Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
17/12.2TAMAC-A.E1
Relator: FERNANDO RIBEIRO CARDOSO
Descritores: CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA
DENÚNCIA CALUNIOSA
CONSUMAÇÃO
Data do Acordão: 06/04/2013
Votação: DECISÃO INDIVIDUAL
Texto Integral: S
Meio Processual: CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA
Decisão: ATRIBUIDA A COMPETÊNCIA AO TRIBUNAL DE ABRANTES
Sumário:
I – O crime de denúncia caluniosa consuma-se logo que a denúncia ou o lançamento da suspeita seja feita perante autoridade (ou levada ao conhecimento desta) ou publicamente, não sendo necessário que a autoridade competente venha a instaurar contra o suspeito o procedimento atinente.

II – Tendo a denúncia contra a ora ofendida dado entrada nos Serviços do Ministério Público de Abrantes, é esta comarca a competente para o julgamento do processo-crime em que se imputa aos arguidos a prática do crime referido em I.
Decisão Texto Integral:
O Exmo. Senhor Juiz de Direito do 1.º Juízo do Tribunal Judicial de Abrantes veio suscitar a este Tribunal a resolução do conflito negativo de competência surgido no âmbito do processo comum singular n.º 17/12.2TAMAC em que são arguidos A e F, a quem é imputada a prática de um crime de denúncia caluniosa, p. e p. pelo art. 365.º, n.º1 do Código Penal.

As decisões cujo conflito há que dirimir são os seguintes:

a) - O despacho datado de 13-12-2012, proferido pela Senhora Juíza do Tribunal Judicial de Mação, cujos termos, no essencial, se reproduzem:

“Aos arguidos nos presentes autos é imputada a prática de um crime de denúncia caluniosa, p. e p. pelo artigo 365.º, n.º 1 do Código Penal, porquanto, em Abril de 2011, o arguido F. elaborou e remeteu queixa escrita, assinada pela arguida A, contra a ofendida, ao Exmo. Senhor Procurador do Ministério Público do Círculo de Abrantes. Tal missiva foi recepcionada nos serviços do Ministério Público de Abrantes em 07-04-2011, tendo nessa mesma data merecido despacho do Exmo. Senhor Procurador da Republica Coordenador de Abrantes ordenando a remessa do expediente aos Serviços do Ministério Público de Mação, a fim de ser instaurado inquérito.

Assim, coloca-se, desde já a questão prévia, de conhecimento oficioso, respeitante à competência do Tribunal.

Vejamos:

Dispõe o artigo 19.º, n.º 1 do Código de Processo Penal que “é competente para conhecer de um crime o tribunal em cuja área se tiver verificado a consumação”.

Dispõe o artigo 365.º, n.º 1 do Código Penal que: “quem, por qualquer meio, perante autoridade ou publicamente, com a consciência da falsidade da imputação, denunciar ou lançar sobre determinada pessoa a suspeita da prática de crime, com intenção de que contra ela se instaure procedimento, é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa.”

O crime de denúncia caluniosa consuma-se logo que a denúncia ou o lançamento da suspeita seja feita perante autoridade ou publicamente (assim, os Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto, de 26-01-2011, proferido no processo n.º 11018/08.5TDPRT, de 25-11-2009, processo n.º 7451/05.2TDPRT e do Tribunal da Relação de Guimarães, de 17-02-2010, processo n.º 2174/07.OTAGMR-A.G1, todos disponíveis in www.dgsi.pt e ainda, Manuel da Costa Andrade, in Comentário Conimbricense do Código Penal, tomo III, p. 530 e Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal, p. 943, ponto 13).

Nos presentes autos, a denúncia, na versão aqui trazida pela acusação, foi dirigida ao Exmo. Sr. Procurador do Ministério Público de Abrantes e foi recepcionada nos serviços do Ministério Público de Abrantes. Sobre tal denúncia incidiu despacho do Exmo. Senhor Procurador da República, determinando a remessa do expediente “à Exma. Substituta de Mação para instauração do respectivo inquérito”. Tal expediente veio a dar origem ao processo com o NUIPC ---/11.7TAMAC, que correu termos nos Serviços do Ministério Público deste Tribunal, tendo sido proferido despacho de arquivamento.

Ou seja, a denúncia chegou, em primeira mão, ao seu destinatário, nos Serviços do Ministério Público de Abrantes, onde se consumou.

Como escreve Manuel da Costa Andrade, “(…) o tipo estará preenchido – mas só estará preenchido em termos de consumação – quando em concreto se criar o perigo de a pessoa ofendida ver a sua liberdade posta em causa pela instauração de um procedimento persecutório”, acrescentando “não sendo a tentativa punível, importa precisar o momento em que se actualiza aquele resultado de colocação em risco. Segundo o entendimento consensual, tal dá-se quando, suposta a idoneidade da denúncia ou suspeita, estas chegam ao destinatário. É então que surge o perigo de a autoridade competente actualizar o seu `juízo de suspeita" e, consequentemente, instaurar o procedimento” (in Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo III, pág. 530).

Queremos com isto dizer que é irrelevante a competência da comarca para investigar o crime falsamente denunciado. Ou seja, Mação seria competente para investigação do crime denunciado na missiva enviada ao Procurador da República de Abrantes. Mas para efeitos de aferir a competência para apreciação do crime de denuncia caluniosa, afigura-se-nos irrelevante que a denuncia tenha sido apresentada em local territorialmente incompetente para o efeito, desde logo porque o crime em apreço reveste natureza pública, pelo que o Ministério Público tem legitimidade para promover o processo sem qualquer restrição, bastando para tanto que dele tome conhecimento por qualquer meio – conhecimento próprio, por intermédio dos órgãos de polícia criminal ou mediante denúncia - consoante ressalta do disposto nos artigos 48º e seguintes e 241º e seguintes do Código de Processo Penal.

Entendemos, assim que o crime se consumou naquela comarca de Abrantes, independentemente do destino que o Exmo. Senhor Procurador lhe deu posteriormente.

Na realidade, do tipo legal de crime em causa resulta que não é elemento objectivo do mesmo a instauração do procedimento criminal, bastando a intenção do agente de que tal suceda (assim, acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 26-01-2011, proferido no processo n.º 11018/08.5TDPRT). É assim irrelevante que a referida denúncia tenha sido remetida aos Serviços do Ministério Público de Mação pelo Exmo. Senhor Procurador que recepcionou a mesma em Abrantes, a fim de instaurar o respectivo procedimento. Na realidade, se os aqui arguidos tivessem retirado a queixa antes da sua remessa aos serviços do Ministério Público de Mação, ainda assim, existiria crime de denúncia caluniosa.

É assim competente para o julgamento dos presentes autos o Tribunal Judicial da Comarca de Abrantes.

Assim sendo, face a todo o exposto, e ao abrigo do preceituado no artigo 32º., nº. 2, al. b), do Código de Processo Penal, declaro o Tribunal Judicial de Mação territorialmente incompetente para o julgamento dos presentes autos.

Notifique.
Após trânsito, remeta os presentes autos para o Tribunal Judicial de Abrantes.
D.N. (...)”

b) O despacho proferido pelo Senhor Juiz do 1.º Juízo do TJ de Abrantes:

“Da incompetência, em razão do território, do Tribunal Judicial de Abrantes, para os termos do processo e do conflito negativo de competência:

Por douto despacho, proferido em 13/12/2012, pela Mm.ª Juiz do Tribunal Judicial de Mação, transitado em julgado, foi declarada a incompetência do Tribunal Judicial de Mação, em razão do território, para proceder ao julgamento neste Processo Comum Singular, em que é ofendida e demandante C. e arguidos A e F, tendo os autos sido remetidos ao Tribunal Judicial de Abrantes, após trânsito em julgado do referido despacho.

No entanto, salvo melhor entendimento e com o devido respeito por opinião contrária, entendo que existe uma distinção a fazer entre o local da prática do crime e o local onde foi recebida a participação que deu origem ao procedimento criminal.

Com efeito, estamos perante a prática de um crime de denúncia caluniosa, porque a ora arguida A. apresentou uma participação criminal contra a ora ofendida C., nos Serviços do Ministério Público de Abrantes, por factos susceptíveis de consubstanciar a prática, por parte desta última, de vários crimes de natureza pública, melhor identificados nos autos.

Só que, desde logo, esse inquérito, com o nº --/11.7TAMAC, nem sequer correu termos nos Serviços do Ministério Público de Abrantes, mas nos Serviços do Ministério Público de Mação.

E correu termos nos Serviços do Ministério Público de Mação, porque para aí foi remetida a participação que lhe deu origem e que depois deu lugar à instauração de inquérito, como se extrai do despacho do Ex.mo Sr. Procurador da República junto do Círculo Judicial de Abrantes, constante de fls. 62 e proferido em 7/4/2011. Ou seja, nem sequer existiu inquérito que tivesse corrido termos nos Serviços do Ministério Público de Abrantes; o inquérito foi instaurado e correu termos « ab initio » nos Serviços do Ministério Público de Mação, porque a participação que lhe deu origem para aí foi remetida.

Esse inquérito foi arquivado e a denunciada no mesmo apresentou queixa crime, por denúncia caluniosa, contra a participante, nos Serviços do Ministério Público de Mação, sendo que foi sempre em Mação que o inquérito com o nº --/11.7TAMAC correu termos e aí foi arquivado, por despacho de 1/9/2011, proferido pela Ex.ma substituta do Procurador-Adjunto ( fls. 40 a 56 ).

Refere a Mmºa Juiz do Tribunal Judicial de Mação, no seu despacho de fls. 235 a 237, que o crime de denúncia caluniosa de consome logo que a denúncia ou o lançamento da suspeita seja feita perante autoridade ou publicamente (fls. 236). Nada mais certo: só que esse local, foi em Mação, e não em Abrantes. Foi em Mação que o inquérito foi instaurado, foi em Mação que foram efectuadas todas as diligências de prova durante o inquérito e foi em Mação que o inquérito foi arquivado. Abrantes serviu, tão só, de local onde foi recebida a participação, a qual foi logo remetida para Mação, a fim de ser instaurado o inquérito.

Uma queixa pode ser apresentada em qualquer local, porque a queixa é apenas uma condição objectiva de procedibilidade. Aliás, pode ser apresentada em qualquer posto policial, estando os órgãos de polícia criminal obrigados a comunicar a mesma ao Ministério Público, nos termos e condições previstas no artº 248º nº 1 do C.P.P. Assim sendo, uma pessoa que se encontre no Minho, por exemplo, pode apresentar uma queixa ou efectuar uma participação criminal contra outra pessoa que resida no Algarve, pela prática de um crime que tenha ocorrido em Lisboa, que não vai ser o local onde ela apresentou a queixa ou a participação criminal que irá determinar o local onde vai ser instaurado o procedimento criminal pela prática dos factos em discussão. E esse local qual é? Precisamente o da prática do crime e, por isso, é que, ao ser recebida, nos Serviços do Ministério Público de Abrantes, a participação da ora arguida, o Ex.mo Sr. Procurador da República a remeteu para os Serviços do Ministério Público de Mação, porque eram os mesmos os territorialmente competentes para a instauração e prosseguimento do procedimento criminal (recorde-se que o inquérito nem sequer foi instaurado em Abrantes, correu termos, desde sempre, em Mação).

E se assim é, aplicando, ao presente caso, a doutrina e a jurisprudência aludidas pela Mmºa Juiz do Tribunal Judicial de Mação, no seu douto despacho, no qual se declarou territorialmente incompetente para conhecer do crime de denúncia caluniosa, conclui o Tribunal Judicial de Abrantes que o local onde se consumou o crime de denúncia caluniosa foi Mação, porque foi aí que todas as autoridades e demais pessoas tiveram conhecimento dos factos alegadamente caluniadores: foi aí que foi instaurado o inquérito, foi aí que foram ouvidas as pessoas durante o inquérito, foi aí que foi arquivado o inquérito, sendo que é também em Mação que tem domicílio profissional a ora ofendida e onde os factos alegadamente caluniadores em relação à mesma tiveram eco e repercussão na sua vida pessoal e profissional, até se dando o caso de os ora arguidos residirem em Penhascoso, na área da comarca de Mação.

Em conclusão, os Serviços do Ministério Público de Abrantes serviram apenas e tão só para «receber a participação». Nenhuma autoridade em Abrantes teve contacto com o processo, pois a participação foi logo remetida para Mação, para aí ser instaurado inquérito e de onde já não saiu.

Assim sendo, e salvo melhor opinião, não podemos concordar com a decisão da Mmºa Juiz do Tribunal Judicial de Mação, que se declarou territorialmente incompetente para conhecer do crime de denúncia caluniosa.

Pelo exposto, nos termos e para os efeitos do disposto no artº 32º nº 1 e 2, al. b) do C.P.P., declaro territorialmente incompetente o Tribunal Judicial de Abrantes para o julgamento nos presentes autos e declaro territorialmente competente, para o mesmo efeito, o Tribunal Judicial de Mação.

Uma vez que estamos perante um conflito negativo de competência, previsto no artº 34º nº 1 do C.P.P., nos termos do disposto no artº 12º nº 5, al. a) do C.P.P., aplicável « ex vi » artº 35º nº 2 do C.P.P., suscito, de imediato, a resolução do presente conflito, ao Excelentíssimo Sr. Juiz Presidente da Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora, devendo, para o efeito, ser extraída certidão dos presentes autos, contendo cópia do presente despacho e do despacho de fls. 235 a 237, assim como cópia de fls. 1 a 5, 40 a 56, 61 a 67, sendo remetida pela Secção a certidão assim instruída, ao Excelentíssimo Sr. Juiz Presidente da Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora para decisão do presente conflito negativo de competência. (...)”

Tais decisões transitaram em julgado.

Cumprido o disposto no artº 36.º, n.º 1 do CPP, vieram pronunciar-se no sentido da resolução do conflito apenas o MP e os senhores juízes dos tribunais em conflito.

O Exmº Procurador-Geral Adjunto é de parecer que o tribunal territorialmente competente para o julgamento do processo em causa será o de Mação, por ter sido na comarca de Mação que houve conhecimento oficial dos factos imputados por A. à senhora advogada C., sendo irrelevante a apresentação da queixa em Abrantes, na Procuradoria da República do Circulo Judicial.

Defende que o conceito de autoridade ou publicamente contido no art. 365.º, n.º1, do Código Penal, deve ser entendido como a entidade a quem foi apresentada a denúncia de modo a que esta possa produzir efeitos ou o local e modo como essa denúncia teve repercussão na sociedade.

Os senhores juízes dos tribunais em conflito mantiveram as suas posições, tendo a senhora juízo do TJ de Mação aditado, em abono da decisão por si tomada, que não pode ser feita a correspondência entre o conceito de “autoridade competente” e autoridade territorialmente competente, pois que, ainda que os arguidos tivessem pretendido desistir da queixa apresentada contra a ofendida antes da remessa do expediente para a comarca de Mação, como determinado pelo Exmo. Senhor Procurador da República da Comarca de Abrantes, ainda assim estaria consumado o crime de denúncia caluniosa.

Decidindo:

Num procedimento de decisão de conflito negativo de competência, em que estão em causa duas decisões de tribunais deste distrito judicial, o Tribunal da Relação na pessoa do presidente de secção criminal, apenas é chamado a suprir o obstáculo processual da inexistência atual de um tribunal que decida a causa, resultante de os dois que foram chamados para tal se atribuírem mutuamente a competência, negando a própria, de modo a que se o conflito negativo assim surgido não fosse decidido, com a urgência que a lei reclama, não haveria jurisdição para a causa – art. 34.°, n.º 1, e 36.°, do CPP.

As ocorrências fácticas que decorrem dos autos incidentais:

Dos elementos juntos aos autos decorre que a denúncia que está na génese do processo instaurado pela queixosa C contra a aqui arguida A e que levou o Ministério Público a deduzir acusação contra esta e também contra F. pela prática de um crime de denúncia caluniosa, p. e p. pelo art. 365.º, n.º1, do Código Penal, foi endereçada por aquela arguida ao Exmo. Senhor Procurador da República do Circulo de Abrantes, onde foi recebida nos serviços do Ministério Público, conforme carimbo aposto em 7 de Abril de 2011.

Resulta ainda desse expediente que, por despacho proferido na mesma data, o Senhor Procurador da República do Circulo de Abrantes determinou a remessa do expediente ao Exmo Substituto de Mação para instauração do respectivo inquérito e que se solicitasse que informasse aquela Procuradoria da identificação do processo e das diligências previstas para a investigação, ficando cópias registadas como processo administrativo, para acompanhamento daquela investigação.

A denúncia então apresentada foi remetida à Senhora Procuradora-Adjunta Substituta do Tribunal Judicial de Mação, para instauração do respectivo inquérito, tendo aí sido recebida e registada em 12-04-2011, sob o n.º --/11.7TAMAC, com vista à averiguação dos crimes de prevaricação de advogado e falsificação de documentos (cf. fls.24), a qual, realizado o inquérito e por despacho de 01-09-2011, determinou o arquivamento dos autos, nos termos do disposto no art. 277.º, n.º1 e 2 do CPP.

No âmbito do processo n.º 17/12.2TAMAC o Ministério Público deduziu acusação e requereu o julgamento em processo comum, com intervenção do tribunal singular, dos referidos arguidos, tendo a questão da competência territorial para o conhecimento do crime imputado aos arguidos sido suscitada no despacho proferido ao abrigo do art. 311.º do CPP.

O Direito.

O tribunal territorialmente competente para conhecer do crime de denúncia caluniosa (p. e p. pelo art.365.º, n.º 1, do Código Penal) é, nos termos do artigo 19.º, nº 1 do CPP, aquele em cuja área se tiver verificado a consumação.

Dispõe o art. 365.º, n.º1, do Cód. Penal que:

1 – Quem, por qualquer meio, perante autoridade ou publicamente, com a consciência da falsidade da imputação, denunciar ou lançar sobre determinada pessoa a suspeita da prática de crime, com intenção de que contra ela se instaure procedimento, é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa.

2 – Se a conduta consistir na falsa imputação de contra-ordenação ou falta disciplinar, o agente é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias.”

Como se sustenta no acórdão da Relação do Porto de 25-11-2009, convocado pela Senhora Juíza do TJ de Mação no despacho em que declinou a sua competência, Embora esta infração esteja sistematicamente inserida no capítulo dedicado aos crimes contra a realização da justiça, a doutrina e jurisprudência mais recentes vêm entendendo que, apesar de aí se proteger directamente a realização da justiça – visando o Estado garantir a credibilidade e seriedade do procedimento criminal, disciplinar ou contra-ordenacional em ordem à realização da justiça – é também reflexamente tutelada a liberdade de determinação, a honra e consideração do visado.

Assim, os seus elementos constitutivos são os seguintes:

- Conduta típica: Denunciar ou lançar suspeita por qualquer meio;

- Sujeito passivo: Outra pessoa (determinada ou identificável);

- Objecto da conduta: Imputação de factos, ainda que sob a forma de suspeita, idóneos a provocarem procedimento criminal, contra-ordenacional ou disciplinar;

- Destinatário da acção: autoridade e/ou círculo indeterminado de pessoas (i.é denúncia a uma autoridade ou suspeita feita publicamente);

- Elemento subjetivo: Dolo qualificado por duas exigências – A consciência da falsidade da imputação e a intenção de que contra outrem se instaure procedimento (Cfr. Ac. RC n.º 2999/03, de 7/5/2003, in www.dgsi.pt e Comentário Conimbricense, Tomo III, pág. 519 e segs.)

Trata-se de um crime de perigo concreto, estando o tipo preenchido em termos de consumação, quando há instauração de um procedimento contra determinada pessoa, sem qualquer fundamento, determinado por intuito meramente persecutório do agente que efectuou a denúncia.

Por outro lado, reveste natureza pública, pelo que o Ministério Público tem legitimidade para promover o processo sem qualquer restrição, bastando para tanto que dele tome conhecimento por qualquer meio – conhecimento próprio, por intermédio dos órgãos de polícia criminal ou mediante denúncia -, consoante ressalta do disposto nos arts. 48º e segs. e 241º e segs., do Cód. Proc. Penal.

Além disso, de harmonia com o preceituado nos arts. 244º e 245º, do mesmo diploma legal, qualquer pessoa que tiver notícia de crime público, como é o caso, pode denunciá-lo ao Ministério Público, a outra autoridade judiciária ou aos órgãos de polícia criminal, sendo que a denúncia realizada a entidade diversa do Ministério Público deve-lhe ser transmitida em prazo nunca superior a 10 dias.

Deste modo e cotejando os preceitos legais referidos, é inegável que incumbe ao Ministério Público a prossecução do processo relativamente a tal tipo de crimes, enquanto titular da acção penal, não exigindo a lei que a denúncia, para ser valorada, lhe tenha que ser directamente apresentada e no local territorialmente competente para o efeito.”

E não podemos deixar de estar de acordo com esta jurisprudência.

O crime de denúncia caluniosa consuma-se logo que a denúncia ou o lançamento da suspeita seja feita perante autoridade (ou levada ao conhecimento desta) ou publicamente, não sendo necessário que a autoridade competente venha a instaurar contra o suspeito o procedimento atinente.

A jurisprudência vem entendendo de modo pacífico que a acção penal se inicia no momento em que o facto criminoso chega ao conhecimento da autoridade judiciária com competência para exercer a acção penal, ou seja, o Ministério Público, por conhecimento próprio, por intermédio dos órgãos de polícia criminal ou mediante denúncia. O que quer dizer que o processo se inicia com a notícia do crime, nos termos do art. 241º e ss.

A notícia do crime é, hoc sensu, apenas e só o conhecimento que o Ministério Público adquire dos factos, pois que o procedimento criminal só se inicia com um acto do Ministério Público (art. 48.º e 53.º, nº 2, al. a) do CPP e art. 219.º, nº 1, da Constituição).

Porém, como refere o Prof. Manuel Costa Andrade, in Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo III, pág. 530, a efectiva instauração do procedimento criminal não pertence ao tipo, não sendo pressuposto da consumação.

O facto do processo de inquérito para averiguação de tais crimes ter corrido pela comarca de Mação é irrelevante para a questão em apreço.

O que importa aqui é a infração que agora é submetida a juízo, mediante acusação deduzida pelo Ministério Público.

No caso presente, a notícia dos crimes que a foram imputados à Senhora advogada C foi adquirida, em 1.ª mão, pelo Exmo. Magistrado do Ministério Público da Procuradoria da República junto do Circulo de Abrantes, que foi o destinatário imediato da denúncia apresentada, o qual, por sua vez, veio a reencaminhá-la para os Serviços do Ministério Público de Mação com vista à instauração do respectivo inquérito, já que os factos denunciados, numa breve leitura da denúncia apresentada, teriam ocorrido na área da comarca de Mação.

Deste modo, em conformidade com o critério exposto supra que se crê ser o adequado para, nas circunstâncias, definir a competência territorial para o julgamento o tribunal competente para o efeito é o Tribunal Judicial de Abrantes, pois foi aí, nos serviços do Ministério Público, que o crime de denúncia caluniosa se consumou, como doutamente sustenta a senhora juíza do TJ de Mação.

DECISÃO

Nestes termos, sem necessidade de mais considerações, devo concluir que o tribunal competente para prosseguir os ulteriores termos do processo n.º 17/12.2TAMAC é o Tribunal Judicial de Abrantes (1.º Juízo), onde foi suscitado o conflito.

Cumpra-se o n.º 3 do artigo 36.º citado, devendo ser efectuadas por fax as respectivas notificações, assim como ao Ministério Público e ao arguido

Sem tributação.
(Texto processado informaticamente e integralmente revisto pelo relator)

Évora, 04 de Junho de 2013


Fernando Ribeiro Cardoso (Juiz Presidente da Secção Criminal)