Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
604/21.8GAOLH.E1
Relator: FÁTIMA BERNARDES
Descritores: ARREPENDIMENTO
CONFISSÃO
FURTO
Data do Acordão: 10/01/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: I - Para que o arrependimento do arguido seja dado como provado, e, assim, possa relevar em sede de determinação da medida concreta da pena, é necessário que resultem demonstrados atos que evidenciem que o arguido interiorizou o desvalor da sua conduta delitiva, que esta se inadequa à sua personalidade e que está determinado a não voltar a delinquir.
II - Para chegar à conclusão que ocorre efetivo arrependimento do arguido não basta existir confissão, sobretudo quando tal confissão não é sequer integral e sem reservas (o arguido, conquanto haja admitido poder ter praticado os factos, referiu que estava “bêbado”, não se recordando de nada).
Decisão Texto Integral:

Acordam, em audiência, na Secção Criminal - 2ª Subsecção -, do Tribunal da Relação de Évora:

1. RELATÓRIO
1.1. Neste processo comum n.º 604/21.8GAOLH, do Tribunal Judicial da Comarca de Faro – Juízo de Competência Genérica de Olhão – Juiz 1, foi submetido a julgamento, com intervenção do Tribunal Singular, o arguido E, nascido em (…..), melhor identificado nos autos, estando acusado da prática, em autoria material, de um crime de furto qualificado, na forma tentada, p. e p. pelos artigos 22º, 23º, 203º, n.º 1 e 204º, n.º 2, al. e), todos do Código Penal.
1.2. Realizado o julgamento, foi proferida sentença, em 25/01/2024 – depositada nessa mesma data –, na qual se decidiu:
«I - Condenar o arguido E pela prática, em autoria material e na forma tentada, de um crime de furto qualificado, previsto e punido pelos artigos 22º, nº 1, 23º, n.ºs 1 e 2, 203º, n.º 1 e 204°, n.º 1, al. a) e f), todos do Código Penal na pena de seis meses de prisão a cumprir efectivamente.
II - Condenar o arguido no pagamento das custas criminais do processo, fixando-se em 2 UC’s a taxa de justiça devida, e nos demais encargos do processo (artigos 374º, n.º 4, 513º, n.º 1 e 514º, n.º 1, do Código de Processo Penal, e artigos 3º e 8º, n.º 5, do Regulamento das Custas Processuais, e tabela III anexa ao mesmo)..»

1.3. Inconformado com o assim decidido, recorreu o arguido para este Tribunal da Relação, extraindo da motivação apresentada as seguintes conclusões:
«a. Por Sentença proferida nos presentes autos, e depositada em 25/01/2024, veio o ora Recorrente E, condenado nos termos que seguidamente se enunciam:
(…).
b. O recorrente não aceita, salvo o merecido respeito, a douta decisão proferida pelo Tribunal "a quo" no que concerne à matéria de Facto - erro de julgamento -, por desconsideração da confissão do Arguido, a partir das declarações prestadas em sede de audiência de julgamento pelo mesmo, que não foram consideradas como tal e contraditadas por nenhum meio de prova e, ainda, quanto à impugnação da matéria de Facto, não aceita, salvo o merecido respeito, a douta decisão proferida pelo Tribunal "a quo" no que concerne à matéria de Direito - determinação da medida da pena -, ao arrepio do que se encontra plasmado nos termos do disposto nos n.º 1 e 2 do artigo 40., 50.º e 71.º, todos do Código Penal.
c. Ademais entende o recorrente que a decisão ora recorrida contende manifestamente com o artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa e princípio da proporcionalidade elencado no n.º 2 do artigo 18.º do mesmo diploma.
d. Á luz da prova produzida a partir das declarações do Arguido, prestadas em sede de Audiência de Discussão e Julgamento, e documentadas em suporte informático, resulta que devia ter sido dado como provado, que o ora recorrente confessou os factos e, por conseguinte, a prática do crime que lhe vinha imputado na acusação.
e. O ora Recorrente ao ter afirmado ao Tribunal "a quo" que, nas circunstâncias de tempo e de lugar, da prática dos factos se encontrava alcoolizado, não quis suscitar qualquer causa de justificação excludente da sua ilicitude, que aliás, assumiu, tão-pouco, pretendeu invocar a sua incapacidade acidental ou qualquer circunstância atenuante da sua responsabilidade ao nível da ilicitude, da culpa ou da necessidade da pena.
f. O Arguido não procurou enjeitar a sua responsabilidade, antes assumiu a prática dos factos e demonstrou uma atitude contrita relativamente à prática dos mesmos.
g. O Tribunal "a quo", não cuidou de apurar as condições pessoais, inserção social, familiar e laboral ao Arguido, manifestamente imprescindíveis e necessárias para a fixação da concreta medida da pena nos termos do artigo 70.º e seguintes do Código Penal, não tendo sido realizado qualquer relatório social o arguido, nos termos do artigo 370.º do Código de Processo Penal, o que não consistindo qualquer nulidade processual, impossibilitou, em seu prejuízo, o Tribunal "a quo" de aquilatar as concretas circunstâncias pessoais, inserção social, familiar e laboral do Arguido, ora recorrente e ponderar adequadamente as concretas necessidades de prevenção geral e especial que convocava o caso sub judice.
h. A prova realizada a partir do Certificado de Registo Criminal do Arguido, desacompanhado de qualquer outro elemento de prova idóneo a apurar as condições pessoais, inserção social, familiar, laboral e, sobretudo, apta a traçar o enquadramento comportamental do Arguido, mostra-se manifestamente insuficiente para concluir que "as exigências de prevenção especial, afiguram-se muito elevadas".
i. Não obstante o Arguido ter sido condenado no âmbito do Proc. 446/18.8GAOLH, que correu termos no Juízo de Competência Genérica de Olhão - J2, do Tribunal Judicial da Comarca de Faro, não pode o Tribunal "a quo" estabelecer um juízo de prognose desfavorável ao Arguido e, per se, fixar uma medida privativa da liberdade, atento a que não pôde aquilatar o efeito pedagógico da condenação fixada no âmbito do Proc. 446/18.8GAOLH, nas circunstâncias de tempo da prática dos factos - “muito provavelmente no dia 09-10-2021"- atento a que o efeito pedagógico da pena aplicada ocorreu sempre (!), após o transito em julgado daquela decisão e nunca antes daquele e, por conseguinte, não pode ser considerado reincidente à luz dos pressupostos formais e materiais enunciados nos artigos 75.º e seguintes do Código Penal.
j. Na determinação da medida da pena aplicada ao ora recorrente, a fixação de uma pena de 6 (seis) meses de prisão efectiva é manifestamente excessiva e desfasada, e viola o artigo 70.º e seguintes do Código Penal, porquanto não cuida de ponderar adequadamente o grau de ilicitude e culpa do mesmo, que deve ser fixada como mediana tendo em conta, designadamente, mas não unicamente, o seu efeito externo - danos ocasionados e os efeitos lesivos concretamente açambarcados com a conduta penalmente relevante, ponderando que a factualidade em mérito se resignou à forma tentada do crime de furto qualificado.
k. A medida da pena aplicada ao Arguido, ora recorrente, afigura-se injusta e ilegal, por se afigurar excessiva, superando em muito a adequação, necessidade e proporcionalidade exigidas na determinação da medida da pena a aplicar ao ora recorrente perante a sua concreta contribuição e participação para a prática dos factos apurados partir de toda a prova produzida, que ainda que seja reputada de essencial, deverá ser determinada a partir da sua medida de culpa mediana e ponderada, i. A postura do Arguido, ora recorrente, ii. A assunção da sua responsabilidade, sem menorização do seu papel em sede declarações prestadas na qualidade de arguido, iii. A dinâmica relacional, social e familiar do Arguido, ora recorrente, que surge pautada por consistentes sentimentos de pertença e de cooperação familiar, iv. A inserção laboral do Arguido, ora recorrente, que nas actuais circunstâncias de tempo é caracterizada como estável e douradora, v. A inserção social do Arguido, aqui recorrente, designadamente o facto do ora recorrente ter o seu quotidiano estruturado primacialmente pela actividade laboral, e pela vida familiar, que surge em termos socio-comunitários positivamente referenciado, inexistindo indicadores de comportamentos de risco, v. O facto do ora recorrente apresentar juízo critico sobre o bem jurídico tutelado pela norma incriminadora, vi. O facto do Arguido, ora recorrente, contar com um consistente suporte da rectaguarda do seu agregado familiar, vii. O facto do ora recorrente, não ter antecedentes criminais relevantes, por crimes da natureza pelos quais foi condenado.
l. Ao não ter ponderado o critério orientador plasmado no artigo 40.º do Código Penal, o Tribunal "a quo" não andou bem, dando origem inevitavelmente a um erro, salvo o devido respeito, grosseiro, de determinação da pena aplicável in casu, devendo ser revogado a douta Sentença, sem substituída por outra, condenando o recorrente numa pena pedagógica e ressocializadora, não privativa da liberdade, designadamente uma pena de multa próxima dos mínimos legais.
m. Ainda, ao ter aplicado a pena de prisão efectiva de (seis) meses, o Tribunal "a quo" não andou bem porquanto violou, salvo o devido respeito, grosseiramente, o disposto no artigo 50.º e seguintes do Código Penal, desconsiderando a aplicação do instituto da suspensão da execução da pena de prisão aplicada porque legalmente e formalmente admissível, ao Arguido, ora recorrente.
Deve, pois, ser dado provimento ao presente recurso, e em consequência disso:
a) Ser revogada a pena por manifesta violação do artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa e princípio da proporcionalidade elencado no n.º 2 do artigo 18.º do mesmo diploma.
Sem prescindir e caso assim não se entenda, ser reformada a sentença condenatória, modificando a decisão da matéria Facto e de Direito, e em consequência:
b) Ser revogada a Sentença recorrida e, em consequência, condenar o arguido ora Recorrente, numa pena não privativa da liberdade, designadamente numa pena de multa graduada pelos limites mínimos.
Ou, ainda, em alternativa, caso assim não se entenda:
c) Ser revogada a Sentença recorrida e, em consequência, condenar o arguido, ora Recorrente, numa pena privativa da liberdade, suspensa na sua execução, ainda que sujeita a regime de prova, graduada pelos limites mínimos.
Vossas Excelências, porém, melhor decidirão como for de JUSTIÇA!»

1.4. O recurso foi regularmente admitido.
1.5. O Ministério Público, junto da 1.ª instância, apresentou resposta, pronunciando-se no sentido de dever ser negado provimento ao recurso, formulando as seguintes conclusões:
«1. O recorrente foi condenado na pena de seis meses de prisão efectiva pela prática, em autoria material e na forma tentada, de um crime de furto qualificado.
2. O recorrente impugna a decisão proferida sobre a matéria de facto e alega erro de julgamento, por desconsideração da confissão e do arrependimento do arguido.
3. Mas não especifica nenhuma verdadeira situação de erro de julgamento. Limita-se, ao longo da sua motivação, alegar genericamente que as declarações do arguido não foram consideradas pelo Tribunal a quo e que não foi dado como provado que o arguido confessou os factos, sem especificar os pontos concretos que considera incorrectamente julgados e indicar as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida.
4. A matéria de facto dada como provada é suficiente para suportar o enquadramento jurídico-penal realizado e a condenação do recorrente, inexistindo qualquer erro de julgamento.
5. É verdade que o arguido prestou declarações em sede de julgamento, mas referindo que estava bêbado e não se recordava de nada. Este género de declarações está bem longe de consubstanciar uma confissão da prática dos factos, nem reflecte qualquer arrependimento por parte do arguido.
6. O Tribunal a quo apurou as condições pessoais, inserção social, familiar e laboral do arguido junto do arguido, conforme está explanado na sentença.
7. Na escolha da pena, deve o julgador ter em atenção o critério constante do artigo 70.° do Código Penal, não optando pela aplicação de uma pena não privativa da liberdade, porque já não satisfaz as exigências de prevenção geral e especial que se impõem no caso em apreço.
8. O recorrente apresenta diversas condenações, nomeadamente doze condenações pela prática do crime de condução de veículo sem habilitação legal e uma condenação pela prática de um crime de furto qualificado.
9. Na decisão ora recorrida foram respeitados e ponderados os critérios de determinação da pena, já que se sopesaram todas as circunstâncias favoráveis e desfavoráveis.
10. Contra o recorrente releva a ilicitude elevada, o facto de ter agido com dolo directo e com consciência da ilicitude da sua conduta, os antecedentes criminais apresentados e as elevadas razões de prevenção geral positiva sentida face ao bem jurídico violado com a prática do crime em questão, devendo este tipo de criminalidade ser combatido com maior dureza.
11. O Tribunal nunca poderia ter em consideração uma confissão dos factos que em momento se verificou, nem um arrependimento que nunca foi verbalizado pelo arguido.
12. Por outro lado, a personalidade do arguido tem-se revelado refratária a uma normal convivência social de acordo com as regras do direito, e deixou claro nas sucessivas condenações que não se deixa intimidar com penas de substituição. Nestas circunstâncias, a prognose sobre o comportamento do arguido à luz de considerações exclusivas de prevenção especial de socialização é claramente negativa.
13. Não existindo um prognóstico favorável relativamente ao comportamento do arguido, no sentido de que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, bem andou o Tribunal recorrido em não decretar a suspensão da execução da pena aplicada ao arguido.
14. Entende o Ministério Público que a douta sentença recorrida, na determinação concreta da medida da pena, aplicou pena adequada e proporcional às necessidades de prevenção geral e de prevenção especial que no caso em apreço se impõem.
15. Deverão improceder todas as alegações do aqui recorrente, pois a sentença recorrida não merece qualquer reparo, nem violou qualquer disposição legal.
Nestes termos, negando provimento ao presente recurso e, em consequência, mantendo a decisão recorrida nos seus precisos termos Vossas Excelências, como sempre, doutamente decidirão, assim fazendo a habitual JUSTIÇA!»

1.6. Neste Tribunal da Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de dever ser negado provimento ao recurso e confirmada a sentença recorrida.
1.7. Cumprido o disposto no n.º 2 do artigo 417º do Código de Processo Penal, não houve resposta.
1.8. Teve lugar a audiência, cuja realização foi requerida pelo arguido/recorrente, cumprindo agora apreciar e decidir.

2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1. Delimitação do objeto do recurso
É consabido que as conclusões da motivação recursiva balizam ou delimitam o objeto do recurso (cf. artigos 402º, 403º e 412º, todos do CPP), delas se devendo extrair as questões a decidir, em cada caso.
Tal não impede o conhecimento, também oficioso, dos vícios enumerados no n.º 2 do artigo 410º do CPP, bem como das causas de nulidade da sentença, a que se refere o artigo 379º, n.º 1, do CPP e de outras nulidades insanáveis, como tal tipificadas por lei.
No caso vertente, atentas as conclusões extraídas pelo arguido/recorrente da motivação de recurso apresentada são as seguintes as questões suscitadas:

- Erro de julgamento: Desconsideração da confissão e arrependimento manifestados pelo arguido;
- Escolha da pena: Opção pela pena de multa em vez de pena de prisão;
- Medida da pena;
- Aplicação de pena de substituição: Suspensão da execução da pena de prisão.


2.2. A sentença recorrida é do seguinte teor:
«(…)
FUNDAMENTAÇÃO
MOTIVAÇÃO DE FACTO
FACTOS PROVADOS
Da Culpabilidade
1. No período compreendido entre as 10h00 do dia 08-10-2021, e as 9h00 do dia 18-10-2021, mas muito provavelmente no dia 09-10-2021, a hora não concretamente apurada, o arguido dirigiu-se à residência do ofendido, W, sita no (….), Olhão, com vista a apoderar-se de objetos de valor e/ou dinheiro, que ali encontrasse.
2. Ali chegado, de forma não concretamente apurada, acedeu ao jardim, tendo-se dirigido à portada que dá acesso ao quarto de hóspedes, cuja abertura forçou, com uma ferramenta tipo grosa ou semelhante, e após abrir a portada, partiu o vidro duplo da porta do quarto de hóspedes, usando uma pedra para partir o vidro.
3. O arguido não conseguiu introduzir-se no interior da habitação do ofendido, porque o alarme terá sido acionado após a quebra do vidro da porta do quarto de hóspedes.
4. Nessa habitação, o ofendido possuía todo o recheio da casa, entre outros artigos de valor, os eletrodomésticos, a televisão, as mobílias de quarto, de sala, bebidas, e outros bens, avaliados num montante total de pelo menos € 20,000,00.
5. Com o comportamento do arguido, o ofendido sofreu prejuízos decorrentes da substituição da janela e do vidro, no valor de €1.000,00.
6. Ao atuar da forma descrita, agiu o arguido livre, voluntária e conscientemente, com o intuito de fazer seus os objetos e o dinheiro que encontrasse no interior da habitação do ofendido, integrando tais objetos e dinheiro no seu património, bem sabendo que não lhe pertenciam, e que atuava contra a vontade do respetivo dono.
7. E só não logrou concretizar tais intentos, face ao alarme sonoro daquela residência, que foi acionado quando o arguido partiu o vidro, que não lhe deu tempo para se apoderar e sair dali com quaisquer bens ou dinheiro.
8. Mais atuou o arguido com a consciência de que para se introduzir no interior daquela habitação, tinha de forçar a abertura de uma portada, e tinha de partir o vidro da porta de entrada desse quarto, como fez, não se inibindo, ainda assim de atuar.
9. Agiu, ainda, de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida pela lei penal.
Da determinação da sanção
1. O arguido tem os seguintes antecedentes criminais:
a. Por decisão proferida em 03-02-2003, transitada em julgado em 30-05-2003, no âmbito do processo 49/03.1GTABF, foi o arguido condenado pela prática em 01-02-2003 de um crime de condução sem habilitação legal na pena de 50 dias de multa;
b. Por decisão proferida em 31-10-2003, transitada em julgado em 17-11-2003, no âmbito do processo 248/03.6S3LSB, foi o arguido condenado pela prática em 31-10-2003 de um crime de condução sem habilitação legal na pena de 80 dias de multa;
c. Por decisão proferida em 21-06-2004, transitada em julgado em 30-09-2004, no âmbito do processo 140/03.4GBADV, foi o arguido condenado pela prática em 21-11-2003 de um crime de condução sem habilitação legal na pena de 100 dias de multa;
d. Por decisão proferida em 16-03-2007, transitada em julgado em 10-04-2007, no âmbito do processo 245/07.2GTABF, foi o arguido condenado pela prática em 20-02-2007 de um crime de condução sem habilitação legal na pena de seis meses de prisão suspensa na sua execução por dois anos;
e. Por decisão proferida em 19-12-2013, transitada em julgado em 31-01-2014, no âmbito do processo 1685/04.4PAOLH, foi o arguido condenado pela prática em 21-12-2004 de um crime de condução sem habilitação legal na pena de seis meses de prisão substituída por 120 dias de multa;
f. Por decisão proferida em 08-01-2008, transitada em julgado em 04-04-2016, no âmbito do processo 269/04.1GTABF, foi o arguido condenado pela prática em 15- 11-2004 de um crime de condução sem habilitação legal na pena de seis meses de prisão suspensa na sua execução por 3 anos;
g. Por decisão proferida em 08-05-2007, transitada em julgado em 16-03-2016, no âmbito do processo 681/04.6TAABF, foi o arguido condenado pela prática em 06-09-2004 de um crime de condução sem habilitação legal na pena de quatro meses de prisão suspensa na sua execução por 18 meses;
h. Por decisão proferida em 08-02-2018, transitada em julgado em 12-03-2018, no âmbito do processo 51/18.9PAOLH, foi o arguido condenado pela prática em 17-01-2018 de um crime de condução sem habilitação legal na pena de nove meses de prisão substituída por 270 horas de prestação de trabalho a favor da comunidade;
i. Por decisão proferida em 20-04-2018, transitada em julgado em 21-05-2018, no âmbito do processo 86/18.1GAOLH, foi o arguido condenado pela prática em 01-03-2018 de um crime de condução sem habilitação legal na pena de Dez meses de prisão substituída por 300 horas de trabalho a favor da comunidade;
j. Por decisão proferida em 08-01-2008, transitada em julgado em 04-04-2016, no âmbito do processo 269/04.1GTABF, foi o arguido condenado pela prática em 15-11-2004 de um crime de condução sem habilitação legal na pena de seis meses de prisão suspensa na sua execução por 3 anos;
k. Por decisão proferida em 15-10-2020, transitada em julgado em 16-11-2020, no âmbito do processo 665/17.4GAOLH, foi o arguido condenado pela prática em 13-12-2017 de um crime de condução sem habilitação legal na pena de 20 meses de prisão substituída por 480 horas de trabalho a favor da comunidade.
l. Por decisão proferida em 22-04-2022, transitada em julgado em 26-05-2022, no âmbito do processo 446/18.8GAOLH, foi o arguido condenado pela prática em 04-10-2018 de um crime de furto qualificado na pena de 110 dias de multa à taxa diária de 5.00€;
m. Por decisão proferida em 16-05-2022, transitada em julgado em 02-06-2022, no âmbito do processo 99/22.9GAOLH, foi o arguido condenado pela prática em 02-03-2022 de um crime de condução sem habilitação legal na pena de dois anos de prisão suspensa na execução por três anos;
2. O arguido realiza trabalhos ocasionais e indiferenciados auferindo mensalmente cerca de 760.00€;
3. O arguido vive com a sua companheira e 4 filhos, dos quais 3 são menores.

FACTUALIDADE NÃO PROVADA:
O arguido usou um objeto cortante, para cortar a vedação em rede metálica, e através desse buraco na rede introduziu-se no espaço exterior do imóvel do ofendido.

MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO
No que concerne à factualidade provada relativa à censurabilidade da conduta, o tribunal fundou a sua convicção no teor das declarações do arguido, prova testemunhal e relatório fotográfico de fls. 35, relatório tático de inspeção judiciária de fls. 40 a 45, relatório técnico de inspeção judiciária de fls. 53 a 60, nos termos que passa a expor.
O arguido prestou declarações, tendo referido que estava bêbado e não se lembra de nada e que sob o efeito de álcool “deu-lhe para fazer aquilo”.
O tribunal não reconheceu qualquer credibilidade ao referido pelo arguido.
Com efeito se o arguido estivesse de tal forma embriagado que nem tivesse poder e determinação sobre a sua vontade, nunca conseguiria aceder ao espaço exterior da moradia e muito menos tentar abrir uma portada que acabou por ficar danificada.
Aliás estas declarações mais não são que uma tentativa absurda, inverosímil e até insultuosa (para uma pessoa com uma inteligência média) para oferecer uma explicação para as impressões digitais do arguido que se encontravam no local, conforme resulta do teor de fls. 65 a 73.
É aliás com base no relatório de fls. 65 a 73 que o tribunal considera provados os factos 1 e 2 da factualidade provada, bem como os demais factos relativos ao elemento subjectivo do tipo legal imputado.
As testemunhas J, C e E, todos militares da GNR, de relevante referiram a data e o local ao qual se deslocaram no exercício das suas funções, bem como os vestígios que foram recolhidos e o facto de ter sido um contacto dando conta de uma tentativa de introdução em residência que motivou a sua ida ao local.
A testemunha M (responsável por tomar conta da residência na qual o seu marido faz trabalhos de jardinagem e amiga dos proprietários e longa data) referiu que foi contactada pelo seu marido que lhe disse haver uma janela partida e uma empanada forçada, confirmou que o alarme da securitas deu sinal de violação de entrada o que originou o contacto com as autoridades e de relevante referiu ainda o valor de 20.000.00€ do recheio da habitação e o facto de não saber há quanto tempo havia um buraco na rede que circunda o jardim do imóvel (razão pela qual tal facto imputado ao arguido em sede de acusação foi considerado não provado).
O ofendido W, ao tempo ausente na Alemanha, de relevante referiu unicamente o custo de reparação da janela que ascendeu a cerca de 1.000.00€.
A factualidade provada relativa aos seus antecedentes criminais e actual situação processual decorreu do teor do certificado de registo criminal e ainda no teor das declarações do arguido, das quais o tribunal não tem fundadas razões para duvidar.

MOTIVAÇÃO DE DIREITO
DA QUALIFICAÇÃO JURIDICA DOS FACTOS
Do Furto Qualificado na forma tentada
Vem imputado ao arguido a prática de um crime de furto qualificado na forma tentada, p. e p. pelo p. e p. pelos art.ºs 22º, 23º, 203º, n.º 1 e 204º, n.º 2, al. e) do Código Penal.
Comete o crime de furto “Quem, com ilegítima intenção de apropriação para si ou para outra pessoa, subtrair coisa móvel alheia” (artigo 203°, n.º l do Código Penal).
O bem jurídico protegido é a propriedade ou, mais rigorosamente, como bem nota José de Faria Costa (in Comentário Conimbricense ao Código Penal, Tomo II, pág.30), “a especial relação de facto sobre a coisa – poder de facto sobre a coisa – tutelando-se dessa maneira a detenção ou mera posse como disponibilidade material da coisa; como disponibilidade da fruição das utilidades da coisa com um mínimo de representação jurídica”. A propósito escreve o Professor: “Desta forma percebemos o furto sobretudo como uma agressão ilegítima ao estado atual das relações, ainda que provisórias, dos homens com os bens materiais da vida na sua exteriorização material. É esta pretensão de que a ordenação material dos bens está corretamente estabelecida, que faz com que o furto se veja como uma alteração ilegítima e insustentável daquela ordenação pré-estabelecida e, por isso, suscetível de censura jurídico-penal”.
São elementos deste tipo legal de crime:
- a subtração de uma coisa móvel;
- o carácter alheio dessa coisa;
- a ilegítima intenção de apropriação.
A lei não define expressamente o conceito de subtracção, mas a doutrina tem considerado que a mesma se caracteriza pela violação da posse exercida pelo lesado e a integração da coisa na esfera patrimonial do agente ou de terceira pessoa. A propósito, Beleza dos Santos, in RLJ n.º 58, pág. 252, definiu o conceito como “a violação do poder de facto que tem o detentor de guardar o objeto do crime ou de dispor dele, e a substituição desse poder pelo do agente”. Esta proposição normativa é ainda composta por mais dois sub-elementos: tratar-se de uma coisa móvel e o carácter alheio da mesma.
Quanto à “ilegítima intenção de apropriação”, e como refere Faria Costa (in Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo II, pág. 33), este elemento “deve ser visto e valorado como a vontade intencional do agente de se comportar, relativamente a coisa móvel, que sabe não ser sua, como seu proprietário, querendo assim, integrá-la na sua esfera patrimonial ou na de outrem, manifestando, assim, em primeiro lugar, uma intenção de (des)apropriar terceiro”. Trata- se, pois, de um elemento objetivo - apropriação -, que, no entanto, só tem sentido lógico quando, simultaneamente, existir também o respetivo elemento subjetivo - intenção ilegítima -, sem a qual nunca há apropriação. Daí que seja incluído, por alguns autores, nos elementos subjetivos do tipo, enquanto dolo específico.
É um crime doloso, devendo o dolo abarcar todos os elementos objetivos do tipo.
A qualificação do furto depende da comprovação de uma das circunstâncias modificativas agravantes taxativamente plasmadas no artigo 204°, do Código Penal.
O crime de furto imputado ao arguido, de acordo com a acusação pública, foi qualificado de acordo com o disposto no artigo 204º, n.º 2, al. e) e f) do Código Penal, o qual estabelece que “Quem furtar coisa móvel ou animal alheios:
e) Penetrando em habitação, ainda que móvel, estabelecimento comercial ou industrial ou outro espaço fechado, por arrombamento, escalamento ou chaves falsas;
Sucede que para que estejamos perante a híper qualificação do furto imputado ao arguido é necessário que os objectos furtados tenham um valor mínimo de 2.400.00€ (art.° 204º, nº 1, alínea a) e art.º 202º b) do Código Penal.
Conforme resulta da factualidade provada os objectos que o arguido tentou furtar tinham um valor de 20.000€ pelo que estamos perante, não o furto qualificado do nº 2, alínea e) do art.º 204º, do Código Penal, mas antes perante o crime do art.º 204º, nº 1, alínea a) e f) do Código Penal.
Ainda relativamente à alínea f) do art.º 204º, nº 1 do Código Penal, resultou provado que o arguido partiu o vidro e abriu a portada da janela de uma divisão (quarto de hóspedes) da habitação do ofendido.
Com efeito, o furto é qualificado, além do mais e no que ora interessa, nos termos do disposto no artº 204º, nº 1, al. f), do Código Penal, quando o agente do crime se introduza ilegitimamente em habitação, ainda que móvel, estabelecimento comercial ou industrial ou espaço fechado, ou aí permaneça escondido com intenção de furtar.
Pelo advérbio “ilegitimamente” deve nesta sede entender-se a introdução sem causa, injustificada, sem motivo válido e atendível, por exemplo o livre acesso ou o consentimento.
Nos presentes autos resultou provado que o arguido entrou em propriedade alheia, com o intuito de se apoderar nomeadamente do recheio da habitação que não lhe pertencia, tendo para o efeito acedido ao interior dessa propriedade de forma não concretamente apurada.
O arguido não conseguiu apropriar-se de nenhum objecto incluído no recheio da habitação, mas por razões alheias à sua vontade - o disparo do alarme que impediu a concretização do assalto.
Assim, o crime em apreço não se chegou a consumar.
Existe tentativa criminalmente relevante, nos termos do artº 22º, nº 1, do Código Penal, quando sejam praticados actos de execução de um crime que se decidiu cometer (a tentativa é necessariamente dolosa), sem que este chegue a consumar-se. O nº 2 do citado preceito legal explicita que são actos de execução os que preencherem um elemento constitutivo de um tipo de crime, bem como os que forem idóneos a produzir o resultado típico e ainda os que segundo a experiência comum e salvo circunstâncias imprevisíveis, forem de natureza a fazer esperar que se lhes sigam actos das espécies indicadas nas alíneas anteriores.
Nem todos os actos e procedimentos incluídos no iter criminis são objecto de punição criminal.
Em primeiro lugar, a simples idealização de um crime, a mera cogitatio, não é punível.
Os actos preparatórios (os que não se enquadram em qualquer das alíneas do nº 2 do artº 22º) não são puníveis a não ser que a lei estipule o contrário, nos termos do artº 21º do Código Penal, o que equivale a dizer que em regra os actos preparatórios não são objecto de punição.
Os actos integrantes da tentativa criminosa são puníveis se a lei o estipular ou se ao crime consumado corresponder pena superior a 3 anos de prisão, nos termos do artº 23º, nº 1, do Código Penal.
Ora, ao crime de furto qualificado, nos termos do nº 1, corresponde no máximo pena de prisão até 5 anos, pelo que a tentativa de prática desse crime é punível.
Nestes termos, conclui-se que o arguido cometeu um crime de furto qualificado, por introdução ilegítima em espaço vedado, na forma tentada.
Em face do exposto, e não se verificando qualquer causa que exclua a ilicitude ou a culpa, impõe-se a condenação do arguido.

DA ESCOLHA E DA MEDIDA DA PENA
O crime de furto qualificado, previsto e punido pelos artigos 203º e 204º, n.º 1, al. e) e f), do Código Penal, é punido com pena de prisão até cinco anos ou pena de multa até 600 dias.
Por aplicação dos artigos 41º, nº 1 e 47º, nº 1 do Código Penal encontramos uma moldura pena de um mês a cinco anos de prisão ou multa de 10 a 600 dias.
Estando perante a prática de um crime na forma tentada, dispõe o art.º 23º, nº 2 do Código Penal, que a moldura penal é a do crime consumado, especialmente atenuada, ou seja, com os limites constante do disposto no art.º 73º do Código Penal.
Assim, a moldura pena passa a ser a seguinte: prisão de um mês a 40 meses de prisão e ou multa de 10 a 400 dias.
Nos termos do disposto no artigo 70°, n.º l do Código Penal, “A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção”; sendo que “Na determinação concreta da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele (...)” (n.º 2 do mesmo artigo).
Dispondo o artigo 40º, n.º 2 do Código Penal que “Em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa” tal significa que a pena deve ter como suporte axiológico-normativo uma culpa concreta. A culpa não constitui, assim, apenas pressuposto e fundamento da pena (não há pena sem culpa), mas também o seu limite máximo (a medida da pena não pode ultrapassar a medida da culpa).
Se a medida da culpa é o limite máximo da medida da pena, o limite abaixo do qual a pena não pode descer é o que resulta da aplicação dos princípios de prevenção geral positiva, que têm em vista a proteção de bens jurídicos (a pena deve permitir a estabilização contrafática das expectativas da comunidade na norma jurídica violada, como instrumento de tutela de bens jurídicos).
Naquele intervalo, a medida exata da pena é a que resulta das regras de prevenção especial positiva – é a medida necessária à reintegração do indivíduo na sociedade causando-lhe só o mal necessário (neste sentido, Figueiredo Dias, “Direito Penal Português, Parte Geral”, Aequitas, Editorial Notícias, pág. 227).
Vejamos, então, a situação em apreço.
As exigências de prevenção geral são elevadas, tendo presente a frequência com que condutas como a ora em apreço têm sido levadas a cabo na nossa sociedade, criando alarme social e um evidente sentimento de insegurança nas pessoas e nos negócios, ademais na região do Algarve onde existem diversas habitações que são casas de férias de estrangeiros, que se encontram fechadas alguns meses do ano.
Quanto às exigências de prevenção especial, afiguram-se muito elevadas, porquanto o arguido tem um extenso registo criminal, sobretudo pela pratica de crimes de condução sem habilitação legal, mas também já foi condenado pela pratica de um furto qualificado e importa ainda salientar que o arguido quis prestar declarações e ofereceu uma versão dos factos absolutamente inverosímil, para não dizer ridícula, demostrando dessa forma uma absoluta falta de interiorização da ilicitude da sua conduta e algum sentido de impunidade, acreditando que tal explicação absurda de alguma forma convenceria o tribunal, o que salienta-se é até desrespeitoso.
O arguido tem o direito ao silêncio, mas não é seu direito mentir de forma clamorosa ao tribunal e esperar com isso obter um bom resultado.
Em desfavor do arguido milita, para além do facto de ter atuado com dolo direto, o elevado grau de ilicitude (considerando que os objectos que tentou furtar valeriam cerca de 20.000,00€ e provocou um estrago cuja reparação custou cerca de 1000.00€).
Em favor do arguido nada de apura, nem da sua inserção social económica, nem da sua atitude em julgamento nos termos já referidos nem dos seus antecedentes criminais múltiplos e já com alguma gravidade.
Tudo ponderado, fazendo apelo a critérios de justiça e proporcionalidade, tendo em consideração a moldura penal abstrata do crime em causa, fixa-se a pena em seis meses de prisão não aplicando a pena de multa por se entender que não satisfaz as exigências de prevenção geral e especial, uma vez que a ultima condenação do arguido é do ano de 2023 e por crime de furto simples.
Prescreve o artigo 50°, n.°1, do Código Penal que “O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 5 anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.
Ora, a pena de prisão aplicada ao arguido não é superior a 5 anos, estando, portanto, verificado o pressuposto formal estabelecido no aludido preceito legal.
O arguido encontra-se inserido familiarmente na comunidade a que pertence, porém tem diversas condenações averbadas ao seu registo criminal, pelo que entendemos que a simples censura do facto e a ameaça da prisão não realizam de modo adequado e suficiente as finalidades da punição, concretamente a proteção do bem jurídico em causa e a reintegração do agente na sociedade (artigo 40°, n.°1 do Código Penal), pelo que se determina que o arguido cumpra a pena de forma efectiva.
(…).»

2.3. Conhecimento do mérito do recurso
2.3.1. Do erro de julgamento relativamente à desconsideração da confissão dos factos e do arrependimento manifestado pelo arguido
Defende o arguido/recorrente que atentas as suas declarações, prestadas na audiência de julgamento, deveria ter sido dado como provado que confessou os factos/crime por que foi acusado.
Neste enfoque, alega o recorrente que ao ter afirmado encontrar-se alcoolizado aquando da prática dos factos em apreço, não quis suscitar qualquer causa de justificação excludente da ilicitude, nem tão pouco pretendeu invocar a sua incapacidade acidental ou qualquer circunstância atenuante da sua responsabilidade, ao nível da ilicitude, da culpa ou da necessidade da pena, tendo antes assumido os factos e demonstrado uma atitude contrita quanto à respetiva prática.
O Ministério Público manifesta que o recorrente não só não concretiza nenhuma verdadeira situação de erro de julgamento, como não especifica os concretos pontos que considera incorretamente julgados e as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida, além de que as declarações prestadas pelo arguido/recorrente – referindo que estava bêbado e não se recordava de nada –, não consubstanciam uma confissão da prática dos factos, nem refletem qualquer arrependimento.
Que dizer?
Antes de mais, haverá que ter presente que a impugnação da decisão de facto, em sede de recurso, apenas pode ter objeto a matéria factual dada como provada ou como não provada, sendo que em relação aos factos que não constem de uma ou de outra, mas que integrem o objeto do processo, tal como vem definido no n.º 4 do artigo 339º do CPP, a sua omissão no elenco dos factos provados, se forem relevantes para decisão a proferir, de harmonia com o disposto no artigo 368º do CPP, poderá configurar o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, previsto no artigo 410º, n.º 2, al. a), do CPP.
No que diz respeito ao arrependimento, conforme se faz notar no Acórdão desta Relação de Évora, de 04/04/2013[1] «A admissão pelo arguido, em julgamento, de alguns dos factos da acusação, a confissão parcial, não implica o arrependimento; e os efeitos desencadeados pelo arrependimento também não decorrem, necessariamente, da confissão parcial.»
Para que o arrependimento seja dado como provado e possa relevar a favor do arguido, como circunstância atenuante, em sede de determinação da medida da pena, é necessário que resultem demonstrados atos que evidenciem que o arguido interiorizou o desvalor da sua conduta, que esta se inadequa à sua personalidade e que está determinado a não voltar a delinquir[2].
Como se refere no Acórdão do STJ de 21/06/2007[3], «Há arrependimento relevante quando o arguido mostre ter feito reflexão positiva sobre os factos ilícitos cometidos e propósito firme de, no futuro, inflectir na sua conduta anti-social, de modo a poder concluir-se pela probabilidade séria de não recair no crime. O arrependimento é um acto interior revelador de uma personalidade que rejeita o mal praticado e que permite um juízo de confiança no comportamento futuro do agente por forma a que, se vierem a deparar-se-lhe situações idênticas, não voltará a delinquir.»
Ora, no caso vertente, o arguido/recorrente, conquanto haja admitido poder ter praticado os factos, referiu que estava bêbado e não se recordar de nada.
Não estamos aqui perante uma confissão “integral e sem reservas dos factos” ou tão pouco com relevo para a descoberta da verdade.
E a existência de arrependimento não resulta evidenciada, nem das declarações do arguido, nem através de uma qualquer atitude que tivesse adotado passível de o demonstrar.
Por conseguinte, não podiam esses factos – a existência de confissão e de arrependimento – ficar a constar, como não ficaram, da matéria factual provada.

2.3.2. Analisada a sentença recorrida, não se vislumbra que a mesma enferme de qualquer dos vícios decisórios previstos no n.º 2 do artigo 410º, n.º 2, do CPP – quais sejam: a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada; b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão; c) O erro notório na apreciação da prova –, nem que ocorra qualquer nulidade de que este Tribunal ad quem devesse conhecer oficiosamente.
Sem prejuízo do acabado de referir, constata-se que relativamente aos antecedentes criminais do arguido, dados por provados, na sentença recorrida, existe repetição, na menção feita, na alínea j), à condenação no âmbito do proc. n.º 269/04.1GTABF, já constante da al. f).
Donde, deve ser eliminada do elenco das condenações sofridas pelo arguido, a al. j).

2.3.3. Estabilizada que se encontra a decisão de facto, conquanto o arguido/recorrente não haja suscitado qualquer questão, nesse âmbito, é consabido que o tribunal de recurso pode, oficiosamente, alterar a qualificação jurídico-penal dos factos feita pelo tribunal recorrido, observando-se, quando exista fundamento para tal, o disposto no artigo 424º, n.º 3, do CPP e sem prejuízo do princípio da proibição da reformatio in pejus, consagrado no artigo 409º do CPP.
Lida a sentença recorrida, no que tange ao enquadramento jurídico penal dos factos provados, entendemos existir lapso na referência feita a que o crime de furto imputado ao arguido, na acusação pública, foi qualificado não só pela al. e), mas também pela alínea f) do n.º 2 do artigo 204º do Código Penal.
Tal asserção não se mostra correta, posto que, no libelo acusatório a qualificativa do crime de furto imputado ao arguido é apenas a prevista na alínea e), do n.º 2 do artigo 204º do Código Penal, como, aliás, é referido, noutras partes da sentença recorrida, concretamente, no relatório e no início da qualificação jurídica dos factos.
Á primeira vista poderíamos ser levados a considerar tratar-se de um mero lapso material, não fora a circunstância de o Tribunal a quo ter expressamente afastado a qualificativa prevista na al. e), do n.º 2 do artigo 204º do Código Penal, enquadrando juridicamente os factos provados, no referente às circunstâncias qualificativas do furto, nas alíneas a) e f), do n.º 1 do artigo 204º do Código Penal, tendo proferido a condenação do arguido nessa conformidade.
Para arredar o preenchimento da alínea e) do n.º 2 do artigo 204º do CP, entendeu o Tribunal a quo que «para que estejamos perante a híper qualificação do furto imputado ao arguido é necessário que os objectos furtados tenham um valor mínimo de 2.400.00€ (art.° 204º, nº 1, alínea a) e art.º 202º b) do Código Penal.
Conforme resulta da factualidade provada os objectos que o arguido tentou furtar tinham um valor de 20.000€ pelo que estamos perante, não o furto qualificado do nº 2, alínea e) do art.º 204º, do Código Penal, mas antes perante o crime do art.º 204º, nº 1, alínea a) e f) do Código Penal.»
O Tribunal a quo incorreu em manifesto erro de direito ao entender que o preenchimento das circunstâncias qualificativas do furto previstas no n.º 2 do artigo 204º do Código Penal, designadamente, aquela por que o arguido foi acusado, da alínea e) – respeitante, na parte que aqui importa, ao cometimento do furto, mediante penetração em habitação, por escalamento, sendo este último definido no artigo 202º, al. e), do CP –, pressupõe necessariamente que se mostre preenchida a alínea a) desse n.º 2, ou seja, que a(s) coisa(s) furtada(s) ou tentada(s) furtar, seja(m) de valor consideravelmente elevado.
Este entendimento, salvo o devido respeito, não tem qualquer apoio na letra da lei.
As circunstâncias qualificativas do furto previstas no n.º 2 do artigo 204º do CP, são autónomas entre si. Isso mesmo resulta clarividente do disposto no n.º 3 do artigo 204º, ao estatuir que: «Se na mesma conduta concorrerem mais do que um dos requisitos referidos nos números anteriores, só é considerado para efeito de determinação da pena aplicável o que tiver efeito agravante mais forte, sendo o outro ou outros valorados na medida da pena».
Por conseguinte, atenta a matéria factual provada – da qual decorre que o arguido/recorrente, tentou penetrar na casa de habitação pertencente ao ofendido, através de uma janela, com portada, tendo forçado a abertura desta, abrindo-a e partindo, com uma pedra, o vidro dessa janela, com o propósito de retirar e fazer seus objetos que aí se encontravam, apesar de saber que não lhe pertenciam e que atuava contra a vontade do respetivo dono, o que não logrou concretizar, por razões alheias à sua vontade, tendo acionado o alarme instalado no local –, há que concluir ter o arguido, com a sua atuação, preenchido a circunstância qualificativa do furto prevista na alínea e) do n.º 2 do artigo 204º do Código Penal, por que vinha acusado, qual seja, a de penetração em habitação por escalamento, sendo este último definido no artigo no artigo 202º, al. e), do CP, como consistindo, na «introdução em casa ou em lugar fechado dela dependente, por local não destinado normalmente à entrada, nomeadamente por telhados, portas de terraço ou de varandas, janelas, paredes, aberturas subterrâneas ou por qualquer dispositivo destinado a fechar ou impedir a entrada ou passagem
Deve, pois, o arguido ser condenado, como autor material, de um crime de furto qualificado, na forma tentada, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 22º, n.ºs 1 e 2, al. c), 23º, n.ºs 1 e 2, 203º, n.º 1, 204º, n.º 2, al. e), este último com referência ao artigo 202º, al. e), todos do Código Penal, por que foi acusado.

2.3.4. Da escolha da pena: Opção pela pena de multa ao invés da pena de prisão
O crime de furto qualificado, na forma tentada, praticado pelo arguido/recorrente e por que é condenado, é punível apenas com pena de prisão, tendo a moldura penal aplicável como limite mínimo 1 mês e limite máximo 5 anos e 4 meses (cf. artigos 204º, n.º 2, 23º, n.º 2 e 73º, n.º 1, alíneas a) e b), todos do Código Penal).
Assim sendo, fica necessariamente prejudicada a apreciação da enunciada questão.

2.3.5. Da medida da pena
Reputa o arguido/recorrente excessiva, injusta e desajustada a pena de 6 (seis) meses de prisão, fixada na 1.ª instância.
Neste enfoque, sustenta o recorrente não ter o Tribunal a quo ponderado, adequadamente, o grau de ilicitude dos factos, a culpa – mediana – do arguido, a assunção do cometimento dos factos, a dinâmica relacional, social e familiar do arguido – pautada por consistentes sentimentos de pertença e de cooperação familiar – a sua inserção laboral e social, o facto de apresentar juízo crítico sobre o bem jurídico tutelado pela norma incriminadora e de contar com um consistente suporte da retaguarda do seu agregado familiar e, ainda, a circunstância de não ter antecedentes criminais relevantes, por crimes da natureza daquele por que é condenado nos presentes autos.
O Ministério Público pugna pela manutenção da medida concreta da pena aplicada pelo Tribunal a quo.
Apreciando:
É consabido que a medida concreta da pena tem de encontrar-se dentro dos parâmetros estabelecidos nos artigos 40º e 71º, ambos do Código Penal.
Assim, a medida concreta da pena é limitada pela culpa do arguido, revelada nos factos (cf. artigo 40º, n.º 2, do CP) e terá de se mostrar adequada a assegurar exigências de prevenção geral e especial, nos termos do disposto nos artigos 40º, n.º 1 e 71º, n.º 1, ambos do Código Penal.
Culpa e prevenção são, pois, os dois termos do binómio com o auxílio do qual se há-de construir a medida da pena.
A culpa jurídico-penal vem traduzir-se num juízo de censura, que funciona, ao mesmo tempo, como um fundamento e limite inultrapassável da medida da pena, sendo tal princípio expressamente afirmado no n.º 2 do artigo 40º do CP.
Com recurso à prevenção geral procurou dar-se satisfação à necessidade comunitária da punição do caso concreto, tendo-se em consideração, de igual modo a premência da tutela dos respetivos bens jurídicos.
Com o recurso à vertente da prevenção especial almeja-se responder às exigências de socialização do agente, com vista à sua integração na comunidade.
Dando concretização aos mencionados vetores, o n.º 2 do artigo 71º enumera, exemplificativamente, uma série de circunstâncias atendíveis para a graduação da pena, que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra o agente: a) O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o dever de violação dos deveres impostos ao agente; b) A intensidade do dolo; c) Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram; d) As condições pessoais do agente e a sua situação económica; e) A conduta anterior ao facto e a posterior a este; f) A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.
O Tribunal a quo fundamentou a determinação da medida concreta da pena aplicada ao arguido, do seguinte modo:
«(…)
As exigências de prevenção geral são elevadas, tendo presente a frequência com que condutas como a ora em apreço têm sido levadas a cabo na nossa sociedade, criando alarme social e um evidente sentimento de insegurança nas pessoas e nos negócios, ademais na região do Algarve onde existem diversas habitações que são casas de férias de estrangeiros, que se encontram fechadas alguns meses do ano.
Quanto às exigências de prevenção especial, afiguram-se muito elevadas, porquanto o arguido tem um extenso registo criminal, sobretudo pela pratica de crimes de condução sem habilitação legal, mas também já foi condenado pela pratica de um furto qualificado e importa ainda salientar que o arguido quis prestar declarações e ofereceu uma versão dos factos absolutamente inverosímil, para não dizer ridícula, demostrando dessa forma uma absoluta falta de interiorização da ilicitude da sua conduta e algum sentido de impunidade, acreditando que tal explicação absurda de alguma forma convenceria o tribunal, o que salienta-se é até desrespeitoso.
O arguido tem o direito ao silêncio, mas não é seu direito mentir de forma clamorosa ao tribunal e esperar com isso obter um bom resultado.
Em desfavor do arguido milita, para além do facto de ter atuado com dolo direto, o elevado grau de ilicitude (considerando que os objectos que tentou furtar valeriam cerca de 20.000,00€ e provocou um estrago cuja reparação custou cerca de 1000.00€).
Em favor do arguido nada de apura, nem da sua inserção social económica, nem da sua atitude em julgamento nos termos já referidos nem dos seus antecedentes criminais múltiplos e já com alguma gravidade.
Tudo ponderado, fazendo apelo a critérios de justiça e proporcionalidade, tendo em consideração a moldura penal abstrata do crime em causa, fixa-se a pena em seis meses de prisão (…).»
Que dizer?
Á exceção do grau de ilicitude dos factos, que se nos afigura ser mediano, ao invés de elevado, como foi considerado pelo Tribunal a quo – designadamente, por não se poder considerar que o arguido/recorrente intentou subtrair/apropriar-se de todos os objetos existentes na habitação do ofendido, constituindo o respetivo recheio, no valor de €20.000,00 –, entendemos terem sido, devidamente, ponderadas as demais circunstâncias, concretamente, o dolo com que o arguido atuou – que reveste a modalidade de dolo direto, intenso –, as suas condições pessoais – estando familiarmente integrado e fazendo trabalhos sazonais, indiferenciados –, as condenações criminais que regista – totalizando doze, dez das quais por crimes de condução sem habilitação legal, praticados em 2003 (três), 2004 (três), 2007 (um), 2017 (dois), 2018 (um) e 2022 (um), sendo cominado em penas de multa, penas de prisão suspensas na respetiva execução e pena de prisão substituída por horas de trabalho a favor da comunidade e registando e registando ainda uma condenação por crime de furto qualificado, em pena de multa, por sentença transitada em julgado em data posterior àquela em que cometeu o crime em causa nos presentes autos, sendo os factos/crime perpetrados em data anterior a esta última, mais concretamente em 04/10/2018 – e as exigências de prevenção geral feitas sentir – que se revelam prementes, atenta a frequência com que vêm sendo cometidos crimes de furto, designadamente, a residências, como foi o caso, e necessidade de defesa da sociedade perante este tipo de ilícito, gerador de alarme social, criando insegurança e intranquilidade na comunidade, a exigirem o restabelecimento da confiança da comunidade na validade da norma jurídica violada –.
As exigências de prevenção especial são acentuadas, atentas as condenações já sofridas pelo arguido, avultando a prática de crimes de condução sem habilitação legal e registando uma condenação pela prática de crime de furto qualificado, sendo cominado em pena de multa, por sentença transitada em julgado em 26/05/2022, data posterior àquela em que cometeu o crime em causa nos presentes autos, conquanto os factos/crime hajam sido perpetrados em data anterior a esta última.
As declarações prestadas pelo arguido/recorrente, na audiência de julgamento, ao referir que, aquando da prática dos factos, se encontrava bêbado e que não se recorda de nada, não merecendo credibilidade ao Tribunal a quo, pelas razões explicitadas na sentença, configura uma postura de desculpabilização por parte do arguido, ante os factos praticados, não mais do que isso.
Relativamente às circunstâncias convocadas pelo recorrente para pugnar pela redução da pena de prisão aplicada, designadamente, o arrependimento, a ocupação laboral estável, a dinâmica familiar e a inserção social e não encontram respaldo na matéria factual provada, pelo que não podem ser ponderadas, na determinação da medida concreta da pena.
Neste conspecto, importará referir que, conquanto a matéria factual dada como provada no respeitante às condições pessoais e situação de vida do arguido/recorrente não seja extensa, cingindo-se à sua situação laboral e familiar, ainda assim, no caso concreto, revela-se suficiente para decidir sobre a pena a aplicar ao arguido/recorrente. Como tal, não se verifica insuficiência para a decisão da matéria de facto provada (artigo 410º, n.º 2, al. a), do CPP).
Sopesando todas as enunciadas circunstâncias, fazendo-se notar que, não obstante a moldura pena aplicável ao crime de furto qualificado por cuja prática o arguido/recorrente vai agora condenado ser superior àquela que foi considerada pelo Tribunal a quo, tendo o recurso em apreço sido interposto apenas pelo arguido, existindo proibição da reformatio in pejus (cf. artigo 409º, n.º 1, do CPP), entendemos que a medida concreta da pena de prisão fixada, não se releva desadequada, nem desproporcionada, antes pelo contrário, mostra-se ser ajustada e adequada às necessidades de prevenção que, no caso de fazem sentir, não excedendo a medida da culpa do arguido/recorrente.
Não existe, por isso, fundamento para a redução do quantum da pena de prisão aplicada.

2.3.6. Da aplicação de pena de substituição
Pugna o recorrente pela suspensão da execução da pena de prisão.
Em ordem a fundamentar tal pretensão alega a recorrente não ter o Tribunal a quo feito uma correta ponderação das suas condições pessoais, inserção familiar, laboral e social, não tendo cuidado de as apurar devidamente, por forma a poder traçar o respetivo enquadramento comportamental, tendo apenas atendido ao seu registo criminal, para concluir que “as exigências de prevenção especial são muito elevadas” e arredar a suspensão da execução da pena de prisão.
Manifesta o recorrente não poder o Tribunal a quo estabelecer um juízo de prognose desfavorável, em ordem a afastar a aplicação de pena de não privativa da liberdade, levando em conta a circunstância de o arguido ter sido condenado pela prática de um crime de furto, no âmbito do processo n.º 446/18.8GAOLH, posto que o efeito pedagógico da pena aí aplicada se ter verificado, após o transito em julgado dessa decisão condenatória, ocorrido em data posterior à do cometimento dos factos/crimes por que é condenado nos presentes autos.
Defende o recorrente que a suspensão da execução da pena de prisão, ainda que acompanhada de regime de prova, é adequada a assegurar as necessidades da punição e, como tal, deve ser aplicada.
O Ministério Público pronuncia-se no sentido de que a substituição da pena de prisão, nos termos pretendidos pelo recorrente, não realiza de forma adequada nem suficiente as finalidades da punição.
Vejamos:
Sobre os pressupostos da suspensão da execução da pena de prisão, dispõe o artigo 50º, n.º 1, do Código Penal, que: «O tribunal suspende a execução da pena de prisão em medida não superior a cinco anos, se atendendo à personalidade do agente, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição
Este preceito consagra um poder-dever, ou seja, um poder vinculado do julgador, que terá que decretar a suspensão da execução da pena, sempre que se verifiquem os necessários pressupostos[4].
A primeira finalidade politico-criminal que a lei visa com o instituto da suspensão é o afastamento do delinquente, no futuro, da prática de novos crimes[5].
O juízo de prognose favorável ao comportamento futuro do arguido deve assentar numa expectativa razoável de que a simples censura do facto e a ameaça da pena de prisão será suficiente para realizar as finalidades da punição e consequentemente a ressocialização do arguido, afastando-o da prática de futuros crimes.
Ou dito de outro modo: a suspensão da execução da pena deverá ter na sua base uma prognose social favorável ao arguido, a esperança de que o arguido sentirá a sua condenação como uma advertência e que não cometerá no futuro nenhum crime[6].
«Para a formulação de um tal juízo – ao qual não pode bastar nunca a consideração ou só da personalidade, ou só das circunstâncias do facto –, o tribunal atenderá especialmente às condições de vida do agente e à sua conduta anterior e posterior ao facto.[7]»
«Esse juízo de prognose não corresponde a uma certeza, antes a uma esperança fundada de que a socialização em liberdade se consiga realizar. Trata-se, pois, de uma convicção subjetiva do julgador que não pode deixar de envolver um risco, derivado, para além do mais, dos elementos de facto mais ou menos limitados a que se tem acesso.[8]»
Acresce que, para que possa decidir-se pela aplicação de tal pena de substituição é necessário que a mesma não coloque irremediavelmente em causa a tutela da confiança e das expetativas da comunidade na validade da norma jurídica violada.
Como elucidativamente se escreve no Acórdão do STJ de 18/06/2015[9]:
«A suspensão da pena tem um sentido pedagógico e reeducativo, sentido norteado, por sua vez, pelo desiderato de afastar, tendo em conta as concretas condições do caso, o delinquente da senda do crime.
(…)
De um lado, cumpre assegurar que a suspensão da execução da pena de prisão não colida com as finalidades da punição. Numa perspetiva de prevenção especial, deverá mesmo favorecer a reinserção social do condenado.
Por outro lado, tendo em conta as necessidades de prevenção geral, importa que a comunidade não encare, no caso, a suspensão, como sinal de impunidade, retirando toda a sua confiança ao sistema repressivo penal. (…)»
A pena, «em caso algum, deverá pôr em causa o limite inferior constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico. A pena não pode questionar a crença da comunidade na validade da norma violada e, por essa via, o sentimento de confiança e segurança dos cidadãos nas instituições jurídico-penais.»
Se estes fins de defesa do ordenamento jurídico forem postos em causa pela suspensão da execução da prisão, ela não deverá ser decretada, ainda que o tribunal conclua por um prognóstico favorável ao arguido, no que concerne à eficácia desta pena de substituição para o afastar da prática de novos crimes. «A suspensão da execução da prisão não deverá ser decretada se a ela se opuserem as necessidades de reprovação e prevenção do crime». Estão aqui em questão «exclusivamente considerações de prevenção geral sob a forma de exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico. Só por estas exigências se limita – mas por elas se limita sempre – o valor da sociabilização em liberdade que ilumina o instituto em análise.[10]»
Decidiu o Tribunal a quo afastar a suspensão da execução da pena de prisão, aplicada ao arguido/recorrente, com os seguintes fundamentos:
«O arguido encontra-se inserido familiarmente na comunidade a que pertence, porém tem diversas condenações averbadas ao seu registo criminal, pelo que entendemos que a simples censura do facto e a ameaça da prisão não realizam de modo adequado e suficiente as finalidades da punição, concretamente a proteção do bem jurídico em causa e a reintegração do agente na sociedade (artigo 40°, n.°1 do Código Penal), pelo que se determina que o arguido cumpra a pena de forma efectiva.»
Vejamos:
As exigências de prevenção geral revelam-se prementes relativamente ao tipo de crime por cuja prática o arguido/recorrente é condenado, pelas razões acima expostas, impondo-se uma resposta firme por parte das instâncias de controlo, designadamente, dos tribunais, por forma a reforçar a confiança da comunidade na validade da norma jurídica violada e a promover a paz social.
No tocante às exigências de prevenção especial, tal como supra referimos, afigura-se-nos serem acentuadas. Entendemos, porém, que não poderá deixar de se atentar na circunstância de as condenações sofridas pelo arguido/recorrente, em momento anterior à data da prática dos factos/crime de furto qualificado, por que é condenado nos presentes autos, respeitarem a crimes de condução sem habilitação legal. O arguido/recorrente regista uma condenação por crime de furto qualificado, reportada a factos praticados anteriormente à data do cometimento daqueles que estão em causa nos presentes autos, tendo sido cominado em pena de multa e sendo a decisão condenatória e respetivo transito em julgado, posteriores à data da prática dos factos/crime de que aqui se trata.
Neste quadro, conquanto os traços da personalidade do arguido/recorrente, revelados na prática dos factos, denotando desrespeito pela propriedade alheia, aliados à fragilidade da sua situação económica e laboral, possam ser potenciadores do risco de reiteração do crime de furto, tendo em conta que à data do cometimento do crime em apreço nos autos, não havia sido condenado por crime da mesma natureza, estando familiarmente inserido, tendo três filhos menores, fazendo trabalhos sazonais, indiferenciados, ainda que se reconheça tratar-se de uma situação limite, entende-se ser possível formular um juízo de prognose favorável em relação ao arguido/recorrente em termos de poder fundamentar a suspensão da execução de pena.
Considera-se, assim, que a simples censura do facto e a ameaça da pena de prisão serão suficientes para afastar o arguido/recorrente da prática de futuros crimes e satisfazer as necessidades de reprovação e de prevenção, permitindo a escolha de tal pena de substituição garantir limiar mínimo da prevenção geral da defesa do ordenamento jurídico, da tutela da confiança da comunidade na validade da norma violada, tendo em conta que o arguido fica sujeito a regime de prova e ao cumprimento das obrigações e deveres inerentes, o que exigirá esforço e responsabilidade da sua parte e que, caso o arguido não venha a corresponder positivamente e se se frustrarem as finalidades visadas atingir, designadamente, a sua ressocialização, em liberdade, haverá lugar à execução da pena de prisão em que é condenado.
O arguido/recorrente não poderá deixar de estar ciente que poderá esta ser também a derradeira oportunidade que lhe será concedida de continuar em liberdade, caso venha a persistir na atividade criminosa.
Determina-se, assim, a suspensão da execução da pena de 6 (seis) meses de prisão aplicada ao ora recorrente (cf. artigo 50º, n.º 1, do CP).
Fixa-se em 18 (dezoito) meses, o período de suspensão da execução da pena de prisão (cf. artigo 50º, n.º 5, do CP), o qual se considera adequado/necessário à implementação e consolidação das finalidades visadas alcançar com o regime de prova que acompanhará a suspensão, conforme infra se decidirá.
Por se julgar conveniente e adequado a satisfazer as finalidades da punição e a promover ressocialização do arguido/recorrente determina-se que a suspensão da execução da pena seja acompanhada de regime de prova, nos termos previstos nos artigos 50º, n.º 2 e 53º e 54º, n.ºs 1 e 3, al. a), b) e c), todos do CP, assente num plano de reinserção social, a ser executado com a vigilância e apoio dos serviços de reinserção social, ficando o recorrente obrigado a responder às convocatórias do técnico de reinserção social e a fornecer a este as informações referidas nas alíneas b) e c) do artigo 54º, n.º 3, do CP, bem como a colaborar ativamente na execução do respetivo plano de reinserção social.
O recurso é, pois, parcialmente procedente.


3. DECISÃO
Nestes termos, em face do exposto, acordam, em audiência, os Juízes da Secção Criminal (2ª Subsecção) desta Relação de Évora, em:

a) Determinar a eliminação do elenco das condenações sofridas pelo arguido a constante da alínea j), por constituir repetição da já mencionada na alínea f).

b) Julgar verificada a existência de erro de direito, na sentença recorrida, no referente à circunstância qualificativa do furto praticado pelo arguido E, nos termos supra expostos, no ponto 2.2.3. e, nessa decorrência, condenar o arguido pela prática de um crime de furto qualificado, na forma tentada, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 22º, n.ºs 1 e 2, al. c), 23º, n.ºs 1 e 2, 203º, n.º 1, 204º, n.º 2, al. e), este último com referência ao artigo 202º, al. e), todos do Código Penal, por que vinha acusado.

c) Conceder parcial provimento ao recurso interposto pelo arguido E e, em consequência:

- Revoga-se a sentença recorrida, na parte em que decidiu pela efetividade da pena de 6 (seis) meses de prisão aplicada ao arguido/recorrente e, em substituição, decide-se suspender na sua execução, tal pena de prisão, pelo período de 18 (dezoito) meses;

- Determina-se que a suspensão da execução da pena de prisão seja acompanhada de regime de prova, nos termos do disposto nos artigos 50º, n.º 2 e 53º e 54º, n.ºs 1 e 3, al. a), b) e c), todos do CP, assente num plano de reinserção social, a ser executado com a vigilância e apoio dos serviços de reinserção social, ficando o arguido obrigado a responder às convocatórias do técnico de reinserção social e a fornecer a este as informações referidas nas alíneas b) e c) do artigo 54º, n.º 3, do CP, bem como a colaborar ativamente na execução do respetivo plano de reinserção social.

d) No mais, confirmar a sentença recorrida.

Sem tributação dada a procedência parcial do recurso (cf. artigo 513º, nº 1 do CPP).
Notifique.

Évora, 01 de outubro de 2024
Fátima Bernardes
Maria Perquilhas
Carlos de Campos Lobo
João Amaro
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[1] Proferido no proc.1137/10.3PCSTB.E1, acessível in www.dgsi.pt.
[2] Neste sentido, cf., entre outros, Ac. do STJ de 21/06/2007, proc. n.º 2042/07-5, Ac. deste TRE de 14/01/2014, proc. n.º 7/11.2GBPTM.1, Ac. da RP de 24/04/2013, proc. 491/07.9PASTS.P1 e Ac. da RC de 30/05/2012, proc. nº 192/11.3TACBR.C1, todos acessíveis in www.dgsi.pt.
[3] Proferido no proc. 2042/07-5, disponível in www.dgsi.pt.
[4] Cf. Cons. Maia Gonçalves, in Código Penal Anotado, 14ª edição, pág. 191 e Prof. Figueiredo Dias, in Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas Editorial Notícias, 1993, pág. 341.
[5] Cf. Prof. Figueiredo Dias, in ob. cit., pág. 343.
[6] Cf. Ac. do STJ de 23/11/2011, proc. nº. 127/09.3PEFUN.S1, in www.dgsi.pt.
[7] Cf. Prof. Figueiredo Dias, in ob. cit., pág. 343.
[8] Ibidem, pág. 344.
[9] Proferido no proc. 270/09.9GBVVD, in www.dgsi.pt.
[10] Cf. Prof. Figueiredo Dias, in ob. cit., pág. 344.