Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
532/09.5TTPTM-D.E1
Relator: PAULA DO PAÇO
Descritores: OMISSÃO DE PRONÚNCIA
NULIDADE
EMBARGOS DE EXECUTADO
PENHORA DE CRÉDITOS
PRESUNÇÃO
Data do Acordão: 03/19/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário:
I- Sendo a sentença nula por omissão de pronúncia, aplica-se a regra da substituição ao tribunal recorrido – artigo 665.º do CPC - sempre que o processo contenha os elementos necessários para o efeito.
II- A penhora de crédito salarial consiste na notificação ao devedor (entidade empregadora responsável pelo pagamento do salário), feita com as formalidades da citação pessoal e sujeita ao regime desta, de que o crédito fica à ordem do agente de execução.
III- A arguição da nulidade da notificação da penhora do crédito, por falta de envio, pela secretaria do tribunal, da carta referida no n.º 5 do artigo 231.º do CPC, não sendo suscetível de prejudicar a resposta/defesa da entidade empregadora notificada pelo agente de execução, não pode ser atendida, nos termos previstos pelo artigo 191.º, n.º 4 do CPC.
IV- Não tendo a entidade empregadora, em sede de embargos de executado, logrado elidir a presunção “iuris tantum” prevista no n.º 4 do artigo 773.º do CPC, há que considerar que o silêncio da entidade empregadora perante a notificação da penhora do crédito salarial corresponde ao reconhecimento desse crédito.
(Sumário elaborado pela relatora)
Decisão Texto Integral:
P.532/09.5TTPTM-D.E1

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora

I. Relatório
Nos presentes embargos de executado que Cortichique – Exploração e Comércio de Madeira, Lda. (embargante) veio deduzir contra o Fundo de Acidentes de Trabalho (embargado), foi proferida sentença contendo o seguinte dispositivo:
«Pelo exposto:
a) Julgam-se totalmente improcedentes os «embargos de executado» instaurados por “Cortichique – Exploração e Comércio de Madeira, Lda.” contra “Fundo de Acidentes de Trabalho” e, consequentemente, determina-se o prosseguimento da execução a que estes autos se mostram apensos;
b) Condena-se a requerente/executada em custas (artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil);
c) Fixa-se o valor dos embargos de executado em € 30.777,33.
Registe e Notifique.».
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Inconformada, a embargante interpôs recurso desta decisão, rematando as suas alegações com as conclusões que, seguidamente, se transcrevem:
«1º- Vem o presente Recurso interposto da douta Sentença prolatada a 03-11-2023, no âmbito do Proc.º n.º 532/09.5TTPTM-D do Juízo do Trabalho de Portimão – Juiz , que determinou a improcedência dos Embargos deduzidos pela Executada/Embargante ora Recorrente e, em consequência, ordenou o prosseguimento da execução.
2º- Entende a Recorrente, com a devida vénia por douto entendimento, que se verificam, no processo de formação da convicção do Mm. Juiz a quo, para além de erros na aplicação do Direito, mas igualmente erros de Julgamento, incluindo violações de regras e princípios de direito probatório.
3º- Cabendo, por isso, a este Venerando Tribunal da Relação, fazer uma sindicância do apuramento dos factos apurados em 1.ª Instância e da fundamentação feita da decisão por via destes e, fundamentalmente, analisar o processo de formação da convicção do julgador e concluir, como se espera, pela falta de razoabilidade de se ter dado como provado o que se deu por provado, e a final determinar-se a anulação da douta Sentença Recorrida, com a consequentemente procedência dos Embargos.
4º- Entende a Recorrente, e sempre com a devida vénia por entendimento diverso, e salvo e melhor douta opinião, o Tribunal a quo julgou incorretamente como NÃO PROVADO designadamente: “Não se provou que a embargante tivesse remetido ao Senhor solicitador de execução duas comunicações simples, datadas de 07-02-2023 e 06-05-2023, informando que AA não era seu funcionário e que, por tal motivo, não poderia efetuar os descontos do seu salário.”
5º- A Recorrente impugna expressamente a matéria de facto que acima indicada, que deverá ser reapreciada por este Venerando pelo Tribunal da Relação. Entende a Recorrente, que a matéria de facto assim indicada deverá ser modificada, e alterar-se em sentido POSITIVO.
6º- Apresentado pela Recorrente cópia das cartas, remetidas de forma simples, ao AE, estas constituem princípio de prova do envio da comunicação, pelo que não podia o MM. juiz a quo concluir pela não receção de tais cartas (docs. n.ºs 1 e 2 juntos com os Embargos),
7º- Salvo o devido respeito e melhor opinião, o facto do Recorrido não ter alegado a não receção das cartas pelo AE, entendemos que o Tribunal a quo não poderia ter considerado tal facto impugnado controvertido, mas antes assente e consequentemente dado o facto provado.
8º- Da prova documental produzida, só poderia ter ficado dado como provado que as supramencionadas cartas foram efetivamente remetidas pela Recorrente ao AE, que por qualquer razão que é alheia à Recorrente, ou extraviaram-se ou embora tenham chegado ao destino, o AE não terá valorado, sendo certo que o Recorrido não alegou a não receção das cartas pelo AE.
9º- Não pode por isso dizer-se que foi a Recorrente que tornou impossível, ou insuficiente, a prova de tal matéria, quando por outro lado, o Recorrido também nenhuma prova apresentou que demonstrasse a não receção das cartas, diga-se nesta parte nada alegou.
10º- Não há justificação para a inversão do ónus da prova quanto à matéria do quesito ora impugnado, competindo também ao Recorrido, nos termos do disposto no art.º 342.º, n.º 1, do CC a alegação e prova de tal facto ( a não receção das cartas).
11º- Tal quesito, dado erradamente como não provado, consiste numa ilação claramente desprovida de qualquer suporte factual e probatório, consistindo um erro manifesto de apreciação da prova.
12º- Consequentemente, todo o raciocínio dedutivo do ilustre Tribunal a quo, fez necessariamente, abalar a sua convicção para dar como não provado o teor do ponto impugnado, pelo que consequentemente, à luz das regras da experiência consentia tal ponto ser dado como provado.
13º- Alterando-se a matéria de facto, ora impugnada, em sentido positivo, só poderá entender-se que a Recorrente deu integral cumprimento às notificações que lhe foram dirigidas, pelo que não pode entender-se que reconhece a existência da obrigação, devendo a douta Sentença em Recurso ser anulada e substituída por outra que determine procedência dos Embargos, violando deste modo a douta Sentença em Recurso o disposto no artigo 773.º CPC.
14º- No que respeita às notificações do AE datadas de 27/01/2023 e de 28/04/2023, não se mostram asseguradas com as formalidades da citação pessoal, como o impõe o apontado artº 773º, nº 1, do CPC, pelo que o digno AE também não deu cumprimento ao previsto no artº 773º, nº 1, do CPC, o que implica a nulidade das mesmas.
15º- A Recorrente alegou em sede de Embargos a inexistência do crédito, fazendo prova cabal, e por conseguinte ficou demonstrado a inexistência e inexigibilidade de titulo executivo, sucede que o Tribunal a quo não se pronunciou sobre esta questão, e que a Lei impõe que fosse tal questão fosse conhecida e tomada de posição expressa, o que, ao não fazê-lo gera a nulidade da decisão judicial em Recurso, por omissão de pronuncia, tendo por isso a Sentença em Recurso violado o disposto no Art.º d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC.
16º- Acresce que, como bem se fez notar também na decisão recorrida, estamos no caso dos autos perante um “título judicial impróprio” (previsto no artº 777º nº 3 do CPC), formado pela notificação do devedor e pela sua pretensa falta de declaração (que não se concede), pelo que os fundamentos da oposição deduzida são os previstos no art. 731º, ou seja, quaisquer factos que lhe seria lícito deduzir como defesa no processo de declaração.
17º- No limite - cabendo ao devedor apresentar oposição à execução contra ele instaurada, nela alegando todos os elementos de que disponha em sua defesa – impeditivos, modificativos ou extintivos do direito do exequente –, tal como o poderia fazer num processo de declaração contra si movido.
18º- Salvo melhor e douta opinião, mas terá de assistir razão à Recorrente na sua impugnação quando afirma que ainda, que pretensamente, na ausência de declaração do devedor no momento próprio, o mesmo pode ilidir a existência do crédito objeto em sede Embargos de Executado, questão não apreciada pelo Tribunal a quo.
19º- A Recorrente podia – e devia –, na oposição à execução que lhe seja movida, impugnar a existência ou a impenhorabilidade do crédito, constituindo a mesma um facto impeditivo do direito reclamado pelo exequente, o que fê-lo em sede de Embargos de Executado.
20º- Com efeito, o pretenso reconhecimento da dívida resultante da pseudo inação da Recorrente (aqui suposta entidade patronal) assenta numa presunção, ilidível em sede de oposição à execução, e traduzida na inversão do ónus da prova, de que tal crédito não existe e que o mesmo é impenhorável, como abundantemente demonstrou em sede de Embargos.
21º- Na verdade, inexiste qualquer crédito suscetível penhora, porquanto à data da receção da notificação de 27/01/2023, o primitivo executado não era funcionário da Recorrente, pelo que, em todo o caso, verifica-se a inexistência de qualquer crédito suscetível de penhora, conforme Docs. n.ºs 3 e 4 juntos com os Embargos, que o Tribunal a quo, não se pronunciou, nem apreciou.
22º- Porquanto o primitivo executado, a 01 de janeiro de 2023, reformou-se por velhice, e decidiu-se por deixar de prestar serviço à Embargante no final desse mês, conforme Doc. n.º 5, junto com os Embargos, que o Tribunal a quo, não se pronunciou, nem apreciou.
23º- Estes factos cabalmente demonstrados, só poderiam determinar necessariamente a extinção da execução instaurada contra a Embargante.
24º- À Recorrente que impendia o dever de alegar e provar na oposição deduzida contra o Recorrido que o crédito era inexistente, o que, conforme supra alegado, fê-lo, em sede de Embargos, de forma cabal, inexistindo qualquer crédito suscetível penhora, porquanto à data da receção da notificação de 27/01/2023, o primitivo executado não era funcionário da Recorrente, pelo que, em todo o caso, sempre se verifica a inexistência de qualquer crédito suscetível de penhora, em virtude do primitivo executado, a 01 de janeiro de 2023, ter se reformado por velhice, e decidiu-se por deixar de prestar serviço à Embargante.
25º- Do exposto supra, não deveria ter sido operada a “substituição” processual do primitivo executado pela Embargante. Isto porque, estamos perante um caso de inexistência e inexequibilidade de título executivo.
26º- Assim, inexistindo qualquer crédito, e por conseguinte inexistência de título, incorreu a douta Sentença em Recurso erro de julgamento de Direito, interpretando e aplicando incorretamente o disposto nos Artº.s 773º e 729º, 731º do CPC, devendo a douta Sentença em Recurso ser anulada e substituída por outra que determine procedência dos Embargos.».
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Não foram apresentadas contra-alegações.
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A 1.ª instância admitiu o recurso como apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.
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Já na Relação, foi dado cumprimento ao disposto no artigo 87.º, n.º 3 do Código de Processo Civil.
A Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer, pugnando pela parcial procedência do recurso.
Não foi oferecida qualquer resposta ao parecer.
O recurso foi mantido nos seus precisos termos e, depois da elaboração do projeto de acórdão, foram colhidos os vistos dos Exmos. Adjuntos.
Cumpre, em conferência, apreciar e decidir.
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II. Objeto do Recurso
É consabido que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da recorrente, com a ressalva da matéria de conhecimento oficioso (artigos 635.º n.º 4 e 639.º n.º 1 do Código de Processo Civil, aplicáveis por remissão do artigo 87.º n.º 1 do Código de Processo do Trabalho).
Em função destas premissas, as questões suscitadas no recurso são as seguintes:
1.ª Nulidade da sentença, por omissão de pronúncia;
2.ª Impugnação da decisão sobre a matéria de facto;
3.ª Existência de fundamento para a procedência dos embargos de executado.
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III. Matéria de Facto
A 1.ª instância julgou como provados os seguintes factos:
1. Mostra-se dada à execução a Sentença proferida em 16-02-2011, nos autos principais, que condenou AA a pagar ao sinistrado a pensão anual e vitalícia fixada, na proporção da responsabilidade que lhe cabia e, por via da falta desse pagamento, a regularização de pagamentos a que o “Fundo de Acidentes de Trabalho” procedeu, ficando sub-rogado nos direitos do credor primitivo, nos termos dos artigos 82.º, n.º 3, da Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro, e 589.º e 592.º do Código Civil.
2. Em 27-01-2023 a embargante “Cortichique – Exploração e Comércio de Madeira, Lda.”, na qualidade de entidade patronal de AA, foi notificada pelo Senhor Solicitador de Execução nos seguintes termos:
«Fica(m) V. Exa(s). pela presente notificado(s), nos termos e para efeitos do disposto no artigo 779º do Código Processo Civil (C.P.C.), na qualidade de entidade patronal/entidade pagadora, para a penhora dos respetivos abonos, vencimentos, salários ou outros rendimentos periódicos devidos ao executado adiante indicado, nomeadamente indemnização ou compensação que aquele tenha a receber, até que seja atingido o limite previsto também adiante indicado.
No prazo de DEZ DIAS deve(m) declarar qual o vencimento do referido funcionário (ver informações complementares para melhor esclarecimento).
Nos termos do artigo 738º do CPC são impenhoráveis dois terços da parte líquida dos vencimentos, salários, prestações periódicas pagas a título de aposentação ou de qualquer outra regalia social, seguro, indemnização por acidente, renda vitalícia, ou prestações de qualquer natureza que assegurem a subsistência do executado. Para efeitos de apuramento da parte líquida das prestações referidas no número anterior, apenas são considerados os descontos legalmente obrigatórios.
A impenhorabilidade atrás referida tem como limite máximo o montante equivalente a três salários mínimos nacionais à data de cada apreensão e como limite mínimo, quando o executado não tenha outro rendimento, o montante equivalente a um salário mínimo nacional.».
3. Essa notificação era acompanhada das seguintes cominações/advertências:
«Se nada disser, entende-se que reconhecem a existência da obrigação (nº 4 do artigo 773º do CPC).
Se faltarem conscientemente à verdade incorrem na responsabilidade do litigante de má-fé (nº5 do artigo 773º do CPC).
Não sendo cumprida a obrigação, pode o exequente ou o adquirente exigir, nos próprios autos da execução, a prestação, servindo de título executivo a declaração de reconhecimento do devedor, a notificação efetuada e a falta de declaração ou o título de aquisição do crédito.
Nos termos do Artigo 417.º do CPC, a falta de colaboração pode ser sancionada com multa, sem prejuízo dos meios coercitivos que forem possíveis.»
4. Nos elementos relativos ao cumprimento de tal diligência, o Senhor solicitador de execução consignou que «o citando/notificando recusou receber e ou assinar a presente certidão, tendo sido por mim informado de que a nota de citação/notificação e os documentos ficam à sua disposição na secretaria judicial» e acrescentou que «o executado [AA] afirmou ser o responsável pela firma “Cortichique, Lda.”. Recusou receber ou assinar a presente certidão.».
5. Em 28-04-2023, o Senhor solicitador de execução remeteu uma comunicação registada à embargante, com o seguinte conteúdo:
«Não tendo V.Exª(s) respondido à notificação para penhora de salários (de que se junta cópia), ficam pela presente notificados, nos termos e para efeitos do disposto no nº 4 do artigo 773º do Código Processo Civil, para procederem ao pagamento do valor global de 30777.33 euros, utilizando para o efeito as referências de pagamento constantes do documento junto.».
6. Por despacho de 23-05-2023 [Ref.ª 128426198] a embargante “Cortichique – Exploração e Comércio de Madeira, Lda.” foi condenada em multa, por falta de colaboração processual, nos termos previstos no artigo 417.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil.
7. Na sequência de requerimento do exequente, por despacho de 05-06-2023 [Ref.ª 128582347], ao abrigo do disposto no artigo 777.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, foi determinado o prosseguimento da execução contra “Cortichique – Exploração e Comércio de Madeira, Lda.”.
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E considerou que não se provou:
- que a embargante tivesse remetido ao Senhor solicitador de execução duas comunicações simples, datadas de 07-02-2023 e 06-05-2023, informando que AA não era seu funcionário e que, por tal motivo, não poderia efetuar os descontos do seu salário.
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IV. Nulidade da sentença
A Apelante arguiu a nulidade da sentença, por omissão de pronúncia, ao abrigo do artigo 615.º, n.º 1, alínea d) do Código de Processo Civil.
Em síntese, alegou que na sentença recorrida não foram conhecidas as seguintes questões suscitadas nos embargos de executado: (i) inexistência e inexigibilidade de título executivo; (ii) inexistência de crédito penhorável.
Analisemos.
De harmonia com o disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea d) do Código de Processo Civil, aplicável “ex vi” do artigo 77.º do Código de Processo do Trabalho, a sentença é nula quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não devia tomar conhecimento.
A causa de nulidade prevista nesta alínea está em correspondência direta com o artigo 608.º, n.º 2 do Código de Processo Civil. Estabelece-se nesta norma que o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, não podendo ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.
Assim, verifica-se a omissão de pronúncia quando o juiz deixe de apreciar as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação.
Por seu turno, o excesso de pronúncia ocorre quando o tribunal conhece de questões que não tendo sido colocadas pelas partes, também não são de conhecimento oficioso.
Neste âmbito, não se deverá confundir questões com razões ou argumentos invocados pelos litigantes em defesa do seu ponto de vista, pois esses não têm que ser obrigatoriamente conhecidos pelo tribunal. Já o Professor Alberto dos Reis ensinava, a propósito da nulidade de sentença por omissão de pronúncia, que: «São, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer a questão de que devia conhecer-se e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzido pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão»[3].
No vertente caso, a Apelante entende que na sentença recorrida não existiu, e deveria ter existido, pronúncia sobre as seguintes questões suscitadas nos embargos de executado:
(i) inexistência e inexigibilidade de título executivo;
(ii) inexistência de crédito penhorável.
Ora, compulsados os autos, verificamos que as duas questões foram, efetivamente, alegadas no requerimento de embargos de executado.
Para fundamentar a primeira, alegou-se que a ora Apelante respondeu às notificações feitas pelo agente de execução, datadas de 27-01-2023 e 28-04-2023, tendo informado que o primitivo executado já não era seu trabalhador. Ademais, foi também invocado que estas notificações deveriam ser consideradas nulas, por desrespeitarem as formalidades da citação pessoal, em clara violação do disposto no artigo 773.º, n.º 1 do Código de Processo Civil.
Para alicerçar a segunda questão, foi referido que à data da receção da notificação de 27-01-2023, o primitivo executado já não era funcionário da Apelante, pelo que inexistia qualquer crédito suscetível de penhora.
Ora, analisada a sentença recorrida, o que se constata é que o tribunal a quo deu como não provado que a embargante tivesse remetido ao agente de execução duas comunicações simples, datadas de 07-02-2023 e 06-05-2023, informando que AA (primitivo executado) não era seu funcionário e que, por tal motivo, não poderia efetuar os descontos do seu salário.
Consta igualmente da sentença recorrida a motivação que determinou a resposta negativa sobre a verificação da mencionada factualidade.
Por fim, escreveu-se na parte dedicada à fundamentação de direito:
«Ora, analisando a notificação feita à embargante em 27-01-2023, salvo melhor opinião, é patente que a mesma obedece às exigências legais, tendo seguido as formalidades inerentes à citação pessoal.
Com efeito, perante a recusa do citando, que curiosamente era o primitivo executado AA, em receber a ou assinar a certidão de notificação/citação em nome da embargante, o Senhor solicitador de execução assinalou tal facto, como lhe competia, e informou que a nota de citação/notificação e os documentos ficavam à disposição na secretaria judicial, assim dando cumprimento ao que vem assinalado no artigo 231.º, n.º 4, do Código de Processo Civil.
Por outro lado, a falta de declaração da embargante, perante a notificação/citação feita pelo Senhor solicitador de execução, tem como efeito cominatório o reconhecimento do crédito, nos termos da indicação do crédito à penhora (artigo 773.º, n.º 4, do Código de Processo Civil), constituindo título executivo a notificação efetuada e a falta de declaração (artigo 777.º, n.º 3) – cfr., neste sentido, o Professor LEBRE DE FREITAS, A Ação Executiva – À Luz do Código de Processo Civil de 2013, 6.ª edição, Coimbra Editora, pp. 285-286.
Esta solução da lei, que é aplicável ao caso em apreço, a nosso ver é absolutamente incontestada, tal como foi decido nos Acórdãos da Relação de Coimbra de 09-01-2018, processo n.º 252/11.0TBPCV-A.C1 (Desembargador CARVALHO MARTINS), da Relação de Guimarães de 15-10-2020, processo n.º 1801/10.7TJVNF-A.G1 (Desembargadora RAQUEL TAVARES), da Relação de Lisboa de 24-02-2022, processo n.º 4176/09.3T2SNT-A.L1-2 (Desembargador ANTÓNIO MOREIRA) e da Relação do Porto de 24-02-2022, processo n.º 14597/19.8T8PRT.P1 (Desembargador JOÃO VENADE), todos disponíveis em www.dgsi.pt: quando a entidade patronal do executado é notificada para descontar, nas quantias devidas ao mesmo a título de salários, o valor correspondente ao crédito penhorado, e nada diz, presume-se que assumiu a existência do crédito na exata medida em que o mesmo foi identificado na notificação para a penhora, ficando então obrigada a entregar o valor em questão.
Na verdade, nessa notificação para a penhora basta que esteja identificado o executado como credor e o montante máximo do crédito laboral a penhorar.
Com efeito, a certeza, exigibilidade e liquidez da obrigação da entidade patronal do executado retira-se do teor daquela notificação para a penhora conjugada com a certificação do silêncio da mesma, assim se constituindo título executivo contra a referida entidade patronal, nos termos do n.º 3 do artigo 777.º do Código de Processo Civil.
Na situação em análise foi exatamente isso o que sucedeu, não podendo retirar-se outra ilação do silêncio da embargante, face à notificação que lhe foi feita, que não seja a do reconhecimento do crédito, ficando assim obrigada a entregar o valor em questão ao exequente.
Por outro lado, atenta a notificação em causa e a ausência de entrega dos valores devidos, constitui-se um título executivo contra a embargante – pelo qual se determina o fim e os limites da ação executiva, de harmonia com o artigo 10.º, n.º 5, do Código de Processo Civil –, facultando-se ao credor, o aqui exequente, o prosseguimento da execução contra a entidade relapsa, a aqui embargante.
Em suma, verificam-se todos os pressupostos para o prosseguimento da execução contra a embargante, improcedendo totalmente os embargos de executado deduzidos, por falta de fundamento legal.».
Ora, dos elementos constantes da sentença recorrida extrai-se, facilmente, que houve pronúncia em relação à primeira questão anteriormente identificada - inexistência e inexigibilidade de título executivo.
A 1.ª instância entendeu que não se provou a materialidade que sustentava a questão e decidiu que as notificações feitas pelo agente de execução não padeciam do vício da nulidade.
Na sequência, foi declarada a existência e exigibilidade do título executivo.
Quanto à segunda questão, infere-se, com relevância, da sentença recorrida, que foi declarada a existência do crédito indicado para penhora, por força da presunção contida no n.º 4 do artigo 773.º do Código de Processo Civil.
Sucede que em sede de embargos, a Apelante alegou factualidade com o objetivo de elidir a dita presunção “iuris tantum”.
E sobre esta factualidade, o tribunal a quo não se pronunciou.
E, em termos jurídicos, também não se pronunciou sobre o visado afastamento da presunção.
Por conseguinte, existe efetivamente uma omissão de pronúncia quanto à questão da inexistência do crédito, por cessação da relação laboral com o primitivo executado anteriormente à notificação de 27-01-2023.
Procede, pois, nesta parte, a arguição da nulidade da sentença.
Assim sendo, declara-se a nulidade da sentença, por omissão de pronúncia, de harmonia com o disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea d), 1.ª parte do Código de Processo Civil.
Estatui o artigo 665.º, n.º 1 do Código de Processo Civil:
«Ainda que declare nula a decisão que põe termo ao processo, o tribunal de recurso deve conhecer do objeto da apelação.».
Como se escreveu no Acórdão da Relação de Guimarães de 20-02-2020 (Proc. 976/19.4T8VRL.G1)[4], a consequência da regra citada «resume-se, em regra, à substituição da decisão proferida pela solução que venha a ser obtida no tribunal de apelação, com resultado semelhante ao que se obtém com a normal apreciação da decisão impugnada objeto do recurso.».
Deste modo, por o processo conter os elementos necessários, designadamente por permitir a alteração/aditamento da matéria da matéria de facto no âmbito dos poderes conferidos pelo artigo 662.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, em face da prova documental produzida, decide-se conhecer das questões suscitadas no recurso, no exercício dos poderes de substituição do tribunal recorrido.[5]
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V. Impugnação da decisão sobre a matéria de facto
Impugnou a Apelante a decisão proferida sobre a matéria de facto, especificamente o ponto único dado como não provado.
Entendemos que foi devidamente observado o ónus de impugnação previsto no artigo 640.º do Código de Processo Civil, pelo que nada obsta ao conhecimento da impugnação.
Vejamos.
O tribunal a quo entendeu que não resultou demonstrado que a embargante (ora Apelante) tivesse remetido ao senhor solicitador de execução duas comunicações simples, datadas de 07-02-2023 e 06-05-2023, informando que AA não era seu funcionário e que, por tal motivo, não poderia efetuar os descontos do seu salário.
Para motivar tal convicção escreveu-se na sentença recorrida:
«A resposta negativa ao facto não provado 1.º derivou da falta de prova consistente de que a embargante tivesse remetido ao Senhor solicitador de execução as aludidas comunicações, por correio simples, sendo certo que tratando-se de matéria controvertida caberia à embargante a sua demonstração. Ora, nem esta indicou qualquer meio de prova documental plena que corroborasse a sua alegação, nem indicou prova pessoal que confirmasse a remessa das invocadas comunicações e a receção das mesmas pelo Senhor solicitador de execução, por forma a alcançarem a sua verdadeira finalidade legal.
Aliás, pode concluir-se em sentido exatamente contrário: para além do da recusa em receber a citação de 27-01-2023, em 23-05-2023 a embargante foi condenada em multa, por falta de colaboração processual, e conformou-se com tal condenação, nada tendo explicitado ou questionado.
Seja como for, em face daquela única referência feita na petição inicial, surgem sérias dúvidas acerca da verificação desta materialidade, dúvidas que são fundadas e objetivadas, não sendo possível formular uma conclusão segura acerca da sua ocorrência.
Assim, suscitando-se sérias dúvidas acerca da sua verificação, de harmonia com o disposto no artigo 414.º do Código de Processo Civil, necessariamente que tal materialidade foi considerada como não demonstrada.
De facto, o legislador enquadra nesta norma chamada de decisão para os casos de prova insuficiente pela parte onerada: a dúvida do julgador sobre a ocorrência de um facto equivale à falta de prova desse facto, pelo que resulta em desvantagem da parte que tinha o ónus de o provar [neste sentido, LEBRE DE FREITAS, MONTALVÃO MACHADO e RUI PINTO, Código de Processo Civil anotado, vol. II, 2.ª edição, Coimbra Editora, 2008, pp. 433-434].».
Ora, entende a Apelante que a factualidade em causa deveria ter sido julgada provada, desde logo, por não ter sido impugnada pelo Apelado/embargado.
Adianta-se que não lhe assiste razão.
No requerimento de embargos de executado, a materialidade em causa foi alegada nos artigos 3.º a 5.º.
Na contestação oferecida aos embargos, declara-se que todos os factos alegados pela embargante são impugnados, por desconhecimento, sem obrigação de conhecer, da sua verificação. Além disso, aprecia-se prova documental apresentada pela embargante, designadamente os documentos n.ºs 1 e 2, referindo-se que a mesma não releva para provar que o agente de execução rececionou as cartas alegadamente enviadas.
No acórdão desta Secção Social datado de 26-10-2023 (P. 393/22.9T8FAR.E1)[6], escreveu-se:
«Acresce que o art. 574.º do Código de Processo Civil é bastante claro sobre o que significa impugnar e em que circunstâncias se consideram admitidos por acordo (através de confissão tácita) os factos alegados pelo Autor por falta de impugnação.
Deste modo, é evidente que a impugnação que impede a admissão por acordo dos factos alegados pelo Autor se reporta a uma tomada de posição específica de não reconhecimento ou de não aceitação, em sede de contestação, desses factos, sendo que tal impugnação não necessita sequer de ser motivada, através da apresentação de uma outra versão dos factos, “bastando a mera negação expressa de factos alegados na petição”.[7]
No entanto, mesmo não impugnados expressamente, não é possível admitir por acordo “os factos que se encontrem em manifesta oposição com a defesa considerada no seu conjunto, os factos sobre os quais não seja admissível confissão e, ainda, os factos que só possam ser provados por documento escrito”.[8]
Por fim, quando o Réu, ao invés de impugnar, afirmando a não aceitação como verdadeiro de um concreto facto alegado, se limita a consignar que não sabe se esse determinado facto é verdadeiro, considera-se que, se se estiver perante um facto pessoal ou sobre o qual o Réu deva ter conhecimento, tal afirmação traduz-se numa confissão; se, pelo contrário, se tratar de facto diverso daqueles (facto não pessoal ou de que não deva ter conhecimento), tal afirmação vale como impugnação.
Do que acima de referiu, é indubitável concluir que para que haja impugnação dos factos alegados pelo Autor basta ao Réu fazer consignar, na sua contestação, que, em concreto, não aceita tais factos como verdadeiros, não sendo sequer necessário apresentar uma versão diferente daquela que consta da petição inicial e, muito menos, proceder à junção de meios de prova que contrariem a versão invocada pelo Autor. E isto porque não é ao Réu que compete fazer a contraprova dos factos que o Autor alega, mas sim a este efetuar a sua prova.».
Ora, no caso que se aprecia, não só os factos alegados no requerimento de embargos de executado não respeitam a factos pessoais do embargado, ou dos quais devesse ter conhecimento, como tais factos foram expressamente impugnados.
Assim, a factualidade constante do ponto único dado como não provado não pode ser considerada admitida por acordo, como pretende a Apelante, tendo em consideração as disposições conjugadas dos artigos 732.º, n.ºs 2 e 3, 571.º e 574.º, todos do Código de Processo Civil.
Para sustentar a impugnação, a Apelante apresenta, ainda, um outro argumento.
Afirma que em face dos documentos n.ºs 1 e 2 juntos, deveria ter sido dado como provado que foram remetidas ao senhor solicitador de execução as cartas datadas de 07-02-2023 e 06-05-2023, informando que AA não era funcionário da Apelante e que, por esse motivo não era possível efetuar descontos no seu salário.
Analisemos.
Os documentos n.ºs 1 e 2 são documentos particulares que correspondem a duas cartas simples dirigidas ao agente de execução, com um parágrafo a informar que AA não é funcionário da Apelante, e, como tal, não se mostra possível satisfazer a penhora.
Ora,, do teor das cartas não resulta que as mesmas tenham sido remetidas ao pretenso destinatário e muito menos que tenham sido rececionadas pelo mesmo.
Não foi oferecida qualquer outra prova sobre o envio das cartas e seu recebimento.
De harmonia com o disposto no artigo 342.º, n.º 1 do Código Civil, o ónus da prova dos factos alegados competia à Apelante/embargante, não se verificando os pressupostos para a inversão do ónus da prova previstos no artigo 344.º do mesmo compêndio legal.
Cita-se, pela relevância, Luís Filipe Pires de Sousa:[7]
«O ónus da prova objetivo significa que é sempre sobre a parte onerada com a prova dos factos que recaem as consequências da falta ou insuficiência de prova, ou seja, perante a dúvida irredutível sobre a realidade do facto que é pressuposto da aplicação de uma norma jurídica, o julgador decide como se estivesse provado o facto contrário (cfr. Artigo 342.º, n.º 1 do Código Civil e 414.º do Código de Processo Civil, anterior Artigo 516.º). Assim, se após a valoração da prova, o juiz entender que há factos que permanecem duvidosos e incertos (ocorre uma deficiência probatória), terá de recorrer ao ónus da prova, valorando a prova contra a parte a quem incumbia o respetivo ónus da prova, declarando como não provado o facto adrede alegado pela parte».
Enfim, em face da reapreciação dos documentos n.ºs 1 e 2, convocados pela Apelante, entendemos que bem andou o tribunal a quo na decisão que julgou como não provada a factualidade anteriormente descrita.
Consequentemente, improcede a impugnação da decisão sobre a matéria de facto.
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Para provar os factos alegados nos artigos 11.º e 12.º do requerimento de embargos[8], ou seja, para demonstrar a alegação de que AA se reformou por velhice em 01-01-2023 e que à data da receção da notificação de 27-01-2023 já não era funcionário da Apelante, foram apresentados os documentos n.ºs 3, 4 e 5.
Estes documentos não foram impugnados.
Tratam-se de documentos emitidos pela Segurança Social, dos quais é possível extrair que, a partir de 01-01-2023, AA passou a auferir uma pensão por velhice e que, em 07-03-2023, foi comunicado à Segurança Social que o mesmo cessou o seu vínculo laboral com a Apelante em 05-02-2023, por acordo de revogação.
Nesta conformidade, ao abrigo do artigo 662.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, tendo em consideração esta prova documental, e por estar em causa matéria com relevância para a decisão de mérito, adita-se ao elenco dos factos provados o ponto 8, com o seguinte teor:
- A partir de 01-01-2023, AA começou a auferir uma pensão por velhice e, em 07-03-2023, foi comunicado à Segurança Social que o mesmo cessou o seu vínculo laboral com Cortichique – Exploração e Comércio de Madeira, Lda. em 05-02-2023, por acordo de revogação.
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VI. Da alegada existência de fundamento para a procedência dos embargos de executado
Em sede de recurso, a Apelante pretende que seja reconhecida a existência de fundamento para a procedência dos embargos de executado que deduziu.
Para sustentar esta sua pretensão, apresenta mais do que um fundamento.
Primeiramente, alega que com a alteração da matéria de facto impugnada, em sentido positivo, não poderá deixar de se entender que por via das missivas que remeteu ao agente de execução, não reconheceu a existência da obrigação.
Ora, estando este fundamento totalmente dependente da procedência da impugnação da decisão sobre a matéria de facto, que não se verificou, resta-nos concluir pela total falência deste fundamento.
Em segundo lugar, invoca que as notificações do agente de execução datadas de 27-01-2023 e 28-04-2023, são nulas, por preterição das formalidades da citação pessoal impostas pelo artigo 773.º, n.º 1 do Código de Processo Civil.
Apreciemos.
Estatui o mencionado artigo 773.º :
1 - A penhora de créditos consiste na notificação ao devedor, feita com as formalidades da citação pessoal e sujeita ao regime desta, de que o crédito fica à ordem do agente de execução.
2 - Cumpre ao devedor declarar se o crédito existe, quais as garantias que o acompanham, em que data se vence e quaisquer outras circunstâncias que possam interessar à execução.
3 - Não podendo ser efetuadas no ato da notificação, as declarações referidas no número anterior são prestadas por escrito ao agente de execução, no prazo de 10 dias.
4 - Se o devedor nada disser, entende-se que ele reconhece a existência da obrigação, nos termos da indicação do crédito à penhora.
5 - Se faltar conscientemente à verdade, o devedor incorre na responsabilidade do litigante de má-fé.
6 - O exequente, o executado e os credores reclamantes podem requerer ao juiz a prática, ou a autorização para a prática, dos atos que se afigurem indispensáveis à conservação do direito de crédito penhorado.

7 - Se o crédito estiver garantido por penhor, faz-se apreensão do objeto deste, aplicando-se as disposições relativas à penhora de coisas móveis, ou faz-se a transferência do direito para a execução; se estiver garantido por hipoteca, faz-se no registo o averbamento da penhora.
8 - Sendo o devedor uma entidade pública da Administração direta ou indireta do Estado, as comunicações entre o agente de execução e o devedor efetuadas no âmbito da penhora de créditos, incluindo a notificação referida no n.º 1, a declaração prevista no n.º 2 e as notificações previstas nos artigos 777.º e 779.º, são efetuadas, sempre que possível, por via eletrónica, preferencialmente de forma automática, e com as adaptações práticas que se revelem necessárias, nos casos e termos previstos em portaria dos membros do Governo responsáveis pela área da Justiça e pela entidade pública em causa.
Extrai-se deste artigo que a penhora de créditos se concretiza através da notificação ao devedor de que o crédito fica à ordem do agente de execução. Tal notificação tem de ser feita com as formalidades da citação pessoal e fica sujeita ao regime desta.
Vejamos então o que se passou no caso que nos ocupa.
Do elenco dos factos provados, retira-se a seguinte factualidade relevante:
a)- Mostra-se dada à execução a Sentença proferida em 16-02-2011, nos autos principais, que condenou AA a pagar ao sinistrado a pensão anual e vitalícia fixada, na proporção da responsabilidade que lhe cabia e, por via da falta desse pagamento, a regularização de pagamentos a que o “Fundo de Acidentes de Trabalho” procedeu, ficando sub-rogado nos direitos do credor primitivo, nos termos dos artigos 82.º, n.º 3, da Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro, e 589.º e 592.º do Código Civil.

b)- Em 27-01-2023 a embargante “Cortichique – Exploração e Comércio de Madeira, Lda.”, na qualidade de entidade patronal de AA, foi notificada pelo Senhor Solicitador de Execução nos seguintes termos:
«Fica(m) V. Exa(s). pela presente notificado(s), nos termos e para efeitos do disposto no artigo 779º do Código Processo Civil (C.P.C.), na qualidade de entidade patronal/entidade pagadora, para a penhora dos respetivos abonos, vencimentos, salários ou outros rendimentos periódicos devidos ao executado adiante indicado, nomeadamente indemnização ou compensação que aquele tenha a receber, até que seja atingido o limite previsto também adiante indicado.
No prazo de DEZ DIAS deve(m) declarar qual o vencimento do referido funcionário (ver informações complementares para melhor esclarecimento).
Nos termos do artigo 738º do CPC são impenhoráveis dois terços da parte líquida dos vencimentos, salários, prestações periódicas pagas a título de aposentação ou de qualquer outra regalia social, seguro, indemnização por acidente, renda vitalícia, ou prestações de qualquer natureza que assegurem a subsistência do executado. Para efeitos de apuramento da parte líquida das prestações referidas no número anterior, apenas são considerados os descontos legalmente obrigatórios.
A impenhorabilidade atrás referida tem como limite máximo o montante equivalente a três salários mínimos nacionais à data de cada apreensão e como limite mínimo, quando o executado não tenha outro rendimento, o montante equivalente a um salário mínimo nacional.».

c)- Essa notificação era acompanhada das seguintes cominações/advertências:
«Se nada disser, entende-se que reconhecem a existência da obrigação (nº 4 do artigo 773º do CPC).
Se faltarem conscientemente à verdade incorrem na responsabilidade do litigante de má-fé (nº5 do artigo 773º do CPC).
Não sendo cumprida a obrigação, pode o exequente ou o adquirente exigir, nos próprios autos da execução, a prestação, servindo de título executivo a declaração de reconhecimento do devedor, a notificação efetuada e a falta de declaração ou o título de aquisição do crédito.
Nos termos do Artigo 417.º do CPC, a falta de colaboração pode ser sancionada com multa, sem prejuízo dos meios coercitivos que forem possíveis.»

d)- Nos elementos relativos ao cumprimento de tal diligência, o Senhor solicitador de execução consignou que «o citando/notificando recusou receber e ou assinar a presente certidão, tendo sido por mim informado de que a nota de citação/notificação e os documentos ficam à sua disposição na secretaria judicial» e acrescentou que «o executado [AA] afirmou ser o responsável pela firma “Cortichique, Lda.”. Recusou receber ou assinar a presente certidão.».

e)- Em 28-04-2023, o Senhor solicitador de execução remeteu uma comunicação registada à embargante, com o seguinte conteúdo:
«Não tendo V.Exª(s) respondido à notificação para penhora de salários (de que se junta cópia), ficam pela presente notificados, nos termos e para efeitos do disposto no nº 4 do artigo 773º do Código Processo Civil, para procederem ao pagamento do valor global de 30777.33 euros, utilizando para o efeito as referências de pagamento constantes do documento junto.».

Ora, deste conjunto de factos infere-se que através da notificação datada de 27-01-2023, o agente de execução notificou a Apelante, na qualidade de entidade patronal/entidade pagadora do executado AA, para a penhora do salário deste, nos termos e para os efeitos do artigo 779.º do Código de Processo Civil.
Esta notificação foi acompanhada das cominações/advertências previstas nos n.ºs 4 e 5 do artigo 773.º e 417.º do mesmo código.
Deduzem-se dos elementos relativos ao cumprimento da diligência de notificação, consignados pelo agente de execução, que a Apelante se recusou a receber e ou assinar a certidão de notificação, pelo que foi informada de que a nota de citação/notificação e os documentos ficariam à sua disposição na secretaria judicial. Mais ficou a constar que o executado declarou ser o responsável pela Apelante e que se recusou a receber ou assinar a certidão de notificação.
Ora, o ocorrido permite-nos concluir que a notificação analisada foi feita com respeito pelas formalidades da citação pessoal previstas nos artigos 225.º, n.º 2, alínea c), 227.º e 231.º n.ºs 1 a 4, todos do Código de Processo Civil.
Conforme se escreveu na sentença recorrida: «Com efeito, perante a recusa do citando, que curiosamente era o primitivo executado AA, em receber a ou assinar a certidão de notificação/citação em nome da embargante, o Senhor solicitador de execução assinalou tal facto, como lhe competia, e informou que a nota de citação/notificação e os documentos ficavam à disposição na secretaria judicial, assim dando cumprimento ao que vem assinalado no artigo 231.º, n.º 4, do Código de Processo Civil.».
Os elementos dos autos, porém, não nos permitem concluir que tenha sido enviada, pela secretaria, a carta registada a que alude o n.º 5 do referido artigo 231.º.
Dispõe esta norma legal que no caso previsto no número anterior, a secretaria notifica ainda o citando enviando-lhe carta registada com a indicação de que o duplicado nela se encontra à sua disposição.
Ora, em face de tal omissão, verifica-se que um dos formalismos prescritos para a citação pessoal não foi cumprido.
Quid júris?
O artigo 191.º, n.º 1 do Código de Processo Civil prescreve que, sem prejuízo do disposto no artigo 188.º do mesmo código, é nula a citação quando não hajam sido, na sua realização, observadas as formalidades prescritas na lei.
Mas o n.º 4 do artigo acrescenta que a arguição da nulidade só é atendida se a falta cometida puder prejudicar a defesa do citado.
Ora, no vertente caso, não está em causa nenhuma das situações de falta de citação previstas no artigo 188.º, mas antes a arguição de uma nulidade de notificação, por incumprimento das formalidades prescritas para a citação pessoal.
Todavia, entendemos que o incumprimento da formalidade prescrita no n.º 5 do artigo 231.º não era suscetível de prejudicar a resposta/defesa da Apelante, nomeadamente a possibilidade de o mesma aceitar ou recusar a existência da obrigação.
O agente de execução, quando abordou a Apelante, transmitiu-lhe qual o ato a efetuar (penhora do salário do executado, com os limites legais), as informações/respostas que tinha de prestar (informar qual o vencimento do executado) e as cominações para a falta de resposta (reconhecimento da existência da obrigação; possibilidade de incorrer na responsabilidade do litigante de má-fé, caso faltasse à verdade; e, consequências do incumprimento da obrigação para a qual foi notificada).
Seguidamente, por o notificando se recusar a receber ou assinar a certidão de notificação, foi informado de que a nota de notificação e os documentos juntos com a mesma ficariam à disposição na secretaria judicial.
Ou seja, todos as informações essenciais para a Apelante exercer a sua defesa (nomeadamente, declarando a inexistência do crédito por o executado já não ser seu trabalhador subordinado) foram-lhe comunicadas e os documentos postos à sua disposição.
A notificação postal da secretaria prevista no n.º 5 do artigo 231.º nada iria acrescentar às informações prestadas pelo agente de execução.[9]
Por isso mesmo, a omissão da notificação postal pela secretaria não prejudicou a defesa da Apelante.
Como tal, a arguição da nulidade por preterição desta formalidade da citação pessoal não pode ser atendida, de harmonia com o disposto no n.º 4 do artigo 191.º do Código de Processo Civil.
Cita-se, pelo seu interesse, o Acórdão da Relação de Coimbra de 10-01-2006 (P.2806/05):[10] [11]
«(…) II – Nas situações do artº 239º, nº 1, do CPC – contacto pessoal do solicitador de execução com o citando -, aquele comunica a este que fica citado para a ação cujo duplicado da petição inicial lhe exibe e entrega, referindo-lhe ainda o tribunal e juízo por onde corre o processo, bem como o prazo dentro do qual pode oferecer a sua defesa, a necessidade ou não de patrocínio judiciário, e as cominações em que incorre caso não conteste – artºs 239º, nº 2 e 235º, nº 1 e 2 do CPC .
III – Nas situações em que o citando se recusa a receber os duplicados da petição e a assinar a respetiva certidão, prevê a lei que o solicitador dê conhecimento ao citando de que os documentos ficam à sua disposição na secretaria judicial, devendo fazer constar da certidão de citação a ocorrência verificada – nº 4 do artº 239º do CPC .
IV – Nestes casos, refere o nº 5 do artº 239º do CPC que a secretaria notifica ainda o citando, enviando-lhe carta registada com a indicação de que o duplicado nela se encontra à sua disposição, traduzindo-se a omissão desta diligência na omissão de uma formalidade prescrita na lei, conducente à nulidade da citação, nos termos do artº 198º, nº 1, do CPC .
V – Porém, o conteúdo da notificação referida no artº 239º, nº 5, não colide com o direito de defesa do réu, tanto mais que a informação a ser prestada pela secretaria judicial já o foi antes, por forma oral e direta, por parte do solicitador de execução, pelo que, nestes casos, não pode ser atendida a arguição da referida nulidade, por se dever entender que a referida omissão não prejudica a defesa do citado – nº 4 do artº 198º do CPC.».
Em suma, a notificação datada de 27-01-2023, feita pelo agente de execução, não padece do vício da nulidade por preterição de formalidades da citação pessoal.
Quanto à notificação de 28-04-2023 – ponto 5 dos factos assentes – a mesma já não estava sujeita à observância das referidas formalidades, pelo que, improcede, igualmente, a arguição da nulidade em relação à mesma.
Destarte, não tendo a Apelante oferecido qualquer resposta à notificação de 27-01-2023, presume-se que reconheceu a existência da obrigação, nos termos da indicação do crédito à penhora, de harmonia com o disposto no artigo 773.º, n.º 4 do Código de Processo Civil.
Tendo, contudo, em sede de embargos, a Apelante invocado a inexistência do crédito por o primitivo executado já não ser seu trabalhador subordinado em 27-01-2023, com vista à elisão da presunção “iuris tantum” prevista na dita norma[12], apreciemos a questão.
Consta do ponto 8 do elenco dos factos provados, o seguinte:
- A partir de 01-01-2023, AA começou a auferir uma pensão por velhice e, em 07-03-2023, foi comunicado à Segurança Social que o mesmo cessou o seu vínculo laboral com Cortichique – Exploração e Comércio de Madeira, Lda. em 05-02-2023, por acordo de revogação.
Ora, desta materialidade não resulta que, à data em que a Apelante foi notificada da penhora de créditos (27-01-2023), o primitivo executado já não era seu trabalhador subordinado.
A factualidade demonstrada também não permite concluir que o primitivo executado cessou a relação laboral no final do mês de janeiro de 2023, como também chegou a ser alegado no artigo 12.º dos embargos, ainda que em notória contradição com o alegado no artigo 11.º da mesma peça processual.[13]
Pelo exposto, não logrou a Apelante elidir, nos termos por si configurados, a presunção de reconhecimento da existência do crédito, prevista no n.º 4 do artigo 773.º do Código de Processo Civil.
Sendo assim, e em face de todo o exposto, inexiste fundamento para a procedência dos embargos, pelo que se sufraga a decisão da 1.ª instância, que julgou totalmente improcedentes os embargos.
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Enfim, o recurso procede quanto à arguição da nulidade da sentença, mas improcede quanto ao demais.
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VII. Decisão
Nestes termos, decide-se:
a) declarar a nulidade da sentença, por omissão de pronúncia quanto ao fundamento dos embargos de executado que visava elidir a presunção prevista no n.º 4 do artigo 773.º do Código de Processo Civil, mas determinar o conhecimento da questão omitida, no exercício dos poderes de substituição ao tribunal recorrido, declarando-a improcedente.
b) confirmar a decisão recorrida, ainda que com uma fundamentação não absolutamente coincidente.
Custas pela Apelante.
Notifique.
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Évora, 19 de março de 2024
Paula do Paço (Relatora)
João Luís Nunes
Emília Ramos Costa
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[1] Relatora: Paula do Paço; 1.º Adjunto: João Luís Nunes; 2.ª Adjunta: Emília Ramos Costa
[2] (…).
[3] Alberto dos Reis, “Código de Processo Civil anotado”, volume V, pág. 143.
[4] Consultável em www.dgsi.pt.
[5] Cf. Acórdão da Relação de Évora de 30-05-2019 (P. 612/18.6T8EVR.E1), acessível em www.dgsi.pt, no qual se sumariou: «1. A Relação não tem a obrigação de previamente ouvir as partes acerca do exercício de poderes de substituição ao tribunal recorrido, caso a nulidade da sentença recorrida tenha sido expressamente arguida nas alegações de recurso e a parte contrária tenha podido exercer o seu contraditório quanto a essa matéria nas respetivas contra-alegações.(…)».
[6] Acessível em www.dgsi.pt.
[7] In “Prova Testemunhal”, Editora Almedina, 2013, pág. 381.
[8] Trata-se da matéria de facto em relação à qual se verificou a declarada omissão de pronúncia.
[9] Neste sentido, o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 353/08, de 01-07-2008, consultável em https://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20080353.html?impressao=1
[10] Publicado em www.dgsi.pt.
[11] Não obstante este aresto se refira ao artigo 239.º do velho CPC, este artigo corresponde ao artigo 231.º do atual CPC.
[12] Cf. Acórdão da Relação de Lisboa de 28-10-2020 (P.327/03.0TTTVD-F.L1-4) e Acórdão da Relação de Guimarães de 24-11-2016 (P. 1148/14.0t8vnf-a.g1), ambos consultáveis em www.dgsi.pt.
[13] Para melhor compreensão, citam-se os dois artigos dos embargos de executado:
«11.º Inexiste qualquer crédito suscetível penhora, porquanto à data da receção da notificação de 27/01/2023, o primitivo executado não era funcionário da Embargante, pelo que, em todo o caso, verifica-se a inexistência de qualquer crédito suscetível de penhora – Cfr. Docs. N.ºs 3 e 4, 12.º porquanto o primitivo executado, a 01 de janeiro de 2023, reformou-se por velhice, e decidiu-se por deixar de prestar serviço à Embargante no final desse mês – Doc. N.º 5»