Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
| Processo: |
| ||
| Relator: | ANA MARGARIDA LEITE | ||
| Descritores: | RECURSOS INTERLOCUTÓRIOS COM SUBIDA A FINAL RETENÇÃO DE RECURSO PROVA PERICIAL | ||
| Data do Acordão: | 10/30/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Sumário: | O artigo 644.º do CPC, sob a epígrafe Apelações autónomas, distingue as decisões que admitem recurso imediato, elencando, designadamente, as decisões intercalares que admitem apelação autónoma e relegando a impugnação das demais para momento ulterior. | ||
| Decisão Texto Integral: | Tribunal Judicial da Comarca de Santarém Juízo de Execução do Entroncamento Acordam, em Conferência, na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora: 1. Relatório O embargante (…), não se conformando com o despacho de 04-03-2020, proferido no apenso A, interpôs o presente recurso de apelação, tendo o mesmo sido admitido com subida em separado e efeito devolutivo, com fundamento no disposto nos artigos 627.º, 629.º, 631.º, 638.º, 641.º, 644.º, n.º 1, 645.º, n.º 2 e 647.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, conforme se extrai da 2ª parte do despacho de 28-05-2025. Considerando a ora relatora, pelos fundamentos que constam do despacho de 01-09-2025, que o despacho em causa não admite apelação autónoma, pelo que a respetiva impugnação se mostra inadmissível no presente momento processual, determinou a audição das partes, nos termos do disposto no artigo 655.º, n.º 1, do CPC. O recorrente pronunciou-se no sentido da admissibilidade do recurso, com fundamento na previsão do artigo 644.º, n.º 2, alínea d), do CPC. Foi proferida decisão singular, na qual se rejeitou o recurso interposto, por se ter entendido que o despacho recorrido não admite apelação autónoma, pelo que a respetiva impugnação se mostra inadmissível no presente momento processual. Novamente inconformado, o apelante requereu que recaia acórdão sobre a matéria em causa, pelos motivos que sintetiza nas conclusões que se transcrevem: «1. Cabe recurso de apelação autónoma «do despacho de admissão ou rejeição de algum articulado ou meio de prova» (artigo 644.º, n.º 2, alínea d), do NCPC). 2. «A admissibilidade excepcional do recurso imediato consagrada no artigo 644.º, n.º 2, alínea d), do CPC, também se aplica aos casos em que a rejeição do meio de prova tenha sido parcial» (Acórdão da Relação de Lisboa de 24-10-2024, tirado no Proc. n.º 2075/15.9T8PTM-E.L1-2, disponível em www.dgsi.pt). 3. Essa é a única interpretação do artigo 644.º, n.º 2, alínea d), do NCPC que é compatível com a respectiva ratio legis (cfr. douto Acórdão deste Tribunal da Relação de Évora de 13-07-2017, proferido no Proc. n.º 1860/15.6T8FAR.E1 e também disponível em www.dgsi.pt). 4. O douto Despacho de 25-06-2019 deferiu e determinou a realização de um exame pericial, definiu o respectivo objecto, nomeou a entidade que deveria proceder ao mesmo e regulou a forma de as partes intervirem na produção da prova e de exercerem o direito de audiência contraditória legalmente previsto, designadamente ordenando a notificação destas e respectivo consultor técnico para, querendo, estarem presentes no exame. 5. Tudo nos precisos termos que tinham sido requeridos pelo ora recorrente e em conformidade com as regras de audiência contraditória na preparação e produção da prova pericial, estabelecidas nos artigos 415.º, n.º 2 e 480.º, n.º 3 e 4, do NCPC. 6. Se esse douto Despacho de 25-06-2019, em vez de deferir, tivesse indeferido o requerimento do ora recorrente para estar presente na diligência e nela se fazer assistir por consultor técnico, é indubitável que, por via desse indeferimento parcial do meio de prova requerido, essa decisão seria passível de recurso autónomo imediato, nos termos do artigo 644.º, n.º 2, alínea d), do NCPC. Ora, 7. O douto Despacho de 04-03-2020 ora recorrido determinou precisamente a realização da perícia sem a presença do ora recorrente e sem nela se poder fazer assistir por consultor técnico, isto é, com indeferimento parcial do meio de prova requerido pelo ora recorrente, devendo, por maioria de razão, ser considerado admissível o recurso imediato dessa decisão nos termos do mesmo artigo 644.º, n.º 2, alínea d), do NCPC. 8. Uma decisão em contrário contraria a opção legislativa de recorribilidade imediata das decisões judiciais que rejeitem parcialmente meios de prova. 9. E no caso dos autos a rejeição do recurso é gravemente lesiva do recorrente e dos seus Direitos a contraditório e a audiência contraditória na preparação e produção da prova pericial (artigos 3.º, n.º 3, 415.º, n.º 2 e 480.º, n.º 3 e 4, do NCPC) bem como do seu Direito a processo equitativo (artigo 20.º, n.º 4, da Constituição). 10. E é também gravemente prejudicial da boa realização da Justiça, não só face às circunstâncias dos autos, como até face ao evidente risco de anulação do processado posterior, com o consequente desperdício de actividade processual e a prática de actos inúteis, em contrário do que o legislador quis precisamente evitar com a consagração da recorribilidade imediata das decisões que rejeitem meios de prova (cfr. o douto Acórdão deste Tribunal da Relação de Évora de 13-07-2017 acima citado). 11. O douto Despacho de 04-03-2020 é pois recorrível nos termos do disposto no artigo 644.º, n.º 2, alínea d), do NCPC, pelo que o recurso que dela foi interposto pelo recorrente foi bem admitido pelo Tribunal a quo para subir imediatamente e em separado. 12. No caso dos autos, a rejeição do recurso seria acrescidamente grave e mesmo chocante para o sentimento jurídico dominante, porquanto o douto Despacho de 04-03-2020 não só indeferiu parcialmente o meio de prova requerido pelo recorrente, como o fez contrariando a anterior decisão de deferimento já transitada em julgado – o douto Despacho de 25-06-2019. 13. Pois o douto Despacho de 04-03-2020 é não só ilegal como é mesmo juridicamente inexistente, na medida em que ofende o caso julgado da Decisão anterior transitada em julgado, questão que constituiu um dos fundamentos do recurso (cfr. conclusões 1 a 23 das alegações) e que é inclusivamente de conhecimento oficioso (cfr. Ac. da Relação de Lisboa de 26-11-2002, in www.dgsi.pt) . E, 14. Se o recurso do douto Despacho de 04-03-2020 não fosse admissível por força do disposto no artigo 644.º, n.º 2, alínea d), do NCPC (o que não se concede), esse recurso sempre seria de admitir por força do disposto no artigo 629.º, n.º 2, alínea a), do NCPC, já que a ofensa do caso julgado constitui um dos seus fundamentos (cfr. conclusões 1 a 23 das alegações) e até o seu primeiro fundamento. 15. Assim, considera-se, com o devido respeito, que, rejeitando o recurso do douto Despacho de 04-03-2020, a douta Decisão reclamada não apreciou correctamente os factos e as circunstâncias dos autos nem interpretou correctamente essas disposições legais. 16. Devendo assim essa matéria ser reapreciada por douto Acórdão desse Alto Tribunal, que admita o recurso e lhe conceda provimento. 17. Para além do recurso do douto Despacho de 04-03-2020, subiu também neste apenso o recurso que foi interposto pelo ora recorrente do douto Despacho de 04-05-2017, o qual também foi admitido pelo Tribunal a quo para subir imediatamente e em separado através do mesmo Despacho de 26-05-2025 que é mencionado na douta Decisão reclamada e se encontra certificado nos autos. 18. Nestes autos cumpria e cumpre pois também conhecer do recurso do douto Despacho de 04-05-2017, atento o disposto nos artigos 152.º, n.º 1 e 608.º, n.º 2, do NCPC. 19. Ao não conhecer do recurso do douto Despacho de 04-05-2017, a douta Decisão reclamada não apreciou questão de que devia ter conhecido, pelo que, salvo o devido respeito, se encontra afectada por nulidade por omissão de pronúncia, nos termos do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do NCPC. 20. Atento todo o exposto, o reclamante não pode, com o devido respeito, conformar-se com a Douta Decisão proferida, que considera tê-lo prejudicado, pelo que requer a apreciação pela Conferência da matéria ali apreciada e de toda a matéria desta reclamação e das alegações de recurso, que integralmente mantém e que, com a devida vénia, aqui dá por reproduzida, e que, em consequência, sobre essas matérias recaia douto Acórdão desse Venerando Tribunal que confirme a admissão dos recursos e lhes conceda provimento, nos termos requeridos.» Notificada, a parte contrária não se pronunciou. Cumpre apreciar se é de admitir o recurso de apelação intentado pelo embargante do despacho de 04-03-2020 proferido no apenso A, bem como se é de emitir pronúncia sobre a admissibilidade de recurso interposto de outro despacho. 2. Fundamentos 2.1. Tramitação processual Relevam para a apreciação das questões decidendas, além do elencado no relatório supra, ainda os seguintes elementos constantes dos autos: i) no âmbito da realização de perícia solicitada pela 1ª instância, no apenso A, a (…) – Ciências Forenses, Lda., esta entidade dirigiu aos autos um ofício datado de 21-02-2020, que deu entrada em 27-02-2020, com o seguinte teor: (…) Exmo. Sr. Dr. Juiz de Direito: 1. Acusamos a receção da documentação enviada juntamente com o V/Ofício supramencionado. 2. Para prosseguimento do exame pericial é necessário o envio, a título devolutivo, de: - original do documento contestado (…) - original do Testamento reproduzido de fls. 181 a 184 dos Autos. 3. Mais se informa que o exame pericial irá prosseguir segundo os moldes indicados nos pontos 3 e 4 do N/Ofício n.º 167/2019 de 16/09/2019, que se reiteram face à suma relevância dos mesmos para este Laboratório. 4. Reitera-se ainda o teor do ponto 2 do N/Ofício n.º 167/2029 de 16/09/2019. (…) ii) o despacho recorrido, proferido em 04-03-2020, tem a redação seguinte: Envie originais solicitados no ofício que antecede. Atenta a explicação da metodologia dos pontos 3 e 4 do ofício 167/2019 da entidade pericial, deverá a entidade pericial facultar os apontamentos das peritas e as imagens recolhidas com equipamento específico no âmbito da perícia. Notifique as partes e a entidade pericial. Notifique e proceda-se em conformidade. D.N. iii) a oposição à execução que constitui o apenso A encontra-se na fase de discussão e julgamento, estando em curso a audiência final. iv) o presente apenso G reporta-se ao recurso interposto em 18-06-2020 do despacho a que alude o ponto ii); v) foi organizado outro processo apenso (F) para instrução de recurso interposto em 23-05-2017 do despacho proferido em 04-05-2017 no apenso A. 2.2. Admissibilidade do recurso de apelação 2.2.1. Questão prévia Previamente à apreciação da admissibilidade do recurso interposto em 18-06-2020, pelo embargante (…), do despacho proferido em 04-03-2020 no apenso A, face à reclamação deduzida pelo apelante, cumpre averiguar se há que apreciar a admissibilidade do recurso pelo mesmo interposto em 23-05-2017 do despacho proferido em 04-05-2017 no mesmo apenso. Face à tramitação processual exposta em 2.1., verifica-se que o presente apenso G se reporta apenas ao recurso interposto em 18-06-2020 do despacho proferido em 04-03-2020, tendo sido organizado outro processo apenso (F) para instrução do recurso interposto em 23-05-2017 do despacho proferido em 04-05-2017, o qual subiu separadamente a esta Relação (constando do Citius que foi distribuído a outro coletivo). Nesta conformidade, respeitando o presente apenso G unicamente ao recurso interposto do despacho de 04-03-2020, não há que apreciar a admissibilidade de recurso interposto de outro despacho, pelo que improcede a argumentação nesse sentido apresentada pelo reclamante. 2.2.2. Admissibilidade do recurso de apelação Está em causa verificar se é de admitir o recurso de apelação intentado em 18-06-2020, pelo embargante (…), do despacho proferido em 04-03-2020 no apenso A. Analisando a decisão interlocutória impugnada na apelação, supra transcrita sob o ponto ii), verifica-se que não se insere no elenco dos despachos que admitem recurso autónomo estatuído nos n.ºs 1 e 2 do artigo 644.º do CPC, aplicável por força do estatuído no artigo 853.º, n.º 1, do aludido Código. O artigo 644.º do CPC, sob a epígrafe Apelações autónomas, distingue as decisões que admitem recurso imediato, elencando, designadamente, as decisões intercalares que admitem apelação autónoma e relegando a impugnação das demais para momento ulterior. Dispõe este preceito o seguinte: 1 - Cabe recurso de apelação: a) Da decisão, proferida em 1.ª instância, que ponha termo à causa ou a procedimento cautelar ou incidente processado autonomamente; b) Do despacho saneador que, sem pôr termo ao processo, decida do mérito da causa ou absolva da instância o réu ou algum dos réus quanto a algum ou alguns dos pedidos. 2 - Cabe ainda recurso de apelação das seguintes decisões do tribunal de 1ª instância: a) Da decisão que aprecie o impedimento do juiz; b) Da decisão que aprecie a competência absoluta do tribunal; c) Da decisão que decrete a suspensão da instância; d) Do despacho de admissão ou rejeição de algum articulado ou meio de prova; e) Da decisão que condene em multa ou comine outra sanção processual; f) Da decisão que ordene o cancelamento de qualquer registo; g) De decisão proferida depois da decisão final; h) Das decisões cuja impugnação com o recurso da decisão final seria absolutamente inútil; i) Nos demais casos especialmente previstos na lei. 3 - As restantes decisões proferidas pelo tribunal de 1ª instância podem ser impugnadas no recurso que venha a ser interposto das decisões previstas no n.º 1. 4 - Se não houver recurso da decisão final, as decisões interlocutórias que tenham interesse para o apelante independentemente daquela decisão podem ser impugnadas num recurso único, a interpor após o trânsito da referida decisão. O supra indicado despacho recorrido configura uma decisão interlocutória respeitante à forma de produção de prova pericial em curso, o que não se inclui em qualquer das situações em que o citado preceito admite apelação autónoma, designadamente nas estatuídas no n.º 1 do artigo – a) decisão, proferida em 1ª instância, que ponha termo à causa ou a procedimento cautelar ou incidente processado autonomamente; b) despacho saneador que, sem pôr termo ao processo, decida do mérito da causa ou absolva da instância o réu ou algum dos réus quanto a algum ou alguns dos pedidos –, invocado no despacho que admitiu o recurso na 1ª instância, dado não estar em causa decisão que ponha termo à oposição à execução, nem despacho saneador que decida do mérito da causa ou que absolva da instância ou de pedido; igualmente não se inclui tal despacho na previsão da alínea d) do n.º 2 do preceito – d) Do despacho de admissão ou rejeição de algum articulado ou meio de prova –, invocada pelo recorrente, dado não estar em causa a admissão da prova pericial, conforme sustenta, mas antes a instrução da perícia anteriormente admitida. Verifica-se, assim, que o despacho em causa não admite apelação autónoma, pelo que a respetiva impugnação se mostra inadmissível no presente momento processual. 3. Decisão Nestes termos, acorda-se em rejeitar o recurso interposto pelo embargante do despacho proferido em 04-03-2020 no apenso A, não se conhecendo do respetivo objeto. Custas pelo apelante. Notifique. Évora, 30-10-2025 (Acórdão assinado digitalmente) Ana Margarida Carvalho Pinheiro Leite (Relatora) Mário João Canelas Brás (1º Adjunto) Maria Domingas Simões (2ª Adjunta) |