer fora do processo, no sistema jurídico em si, permitindo que, através do registo criminal, se represente a situação penal do arguido ao longo do tempo no que respeita a condenações e respectivo cumprimento, com ou sem incidentes de revogação ou modificação das penas. Tal é um elemento decisivo na determinação das penas futuras, tanto que o registo criminal tem valor de documento autêntico e tem que, por isso, traduzir a realidade da situação de cada processo em que foi proferida uma decisão condenatória, no que respeita à sua execução e respectivas vicissitudes (substituição, suspensão, revogação e extinção)”.

Na verdade, independentemente de poder ou não restar algum tempo de prisão a cumprir, nunca será indiferente ainda saber se ocorreu motivo de revogação de uma pena de trabalho a favor da comunidade, ou seja, se esta deve ser (e se veio a ser) efectivamente revogada.

Assim sucede, independentemente desse trabalho ter ou não sido integralmente prestado.

Defender solução oposta redundaria, implicitamente, no tratamento da pena de substituição como se de uma pena principal se tratasse, pois a prestação de trabalho a favor da comunidade extinguir-se-ia então pelo mero cumprimento “laboral”, ou seja, logo que prestadas as horas de trabalho fixadas.

A prestação de trabalho a favor da comunidade prevista no art. 58º do Código Penal não é uma pena principal, que se extingue uma vez cumpridas as horas de trabalho; é uma pena de substituição da prisão. E estas penas substitutivas pressupõem a possibilidade de regresso à prisão principal, em caso de incumprimento culposo, à cabeça do qual emerge o cometimento de novo crime.

Como bem discorre o Ministério Público, “o legislador optou por fazer impender sobre o arguido a ameaça da prisão até ao término do período probatório de boa conduta, condicionando o cumprimento da pena ao não cometimento de novos crimes.

Neste sentido convergem os regimes de execução da pena de proibição de exercício de profissão prevista no art. 43º, da pena de permanência na habitação prevista no art. 44º, na pena suspensa prevista nos arts. 50 e seguintes e na pena de trabalho a favor da comunidade prevista no art. 58º - cf. os arts. 43º, nº 5, b), nº 6, 44º, nº 3, b), 56º, nº 1, b), 57º e 59º, nº 2, c), todos do Código Penal.”

Note-se que já na versão do Código Penal anterior à revisão de 1995, Figueiredo Dias chamava a atenção para a “solução correcta” (que a lei viria posteriormente a consagrar), a qual residiria “em consonância com o que deve ocorrer quando as condições de suspensão de execução de pena não são cumpridas – na possibilidade de revogação da pena de PTFC e consequente cumprimento da pena de prisão fixada na sentença; e não só no caso de o condenado se colocar intencionalmente em condições de não poder trabalhar ou se recusar, sem justa causa, a prestar o trabalho, como ainda nas hipóteses (esquecidas pela lei vigente) de infringir grosseiramente os deveres decorrentes da pena de PTFC a que foi condenado e (sobretudo) de praticar crime durante o período de prestação de trabalho pelo qual venha a ser condenado” (Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, p. 382).

A efectiva prestação do trabalho não é a única condição desta pena de substituição, à semelhança do que também (não) sucede, por exemplo, com o cumprimento do regime de prova ou com o pagamento de indemnização, nos casos de suspensão de execução de prisão com condições.

Para além de ter desconsiderado a natureza da prestação de trabalho como pena de substituição, o despacho recorrido laborou noutro equívoco.

Como pertinentemente sinaliza o recorrente, confundiu as causas de revogação da pena substitutiva com o regime de cumprimento da pena de prisão em caso de revogação.

A causa de revogação prevista na alínea c) do nº 2 do art. 59º do Código Penal – cometimento de crime pelo qual o agente venha a ser condenado, revelando-se que as finalidades da pena de prestação de trabalho a favor da comunidade não puderam por meio dela ser alcançadas – não está subordinada a um cumprimento meramente parcial da prestação de trabalho. Pelo contrário, ela é a causa de revogação por excelência, à semelhança do que acontece com as outras penas substitutivas, na coerência do sistema legal punitivo.

O art. 59º, nº 4, do Código Penal limita-se a impor e a regular o desconto da prestação laboral efectivamente prestada, no tempo de prisão a cumprir em caso de revogação. Uma coisa é a decisão sobre a revogação da pena de substituição, outra a liquidação e cumprimento da prisão principal.

A promoção do Ministério Público deve, pois, ser deferida, incumbindo ao juiz dotar o processo dos elementos necessários para pronúncia definitiva sobre a pena de substituição aplicada nos autos, nos moldes e com a abrangência expostos.

Para concluir, consigna-se que a prematura aposição de visto em correição pela magistrada do Ministério Público no processo, visto entretanto dado sem efeito logo que detectado o lapso, nunca impediria o prosseguimento dos autos, designadamente a interposição do presente recurso.

A aposição do visto serve a comprovação de que o processo foi sujeito a fiscalização e exame antes da sua remessa ao arquivo, com vista à detecção e ao suprimento de eventuais irregularidades. Uma vez aposto, e se o foi prematuramente ou por lapso, nada obsta a que possa ser dado sem efeito. Nenhuma norma o impede. E concretamente no que respeita à interposição de recurso, esta possibilidade esgotar-se-ia apenas com o trânsito em julgado da decisão impugnanda o que, no caso, não acontecera.

E tendo-se mostrado atendíveis as razões fluentemente desenvolvidas pelo recorrente, impõe-se a prolação de decisão nos termos promovidos no processo.

4. Face ao exposto, acordam os juízes da Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em julgar procedente o recurso, revogando-se o despacho recorrido, que deverá ser substituído por outra que defira a promoção do Ministério Público, prosseguindo o processo termos.

Évora, 11.07.2013

(Ana Maria Barata de Brito)

(António João Latas)

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[1] - Sumariado pela relatora