Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | PAULA DO PAÇO | ||
Descritores: | DECLARAÇÕES DE PARTE CADUCIDADE DA ACÇÃO DISCIPLINAR NOTA DE CULPA DESCRIÇÃO CIRCUNSTANCIADA DOS FACTOS IMPUTADOS AO TRABALHADOR | ||
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Data do Acordão: | 12/16/2021 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Sumário: | Sumário elaborado pela relatora: I- As declarações prestadas pelas partes devem ser analisadas com especial rigor e exigência e corroboradas por qualquer outro elemento de prova, isento e credível, para que possam ser consideradas para provar factos que são favoráveis às partes. II- Alegada a caducidade do procedimento disciplinar, compete ao trabalhador demonstrar o decurso do prazo de caducidade e ao empregador compete demonstrar o facto impeditivo da verificação da caducidade. III- Se da nota de culpa, que desempenha a função própria da acusação em processo penal, constar a descrição circunstanciada, em termos de modo, tempo e lugar, dos factos de onde se extraia a imputação de uma infração ao trabalhador, não se verifica a invalidade do procedimento disciplinar, ao abrigo da alínea a), in fine, do n.º 2 do artigo 382.º do Código do Trabalho. IV- A desconformidade factual entre a nota de culpa e a decisão disciplinar não conduz, necessariamente, à invalidade de todo o procedimento disciplinar. A consequência a retirar é a da impossibilidade dos factos não constantes da nota de culpa serem considerados na formulação do juízo da justa causa de despedimento. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora[1] I. Relatório Na presente providência cautelar de suspensão de despedimento que A… move contra “The Navigator Company S.A.”, foi proferida decisão final que declarou a improcedência da providência. O requerente veio interpor recurso desta decisão, extraindo das suas alegações, as seguintes conclusões: A. O presente recurso de apelação tem por objeto a sentença do douto Tribunal a quo proferida, em primeira instância, no âmbito do processo n.º 463/21.0T8STB[2], que correu termos no Juízo do trabalho de Setúbal - Juiz 1, do Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal (adiante abreviadamente designada por “sentença”), que apreciou e julgou totalmente improcedente o procedimento cautelar especificado de suspensão de despedimento interposto pelo ora Recorrente. B. Com a pertinência devida para o objeto do presente recurso, salienta-se, por um lado, a impugnação da decisão da matéria de facto dada como provada e não provada, porquanto a mesma padece de erro grosseiro na apreciação da prova documental junta aos autos, bem como da prova por declarações de parte do Recorrente e da prova testemunhal produzida em sede de audiência final, e, consequentemente, não foram retiradas as conclusões que se impunham ao Tribunal a quo, e por outro, C. A total desconsideração e errada interpretação e aplicação de normas de direito de caráter imperativo, que foram manifestamente violadas, designadamente, e sem exclusão de outras, as seguintes: f) N.º 1, do art.º 224.º, e n.º 1, do art.º 342.º, ambos do Código Civil (adiante abreviadamente designado por “CC”); g) Art.º 120.º e art.º 190.º, por inobservância das formalidades legais impostas pelos artigos 167.º, 187.º, 188.º e 189.º, bem como o art.º 125.º, e o n.º 3, do art.º 126.º, todos do Código de Processo Penal (adiante abreviadamente designada por “CPP”); h) N.º 1, do art.º 25.º, n.º 8, do art.º 32.º, e n.º 1 e n.º 4, do art.º 34.º, todos da Constituição da República Portuguesa (adiante abreviadamente designada por “CRP”); i) Art.º 20.º, art.º 21.º, n.º 2, do art.º 329.º, n.º 1 e al. a), do n.º 2, do art.º 382.º, e n.º 1, do art.º 353.º, todos do Código do Trabalho (adiante abreviadamente designado por “CT”); e j) Art.º 2.º, da Lei n.º 10/2020, de 18 de abril. Do erro na apreciação da matéria de facto dada como provada e como não provada. D. No que concerne à matéria de facto dada como provada na sentença ora em crise, o Tribunal a quo considerou como provado os factos ínsitos nos artigos 12.º e 77.º a 81.º, inclusive, da fundamentação de facto – factos provados, que aqui se dão por inteiramente por reproduzidos por razões de economia processual. Sucede, porém, a ponderação efetuada pelo Tribunal a quo merece, com o devido respeito, que é muito, total censura, porquanto é manifesto que errou grosseiramente na apreciação dessa matéria. E. Por sua vez, tendo o Tribunal a quo falhado na apreciação da matéria de facto, por maioria da razão, também errou, manifestamente, quando arbitrou como não provados os seguintes factos, ao invés de os considerar provados, a saber: “i. Até 05/11/2020 o requerente desconhecia a existência do procedimento disciplinar. ii. O requerente não rececionou na sua caixa de correio a nota de culpa. iii. Não foi dada a possibilidade ao requerente de consultar o processo disciplinar. iv. Em 16/12/2020 a requerida não comunicou ao requerente o direito de consultar o processo disciplinar, onde o mesmo se encontrava para o poder consultar.” Com efeito, esses factos, atenta a prova produzida e o ónus da prova, deveriam ter sido considerados por provados, conforme adiante se demostrará. Senão vejamos: F. É manifesta a contradição entre a matéria considerada provada pelo Tribunal a quo, designadamente entre os factos considerados provados nos artigos 12.º e 19.º, uma vez que no artigo 12.º o Tribunal a quo admite que a missiva alusiva à comunicação da nota de culpa foi entregue no domicílio do Recorrente em 3 de agosto de 2020, enquanto que no art.º 19.º admitiu e deu como provado que o Recorrente declarou que nunca notificado da nota de culpa em 05-11-2021. O que só demonstra a leviandade com que o Tribunal a quo apreciou esta matéria e, por conseguinte, jamais se pode considerar como provado o facto constante no artigo 12.º dos factos provados. G. Note-se ainda a contradição entre esse facto que considerou provado e as declarações de parte prestadas pelo Recorrente em sede de audiência final e transcritas para a Ata da audiência final dos presentes autos: “No decurso do referido procedimento cautelar, concretamente no dia da audiência de julgamento, tomou conhecimento de que pendia contra si processo disciplinar com vista ao seu despedimento com justa causa, cuja a nota de culpa não recebeu, nem teve conhecimento, até à apresentação da oposição no procedimento cautelar conforme declarações que ali prestou.-- Tem ideia de que, em agosto de 2020, esteve de férias em Cabanas de Tavira mais concretamente no parque de campismo pelo que não se encontraria em casa, nem o requerente, nem a esposa, ou qualquer outra pessoa que pudesse receber a correspondência.-- Confirma que não foi deixada na sua caixa de correio a nota de culpa e que, se no dia 03.08.2020 não estivesse ausente de férias a esposa estaria a trabalhar no gabinete de estética existente no r/c do edifício ao lado.--” H. Mais, invocou o Tribunal a quo na sua fundamentação que: “Tendo o requerente afirmado, sob juramento, que desconhecia a existência do processo disciplinar e, bem assim, que não recebeu na sua caixa do correio a nota de culpa, o mesmo não cumpriu, como lhe cabia, o ónus de alegação dos factos que permitiriam ao Tribunal concluir que, diversamente ao que resulta, quer do site dos CTT, quer da informação prestada por esta entidade, não foram cumpridas as normas em vigor na sequência da suspensão da recolha de assinaturas. Inexistindo nos autos prova de que a carta referida no ponto 10 foi enviada com AR, que, infelizmente, nem sempre é devolvido aos remetentes, ficou, no entanto, demonstrado o envio por correio registado para a morada do trabalhador, coincidente com aquela onde tem recebido toda a documentação, incluindo a decisão de despedimento. Mais, está demonstrado que a carta foi entregue tendo o distribuidor dos CTT registado tal entrega no Track&Trace dos CTT como “Contingência”. As medidas de contenção da COVID-19 alteraram os termos habituais da prestação dos serviços de correio. Com efeito, desde março de 2020 que passou a incumbir ao distribuidor dos CTT a certificação da entrega do correio registado, mesmo quando acompanhado de AR, desde que aquele obtenha de quem se encontre na morada a identificação verbal e o número do cartão de cidadão, ou de qualquer documento idóneo. No entanto, o correio registado, com ou sem AR, só é depositado nas caixas de correio, quando alguém no destino se identifica, ainda que verbalmente, ao distribuidor que, além de fazer menção no AR ao regime excecional, regista a entrega no sistema Track&Trace dos CTT usando designações (entre outras que temos visto nas citações em processos judiciais) como “CV19”, “CONTINGÊNCIA”, “RPD”, “Recetáculo Postal”, ou “Depositado no RPD - COVID-19” e, por vezes, com o nome da pessoa que recebeu, indicação que coincide com a que consta do site dos CTT. Sendo do nosso conhecimento, fruto da titularidade dos demais processos, que este procedimento dos CTT, tendo sido adotado em relação a todos colegas do requerente que foram detidos no dia 23/06/2020, se revelou eficaz, a mera alegação, sem mais, de que não recebeu a carta, cuja entrega na morada do destinatário está certificada como “CONTINGÊNCIA” no site dos CTT, é insuficiente para abalar a nossa convicção de que o requerente recebeu a nota de culpa. Tanto mais, quando, contrariamente ao afirmado pelo requerente, a reunião com o Engenheiro (…) no dia 16/12/2020 se destinou a comunicar-lhe, não a nota de culpa, mas a decisão da arguida em mantê-lo suspenso até ao termo do processo disciplinar, na sequência do trânsito em julgado da decisão do procedimento cautelar n.º 4847/20.3T8STB que determinava, além do mais, a requerida a aceitar a efetiva prestação de trabalho do Requerente, nos termos em que era efetuada até 24/06/2020. (…) De referir que, no decurso da análise dos documentos juntos pelas partes, verificámos que, embora estivesse impedido de exercer as suas funções e privado da retribuição desde 24/06/2020, só a 04/08/2020, dia imediatamente seguinte da entrega da missiva pelos CTT, o requerente dirigiu ao Inquérito n.º 3250/18.0T9STB requerimento de aclaração da decisão que aplicou as medidas de coação, designadamente se a medida de coação de proibição de contacto com os restantes Arguidos abrange, ou é extensível, à suspensão preventiva do exercício de profissão ou função do Arguido com perda de retribuição. É certo que, por vezes, há coincidências, mas, por tudo o exposto, não se afigura minimamente verosímil que tenha sido este o caso.” Ora, I. Começando pelo fim da fundamentação da sentença ora transcrita, não se pode deixar de salientar que, com o devido respeito, o Tribunal a quo não pode acorar-se em “coincidências”, e muito menos fazer juízos de valor sobre os atos praticados pelo Recorrente fora dos presentes autos para dar como provados determinados factos. J. Pois, como é sabido, não só o Tribunal a quo tem poderes para recuar no tempo, como muito menos tem poderes para alegar suposições ou juízos de valor sobre o que levou o Recorrente a apresentar requerimentos nos autos de inquérito n.º 3250/18.0T9STB, que corre termos no DIAP - 2.ª Secção de Setúbal, do Ministério Público - Procuradoria da República da Comarca de Setúbal, do Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal (adiante abreviadamente designado por “processo de inquérito n.º 3250/18.0T9STB”), tudo para provar o impossível de provar. Razão pela qual, Tribunal a quo jamais poderia ter fundamentado a sua motivação sobre o a efetivação da comunicação da nota de culpa numa mera imaginação prodigiosa... Acresce ainda que, K. Tal como foi provado em sede de declarações de parte prestadas pelo Recorrido, e admitido, e bem, pelo Tribunal a quo, o Recorrente declarou que nunca recebeu na sua caixa do correio a comunicação da nota de culpa e, por seu turno, desconhecia a existência do processo disciplinar até ao dia 05-11-2021. (Cfr. art.º 19.º, dos factos provados da sentença, bem como declarações de parte prestadas pelo Recorrente em sede de audiência final e transcritas para a Ata da audiência final dos presentes autos) L. Contudo, o Tribunal a quo já não andou tão bem quando afirmou sobre o Recorrente que “o mesmo não cumpriu, como lhe cabia, o ónus de alegação dos factos que permitiriam ao Tribunal concluir que, diversamente do que resulta, quer do site dos CTT, quer da informação prestada por esta entidade, não foram cumpridas as normas em vigor na sequência da suspensão de recolha de assinaturas”. Isto porque, como certamente é do conhecimento do douto Tribunal a quo, ou se não o é deveria de o ser, o ónus da prova da comunicação da nota de culpa recai sobre a Recorrida e não sobre o Recorrente. Pelo que, se impõe colocar as seguintes perguntas retóricas: se o ónus da prova da efetivação da comunicação da nota de culpa recai sobre a Recorrida, e tendo o Recorrente alegado um facto negativo (não recebimento da comunicação da nota de culpa no seu recetáculo postal), que factos é que o Tribunal a quo queria que o Recorrente alegasse e provasse? Com todo o respeito, não se percebe… M. Ademais, o Tribunal a quo ao admitir que inexiste nos factos prova de que a comunicação da nota de culpa foi expedida por correio registado com AR, e que a alegada entrega da mesma foi efetuada como “contingência”, leva o Recorrente, uma vez mais, a fazer as seguintes perguntas retóricas: Mas, afinal, a alegada comunicação da nota de culpa foi entregue a que pessoa? Onde está a identificação da pessoa que, supostamente, se identificou perante o distribuidor do serviço postal para receber a comunicação? Onde está o AR da comunicação da nota de culpa que comprova a suposta receção da mesma e a identificação da pessoa que a recebeu? Será que, atento o alegado pelo Recorrente (não recebimento da comunicação da nota de culpa), a comunicação da nota de culpa foi, efetivamente, depositada no recetáculo postal do Recorrente? O distribuidor do serviço postal não se terá enganado no recetáculo postal onde depositou alegadamente a comunicação da nota de culpa, como já aconteceu tantas vezes, e continuará a acontecer? (se o tribunal a quo pode especular, como o fez para considerar efetivada a comunicação da nota de culpa, também é legítimo que o Recorrente especule em sentido oposto) Ademais, N. No que concerne aos factos considerados provados ínsitos nos números 62.º, e 77.º a 81.º, da fundamentação de facto, o Tribunal a quo estribou a prova dos mesmos na documentação do processo de inquérito n.º 3250/18.0T9STB constante no processo disciplinar, tendo invocado, para tal, “Por último, importa referir que, sendo o requerente interveniente no Inquérito a que deu azo a queixa apresentada em Agosto de 2018 pela Navigator Abastecimento de Madeiras, ACE, empresa que, não pode desconhecer, a par da aqui requerida integra o universo do Grupo The Navigator Company, importa referir que, não estando o mesmo em segredo de justiça nada obstava à junção de autos de interrogatório de arguidos, testemunhas, bem como fotogramas dele extraídos, ficando o seu valor probatório sujeito à livre apreciação do Tribunal. Aqui chegados, impõe-se desde logo concluir que, fazendo uma análise cuidada dos documentos juntos aos autos, o tribunal não podia deixar de dar como provados os factos descritos nos pontos 1 a 33, bem como 81 e 82.” O. Sucede, porém, tal documentação é nula e não produz quaisquer efeitos nos presentes autos e, por conseguinte, não deveria sequer ser considerada pelo Tribunal a quo para prova dos factos de que o Recorrente é acusado e foi condenado nesta fase cautelar, como adiante se provará. Pelo que, também sobre esta matéria muito mal andou o Tribunal a quo na prolação da sentença, e em concreto, na apreciação da matéria factual que deu como provada e que culminou com uma sentença absolutória ora em crise. Mais, P. Quanto às assinaturas apostas nos despachos de abertura do procedimento disciplinar e na decisão final de despedimento, o Tribunal a quo entendeu e fundamentou, embora mal novamente, que: “Quanto à falta de coincidência das assinaturas apostas no despacho de abertura do procedimento disciplinar e na decisão, bem como ao desconhecimento de que as mesmas correspondessem a legítimos administradores em exercício de funções na requerida, tendo a requerida alegado, em tempo, a quem pertenciam as assinaturas e disponibilizado a sua certidão permanente, sem que o requerente tivesse impugnado a veracidade de tais assinaturas, impõe-se concluir que a parte que apresentou o documento fez prova suficiente da autoria de tais assinaturas, bem como, qualidade de quem os subscreveu.” Q. E fundamentou erradamente, porquanto essa fundamentação padece de manifesta falsidade, uma vez que o Recorrente impugnou as mencionadas assinaturas, nomeadamente a autenticidade das mesmas no requerimento com a ref.ª 38068354 junto aos autos. Razão pela qual, a Recorrida, depois desse requerimento, apresentou o requerimento com a ref.ª 38155334 para resposta ao requerimento do Recorrente, onde foi disponibilizado o código de acesso à certidão permanente da Recorrida. Destarte, não pode vir o Tribunal a quo alegar na sua fundamentação que o Recorrente não impugnou a veracidade de tais assinaturas, uma vez que é totalmente falso! R. Mais, não obstante não se vislumbrar nos autos a cópia da certidão permanente da Recorrida, ou a consulta à mesma, se o Tribunal a quo aceitou o requerimento da Recorrida com a ref.ª 38155334 onde foi indicado o código de acesso à certidão permanente daquela, também, por respeito ao princípio da igualdade, deveria ter aceite e considerado na sua fundamentação a impugnação das assinaturas apostas nos despachos de abertura do procedimento disciplinar e na decisão final de despedimento, devidamente impugnadas no mencionado requerimento apresentado pelo Recorrente com a ref.ª 38068354, a fim de proferir uma decisão imparcial e isenta. O que, infelizmente, não aconteceu in casu. S. Nestes termos, é manifesto que, como já se disse, muito mal andou Tribunal a quo na prolação da sentença em crise com o presente recurso e, por conseguinte, devem ser considerados como provados os seguintes factos: i. Até 05/11/2020 o requerente desconhecia a existência do procedimento disciplinar. ii. O requerente não rececionou na sua caixa de correio a nota de culpa. iii. Não foi dada a possibilidade ao requerente de consultar o processo disciplinar. iv. Em 16/12/2020 a requerida não comunicou ao requerente o direito de consultar o processo disciplinar, onde o mesmo se encontrava para o poder consultar.” T. E como não provados, pelo menos, os factos do artigo 62.º – por não terem sido circunstanciados como a lei laboral impõe –, bem como os factos dos artigos 77.º a 81.º – por não terem sido corroborados por prova testemunhal em sede de audiência final e por a prova documental que os sustenta ser nula e não produzir quaisquer efeitos nos presentes autos, conforme adiante se demostrará –, ínsitos na fundamentação de facto considerada como provada. Da prescrição e da caducidade do processo disciplinar. U. Reiterando, conforme foi provado em sede de declarações de parte do Recorrente e admitido pelo Tribunal a quo nos factos provados (art.º 19.º dos factos provados), o Recorrente apenas teve conhecimento de que corria contra ele um procedimento disciplinar com vista ao seu despedimento, aquando da notificação da oposição deduzida pela Recorrida no âmbito do mencionado procedimento cautelar comum n.º 4847/20.3T8STB, que, atente-se, ocorreu no início da audiência final realizada em 5 de novembro de 2020. V. Destarte, a após a Recorrida tomar conhecimento da falta de comunicação da nota de culpa ao Recorrente, em 16 de dezembro de 2020, desesperada e a correr atrás do prejuízo (falta de comunicação da nota de culpa), contactou telefonicamente o Recorrente para lhe solicitar que se dirigisse às suas instalações para reunir com o seu Diretor, Eng. (…), a fim de ser resolvida a sua “situação”, conforme provado no art.º 22.º, dos factos provados na fundamentação de facto da sentença recorrida. W. Após o Recorrente estar perante o Diretor da Recorrida, percebeu, pasme-se, que a intenção da Recorrida não era resolver a sua situação, mas antes a de comunicar formalmente a instauração do procedimento disciplinar e a nota de culpa, conforme cópia da comunicação da nota de culpa entregue em mão ao Recorrente nessa data. (Cfr. doc. 13 do requerimento inicial dos presentes autos, bem como declarações de parte do Recorrente registadas na Ata da audiência final “Confirma que foi chamado a uma reunião na Navigator onde se deslocou a 16.12.2020 data em que lhe foi entregue em mão a nota de culpa pelo Eng. (…). Com a nota de culpa foi-lhe entregue a comunicação com a indicação do prazo para apresentação da resposta, sendo que, por indicação do seu mandatário, confirma que se recusou a assinar a carta datada de 16.12.2020. No entanto não o informaram de onde podia consultar o processo.”) X. O que, ao invés do considerado pelo Tribunal a quo, demonstra inequivocamente que a Recorrida estava consciente da omissão da comunicação da nota de culpa, ou seja, ciente de que a nota de culpa ainda não tinha sido formalmente comunicada ao Recorrente nos termos legais. Pelo que, muito se estranha o facto de o Tribunal a quo fundamentar na sentença que “(…) contrariamente ao afirmado pelo requerente, a reunião com o Engenheiro (…) no dia 16/12/2020 se destinou a comunicar- lhe, não a nota de culpa, mas a decisão da arguida em mantê-lo suspenso até ao termo do processo disciplinar, na sequência do trânsito em julgado da decisão do procedimento cautelar n.º 4847/20.3T8STB que determinava, além do mais, a requerida a aceitar a efetiva prestação de trabalho do Requerente, nos termos em que era efetuada até 24/06/2020.” O que só demonstra, uma vez mais, a contradição e a leviandade com que foi proferida a sentença recorrida. Y. Destarte, atento o supra exposto, é falso o comunicado na carta de notificação da nota de culpa (doc. 13), designadamente que a nota de culpa foi entregue na residência do Recorrente no passado dia 3 de agosto de 2020 e, por inerência, a invocada informação dos CTT, uma vez que, o Recorrente, note-se, nunca rececionou na sua caixa de correio a referida nota de culpa. Com efeito, é demais evidente que essa reunião serviu apenas para comunicar a nota de culpa ao Recorrente, conforme se depreende do próprio teor da comunicação entregue em mão ao Recorrente nessa data (16-12-2020), bem como das declarações de parte registada na Ata da audiência final – “Confirma que foi chamado a uma reunião na Navigator onde se deslocou a 16.12.2020 data em que lhe foi entregue em mão a nota de culpa pelo Eng. (…). Com a nota de culpa foi-lhe entregue a comunicação com a indicação do prazo para apresentação da resposta, sendo que, por indicação do seu mandatário, confirma que se recusou a assinar a carta datada de 16.12.2020. No entanto não o informaram de onde podia consultar o processo”. Ou será que a prova por declarações de parte nenhum valor tem para o Tribunal a quo? Z. Reunião essa onde não comunicaram ao Recorrente a possibilidade de consultar o processo disciplinar. AA. Na verdade, por a Recorrida saber que ainda não tinha sido comunicado ao Recorrente a instauração do processo disciplinar com a comunicação da nota de culpa nos termos legais, é que contactou o Recorrente para, no dia 16 de dezembro de 2020, ir às suas instalações a fim de lhe comunicar a nota de culpa. Razão pela qual, só em 29 de dezembro de 2020, é que o Recorrente apresentou a sua resposta à nota de culpa, (Cfr. doc. 14 junto com o requerimento inicial) Posto isto, BB. Sobre o início do procedimento disciplinar, impõe o disposto no n.º 2, do art.º 329.º, do CT, sob a epígrafe “procedimento disciplinar e prescrição”, que “o procedimento disciplinar deve iniciar-se nos 60 dias subsequentes àquele em que o empregador, ou o superior hierárquico com competência disciplinar, teve conhecimento da infração”. Por seu turno, no que concerne à ilicitude e à invalidade do despedimento por facto imputável ao trabalhador, impõe o n.º 1, do art.º 382.º, do CT, que “o despedimento por facto imputável ao trabalhador é ainda ilícito se tiverem decorrido os prazos estabelecidos nos n.os 1 ou 2 do artigo 329.º, ou se o respetivo procedimento for inválido”. Quer isto dizer que, quando uma Entidade Patronal tem conhecimento da prática por determinado trabalhador de infrações disciplinares pelas quais o pretende sancionar, terá que iniciar o procedimento disciplinar com a comunicação da nota de culpa nos 60 (sessenta) dias posteriores aquele conhecimento, sob pena de caducidade do respetivo direito. CC. Por sua vez, sobre a perfeição das declarações, estabelece o art.º 224.º, do Código Civil, sob a epígrafe “eficácia da declaração negocial”, que: “1. A declaração negocial que tem um destinatário torna-se eficaz logo que chega ao seu poder ou é dele conhecida; as outras, logo que a vontade do declarante se manifesta na forma adequada. 2. É também considerada eficaz a declaração que só por culpa do destinatário não foi por ele oportunamente recebida. 3. A declaração recebida pelo destinatário em condições de, sem culpa sua, não poder ser conhecida é ineficaz”. DD. Ora, sendo pacífico na doutrina e na jurisprudência que a comunicação da nota de culpa constitui uma declaração receptícia ou recipienda, que carece de ser dada a conhecer ao destinatário, pelo que, é eficaz logo que chega ao poder do destinatário ou dele é conhecida, é indubitável que tem aqui inteira aplicação o disposto no artigo 224.º, do Código Civil (cf., entre muitos outros, Pedro Romano Martinez, in “Direito do Trabalho”, 3ª edição, página 968; e o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25.06.2008, in www.dgsi.pt.). EE. Neste sentido, Vide ainda Paula Quintas e Hélder Quintas, in “Manual de Direito do Trabalho e de Processo do Trabalho”, 9.ª Edição, página 188, “A nota de culpa é usualmente classificada como uma declaração de vontade receptícia ou recepienda, i.é, logo que chega ao poder ou é conhecida pelo destinatário, torna-se eficaz (art. 224º, nº 1, 1ª parte, do CC), fundamentada e explicita na factualidade subjacente à vontade de pôr termo à vinculação contratual”. FF. Destarte, considerando que: (i) em 24 de junho de 2020, a Recorrida teve conhecimento dos factos imputados ao Arguido (Cfr. doc. 3); (ii) em 30 de junho de 2020, a Recorrida iniciou o presente procedimento disciplinar; (iii) em 5 de novembro de 2020, o Recorrente teve conhecimento da instauração do processo disciplinar e da respetiva nota de culpa, designadamente aquando a notificação da oposição deduzida no autos do procedimento cautelar comum supra identificados (processo n.º 4847/20.3T8STB); (iv) apenas em 16 de dezembro de 2020 é que a nota de culpa foi formalmente comunicada ao Recorrente (Cfr. doc. 13); e (v) que a falta de comunicação da nota de culpa antes dessa data (16 de dezembro de 2020) não se deve a culpa imputável ao Recorrente; GG. É manifesto que, aquando da comunicação da nota de culpa em 16 de dezembro de 2020, os 60 (sessenta) dias previstos no citado n.º 2, do art.º 329.º, do CT, já se encontravam largamente ultrapassados, ou seja, os 60 (sessenta) dias a contar do conhecimento dos factos (24 de junho de 2020) que a Recorrida dispunha para comunicar a nota de culpa ao Recorrente. Pelo que, o presente processo disciplinar é ilícito nos termos do n.º 1, do art.º 382.º, do CT, uma vez que o direito de exercer o procedimento disciplinar contra o Recorrente encontrava-se caducado à data da comunicação da nota de culpa (16 de dezembro de 2020). HH. Neste sentido, Vide, a título meramente exemplificativo, o sumário do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido em 9 de fevereiro de 2017, no âmbito do Processo n.º 2913/14.3TTLSB.L1.S1, disponível para consulta no site da DGSI (www.dgsi.pt), onde é concluído que: “1 - Ocorre a nulidade prevista no art. 615º, nº 1, al. c) do CPC quando os fundamentos referidos pelo juiz conduziriam necessariamente a uma decisão de sentido oposto ou, pelo menos, de sentido diferente, não se verificando quando a solução jurídica decorreu de interpretação dos factos, diversa da pretendida pelo arguente. 2 - Tendo o empregador conhecimento da prática por determinado trabalhador de infrações disciplinares pelas quais o pretende sancionar, terá que iniciar o procedimento disciplinar com a notificação da nota de culpa nos 60 dias posteriores àquele conhecimento, sob pena de caducidade do respetivo direito. 3 - Caso os factos conhecidos e as suas circunstâncias sejam insuficientes para fundamentar a nota de culpa, poderá proceder-se a inquérito prévio a iniciar nos 30 dias subsequentes àquele conhecimento, destinado ao apuramento dos factos e à recolha das respetivas provas, interrompendo-se então o prazo de caducidade de 60 dias prescrito no art. 329º, nº 2 do CT. 4 - Concluído o inquérito, o trabalhador tem que ser notificado da nota de culpa nos 30 dias posteriores, sob pena de caducidade do direito de exercer o procedimento disciplinar. 5 – Tendo o inquérito prévio, iniciado em 2.08.2013, data em que o trabalhador foi também suspenso preventivamente, sido concluído no dia 20.02.2014 e a notificação da nota de culpa tido lugar em 21.04.2014, ocorreu a caducidade do direito de exercício do procedimento disciplinar”. II. Neste sentido, Vide, também a título meramente exemplificativo, o sumário do Acórdão da Relação de Évora, proferido em 21 de fevereiro de 2013, no âmbito do Processo n.º 605/09.4TTFAR.E, disponível para consulta no site da DGSI (www.dgsi.pt), onde é concluído que “O despedimento consubstancia uma declaração receptícia ou recipienda que se torna eficaz logo que chega ao poder do destinatário, ou é dele conhecida, sendo a partir desse momento irrevogável, salvo declaração em contrário”. JJ. Vide ainda, também a título meramente exemplificativo, o sumário do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido em 30 de março de 1990, no âmbito do Processo n.º 002402, disponível para consulta no site da DGSI (www.dgsi.pt), onde é concluído que: “I - A resposta a nota de culpa constitui uma declaração recepticia que carece de ser dada a conhecer ao destinatário; e eficaz logo que chegue ao poder do destinatário ou dele e conhecida - artigo 224 do Código Civil. II - Se o trabalhador só coloca essa resposta no correio no dia em que terminava o prazo para a sua apresentação e ela só chega ao conhecimento da entidade patronal no dia imediato, tem de concluir-se que a apresentação ocorreu fora do tempo útil. III - Constitui justa causa de despedimento o comportamento culposo de um motorista que se recusa a fazer certo transporte de natureza urgente, sob a exigência injustificável, de auxilio de um ajudante de motorista. IV - A apreciação do comportamento, combinado com o conjunto de circunstancias em que teve lugar, deve traduzir-se em falta grave e afetar a relação de trabalho, tornando-a imediata e praticamente impossível”. KK. Vide também, a título meramente exemplificativo, o ponto I e ponto II do sumário do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido em 26 de setembro de 2018, no âmbito do Processo n.º 8127/18.6T8LSB-A.L1-4, disponível para consulta no site da DGSI (www.dgsi.pt), onde é concluído que: “I– O prazo de caducidade de 60 dias previsto no n.º 2 do artigo 329.º do CT/2009 só deixa de correr com a receção pelo trabalhador arguido da Nota de Culpa e da correspondente comunicação da instauração do processo disciplinar com intenção de despedimento do visado (muito embora possa ocorrer a sua interrupção anterior, nos termos do art.º 352.º do CT/2009, com a instauração de inquérito prévio, nos moldes aí previstos). II– Os factos imputados ao Requerente foram pelo mesmo praticados no dia 1/8/2014 e o BANCO demandado, através do instrutor nomeado, só veio a notificá-lo, no dia 18/10/2017, da Nota de Culpa que foi deduzida no procedimento disciplinar com intenção de despedimento com justa causa contra ele instaurado, quando o conhecimento genérico dos factos praticados pelo trabalhador chegaram, ainda no ano de 2014, ao conhecimento, mesmo que verbal e informal, de um dirigente do Requerido, que se mostrava legal e estatuariamente investido do necessário poder disciplinar, e esse Administrador e Vice-Governador do Requerido nada fez de juridicamente relevante, como levar, por sua vez, ao Conselho de Administração do Requerido tal atuação, propondo, no mínimo, a realização de um inquérito prévio, nos termos e para os efeitos do artigo 352.º do CT/2009”. Ademais, LL. No que concerne à prova da comunicação da nota de culpa, o ónus dessa prova recai sobre a Recorrida e não sobre o Recorrente, por imposição do disposto do n.º 1, do art.º 342.º, do CC, que impõe que “Àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado.” Porquanto, tendo o Recorrente alegado que nunca recebeu no seu recetáculo postal a comunicação da nota de culpa, o ónus da prova de que a nota de culpa foi efetivamente comunicada, e de que chegou ao conhecimento do Recorrente, recai sobre a Recorrida. MM. Assim, muito errou o doutro Tribunal a quo quando ajuizou que o Recorrente “(…) não cumpriu, como lhe cabia, o ónus de alegação dos factos que permitiriam ao Tribunal concluir que, diversamente ao que resulta, quer do site dos CTT, quer da informação prestada por esta entidade, não foram cumpridas as normas em vigor na sequência da suspensão de recolha de assinaturas.” NN. Com efeito, no âmbito das medidas de contenção da COVID-19, a Lei n.º 10/2020, de 18 de abril, veio estabelecer um regime excecional e temporário quanto às formalidades da citação e da notificação postal previstas nas leis processuais e procedimentais e quanto aos serviços de envio de encomendas postais, atendendo à situação epidemiológica provocada pelo coronavírus SARS -CoV -2 e à doença COVID -19. Como tal, impõe o disposto no art.º 2.º, da Lei n.º 10/2020, de 18 de abril, que: “1 — Fica suspensa a recolha da assinatura na entrega de correio registado e encomendas até à cessação da situação excecional de prevenção, contenção, mitigação e tratamento da infeção epidemiológica por SARS -CoV -2 e da doença COVID -19. 2 — A recolha da assinatura é substituída pela identificação verbal e recolha do número do cartão de cidadão, ou de qualquer outro meio idóneo de identificação, mediante a respetiva apresentação e aposição da data em que a recolha foi efetuada. 3 — Em caso de recusa de apresentação e fornecimento dos dados referidos no número anterior, o distribuidor do serviço postal lavra nota do incidente na carta ou aviso de receção e devolve-o à entidade remetente. 4 — Nos casos previstos no número anterior, e qualquer que seja o processo ou procedimento, o ato de certificação da ocorrência vale como notificação, consoante os casos. 5 — Sem prejuízo do disposto no número anterior, as citações e notificações realizadas através de remessa de carta registada com aviso de receção consideram-se efetuadas na data em que for recolhido o número de cartão de cidadão, ou de qualquer outro meio legal de identificação. 6 — O disposto neste artigo aplica-se, com as necessárias adaptações, às citações e notificações que sejam realizadas por contacto pessoal.” OO. Quer isto dizer que, até à cessação da situação excecional de prevenção, contenção, mitigação e tratamento da infeção epidemiológica por SARS -CoV -2 e da doença COVID - 19, as comunicações por correio registado efetivam-se com a recolha da identificação verbal e do número do cartão de cidadão, ou de qualquer outro meio idóneo de identificação da pessoa que se dispuser a receber a mesma mediante a respetiva apresentação e aposição da data em que a recolha foi efetuada – considerando-se as comunicações efetuadas na data em que for recolhido o número de cartão de cidadão, ou de qualquer outro meio legal de identificação –, ou, em caso de recusa da receção das comunicações, com a nota do incidente lavrada pelo distribuidor do serviço postal na carta ou no aviso de receção com a subsequente devolução do mesmo à entidade remetente, valendo, em qualquer caso, o ato de certificação da ocorrência como notificação. PP. Todavia, a Recorrida não fez a prova que lhe se impunha, designadamente a prova de que a comunicação da nota de culpa foi expedida para o Recorrente por correio registado com AR – porquanto não resulta do talão dos CTT junto aos autos e ao processo disciplinar que a alegada comunicação da nota de culpa foi expedida com AR –, bem como a prova de que o distribuidor do serviço postal lavrou a nota do incidente, ou seja, a nota de identificação da pessoa que se dispôs a receber a comunicação da nota de culpa, ou a nota de que se recusaram a apresentar e a fornecer os dados de identificação, com a obrigatoriedade da devolução da carta ou do aviso de receção à Recorrida. E não fez prova, porquanto não foi isso o sucedido. E mais, QQ. Dos e-mails trocados entre a Recorrida e os CTT juntos aos autos em 10-05-2021, designadamente os e-mails tocados em 12/04/2021, pelas 15:45 horas, e em 15/04/2021, pelas 16:05 horas (dados como assentes nos artigos 27.º e 30.º, dos factos considerados provados na fundamentação de facto da sentença), resulta, respetivamente, que: “O objeto foi depositado, porque este procedimento resulta de medidas extraordinárias de redução de contacto físico, evitando a recolha de assinaturas, devido ao COVID 19.”; e “Boa tarde Sr. (…), O processo ficou finalizado no dia 12/04. Atualmente existem diferentes medidas de entrega. O carteiro toca à campainha e deposita o correio no recetáculo postal domiciliário (caixa do correio). Tendo em conta o plano de contingência sobre as medidas de proteção ao COVID – 19, à data dos factos os objetos registados são depositados no Recetáculo Postal como Registo Simples. Cumprimentos, (…).” RR. Deste modo, é inequívoco que o distribuidor do serviço postal, in casu, não cumpriu o disposto no art.º 2.º, da Lei n.º 10/2020, de 18 de abril, nomeadamente com obrigação que se impõe de recolha da identificação verbal e do número do cartão de cidadão, ou de qualquer outro meio idóneo de identificação, da pessoa que se dispuser a receber a comunicação, ou, nota de incidente em como se recusaram a apresentar e a fornecer os dados de identificação, com a obrigatoriedade da devolução da carta ou do aviso de receção ao remetente e, por conseguinte, não podia o Tribunal a quo, perante a ausência do AR e da certificação da ocorrência lavrada pelo distribuidor do serviço postal, considerar que a comunicação da nota de culpa foi concretizada, sob pena de violar o disposto no art.º 2.º, da Lei n.º 10/2020, de 18 de abril, e no n.º 1, do art.º 224.º e n.º 1, do art.º 342.º, ambos do CC. O que, infelizmente, aconteceu… SS. Isto porque, atente-se, conforme é confessado pelo funcionário dos CTT, “à data dos factos os objetos registados são depositados no recetáculo postal como registo simples”, o que consubstancia numa gritante violação dos preceitos legais citados (art.º 2.º, da Lei n.º 10/2020, de 18 de abril, e no n.º 1, do art.º 224.º e n.º 1, do art.º 342.º, ambos do CC) e, por seu turno, não podem essas comunicações considerarem-se concretizadas. Posto isto, TT. Não se pode deixar de reprovar o doutro Tribunal a quo quando deu como provado no art.º 12.º da matéria dada como provada da sentença que “A missiva foi enviada para o domicílio do requerente, sito na Rua (…), por correio registado em 31/07/2020, onde foi entregue a 03/08/2020.” Isto porque, sem prejuízo de se estar perante uma providência cautelar especificada que se rege pelos princípios do periculum in mora, do summaria cognitio, e do fumus boni júris, que devem ser atendidos pelo douto Tribunal a quo, a verdade é que o Tribunal a quo não deveria ter ignorado a manifesta falta de comunicação da nota de culpa ao Recorrente e, por conseguinte, deveria ter declarado a ilicitude do despedimento com todas as consequências legais peticionadas pelo Recorrente. UU. E ao não o ter feito, o douto Tribunal a quo violou grosseiramente as normas ínsitas no n.º 1, do art.º 224.º, e n.º 1, do art.º 342.º, do CC, art.º 2.º, da Lei n.º 10/2020, de 18 de abril, e n.º 2, do art.º 329.º, e n.º 1, do art.º 382.º, ambos do CT. Da nulidade da prova documental extraída do processo de inquérito n.º 3250/18.0T9STB junta ao processo disciplinar e considerada para prova dos factos pelos quais o Recorrente foi condenado na sentença. VV. É manifesto que, quer a decisão final de despedimento, quer o relatório final e as conclusões subjacentes à mesma, quer agora a sentença recorrida, estribam a sua “fundamentação” e a “fantasiada” prova dos factos dados como provados num mero mandado de detenção, bem como nos demais documentos do processo de inquérito n.º 3250/18.0T9STB que foram juntos ao processo disciplinar e, com esse, aos presentes autos de procedimento cautelar especificado. Documentos esses que resultam, por um lado, de reproduções fotográficas e cinematográficas impercetíveis e com meros comentários efetuados pelo Órgão de Policia Criminal (OPC), ou seja, nas quais não se consegue depreender, sem margem para dúvidas, a prática dos factos pelos quais Recorrente foi despedido, e por outro, de transcrições de interceções e de gravações de conversações ou comunicações captadas na investigação executada no processo de inquérito n.º 3250/18.0T9STB que, pasme-se, são meramente indiciárias e insuficientes para prova cabal dos factos imputados ao Recorrente. WW. Além disso, note-se que não se percebe sequer quem são as pessoas envolvidas nessas reproduções fotográficas e cinematográficas, e muito menos se compreende os atos/assuntos que estão a praticar, a fazer ou a tratar. Pelo que, o Tribunal a quo deveria ter desconsiderado essas reproduções fotográficas e cinematográficas por não fazerem nenhuma prova dos factos pelos quais o Recorrente foi condenado, e pelos fundamentos que serão expostos ex nunc. XX. Outrossim, o Tribunal a quo também deveria ter desconsiderado todos os restantes excertos retirados do processo de inquérito n.º 3250/18.0T9STB que também foram juntos aos autos, designadamente, e sem exclusão de outros, o mandado de detenção e os autos de transcrição de conversações ou comunicações, porquanto, além destes também não fazerem nenhuma prova dos factos pelos quais o Recorrente foi condenado, não é feito sequer o nexo de causalidade adequada entre a prova obtida por esses meios de obtenção de prova e os meios de comunicação que eventualmente são da propriedade do Recorrente e da pessoa captada nas mesmas, respetivamente. Razão pela qual, toda a documentação extraída do processo de inquérito n.º 3250/18.0T9STB, por ser meramente indiciária e só poder ser utilizada no respetivo processo crime, não poderia ter servido valorada pelo Tribunal a quo. Senão vejamos: YY. Como é sabido, se um mandado de detenção não serve de prova dos factos que consigna dentro do próprio processo (in casu, no processo de inquérito n.º 3250/18.0T9STB), muito menos servirá em sede de procedimento disciplinar ou nos presentes autos de procedimento cautelar de suspensão de despedimento. O mesmo se dirá das reproduções fotográficas e cinematográficas e respetivos comentários, bem como dos autos de transcrição de conversações ou comunicações extraídos do processo de inquérito n.º 3250/18.0T9STB, porquanto, para além de serem meros meios de obtenção de prova que apenas pode ser utilizada no processo penal respetivo, note-se ainda que os mesmos não são precedidos de autorização concedida por despacho fundamentado do juiz de instrução criminal (adiante abreviadamente designado por “JIC”) mediante requerimento do Ministério Público, como é imposto pelo n.º 1, do art.º 187.º, do Código de Processo Penal (CPP). Razão pela qual, todos esses documentos padecem de nulidade nos termos e para os efeitos do disposto do art.º 120.º e do art.º 190.º, por inobservância das formalidades legais impostas pelos artigos 167.º, 187.º, 188.º e 189.º, todos do CPP, que se invocou em sede de contestação e que agora se invoca em sede de recurso, para todos os devidos efeitos legais. Além disso, ZZ. Impõe o disposto no n.º 1, do art.º 25.º, da Constituição da República Portuguesa (adiante abreviadamente designada por “CRP”), sob a epígrafe “Direito à integridade pessoal”, que “A integridade moral e física das pessoas é inviolável.” Por seu turno, estabelece o n.º 8, do art.º 32.º, da Constituição da República Portuguesa, sob a epígrafe “Garantias de processo criminal”, que “São nulas todas as provas obtidas mediante tortura, coação, ofensa da integridade física ou moral da pessoa, abusiva intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações.” E nos termos do disposto no n.º 1, e no n.º 4, do art.º 34.º, da CRP, “O domicílio e o sigilo da correspondência e dos outros meios de comunicação privada são invioláveis.”; e “É proibida toda a ingerência das autoridades públicas na correspondência, nas telecomunicações e nos demais meios de comunicação, salvos os casos previstos na lei em matéria de processo criminal.” AAA. No que respeita à legalidade da prova, estabelece o art.º 125.º, do CPP, que “São admissíveis as provas que não forem proibidas por lei.”, e o nº 3, do artigo 126.º, do CPP, determina que “Ressalvados os casos previstos na lei, são igualmente nulas, não podendo ser utilizadas, as provas obtidas mediante intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações sem o consentimento do respetivo titular.” Por sua vez, impõe o n.º 1, do art.º 187.º, do CPP, que “A interceção e a gravação de conversações ou comunicações telefónicas só podem ser autorizadas durante o inquérito, se houver razões para crer que a diligência é indispensável para a descoberta da verdade ou que a prova seria, de outra forma, impossível ou muito difícil de obter, por despacho fundamentado do juiz de instrução e mediante requerimento do Ministério Público, quanto a crimes (…)”, o que também é aplicável às reproduções fotográficas e cinematográficas e respetivos comentários extraídos do processo de inquérito n.º 3250/18.0T9STB, ex vi do art.º 167.º, do CPP, que institui que: “1 - As reproduções fotográficas, cinematográficas, fonográficas ou por meio de processo eletrónico e, de um modo geral, quaisquer reproduções mecânicas só valem como prova dos factos ou coisas reproduzidas se não forem ilícitas, nos termos da lei penal. 2 - Não se consideram, nomeadamente, ilícitas para os efeitos previstos no número anterior as reproduções mecânicas que obedecerem ao disposto no título iii deste livro.” BBB. Nestes termos, atento o teor das normas constitucionais e penais supracitadas, é manifesto que a obtenção e utilização de meios de prova que restringem direitos consagrados constitucionalmente e, como sucede com as escutas telefónicas e com as reproduções fotográficas e cinematográficas, atenta a sua natureza excecional, só é legítima nos casos expressamente previstos na lei. Termos em que, atento o disposto no n.º 1, do art.º 187.º, do CPP, as escutas telefónicas e as reproduções fotográficas e cinematográficas apenas são admitidas no âmbito do processo penal para o qual foram autorizadas e apenas relativamente aos crimes enunciados no mesmo preceito legal. CCC. Deste modo, é indubitável que não é admissível a valoração das escutas telefónicas e das reproduções fotográficas e cinematográficas noutros processos que não revistam natureza penal, e nos que a revistam apenas nos casos previstos no n.º 7 do artigo 187.º, do CPP. Sendo, assim, os autos de transcrição de conversações ou comunicações e as reproduções fotográficas e cinematográficas extraídos do processo de inquérito n.º 3250/18.0T9STB um meio de prova legalmente inadmissível no processo laboral, é de concluir que a valoração de tal prova é nula por violar as normas acima citadas. DDD. Neste sentido, Vide, a título meramente exemplificativo, o sumário do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido em 11 de setembro de 2019, no âmbito do processo n.º 449/17.0T8AGH.L1-4, disponível para consulta no site da DGSI (www.dgsi.pt), onde é concluído que: “As interceções telefónicas, conforme decorre do artigo 187º do CPP apenas são admitidas no âmbito do processo penal para o qual foram autorizadas e apenas relativamente aos crimes enunciados no mesmo preceito legal, pelo que não é legalmente admissível a sua valoração no âmbito do processo laboral.” Foi entendido por esse douto Acórdão que: “Dispõe o nº 1 do artigo 25º da Constituição da República Portuguesa (CRP) sob a epígrafe “Direito à integridade pessoal” que “A integridade moral e física das pessoas é inviolável.” Nos termos do nº 8 do artigo 32º da CRP “São nulas todas as provas obtidas mediante tortura, coação, ofensa da integridade física ou moral da pessoa, abusiva intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações.” E de acordo com o nº 1 do artigo 34º nº 1 da CRP: “O domicílio e o sigilo da correspondência e dos outros meios de comunicação privada são invioláveis”, dispondo o nº 4 que “É proibida toda a ingerência das autoridades públicas na correspondência, nas telecomunicações e nos demais meios de comunicação, salvos os casos previstos na lei em matéria de processo criminal.” Por outro lado, sobre a legalidade da prova, estatui o artigo 125º do Código de Processo Penal que “são admissíveis as provas que não forem proibidas por lei.” E o nº 3 do artigo 126º do CPP determina que “Ressalvados os casos previstos na lei, são igualmente nulas, não podendo ser utilizadas, as provas obtidas mediante intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações sem o consentimento do respetivo titular.” Por seu turno, dispõe o artigo 187º do CPP: 1- A interceção e a gravação de conversações ou comunicações telefónicas só podem ser autorizadas durante o inquérito, se houver razões para crer que a diligência é indispensável para a descoberta da verdade ou que a prova seria, de outra forma, impossível ou muito difícil de obter, por despacho fundamentado do juiz de instrução e mediante requerimento do Ministério Público, quanto a crimes (…) Ora, considerando o teor das normas constitucionais acima assinaladas, resulta claro que a obtenção e utilização de meios de prova que restringem direitos consagrados constitucionalmente, como sucede com as escutas telefónicas, atenta a sua natureza excecional, só é legítima nos casos expressamente previstos na lei. E estas, conforme decorre do citado artigo 187º do CPP apenas são admitidas no âmbito do processo penal para o qual foram autorizadas e apenas relativamente aos crimes enunciados no mesmo preceito legal. Consequentemente, não é admissível a valoração das escutas telefónicas noutros processos que não revistam natureza penal e nos que a revistam apenas nos casos previstos no nº 7 do artigo 187º do CPP. Ora, considerando que no presente processo o Tribunal a quo, na fundamentação da matéria de facto provada e não provada, refere que formou a sua convicção, além do mais, nas certidões juntas aos autos, o que vale dizer que também valorou a prova obtida através das escutas telefónicas, fundamentando, assim, a matéria de facto num meio de prova legalmente inadmissível no processo laboral e que só poderia ser valorado no âmbito do processo penal, é de concluir que a valoração de tal prova é nula, por violar as normas acima citadas.” EEE. Vide, também a título meramente exemplificativo, o sumário do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, proferido em 10 de julho de 2013, no âmbito do processo n.º 706/11.9TTPRT.P1, disponível para consulta no site da DGSI (www.dgsi.pt), onde é concluído que “A prova por escutas telefónicas está limitada ao processo criminal, não podendo ser usada em processos de outra natureza, designadamente no processo em que se discute infração disciplinar laboral ainda que consistente nos mesmos factos que integram a imputação criminal.” Ademais, FFF. Ainda no que concerne às reproduções fotográficas e cinematográficas, atente-se que, não obstante aquelas não terem sido extraídas de um sistema de vigilância à distância da propriedade da Recorrida, impõe o disposto no n.º 1, do art.º 20.º, do Código do Trabalho (adiante abreviadamente designado por “CT”), que “O empregador não pode utilizar meios de vigilância a distância no local de trabalho, mediante o emprego de equipamento tecnológico, com a finalidade de controlar o desempenho profissional do trabalhador.” Com efeito, tal sistema só pode ser utilizado para proteção e segurança de pessoas e bens ou quando particulares exigências inerentes à natureza da atividade o justifiquem, e desde que o empregador informe o trabalhador sobre a existência e a finalidade dos meios de vigilância utilizados, por força do disposto no n.º 2 e n.º 3, do citado art.º 20.º, do CT. GGG. Além disso, impõe ainda o disposto no n.º 1, do art.º 21.º, do CT, que “A utilização de meios de vigilância a distância no local de trabalho está sujeita a autorização da Comissão Nacional de Proteção de Dados.” HHH. Deste modo, considerando que (i) o sistema de vigilância de onde foram extraídas as reproduções fotográficas e cinematográficas não era da propriedade da Recorrida; (ii) a Recorrida nunca informou o Recorrente da existência do sistema de vigilância utilizado no âmbito do processo de inquérito n.º 3250/18.0T9STB; (ii) o sistema de vigilância não tinha como finalidade a proteção e segurança de pessoas e bens da Recorrida; e (iii) que o sistema de vigilância nunca foi comunicado à Comissão Nacional de Proteção de Dados (CNPD), é manifesto que as mesmas são proibidas e inválidas, não podendo ser utilizadas como prova para efeitos disciplinares. Pelo que, também por esta razão, tais provas são inadmissíveis e nulas pela proibição imposta pelo disposto no n.º 1, do art.º 20.º, e no n.º 1, do art.º 21.º, ambos do CT. III. Neste sentido, Vide a título meramente exemplificativo, o sumário do Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, proferido em 24 de setembro de 2020, no âmbito do processo n.º 931/20.1T8STB-B.E1, disponível para consulta no site da DGSI (www.dgsi.pt), onde é concluído que: “i) as imagens captadas pelo sistema de videovigilância, nos termos da autorização concedida pela CNPD, são proibidas se tiverem por finalidade controlar o trabalhador e a sua prestação, mas são admitidas se tiverem por fim proteger os bens e as pessoas dentro do estabelecimento. ii) estas imagens não são meio de prova lícito se o empregador não informou o trabalhador da sua realização e finalidade, nem afixou no respetivo local a informação devida. iii) neste contexto, as imagens obtidas são um meio de prova proibido para efeitos de serem utilizadas em processo disciplinar e judicial para provar factos ilícitos praticados pelo trabalhador com vista à aplicação de sanção disciplinar de despedimento.” JJJ. Vide, também a título meramente exemplificativo, o sumário do Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, proferido em 6 de fevereiro de 2015, no âmbito do processo n.º 359/13.0TTFIG-A.C1, disponível para consulta no site da DGSI (www.dgsi.pt), onde é concluído que: “I – O artº 20º, nº 1 do Código do Trabalho proíbe a utilização de meios de vigilância à distância para controlar de forma dedicada e permanente o desempenho profissional do trabalhador. II – A utilização desses meios de vigilância no local de trabalho é, no entanto, lícita se cumprir os requisitos de fim e publicidade previstos nos nºs 2 e 3 do mesmo artº 20º e for obtida a autorização da Comissão Nacional de Proteção de Dados. III – Estando em causa uma das finalidades legalmente previstas no nº 2 desse artigo, concretamente a proteção e segurança de pessoas e bens, as atuações ilícitas do trabalhador lesivas de pessoas e bens podem ser licitamente verificadas, tanto quanto o podem ser idênticas condutas de terceiros, como uma consequência fortuita ou incidental da utilização dos meios de vigilância à distância, podendo os dados obtidos servir de meio de prova em procedimento disciplinar e no controlo jurisdicional da licitude da decisão disciplinar”. KKK. Vide ainda, a título meramente exemplificativo, o sumário do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, proferido em 17 de dezembro de 2014, no âmbito do processo n.º 231/14.6TTVNG.P1, disponível para consulta no site da DGSI (www.dgsi.pt), onde é concluído que: “I - Em princípio, não é admissível, no processo laboral e como meio de prova, a captação de imagens por sistema de videovigilância, envolvendo o desempenho profissional do trabalhador, incluindo os atos disciplinarmente ilícitos por ele praticados. II - A consequência legal dessa utilização ilícita dos meios de vigilância à distância é a invalidade da prova obtida para efeitos disciplinares. III - Cabe à entidade empregadora fazer a prova da licitude da utilização desses meios de controle à distância. IV - Sendo a prova obtida mediante um método proibido e ilícito, ilícita é a prova adquirida mediante esse mesmo método, bem como a prova derivada ou mediata. V - O depoimento de uma testemunha que tenha por base o visionamento das imagens recolhidas através de um método proibido, não deve ser valorado. Só através da utilização de um meio de prova ilícito, no caso o visionamento de imagens ilicitamente obtidas para os fins disciplinares, é que a aludida testemunha teve acesso ou conhecimento de factos que posteriormente foram imputados à trabalhadora. Não fosse aquele conhecimento ilícito nunca o depoimento da testemunha poderia ter ocorrido. Ora, esta segunda prova – a mediata ou derivada – é aquilo que se chama um “fruto envenenado.” Assim, atento o supra exposto, LLL. É manifesto que, como já se disse, a o Tribunal a quo assentou a sua “fundamentação” e a “fantasiada” prova dos factos dados como provados num mero mandado de detenção, bem como na demais documentação do processo de inquérito n.º 3250/18.0T9STB, que ainda poderá ser declarada nula no próprio processo. Nesse inquérito o Recorrente está meramente indiciado da prática desses factos e da prática do crime de corrupção passiva no sector privado e, por isso mesmo, pode até nem ser acusado no fim do inquérito, como ainda, na hipótese de vir a ser acusado, poder vir a ser absolvido nesse processo em sede de instrução ou de julgamento. Sendo esse o desfecho que o Recorrente espera ver nesse processo penal, ou seja, ver um despacho de arquivamento do inquérito ou a declaração da sua absolvição em sede de instrução ou de julgamento. MMM. Pelo que, atento o supra exposto, é indubitável que o Tribunal a quo se precipitou quando considerou provados os factos 62.º e 77.º a 81.º da fundamentação de facto da sentença, o com base na prova indiciária extraída do processo de inquérito n.º 3250/18.0T9STB, e por seu turno, violou grosseiramente as normas ínsitas no art.º 120.º e do art.º 190.º, por inobservância das formalidades legais impostas pelos artigos 167.º, 187.º, 188.º e 189.º, bem como do art.º 125.º, e o n.º 3, do art.º 126.º, todos do CPP, n.º 1, do art.º 25.º, n.º 8, do art.º 32.º, e n.º 1 e n.º 4, do art.º 34.º, todos da CRP, e art.º 20.º e art.º 21.º, ambos do CT. Da falta da descrição circunstanciada dos factos imputados ao A. NNN. Com efeito, os factos imputados ao Recorrente dados como provados no processo disciplinar e na sentença recorrida, alegadamente suscetíveis de infração disciplinar, que foram devidamente circunstanciados são os factos constantes nos artigos 77.º a 79.º, da fundamentação de facto da sentença (artigos 34.º, 35.º 3 36.º da nota de culpa, e 36.º, 37.º e 38.º, da matéria de facto dada como provada no relatório final e conclusões da decisão). Isto porque, todos os outros factos são factos que não foram devidamente circunstanciados como é imposto pela legislação laboral, nomeadamente, e sem exclusão de outros, os factos ínsitos nos artigos 62.º, 76.º, 80.º e 81.º, da fundamentação de facto da sentença (artigos 34.º, 35.º 3 36.º da nota de culpa, e 36.º, 37.º e 38.º, da matéria de facto dada como provada no relatório final e conclusões da decisão). (Cfr. n.º 1, do art.º 353.º, e al. a), do n.º 2, do art.º 382.º, ambos do Código do Trabalho, adiante abreviadamente designado por “CT”) OOO. Como é sabido, a descrição dos factos deverá ser enquadrada no seu contexto próprio de tempo, modo e lugar, individualizando-os e especificando-os, para permitir ao trabalhador, sendo esse o caso, a sua impugnação. E o certo é que a Recorrida não o fez, quer na nota culpa, quer na decisão de despedimento, quer na sua oposição e em sede de audiência final, nomeadamente. PPP. Sobre este assunto, determina o n.º 1, do art.º 353.º, do CT, sob a epigrafe “nota de culpa”, que “no caso em que se verifique algum comportamento suscetível de constituir justa causa de despedimento, o empregador comunica, por escrito, ao trabalhador que o tenha praticado a intenção de proceder ao seu despedimento, juntando nota de culpa com a descrição circunstanciada dos factos que lhe são imputados”. QQQ. E no que respeita à ausência da descrição circunstanciada dos factos na nota de culpa. Impõe a al. a), do n.º 2, do art.º 382.º, do CT, que “o procedimento é inválido se faltar a nota de culpa, ou se esta não for escrita ou não contiver a descrição circunstanciada dos factos imputados ao trabalhador”. RRR. Destarte, é inequívoco que, também por esse motivo, o despedimento em causa deverá ser declarado ilícito por manifesta ausência da descrição circunstanciada dos factos que são imputados ao A. na nota de culpa, por imposição da citada al. a), do n.º 2, do art.º 382.º, do CT. SSS. Neste sentido, Vd. a título meramente exemplificativo, o sumário do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido em 14 de novembro de 2018, no âmbito do processo n.º 94/17.0T8BCL-A.G1.S1, disponível para consulta no site da DGSI (www.dgsi.pt), onde é concluído que “a nota de culpa deve conter a descrição circunstanciada dos factos imputados ao trabalhador, em termos de modo, tempo ainda que aproximado, e de lugar, de forma a permitir que aquele organize, de forma adequada, a sua defesa, sob pena de invalidade do procedimento disciplinar”. TTT. Vd. ainda, também a título meramente exemplificativo, o sumário do Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, proferido em 10 de outubro de 2017, no âmbito do citado processo n.º 94/17.0T8BCL-A.G1, disponível para consulta no site da DGSI (www.dgsi.pt), onde é concluído que: “I - A suficiência dos factos imputados ao trabalhador na nota de culpa deve aferir-se em permitir àquele um cabal exercício do seu direito de defesa. II - A descrição deverá ser apta a dar a conhecer ao trabalhador os concretos comportamentos imputados, envolvendo por regra, a necessidade de indicação das circunstâncias de tempo, modo e lugar dos factos, ou permitir esse circunstancialismo. III - Numa acusação envolvendo entregas pelo trabalhador de produtos da autora a clientes desta nos respetivos domicílios, e recebimento dos pagamentos, de que o trabalhador alegadamente se apropriara; a completa falta de indicação na nota de culpa das datas ainda que aproximadas, ainda que apenas balizadas na medida em que for possível apurar, torna o procedimento inválido.” Da violação do disposto no n.º 4, do art.º 357.º, do CT. UUU. Sobre esta matéria, impõe o disposto na al. d), do n.º 2, do art.º 382.º, do CT, que “o procedimento é inválido se a comunicação ao trabalhador da decisão de despedimento e dos seus fundamentos não for feita por escrito, ou não esteja elaborada nos termos do n.º 4 do artigo 357.º ou do n.º 2 do artigo 358.º”. VVV. Ora, dispõe o n.º 4, do art.º 357.º, do CT, que “na decisão são ponderadas as circunstâncias do caso, nomeadamente as referidas no n.º 3 do artigo 351.º, a adequação do despedimento à culpabilidade do trabalhador e os pareceres dos representantes dos trabalhadores, não podendo ser invocados factos não constantes da nota de culpa ou da resposta do trabalhador, salvo se atenuarem a responsabilidade”. Posto isto, WWW. Note-se que a Recorrida invocou factos na decisão que não foram invocados na nota de culpa, designadamente os factos ínsitos nos artigos 33.º e 35.º, da matéria de facto dada como provada no relatório final e conclusões da decisão. Porquanto, nos factos invocados no artigo 33.º foi alegado que “Acresce que os trabalhadores da NVG com a categoria profissional de Supervisor igualmente compactuaram com a referida situação”, e no artigo 35.º, foi alegado que o Recorrente violou o Código de Ética da NVG (“e o respetivo Código de Ética da NVG”). XXX. Invocação essa, pasme-se, que não constou nota de culpa. (Cfr. artigos 31.º a 35.º da nota de culpa, e artigos 33.º e 35.º da decisão de despedimento, juntas ao processo disciplinar) YYY. O que faz com que tenha sido violado o direito de defesa do A., que é um direito constitucionalmente consagrado no art.º 32.º da Constituição da República Portuguesa, uma vez que o A. não teve oportunidade de se defender na sua resposta à nota de culpa quanto a esses factos, nomeadamente quanto à imputação de o A. ter, alegadamente, violado o Código de Ética da R. ZZZ. Deste modo, atento o ora supra exposto, é manifesto que o procedimento disciplinar é, também por esta razão, inválido e, por seu turno, ilícito, ao abrigo da al. d), do n.º 2, do art.º 382.º, do CT. Nestes termos, nos melhores de direito e sempre com o mui douto suprimento de V. Exas., o presente recurso de apelação deve ser considerado totalmente procedente e por provado e, em consequência, a douta Sentença do Tribunal a quo deve ser totalmente revogada e, em sua substituição, ser proferida douta decisão pelo Venerando Tribunal da Relação de Lisboa que decrete a providência cautelar de suspensão de despedimento e, por conseguinte, declare a ilicitude do despedimento com todas as consequências legais, nomeadamente com a condenação da Recorrida nos precisos termos peticionados no pedido vertido no requerimento inicial, porque só assim se fará a devida e a tão acostumada JUSTIÇA. Contra-alegou a requerida, pugnando pela improcedência do recurso. A 1.ª instância admitiu o recurso de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo. Tendo o processo subido à Relação, foi dado cumprimento ao disposto no n.º 3 do artigo 87.º do Código de Processo Penal. A Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer favorável à confirmação da decisão recorrida. O recorrente respondeu reiterando a posição assumida no recurso. O recurso foi mantido e foram dispensados os vistos legais, com a anuência dos Exmos. Adjuntos. Cumpre apreciar e decidir. * II. Objeto do RecursoÉ consabido que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da recorrente, com a ressalva da matéria de conhecimento oficioso (artigos 635.º n.º 4 e 639.º n.º 1 do Código de Processo Civil aplicáveis por remissão do artigo 87.º n.º 1 do Código de Processo do Trabalho). Em função destas premissas, são as seguintes as questões que importa apreciar e decidir: 1. Impugnação da decisão sobre a matéria de facto. 2. Caducidade do procedimento disciplinar. 3. Invalidade do procedimento disciplinar. * III. Matéria de FactoO tribunal de 1.ª instância considerou provada a seguinte factualidade: 1. A Requerida é uma sociedade comercial que se dedica à atividade comercial de produção de pastas celulósicas, seus derivados e produtos afins e à produção e comercialização de energia elétrica e energia térmica 2. O requerente trabalha para a requerida desde 01/01/2003. 3. Ultimamente exercia funções de condutor MAET no Parque de Madeiras do Complexo Industrial de Setúbal, em regime de turnos rotativos, de segunda-feira a sábado, das 00:00 às 08:00, das 08:00 às 16:00 e das 16:00 às 24:00, auferindo o vencimento mensal base de €1.060,52 (mil e sessenta euros e cinquenta e dois cêntimos), acrescido de €265,13 (duzentos e sessenta e cinco euros treze cêntimos) de subsídio de turno e €7,85 (sete euros e oitenta e cinco cêntimos) de subsídio de alimentação por dia de trabalho prestado. 4. No dia 23/06/2020 o requerente foi detido fora de flagrante delito, para constituição como arguido e apresentação a primeiro interrogatório no âmbito dos autos 3250/18.0T9STB do DIAP de Setúbal. 5. Sujeito a primeiro interrogatório judicial de arguido detido no dia 24/06/2020, o requerente ficou sujeito a termo de identidade e residência e à medida de coação de proibição de contacto com os restantes arguidos, e destes com os demais agentes, indivíduos e sociedades identificadas nos autos. 6. No mesmo dia 24/06/2020 quando se apresentou às instalações da requerida, para prestar trabalho no turno das 00:00 às 08:00 horas, o requerente foi impedido de entrar e informado que, na sequência da aplicação das medidas de coação no processo crime n.º 3250/18.0T9STB, existia uma impossibilidade de manutenção da respetiva atividade profissional. 7. Notificada do auto de interrogatório em 24/06/2020, a requerida suspendeu igualmente o pagamento da retribuição ao requerente. 8. Em 30/06/2020 a administração da requerida determinou a instauração de processo disciplinar ao requerente, com vista ao seu despedimento, nomeando como instrutoras a Dra. (…) e a Dra. (…). 9. Em 20/07/2020 a Dra. (…) procedeu à abertura de processo para averiguação e sancionamento disciplinar do requerente. 10. Com data de 27/07/2020 foi elaborada missiva, subscrita pela Dra. (…), comunicando ao requerente a instauração do processo disciplinar com vista ao seu despedimento com justa causa, pelas infrações constantes da nota de culpa, datada de 31/07/2020. 11. No final da nota de culpa o trabalhador era informado de que tinha o prazo de 10 dias para, querendo, deduzir, por escrito, a sua defesa, bem como requerer diligências probatórias e de que poderia consultar o processo disciplinar nas instalações da The Navigator Company, S.A., em Setúbal, mediante prévio contacto com a Direção de Recursos Humanos. 12. A missiva foi enviada para o domicílio do requerente, sito na Rua (…), por correio registado em 31/07/2020, onde foi entregue a 03/08/2020. 13. Em 20/08/2020 a Dr. (…) exarou despacho com o seguinte teor “Aos 20 dias do mês de agosto de 2020, apurou-se que o trabalhador Arguido rececionou a respetiva Nota de Culpa, no passado dia 3 de agosto de 2020, conforme informação disponibilizada no site dos Correios de Portugal (www.ctt.pt) (…)”. 14. Em 04/08/2020 o requerente apresentou no processo n.º 3250/18.0T9STB requerimento de aclaração da decisão que aplicou as medidas de coação, designadamente se a medida de coação de proibição de contacto com os restantes Arguidos abrange, ou é extensível, à suspensão preventiva do exercício de profissão ou função do Arguido com perda de retribuição. 15. Por promoção exarada a 23/07/2020, notificada ao requerente a 10/08/2020, o Ministério Público propôs a alteração das medidas de coação no sentido de permitir os contactos apenas durante o horário laboral, o que foi indeferido em 11/09/2020 por o JIC entender que a alteração nos termos promovidos, implicaria o desvirtuar completo, o completo esvaziamento das medidas de coação impostas. 16. Em 29/09/2020 o requerente intentou procedimento cautelar comum pedindo que a requerida fosse condenada a aceitar a prestação de trabalho, bem como a pagar as retribuições que deixou de auferir desde 24/06/2020 e as que se vencessem após a data de entrada do procedimento acrescida de juros, bem como, €298 (duzentos e noventa e oito euros) de danos patrimoniais decorrentes da falta de pagamento da prestação mensal do crédito para aquisição da casa da morada de família, €5.000 de danos não patrimoniais e sanção pecuniária compulsória não inferior a €500 por cada dia de atraso no cumprimento da providência decretada e no pagamento das retribuições. 17. Citada a requerida deduziu oposição ao referido procedimento, cuja decisão, proferida após audiência de julgamento, determinou a aceitação da efetiva prestação de trabalho do Requerente, nos termos em que era efetuada até 24/06/2020, o pagamento das retribuições devidas desde então, bem como de €1.000 de danos não patrimoniais, e da sanção pecuniária compulsória de €300 por cada dia de atraso. 18. Em sede de oposição ao procedimento cautelar n.º 4847/20.3T8STB a requerida juntou cópia da nota de culpa proferida no processo disciplinar, da missiva datada de 27/07/2020 e do comprovativo do registo. 19. No âmbito da audiência de julgamento marcada para 05/11/2020, o requerente declarou que nunca foi notificado da nota de culpa que a requerida juntou à sua oposição. 20. Em 02/12/2020, pelas 23:08 horas, a Dra. (…) enviou aos CTT um email sob o assunto “Processo nº SR0000178787”, com o seguinte teor: “Exmos. Srs., Na sequência do processo SR0000178787, relativo à correspondência com o identificador (…), que se encontra em análise pela vossa parte desde o dia 11 de novembro, solicitamos o favor de nos informarem, com urgência, da entrega da correspondência ao destinatário no dia 03-08-2020, pois a informação que consta do site dos CTT descrita com “contingência” suscita a dúvida. Aguardamos resposta com brevidade. Com os melhores cumprimentos, (…)” 21. Em 16/12/2020 a requerida ouviu (…) como testemunha. 22. Em 16/12/2020 a requerida convocou o requerente para uma reunião com o Engenheiro (…), no decurso da qual lhe entregou carta com a mesma data com o seguinte teor: “Na sequencia do processo disciplinar instaurado contra V. Exa. vimos por este meio esclarecer o seguinte: Conforme anteriormente referido, está em curso um processo disciplinar contra V. Exa., o qual é tendente ao seu despedimento com justa causa. Para tanto, foi emitida a respetiva Nota de Culpa, conforme decorre de Nota de Culpa que ora se junta. Mais se informa que, de acordo com a informação disponibilizada pelos CTT, a referida Nota de Culpa foi entregue na sua residência, no passado dia 3 de agosto de 2020, pelo que, para todos os efeitos, V. Exa. foi notificado em tal data. Não obstante ter sido regularmente notificado na data supra mencionada, V. Exa. poderá exercer o seu direito de resposta, querendo no prazo de 10 (dez) dias úteis a contar da receção da presente carta. Para além disso, cumpre informar V. Exa. que foi decidido proceder à sua suspensão preventiva, nos termos do artigo 354º do Código do Trabalho. Na verdade, os factos que são imputados a V. Exa. tornam a sua presença na empresa inconveniente, atendendo a que tal implicaria uma manifesta perturbação e teria consequências negativas para o normal e regular funcionamento da empresa. Sem outro assunto de momento, com os melhores cumprimentos. A INSTRUTORA EM ANEXO: Cópia da nota de culpa e respetivo documento comprovativo de envio.” 23. Em 29/12/2020, o requerente apresentou a sua resposta à nota de culpa, alegando que os factos imputados pela requerida não correspondiam à verdade e juntando 12 documentos. 24. Em 06/01/2021 foi proferido relatório final, cujo teor aqui se dá por reproduzido, com proposta de aplicação ao requerente da sanção de despedimento com justa causa. 25. Por deliberação do Conselho de Administração de 15/01/2021, cujo teor aqui de dá por reproduzido foi decidido aplicar ao requerente a sanção disciplinar de despedimento com justa causa 26. A decisão, acompanhada do relatório final, foi enviada para o domicílio do requerente, sito na Rua (…) por carta datada de 18/01/2021, registada em 19/01/2021 e recebida a 20/01/2021. 27. Em 12/04/2021, pelas 15:45 horas, os CTT remeteram à Dra. (…) um email sob o assunto “SR0000178787: 2020-11-11 13:04:53.274” com o seguinte teor: “Nossa referência: SR000178787 Assunto: Pedido de informação sobre objeto postal nº (…) Exma. Senhora Agradecemos a comunicação de V. Exa. que mereceu a nossa melhor atenção. Após as devidas averiguações, verificámos que o objeto em referência foi depositado no recetáculo postal domiciliário na morada a que se destinava em 03-08-2020, pelo Centro Distribuição Postal 2910 Setúbal. O objeto foi depositado, porque este procedimento resulta de medidas extraordinárias de redução de contacto físico, evitando a recolha de assinatura, devido ao COVID 19. Atenciosamente (…)” 28. Em 12/04/2021, pelas 19:23 horas, a Dra. (…) remeteu aos CTT um email sob o assunto “RE: SR0000178787: 2020-11-11 13:04:53.274” com o seguinte teor: “Exmo. Senhor, Agradeço a informação infra. Contudo, uma vez que a referida informação se destina à junção da mesma num processo judicial, solicitamos o favor de nos enviarem a mesma informação em formato de declaração e assinada com a identificação da pessoa que assina, com a maior brevidade possível. Agradeço antecipadamente. Com os melhores cumprimentos, (…).” 29. Em 15/04/2021, pelas 15:36 horas, a requerida enviou aos CTT um email sob o assunto “SR0000178787: 2020-11-11 13:04:53.274” com o seguinte teor: “Caro (…), Espero que esteja tudo bem consigo. Tem novidades sobre este processo pedido pela minha colega (…)? Cumprimentos, (…) Assistente Administrativo” 30. Na mesma data, pelas 16:05 horas, foi enviado pelos CTT à requerida um email sob o assunto “RE: SR0000178787: 2020-11-11 13:04:53.274” com seguinte teor: “Boa tarde Sr. (…), O processo ficou finalizado no dia 12/04. Atualmente existem diferentes medidas de entrega. O carteiro toca à campainha e deposita o correio no recetáculo postal domiciliário (caixa do correio). Tendo em conta o plano de contingência sobre as medidas de proteção ao COVID – 19, à data dos factos os objetos registados são depositados no Recetáculo Postal como Registo Simples. Cumprimentos, (…).” 31. Em 15/04/2021, pelas 16:12 horas, a requerida enviou aos CTT um email sob o assunto “RE: SR0000178787: 2020-11-11 13:04:53.274” com o seguinte teor: “Caro (…), Há a possibilidade de nos enviarem essa informação em formato de declaração e assinada com a identificação da pessoa que assina? Como solicitou a minha colega (…) nos emails abaixo. Cumprimentos, (…) Assistente Administrativo” 32. Na mesma data, pelas 17:26 horas, foi enviado pelos CTT à requerida um email com seguinte teor: “Boa tarde, Não temos nenhuma declaração nesse sentido, trata-se de uma norma estabelecida em todos os Operadores Postais do mundo no qual foi comunicado o estado de força maior desde 16 de março de 2020 e não estamos a recolher assinaturas dos clientes no ato de entrega devido ao protocolo contacto zero.” 33. Em 31/12/2020, a requerida pagou ao requerente o montante total de €7.205,78 (sete mil duzentos e cinco euros e setenta e oito cêntimos), a título de retribuições vencidas. 34. No decurso do processo a requerida pagou ao requerente a retribuição referente ao mês de janeiro de 2021. 35. No âmbito da atividade do Grupo Navigator, para efeitos de transformação da pasta de papel, é adquirida diariamente, como matéria-prima, madeira de eucalipto a diversos fornecedores e sub-fornecedores, segundo condições de fornecimento e de pagamento previamente estabelecidas. 36. O Grupo Navigator detém ainda zonas próprias de exploração de eucalipto, que fornecem as suas unidades de produção, nomeadamente, o Complexo Industrial de Setúbal. 37. Nas instalações de Setúbal, o Grupo Navigator, detém uma zona de receção e descarga de mercadoria que funciona ininterruptamente durante um período de 24 horas de Segunda-feira a Sábado, sendo cada período assegurado em regime de 3 turnos constituídos por equipas, das 00:00 às 08:00 horas, das 08:00 às 16:00 horas e das 16:00 às 24:00 horas, integrando cada equipa cerca de 8 a 11 colaboradores por turno. 38. O requerente conhecia os procedimentos de fornecimento de madeiras para transformação de pasta de papel. 39. Cada equipa inclui um supervisor de turno, quatro ou cinco condutores MAET e dois rececionistas. 40. Os rececionistas, apoiados pelos supervisores, procedem à pesagem (inicial e da tara), verificam a qualidade da matéria-prima e procedem à aplicação de descontos. 41. Os condutores MAET verificam o tipo de produto, retiram amostras de madeira, procedem à medição de densidade em tanque e à descarga das viaturas. 42. A madeira é descarregada em mesas de descarga pela mesma equipa de condutores MAET da preparação de madeiras, processada em linhas de transformação e conduzida por operadores de preparação de madeiras desde a descarga até à trituração. 43. Os trabalhadores estão obrigados a realizar os procedimentos constantes do protocolo junto aos autos de processo disciplinar a fls. 29 a 35 que aqui de dá por reproduzido. 44. Em cada fornecimento, o sistema informático gera, aleatoriamente, o local do veículo onde a pinça da máquina deverá retirar uma amostra de madeira com cerca de 3 toneladas e mergulhada no tanque existente para a medição da densidade. 45. Após a medição de densidade, a viatura deve ser descarregada preferencialmente nas mesas de alimentação das linhas de processamento de madeira que tritura toda a carga recebida. 46. No período noturno a madeira é descarregada para um parque ou depósito de madeira. 47. Já descarregada a viatura do fornecedor volta à báscula, onde realiza nova pesagem do veículo vazio, antes de sair definitivamente das instalações. 48. A decisão de colocação de madeira no chão após a medição da densidade, ou de imediato nas mesas de trituração depende de decisão do Supervisor de equipa; 49. Os operadores de painel, responsáveis pelas linhas de preparação de madeira, monitorizam o processo de trituração através de um posto elevado e de câmaras de vídeo que têm disponíveis, dependendo diretamente do supervisor de serviço. 50. Encontra-se estabelecido que a madeira deverá ser apresentada em cargas de comprimento homogéneo e os toros deverão ter diâmetros compreendidos entre o mínimo de 5 cm e 60 cm (sob casca) nos topos mais delgados e mais grossos respetivamente, não podendo os toros de diâmetro entre os 5 e os 8 cm (sob casca) exceder mais do que 10% do volume total da carga e estar distribuídos de modo não uniforme pela mesma. 51. As carradas deverão ser recusadas quando apresentam uma rolaria de diâmetro inferior a 5 cm sob casca. 52. A madeira com um diâmetro entre os 5 e 8 cm que represente mais de 10% da carga, deve ser desvalorizada até ao máximo de 10% do valor, consoante os troncos finos representem entre 10 a 40% do volume da carga, sendo recusada quando superior, salvo autorização da direção fabril. 53. As rolarias que excedam 60 cm sob casca, salvou autorização prévia, deverá igualmente ser recusada. 54. Na fase de avaliação qualitativa é ainda apreciada se a carga de madeira foi recentemente cortada, não tem vestígios de fuligem ou carvão, fungos, tem os topos e galhos bem aparados, e está cortada em toros razoavelmente direitos. 55. A madeira com casca é sujeita a uma tabela de preços mais baixa devido à economia do processo. 56. O fornecimento de madeira mal descascada ou com vestígios misturados nos toros é desvalorizada, recusada ou paga como rolaria com casca consoante represente 20% ou mais do total da carga. 57. A madeira com casca é canalizada para duas linhas de descasque e trituração, sendo a madeira sem casca canalizada para uma linha que dá acesso direto à trituração. 58. A indicação de que se trata de madeira seca/verde é confirmada na medição de densidade, que fornecer a diferença real entre o volume/peso. 59. Não deverá ser aceite qualquer tipo de material que seja considerado, para efeitos de produção de pasta de papel, como resíduos, tais como galhos, ou folhagem devendo o fornecimento ser recusado quando representem mais de 30% da carga. 60. Os trabalhadores deverão anotar ou registar na zona de receção, as características da madeira para se proceder a aplicação do devido desconto. 61. O rececionista deve recusar o fornecimento que não cumpra com os requisitos definidos, podendo o fornecedor, caso não concorde, solicitar que a avaliação seja realizada pelo Chefe de equipa; 62. Em data não concretamente apurada, mas anterior a de 01/08/2018, com periodicidade diária e até 23/06/2020 diversos fornecedores de madeira do Grupo Navigator e vários colaboradores com funções na receção e pesagem, no controlo e medição das cargas recebidas e os Supervisores de turno, entregaram, receberam e aceitaram cargas de madeira que de acordo com as regras e procedimentos supra referidos deveriam ter sido recusadas, mediante contrapartidas pecuniárias entregues pelos fornecedores e aceites pelos colaboradores. 63. As contrapartidas monetárias eram entregues diretamente pelos fornecedores aos Supervisores de turno ou aos condutores MAET que se encontravam de serviço no local de medição de densidades. 64. A madeira irregular, designadamente queimada ou de espécies florestais não aceites, assim recebida não era depositada em parque sendo imediato canalizada para a trituração, de forma a não ser possível determinar a boa ou má qualidade da madeira. 65. Mediante uma alteração intencional dos diversos mecanismos de medição que têm ao seu dispor, os colaboradores modificavam os valores sobre os quais incidiam os montantes pecuniários a pagar pela requerida aos fornecedores, levando ao pagamento de quantias superiores aos que deveriam ser liquidados se as medições fossem corretamente realizadas, resultando num prejuízo entre €200/€300 por cada carga entregue. 66. Os colaboradores recebiam espécies diversas do eucalipto, como a Acácia e o Choupo, mediante o pagamento do valor correspondente àquele. 67. Não sendo detetada uma irregularidade relacionada com a madeira, a requerida pode ter que rejeitar a pasta contaminada que não consiga introduzir no processo de produção de papel. 68. Quanto menor for a densidade medida, maior será o volume calculado da carga e, consequentemente, o valor pago ao fornecedor. 69. Apresentando o Choupo e a Acácia menor densidade, o seu peso por volume é sempre menor do que o peso por volume do eucalipto, levando a requerida a pagar mais volume por cada fornecimento. 70. A entrega de madeiras com menor percentagem de fibras de celulose, como a acácia e o choupo, em quantidades significativas implica uma menor produção de pasta. 71. Em violação das regras estabelecidas pela requerida os condutores MAET depositavam no tanque de medição da densidade detritos que, reduzindo o volume do tanque, geravam densidades menores das que tinha a madeira medida. 72. O preço final da madeira a pagar pela requerida aos fornecedores é calculado com base no volume da carga, cujo valor resulta da divisão do peso pela densidade da amostra medida. 73. Quando menor é a densidade, maior é o volume da carga. 74. Os condutores MAET e os rececionistas, designadamente, o requerente, permitiram a entrada de madeira que não correspondia às características exigidas pelos procedimentos internos da requerida, sem desconto ou mediante a aplicação de desconto simbólico, a troco de uma quantia monetária. 75. Os Supervisores de turno recebiam uma quantia monetária para permitir que o processo de receção de madeira não aceite pela requerida se desenvolvesse. 76. Os colaboradores do Parque de Madeiras, incluindo o requerente, pelo menos entre 01/08/2018 e 23/06/2020, em diversas ocasiões violaram os procedimentos internos em vigor na requerida, obtendo vantagem económica que repartiram entre si. 77. Estando a laborar no turno 2, cerca das 23:28 horas do dia 15/07/2019, o requerente após ter procedido às medições de densidade nos termos anteriormente descritos, retirou a sua parte da compensação monetária, entregou a restante quantia ao supervisor de equipa, (…). 78. Estando a laborar no turno 3, cerca das 06:28 horas do dia 17/07/2019, o requerente após ter procedido às medições de densidade nos termos anteriormente descritos, retirou a sua parte da compensação monetária, entregou a restante quantia ao supervisor de equipa, (…) 79. Estando a laborar no turno 7, cerca das 06:47 horas do dia 18/07/2019, o requerente após ter procedido às medições de densidade nos termos anteriormente descritos, retirou a sua parte da compensação monetária, entregou a restante quantia ao supervisor de equipa, (…). 80. O Requerente, agindo de comum acordo e em comunhão de esforços, com os colegas do Parque de Madeiras, entre os quais (…), de modo organizado e reiterado, com a intenção conseguida de obter vantagem económica prestada pelos fornecedores, em desrespeito pelas normas internas, causaram à entidade requerida um prejuízo que estimado em cerca de 4 milhões de euros por ano 81. Na nota de culpa datada de 31/07/2020 foram imputados ao requerente os seguintes factos: “(…) Em data não concretamente apurada, mas certamente antes de 1 de janeiro de 2017, com periodicidade diária e até à presente data, alguns fornecedores de madeira da NVG, juntamente com os colaboradores com funções na receção e pesagem, nomeadamente, (…) e (…), os trabalhadores com funções de controlo e medição das cargas recebidas (particularmente, os trabalhadores, (…), A…, (…), (…), (…), (…), (…), (…), (…)) e os supervisores de turno ((…), (…), o aqui Requerente, (…) e (…)), formularam e concretizaram, entre si, o propósito de possibilitar e aceitar o recebimento de cargas de madeira que, em condições normais, seriam recusadas (de acordo com as regras e procedimentos da Navigator), a troco de contrapartidas pecuniárias solicitadas e entregues pelos fornecedores acima identificados. (…) Portanto, os trabalhadores da NVG, acima referidos, nomeadamente o Trabalhador Arguido, possibilitaram o registo de entrada de madeira que não corresponde às características exigidas pelos procedimentos internos do Grupo NVG, sem qualquer desconto ou dando apenas um desconto simbólico, a troco de uma retribuição monetária. Na operação de medida da densidade, estes operadores conseguiram também falsear a operação, mediante a respetiva retribuição monetária, de modo a que fosse registada uma densidade diferente (mais baixa) do que a densidade real da carga, beneficiando o fornecedor (uma vez que o volume é obtido como resultado da divisão do peso pela densidade, o que significa que, quanto menor a densidade, maior será o resultado). Uma vez que toda esta operação é supervisionada por um Supervisor de Turno, também este recebeu a sua retribuição monetária para permitir que o processo se desenvolva normalmente. Posteriormente, todos estes trabalhadores (incluindo o Trabalhador Arguido) violaram os procedimentos internos em vigor na Navigator e, de forma ilícita, repartiram o dinheiro dessas vantagens económicas como sucedeu nos seguintes dias: No dia 15 de julho de 2019, no turno 2, pelas 23h28, o Trabalhador Arguido, enquanto Operador MAET ao serviço da NVG, procedeu às medições de densidade nos termos anteriormente descritos e após ter retirado a sua parte da compensação monetária, entregou a restante quantia ao Supervisor de equipa, (…). No dia 17 de julho de 2019, no turno 3, pelas 06h28, o Trabalhador Arguido adotou a mesma atuação e após ter procedido às medições de densidade nos termos anteriormente descritos, de forma ilícita, repartiu a respetiva compensação monetária, com Supervisor de equipa, (…). No dia 18 de julho de 2019, no turno 3, pelas 06h47, o Trabalhador Arguido estava ao serviço enquanto Operador MAET e procedeu às medições de densidade, pelo que, após ter retirado a sua parte da compensação monetária, entregou a restante quantia ao Supervisor de equipa, (…). Os trabalhadores da NVG (no qual se inclui o Trabalhador Arguido) agiram de comum acordo e em comunhão de esforços, de modo organizado e reiterado, com a intenção conseguida de obter vantagem económica prestada pelos fornecedores acima referidos, tendo para tanto desrespeitado o contrato de trabalho que celebraram com a NAV e as normas internas vigentes, causando significativos prejuízos à entidade empregadora. Os fornecedores atuaram com o propósito conseguido de fazer com que os trabalhadores da NVG não cumprissem as funções para que foram contratados pela NVG, a troco de recompensa patrimonial, conseguindo vantagens económicas de forma desleal para a NVG. Os trabalhadores da NVG (nomeadamente, o Trabalhador Arguido) e os fornecedores acima referidos, através da sua atuação organizada e reiterada, deliberadamente provocaram elevado prejuízo económico na atividade da NVG, que se estima em cerca de 4 milhões de euros por ano e, consequentemente, impactando o funcionamento do mercado regional, não permitindo que fornecedores idóneos e com mérito escoem a sua matéria-prima para as instalações da NVG sitas em Setúbal. Atendendo ao sobredito (…), o Trabalhador Arguido está indiciado da prática de crimes de corrupção passiva no sector privado, previsto e punido pelo artigo 8º, n.º 1 e 2 da Lei n.º 20/2008, de 21 de abril. (…)” 82. Por despacho do JIC de 19 de janeiro de 2021 foi declarada a extinção, pelo decurso do prazo máximo legalmente estabelecido, das medidas de coação aplicadas aos arguidos do processo crime n.º 3250/18.0T9STB, exceto os TIR aplicados, que se mantém em vigor. - E considerou que não se provaram os seguintes factos:i. Até 05/11/2020 o requerente desconhecia a existência do procedimento disciplinar. ii. O requerente não rececionou na sua caixa de correio a nota de culpa. iii. Não foi dada a possibilidade ao requerente de consultar o processo disciplinar. iv. Em 16/12/2020 a requerida não comunicou ao requerente o direito de consultar o processo disciplinar, onde o mesmo se encontrava para o poder consultar. * IV. Impugnação da decisão sobre a matéria de factoO recorrente impugna a decisão proferida sobre a matéria de facto, relativamente aos pontos 12, 62 e 77 a 81 dos factos provados e pontos i, ii, iii e iv dos factos não provados. Mais alega que existe uma manifesta contradição entre a factualidade constante dos pontos 12 e 19, julgados provados. Tendo sido observado o ónus de impugnação previsto no artigo 640.º do Código de Processo Civil, subsidiariamente aplicável ao processo laboral, nada obsta ao conhecimento da impugnação. Principiemos por apreciar a alegada contradição factual. Refere o recorrente: «É manifesta a contradição entre a matéria considerada provada pelo Tribunal a quo, designadamente entre os factos considerados provados nos artigos 12.º e 19.º, uma vez que no artigo 12.º o Tribunal a quo admite que a missiva alusiva à comunicação da nota de culpa foi entregue no domicílio do Recorrente em 3 de agosto de 2020, enquanto que no art.º 19.º admitiu e deu como provado que o Recorrente declarou que nunca notificado da nota de culpa em 05-11-2021. O que só demonstra a leviandade com que o Tribunal a quo apreciou esta matéria e, por conseguinte, jamais se pode considerar como provado o facto constante no artigo 12.º dos factos provados.» É o seguinte o teor dos dois pontos factuais em questão: 12. A missiva foi enviada para o domicílio do requerente, sito na Rua (…) Gonçalves Zarco, n.º 3, 1.º A, em Setúbal por correio registado em 31/07/2020, onde foi entregue a 03/08/2020. 19. No âmbito da audiência de julgamento marcada para 05/11/2020, o requerente declarou que nunca foi notificado da nota de culpa que a requerida juntou à sua oposição. Ora, salvaguardado o devido respeito, que é muito, não vislumbramos qualquer oposição entre a factualidade inserta nos referidos pontos. A situação descrita no ponto 12 diz respeito ao sucedido com a missiva remetida para o domicilio do recorrente. A 1.ª instância considerou que tal missiva foi remetida em 31/07//2020, por correio registado, e foi entregue no dia 03/08/2020, na morada descrita. Situação absolutamente diferente, é a que consta no ponto 19, que se reporta à declaração proferida, pelo recorrente, na audiência de julgamento realizada no dia 05/11/2020. Estão em causa factos diversos, que não se excluem ou contradizem, pelo que improcede a alegada contradição factual. Analisemos, agora, a impugnação da decisão que julgou provada a factualidade inserta no ponto 12. No essencial, refere o recorrente que o tribunal a quo não poderia dar esta matéria de facto como provada, porque a mesma está em contradição com o declarado pelo recorrente na audiência de julgamento, ocorrida em 05/11/2020. Mais acrescenta que o tribunal a quo errou ao considerar que o ónus de alegação e prova dos factos que permitiriam concluir de forma diferente do decidido, competia ao recorrente, ao invés de entender que o ónus da prova da comunicação da nota de culpa recaía sobre a recorrida (empregador). Ora, no que concerne às declarações prestadas pelo recorrente, esta Secção Social tem considerado que as declarações prestadas por uma das partes interessadas no processo, devem ser analisadas com especial rigor e exigência, embora nada impeça que sejam consideradas para provar factos que lhe são favoráveis, quando corroboradas por qualquer outro elemento de prova, isento e credível[3]. Todavia, o recorrente não invocou quaisquer outros meios probatórios que corroborem o declarado na referida audiência de julgamento. Destarte, as aludidas declarações, sem mais, não constituem suporte probatório suficiente para alterar a decisão proferida quanto à materialidade constante do ponto 12 e, por oposição, julgar como provados os factos descritos nas alíneas i e ii dos factos não provados. Quanto à questão do ónus da prova, é certo que compete à empregadora o ónus de alegar e provar que efetuou a comunicação da nota de culpa ao trabalhador contra quem foi instaurado o procedimento disciplinar, como facto impeditivo da eficácia da alegada caducidade do procedimento disciplinar[4]. Contudo, no caso que se aprecia, a recorrida logrou fazer essa prova. Extrai-se da documentação relativa à troca de informação entre a recorrida e os CTT que a missiva enviada em 31/07/2020, por correio registado, foi depositada no recetáculo postal domiciliário na morada a que se destinava (Rua (…)) no dia 03/08/2020. Escreveu a 1.ª instância, na fundamentação da sua decisão: «As medidas de contenção da COVID-19 alteraram os termos habituais da prestação dos serviços de correio. Com efeito, desde março de 2020 que passou a incumbir ao distribuidor dos CTT a certificação da entrega do correio registado, mesmo quando acompanhado de AR, desde que aquele obtenha de quem se encontre na morada a identificação verbal e o número do cartão de cidadão, ou de qualquer documento idóneo. No entanto, o correio registado, com ou sem AR, só é depositado nas caixas de correio, quando alguém no destino se identifica, ainda que verbalmente, ao distribuidor que, além de fazer menção no AR ao regime excecional, regista a entrega no sistema Track&Trace dos CTT usando designações (entre outras que temos visto nas citações em processos judiciais) como “CV19”, “CONTINGÊNCIA”, “RPD”, “Recetáculo Postal”, ou “Depositado no RPD - COVID-19” e, por vezes, com o nome da pessoa que recebeu, indicação que coincide com a que consta do site dos CTT. Sendo do nosso conhecimento, fruto da titularidade dos demais processos, que este procedimento dos CTT, tendo sido adotado em relação a todos colegas do requerente que foram detidos no dia 23/06/2020, se revelou eficaz, a mera alegação, sem mais, de que não recebeu a carta, cuja entrega na morada do destinatário está certificada como “CONTINGÊNCIA” no site dos CTT, é insuficiente para abalar a nossa convicção de que o requerente recebeu a nota de culpa. Tanto mais, quando, contrariamente ao afirmado pelo requerente, a reunião com o Engenheiro (…) no dia 16/12/2020 se destinou a comunicar-lhe, não a nota de culpa, mas a decisão da arguida em mantê-lo suspenso até ao termo do processo disciplinar, na sequência do trânsito em julgado da decisão do procedimento cautelar n.º 4847/20.3T8STB que determinava, além do mais, a requerida a aceitar a efetiva prestação de trabalho do Requerente, nos termos em que era efetuada até 24/06/2020. Cabendo à requerida demonstrar o envio e a entrega da nota de culpa, o Tribunal, na ausência de qualquer elemento de prova em contrário, além da simples negação do requerente, não podia concluir que, neste caso, não foi dado cumprimento pelos CTT aos procedimentos instituídos pela Lei n.º 10/2020, de 18 de abril, em substituição da recolha da assinatura do registo/AR e, consequentemente, pelo menos nesta fase cautelar, tem de concluir que a empregadora demonstrou que foi feita a notificação.» Subscrevemos, sem reservas ou dúvidas, esta fundamentação. Efetivamente, a mera declaração de que não recebeu a nota de culpa em 03/08/2020, proferida por uma das partes interessadas no processo (e que invocou a caducidade do direito de ação disciplinar), é insuficiente para pôr em causa os elementos obtidos através da troca de informação com os CTT, que confirmam o depósito da carta na morada a que se destinava, na aludida data. A decisão do tribunal a quo assenta, pois, na versão dos factos que logrou obter explicação através das provas produzidas. E nada permite duvidar de tais provas. Nesta conformidade, o facto constante do ponto 12 dos factos provados possui suporte probatório que o justifica, pelo que improcede a impugnação nesta parte. O recorrente entende que os pontos 62 e 77 a 81 dos factos provados não deveriam ter sido decididos positivamente. Para tanto, desenvolve longas alegações e conclusões sobre a prova documental extraída do processo de inquérito n.º 3250/18.0T9STB, junta ao procedimento disciplinar, para concluir que a mesma é nula e que «é indubitável que o Tribunal a quo se precipitou quando considerou provados os factos 62.º e 77.º a 81.º da fundamentação de facto da sentença, o com base na prova indiciária extraída do processo de inquérito n.º 3250/18.0T9STB, e por seu turno, violou grosseiramente as normas ínsitas no art.º 120.º e do art.º 190.º, por inobservância das formalidades legais impostas pelos artigos 167.º, 187.º, 188.º e 189.º, bem como do art.º 125.º, e o n.º 3, do art.º 126.º, todos do CPP, n.º 1, do art.º 25.º, n.º 8, do art.º 32.º, e n.º 1 e n.º 4, do art.º 34.º, todos da CRP, e art.º 20.º e art.º 21.º, ambos do CT.» Todavia, o que se infere da fundamentação da convicção formada pela 1.ª instância é que o tribunal, relativamente aos factos impugnados que agora se analisam, baseou-se em prova documental distinta da que é convocada pelo recorrente. É o seguinte o teor do ponto 81: «Na nota de culpa datada de 31/07/2020 foram imputados ao requerente os seguintes factos» E, de seguida, transcrevem-se os factos imputados. Logo, para prova do ponto 81, o tribunal fundou-se, exclusivamente, no teor da nota de culpa constante do procedimento disciplinar, que não foi impugnada pelo recorrente. No que respeita aos demais pontos impugnados (62, 77 a 80), a 1.ª instância concluiu pela verosimilhança da sua verificação, a partir de prova documental diversa da que foi extraída do inquérito criminal, conjugando-a com prova testemunhal produzida, como se deduz do seguinte segmento da motivação da convicção: «Quanto aos demais factos dados como provados, não só encontram suporte no protocolo junto aos autos de processo disciplinar a fls. 29 a 35, bem como, foram confirmados pelos depoimentos das testemunhas (…) , (…) e (…), Ouvidos à matéria dos autos as testemunhas prestaram os seguintes esclarecimentos: - (…), à data dos factos imputados ao requerente na nota de culpa Diretor da Fábrica de Setúbal da Navigator Company, funções que exerceu neste polo desde Novembro de 2018, além de descrever o processo de receção de madeira e os critérios que deviam ser tidos em conta pelos colaboradores do Parque de Madeiras no que tange ao tipo de madeira, espessura da rolaria e sanidade do produto, explicou de modo pormenorizado como era feito o processo de medição de densidade a que o requerente estava afeto, a influência que esta tinham no apuramento das quantias a pagar pela requerida aos fornecedores, as quebras geradas pela introdução de madeira de outras espécies, queimada, demasiado fina ou de baixa sanidade. Mais esclareceu que, havia discrepâncias entre as quantidades de madeira que eram necessárias à produção de pasta de papel na fábrica de Setúbal e às que eram usadas em Aveiro e na Figueira da Foz, valores que se aproximaram após junho de 2020, e que representando a aquisição de madeira 70% do custo de produção, foi possível estimar o prejuízo que a atuação dos colaboradores tinha na atividade da empresa. Por último esclareceu como os condutores MAET alteravam a densidade real da madeira e como a madeira queimada, de outras espécies e de baixa sanidade era destruída de imediato de modo a não deixarem vestígios. - (…), tendo sido fornecedor da requerida entre 1990 e abril de 2017, tendo colaborado com a PJ nas investigações que deram azo à detenção do requerente, esclareceu que este fazia medições de densidade e que, inicialmente, alterava o valor real encostando as rodas da máquina ao bordo do tanque, tendo mais tarde passado a fazer pressão com a pinça da máquina no fundo do tanque. Mais esclareceu que sendo a densidade menor do que a real, era apurado um valor superior para a carga, que se refletia na quantia paga pela requerida. Por último acrescentou que entregava €50 ao condutor MAET e €20 ao chefe de equipa, confirmando que em diversas ocasiões entregou aquela quantia ao requerente, simulando um aperto de mão. - (…), trabalhador da requerida entre 1996 e o final 2020, tendo chegada o acordo com a requerida após a mesma ter suspendido o pagamento das retribuições na sequência da sua detenção no âmbito do Inquérito n.º 3250/18.0T9STB, revelando vergonha pelos factos que assume ter praticado e por ter sido detido pela PJ na presença da filha, depondo de forma isenta e credível confirmou que entravam no Parque madeiras desconformes (queimada, fina, sem ser eucalipto), com a conivência do rececionista e do supervisor de equipa, sendo a densidade real alterada pelos condutores MAET. Inicialmente, encostavam as rodas da máquina ao tanque; tendo a requerida colocado umas barras em volta do tanque passaram a fazer pressão com a pinça da máquina no fundo do tanque; e, quando a requerida colocou uma rede dentre do tanque com um sinal sonoro, passaram a colocar detritos (toros de madeira) dentro do tanque, encostadas às paredes. Mais, esclareceu que este processo era feito em todos os turnos, sendo no da tarde que entrava a madeira desconforme de modo a ser destroçada durante a noite. Por cada carga o fornecedor entregava ao condutor MAET €40/€50 que eram repartidos no final do turno entre todos os MAET (os Supervisores recebiam à parte), podendo fazer entre 40/50 carros no turno da tarde. Por último confirmou que recebeu da testemunha (…) e que o requerente também recebia porque chegou a fazer antecipação/prolongamento na equipa deste e o esquema estava instalado.» Ora, no que respeita à prova testemunhal considerada pelo tribunal a quo, ainda que o recorrente tenha afirmado, genericamente, que a prova testemunhal não corroborou a factualidade impugnada, a sua declaração é o mesmo que dizer nada para efeitos de impugnação da decisão sobre a matéria de facto[5]. Destarte, não tendo a 1.ª instância formado a sua convicção a partir dos documentos extraídos do inquérito criminal, improcede a impugnação deduzida, na parte agora analisada. Relativamente aos factos julgados não provados nas alíneas iii e iv, o recorrente não convoca qualquer prova para considerar a factualidade dos mesmos contantes como provada, sendo certo que as declarações por si prestadas são manifestamente insuficientes para constituir consistente suporte probatório para o efeito, como já foi anteriormente apreciado. Por último, resta referir que o recorrente não extrai qualquer conclusão útil, para efeitos de impugnação da decisão da matéria de facto, da argumentação relativa às assinaturas apostas nos despachos de abertura do procedimento disciplinar e na decisão de despedimento, pelo que a aludida argumentação mostra-se irrelevante e, por isso, não será considerada. Concluindo, julga-se totalmente improcedente a impugnação da decisão sobre a matéria de facto. * V. Caducidade do procedimento disciplinarO recorrente não se conforma com a decisão da 1.ª instância na parte que julgou improcedente a invocada exceção da caducidade do procedimento disciplinar. Analisemos a questão. De harmonia com o prescrito no n.º 2 do artigo 329.º do Código do Trabalho, o procedimento disciplinar deve iniciar-se nos 60 dias subsequentes àquele em que o empregador, ou o superior hierárquico com competência disciplinar, teve conhecimento da infração. Tal prazo poderá ser interrompido, caso se verifique a necessidade de instauração de procedimento prévio de inquérito para fundamentar a nota de culpa, nos termos previstos pelo artigo 352.º do referido compêndio legal. Por seu turno, prescreve o n.º 3 do artigo 353.º do aludido código que a notificação da nota de culpa ao trabalhador interrompe, também, a contagem do prazo estabelecido no n.º 2 do artigo 329.º. Quanto aos ónus probatórios, compete ao trabalhador que invoca a caducidade do procedimento disciplinar demonstrar o decurso do prazo de caducidade e ao empregador compete demonstrar o facto impeditivo da verificação da caducidade[6]. No sumário do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23/05/2018[7], escreveu-se: «I. Perante o conhecimento da prática por um trabalhador de factos suscetíveis de integrarem infrações disciplinares o empregador, se o pretender sancionar, terá que iniciar o procedimento disciplinar com a notificação da nota de culpa nos sessenta dias posteriores àquele conhecimento, sob pena de caducidade do respetivo direito. II. Se os factos conhecidos e as circunstâncias em que foram praticados, não estiverem suficientemente esclarecidos, de forma a fundamentar a nota de culpa, poderá o empregador proceder a um inquérito prévio a iniciar nos trinta dias subsequentes àquele conhecimento, para proceder ao apuramento dos factos e à recolha das respetivas provas, interrompendo-se assim o prazo de caducidade de sessenta dias a que alude o art.º 329.º, n.º 2 do Código do Trabalho. III. Após a conclusão do inquérito prévio, o trabalhador deve ser notificado da nota de culpa nos trinta dias posteriores, sob pena de caducidade do direito de exercer o procedimento disciplinar, atento o disposto no art.º 352.º do Código do Trabalho.» Tendo em consideração o exposto, vejamos o que de relevante resulta da matéria de facto assente. Com arrimo nos factos assentes apurou-se o seguinte: - Em 24/06/2020, a recorrida teve conhecimento dos factos imputados ao recorrente. - Em 30/06/2020, a Administração da recorrida determinou a instauração do procedimento disciplinar - Em 20/07/2020, a Instrutora nomeada procedeu à abertura do processo para averiguação e sancionamento disciplinar do recorrente. - Em 27/07/2020, foi elaborada uma missiva, subscrita pela Instrutora, a comunicar ao recorrente a instauração do processo disciplinar com vista ao seu despedimento, pelas infrações constantes da nota de culpa, datada de 31/07/2020. - No final da nota de culpa o trabalhador era informado de que tinha o prazo de 10 dias para, querendo, deduzir, por escrito, a sua defesa, bem como requerer diligências probatórias e de que poderia consultar o processo disciplinar nas instalações da The Navigator Company, S.A., em Setúbal, mediante prévio contacto com a Direção de Recursos Humanos. - Em 31/07/2020, tal missiva foi remetida por correio registado para o domicilio do recorrente, onde foi entregue em 03/08/2020. - Em 20/08/2020, a Instrutora exarou despacho com o seguinte teor: «Aos 20 dias do mês de agosto de 2020, apurou-se que o trabalhador Arguido rececionou a respetiva Nota de Culpa, no passado dia 3 de agosto de 2020, conforme informação disponibilizada no site dos Correios de Portugal (www.ctt.pt) (…)» - Em sede de oposição ao procedimento cautelar n.º 4847/20.3T8STB a requerida juntou cópia da nota de culpa proferida no processo disciplinar, da missiva datada de 27/07/2020 e do comprovativo do registo. - Em 05/11/2020, no âmbito da audiência de julgamento, o requerente declarou que nunca foi notificado da nota de culpa que a requerida juntou à sua oposição. - Em 16/12/2020 a recorrida convocou o requerente para uma reunião com o Engenheiro (…), no decurso da qual lhe entregou carta com a mesma data com o seguinte teor: “Na sequencia do processo disciplinar instaurado contra V. Exa. vimos por este meio esclarecer o seguinte: Conforme anteriormente referido, está em curso um processo disciplinar contra V. Exa., o qual é tendente ao seu despedimento com justa causa. Para tanto, foi emitida a respetiva Nota de Culpa, conforme decorre de Nota de Culpa que ora se junta. Mais se informa que, de acordo com a informação disponibilizada pelos CTT, a referida Nota de Culpa foi entregue na sua residência, no passado dia 3 de agosto de 2020, pelo que, para todos os efeitos, V. Exa. foi notificado em tal data. Não obstante ter sido regularmente notificado na data supra mencionada, V. Exa. poderá exercer o seu direito de resposta, querendo no prazo de 10 (dez) dias úteis a contar da receção da presente carta. Para além disso, cumpre informar V. Exa. que foi decidido proceder à sua suspensão preventiva, nos termos do artigo 354º do Código do Trabalho. Na verdade, os factos que são imputados a V. Exa. tornam a sua presença na empresa inconveniente, atendendo a que tal implicaria uma manifesta perturbação e teria consequências negativas para o normal e regular funcionamento da empresa. Sem outro assunto de momento, com os melhores cumprimentos. A INSTRUTORA EM ANEXO: Cópia da nota de culpa e respetivo documento comprovativo de envio.” Ora, infere-se da descrita factualidade que não foi instaurado inquérito prévio, pelo que não se aplica, ao caso concreto, o preceituado no artigo 352.º do Código do Trabalho. Da factualidade salientada resulta, porém, que a recorrida tomou conhecimento dos comportamentos infratores imputados ao recorrente em 24/06/2020, e entre esta data e a data da comunicação da intenção de despedimento e da nota de culpa (03/08/2020), não decorreu o prazo de caducidade do procedimento disciplinar (60 dias). O Código do Trabalho não tipifica o meio escolhido para efetuar a notificação da comunicação da intenção de despedimento e da nota de culpa, pelo que se poderá considerar como válida qualquer forma de comunicação (pessoal, postal, correio eletrónico, fax, etc)[8]. No vertente caso, a recorrida optou pela comunicação por correio registado, remetida para a residência do recorrente e a missiva foi entregue. Por outras palavras, a recorrida cumpriu o ónus de fazer chegar ao poder ou ao conhecimento do recorrente (trabalhador) a comunicação da intenção de despedimento e da nota de culpa. Destarte, o conhecimento da missiva deverá presumir-se[9], e não tendo o recorrente ilidido tal presunção, considera-se eficaz a declaração negocial recepticia em causa, nos termos previstos pelo artigo 224.º do Código Civil. O recorrente desenvolve toda uma argumentação em torno da Lei n.º 10/2020, de 18 de abril[10], para tentar pôr em causa a eficácia do depósito da carta na sua caixa de correio. A aludida Lei consagra um regime excecional e temporário aplicável às formalidades da citação e da notificação postal previstas nas leis processuais e procedimentais e quanto aos serviços de encomendas postais, atendendo à situação epidemiológica provocada pelo coronavírus SARS-CoV-2 e à doença COVID-19. Ora, a carta remetida pela recorrida não constitui uma citação ou notificação por via postal. Acedendo à página Web dos CTT, que é pública, pode ler-se, com interesse: «Os CTT estão atentos ao surto de Covid-19 e, num esforço conjunto com toda a sociedade, tomaram medidas de contenção que afetam a habitual prestação dos serviços de correio. Com vista a proteger os seus colaboradores e clientes, os CTT alteraram alguns procedimentos e implementaram as seguintes medidas: . O Correio Registado passa a ser depositado nas caixas de correio quando o destinatário está ausente do domicílio. A única exceção é o Correio Registado com serviços adicionais associados e as Citações e Notificações Por Via Postal. . Correio Registado com Aviso de Receção continua a ser entregue em mão, mas o respetivo Aviso de Receção vai conter a indicação de nome, apelido e número de identificação oficial da pessoa que recebe a correspondência, assim como a indicação “Contingência”, colocada pelo carteiro, em substituição da recolha da assinatura no local. Este procedimento de exceção abrange Citações e Notificações Por Via Postal após publicação da lei n.º 10/2020, de 18 de abril. (…)» Enfim, tendo o correio registado enviado sido entregue de acordo com as medidas de contenção implementadas em resposta à Pandemia Covid 19, como resulta da troca de informação entre os CTT e a recorrida, o mesmo considera-se eficazmente entregue. Nesta conformidade e face a todo o exposto, entendemos que a decisão da 1.ª instância que julgou improcedente a exceção da caducidade do procedimento disciplinar não merece censura, pelo que sufragamos a mesma. * VI. Invalidade do procedimento disciplinarO recorrente invoca a invalidade do procedimento disciplinar, visando a declaração da ilicitude do seu despedimento. Apreciemos, seguidamente, as duas situações que o recorrente refere para fundamentar a alegada invalidade do procedimento disciplinar. Da falta de descrição circunstanciada dos factos imputados ao recorrente De acordo com o recorrente, os factos ínsitos nos pontos 62, 76, 80 e 81 dos factos provados (que correspondem aos artigos 34.º, 35.º e 36.º da nota de culpa e 36.º, 37.º e 38.º do relatório final e conclusões da decisão disciplinar) não se encontram circunstanciados. Tal situação, no seu entender, conduz à ilicitude do despedimento, ao abrigo do prescrito no artigo 382.º, n.º 2, alínea a) do Código do Trabalho. Analisemos. É consabido que o poder disciplinar, para ser exercido, requer um determinado procedimento, ou seja, a lei obriga à garantia de um certo formalismo processual que vise a investigação, o exercício do direito ao contraditório, a recolha de meios de prova e a prolação de uma decisão, factual e juridicamente, fundamentada. Tal procedimento é de tal forma relevante que, no caso de despedimento, o procedimento disciplinar é um requisito essencial da licitude e da validade do ato extintivo, pois, se faltar o competente procedimento ou em caso de invalidade do mesmo, o despedimento é ilícito e pode ser anulado - artigos 381.º, alínea c) e 382.º, n.ºs. 1 e 2 do Código do Trabalho. No vertente caso, foi instaurado procedimento disciplinar e foi elaborada e comunicada a nota de culpa. Decorre da alínea c) do n.º 2 do referido artigo 382.º que a nota de culpa que não contiver a descrição circunstanciada dos factos imputados ao trabalhador, invalida o procedimento disciplinar. Escreveu-se no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19/12/2007[11]: «I - A nota de culpa desempenha a função própria da acusação em processo-crime: por isso, nela deve constar a descrição circunstanciada, em termos de modo, tempo e lugar, dos factos de onde se extraia a imputação de uma infração ao trabalhador.» Foquemo-nos, então, no caso concreto. Decorre dos pontos factuais invocados pelo recorrente, que os comportamentos imputados nos mesmos ocorreram: - Em data não concretamente apurada, mas anterior a de 01/08/2018, com periodicidade diária e até 23/06/2020 (ponto 62); - Pelo menos, entre 01/08/2018 e 23/06/2020, em diversas ocasiões (ponto 76). Por conseguinte, as circunstâncias temporais dos factos, e a sua regularidade ou frequência, estão devidamente delimitadas. Os aludidos pontos conjugam-se com outros pontos factuais, que os contextualizam, percebendo-se que os comportamentos imputados ocorreram no Parque de Madeiras do Complexo Industrial de Setúbal, onde o requerente trabalhava, mais precisamente na zona de receção e descarga de mercadoria, pelo que o lugar onde os factos ocorreram mostra-se devidamente fundamentado, garantindo o cabal direito de defesa do trabalhador. Quanto ao modo como os factos ocorreram, resulta claro que o recorrente, agindo de comum acordo e em comunhão de esforços com os colegas do Parque de Madeiras, de modo organizado, recebiam e aceitavam cargas de madeira que deveriam ter sido recusadas de acordo com as regras e procedimentos da empresa, para poderem receber dinheiro que os fornecedores lhes pagavam para o efeito. Os pontos factuais em questão conjugam-se com a restante factualidade, que pormenoriza concretas operações efetuadas. Deste modo, acompanhando a decisão recorrida, julgamos, também, que a nota de culpa (que deve ser globalmente apreciada) contém a descrição circunstanciada, em termos de modo, tempo e lugar, dos factos de onde se extrai a imputação do comportamento infrator ao trabalhador. Face ao exposto, improcede o recurso, quanto à questão analisada. Da violação do disposto no n.º 4 do artigo 357.º do Código do Trabalho Alega o recorrente que a recorrida invocou factos na decisão disciplinar que não foram invocados na nota de culpa, designadamente os factos ínsitos nos pontos 33.º e 35.º da decisão disciplinar, o que faz com que tenha sido violado o direito de defesa consagrado no artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa. Em consequência, conclui pela ilicitude do despedimento, ao abrigo da alínea d) do n.º 2 do artigo 382.º do Código do Trabalho. Cumpre apreciar. E a leitura da nota de culpa leva-nos a concluir, tal como concluiu a 1.ª instância, que na decisão disciplinar não foram invocados quaisquer outros factos que não tenham sido invocados na nota de culpa. Relativamente ao conluio e colaboração dos Supervisores na atuação infratora imputada, a mesma resulta dos artigos 13.º, 14.º, 32.º, 34.º a 37.º, 39.º e 41.º da nota de culpa. Quanto à violação do Código de Ética da NVG, ao longo da nota de culpa, por diversas vezes é referido que o recorrente violou procedimentos, normas e instruções internas vigentes na empresa. Pelo que a menção da violação do Código de Ética feita na conclusão 35.º do relatório da decisão disciplinar, pode considerar-se uma concretização/precisão dos atos resultantes do poder regulamentar da empresa que se consideraram violados. Assim, não constitui qualquer acusação que não constasse já da nota de culpa, relativamente à qual o recorrente teve oportunidade de exercer o seu direito de defesa. Ademais, qualquer desconformidade factual entre a nota de culpa e a decisão disciplinar, não conduz, necessariamente, à invalidade de todo o procedimento disciplinar. A consequência a retirar é a da impossibilidade dos factos não constantes da nota de culpa serem considerados na formulação do juízo acerca da justa causa de despedimento[12]. Ora, esta consequência foi devidamente apreciada na sentença recorrida, como resulta do seguinte excerto que se transcreve: «Diga-se, ainda, que a introdução do ponto 33 e a expressão “(e o respetivo Código de Ética) do ponto 35, além de inócua, não levava ao efeito pretendido pelo requerente, pois o facto de não constarem da nota de culpa não invalida o processo disciplinar no seu todo, antes impõe que o Tribunal os desconsidere aquando da apreciação da existência de justa causa.» Consequentemente, improcede a questão suscitada no recurso, agora analisada. Concluindo, o recurso de apelação improcede na totalidade. * VII. DecisãoNestes termos, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em julgar o recurso de apelação totalmente improcedente, e, em consequência, confirmam a decisão recorrida. Custas pelo recorrente, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia. Notifique. ------------------------------------------------------------------------------- Évora, 16 de dezembro de 2021 Paula do Paço (Relatora) Emília Ramos Costa (1.ª Adjunta) Moisés Silva (2.º Adjunto) __________________________________________________ [1] Relatora: Paula do Paço; 1.º Adjunto: Emília Ramos Costa; 2.ª Adjunto: Moisés Silva [2] Os elementos dos autos levam-nos a concluir que o processo se iniciou com este número, daí se compreendendo a referência efetuada. [3] Neste Sentido, o Acórdão desta Secção Social de 27/05/2021, proferido no Proc. 3951/18.2T8FAR.E1, consultável em www.dgsi.pt. [4] Vide Acórdão desta Secção Social de 26/06/2007, proferido no Proc. 605/07-2, acessível no link indicado supra. [5] Neste sentido, v.g. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 27/08/2018, Proc. 2611/12.2TBSTS.L1.S1 e de 29/06/2027, Proc.934/09.7TBVRL.G2.S1, publicados em www.dgsi.pt. [6] Cfr. Acórdão da Relação de Évora de 26/06/2007, Proc. 605/07-2, publicado em www.dgsi.pt. [7] Processo n.º 7489/15.1T8LSB.L1.S1, acessível em www.dgsi.pt. [8] Cfr. Pedro Ferreira de Sousa, “O procedimento disciplinar laboral”, 2.ª edição, Almedina, pág. 71. [9] Obra citada, pág. 72. [10] Esta Lei foi objeto de retificação através da Declaração de Retificação n.º 17/2020, de 23/04/2020. [11] Processo n.º 07S3422, acessível em https://jurisprudencia.csm.org.pt/ecli/ECLI:PT:STJ:2007:07S3422.2F [12] Neste sentido, v.g., Acórdãos do Supremo tribunal de Justiça de 17/12/2014, Proc. 1552/07.0TTLSB.L1.S1 e de 09/10/2019, Proc. 2123/17.8T8LRA.C1.S1, acessíveis em www.dgsi.pt. |