Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1869/07-2
Relator: MARIA ALEXANDRA SANTOS
Descritores: RECTIFICAÇÃO DE SENTENÇA
Data do Acordão: 01/24/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO CÍVEL
Decisão: PROVIDO
Sumário:
Tendo sido interposto recurso e não tendo o recorrido suscitado a omissão na apreciação de um requerimento por si anteriormente apresentado, onde pretendia a rectificação da sentença, por a mesma enfermar de um erro material manifesto, mostra-se sanada a nulidade decorrente da omissão daquela apreciação.
Decisão Texto Integral:
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PROCESSO Nº 1869/07 – 2
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ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA
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“A” e “B”, demandaram o “C” a fim de verem ressarcido o seu direito a uma indemnização que computaram no valor de Esc. 8.240.000$00 por morte de seu marido e pai, respectivamente, em virtude de acidente de viação que este sofreu ao cair da mota que conduzia e ser arrastado pela estrada.
“D” deduziu pedido de reembolso pelas prestações pagas a título de subsídio por morte e pensões de sobrevivência no valor de Esc. 2.153.830$00 (cfr. fls.66/69).
Por sua vez o “E” deduziu incidente de intervenção principal espontânea, pedindo o pagamento dos cuidados de saúde prestados ao falecido no valor de Esc. 317.200$0, intervenção que foi admitida.
Em sede de julgamento requereu o “D” a ampliação do pedido inicialmente formulado para o montante de € 21.655,92, pedido que foi admitido conforme acta de fls. 237/242)
Elaborada a sentença foi proferida a seguinte decisão no que ao caso interessa:
"Julgam-se procedentes por provados os pedidos cíveis de “A” e de “B” e parcialmente procedentes por parcialmente provados os pedidos cíveis do “D” e do “E” e, por via disso:
( ... )
C) Condena-se o “C” a pagar ao “D” a quantia de € 1.684,14 com juros de mora à taxa legal geral desde a citação quanto ao pedido inicial e o remanescente pedido desde a ampliação do mesmo até integral pagamento".
Desta sentença apelou em 11/01/2005 o “C”.
Na pendência de tal recurso, em 21/01/2005, pelo req. de fls, 328 e segs. o “D” notificado daquela sentença, veio requerer, ao abrigo do disposto no art° 667° n° 1 do CPC, a correcção da mesma na parte em que condenou o “C” a pagar-lhe o montante de € 1.684,14 que corresponde a 50% do montante de € 3.368,28 e não no valor correspondente a 50% de € 21.655,92 que lhe é devido.
Sobre tal requerimento não recaiu qualquer despacho e remetido o processo a este tribunal foi a apelação interposta pelo “C” julgada improcedente e confirmada integralmente a sentença recorrida - cfr. fls, 406 e segs.
Remetido o processo à 1ª instância, foi a questão da omissão de pronúncia sobre tal requerimento suscitada pela secção de processos, na sequência da qual foi proferido o despacho de fls. 444 e verso que deferindo ao requerido decidiu "Em conformidade, onde consta aquele primeiro valor (fls. 346) passará também a constar o segundo supra indicado e, consequentemente, afls.347 deverá passar a constar o quantitativo de € 10.827,96".
Inconformado com esta decisão, dela agravou o “C”, alegando e formulando as seguintes conclusões:
1 - Por douto despacho de fls., veio o Mmº Juiz a quo alterar a sentença já
proferida e confirmada pelo Tribunal da Relação, condenando os RR. em montante superior ao que havia anteriormente condenado, decisão confirmada por este Venerando Tribunal.
2 - Tal não é admissível, pois uma vez prolatada a sentença, encontra-se esgotado o poder jurisdicional do juiz (quer a decisão transite em julgado, quer não).
3 – “D” deveria à sentença que condenou sem atender à ampliação do pedido, a tal ter reagido, interpondo recurso.
4 - Ou, não o tendo feito, tendo apenas requerido a rectificação da sentença, sempre poderia, em sede de contra-alegações ter ampliado o objecto do recurso, nos termos do art° 684-A do CPC, requerendo a apreciação da questão pelo Tribunal da Relação que, a partir daquele momento detinha o poder jurisdicional.
5 - Não o tendo feito, precludiu o seu direito relativamente a tal questão, pois, neste momento, não podia o douto tribunal a quo, por se encontrar já esgotado o seu poder jurisdicional, decidir quanto a uma questão que transitou já em julgado.
6 - Tal despacho configura uma clara violação do princípio da segurança jurídica, pois tal significaria o absurdo de, já transitada em julgado uma decisão - ou melhor, desde que proferida a sentença, seja ou não objecto de recurso -sempre poder o julgador, alterar a sua decisão, esgotadas já, todas as formas de reacção a tal decisão.
7 - O acto praticado pelo Mmº juiz a quo violou o disposto no art° 666° do CPC que estabelece que "Proferida a sentença, fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa".
8 - Bem como violou o disposto no art° 667° nº 2 que estabelece: "Em caso de recurso, a rectificação só pode ter lugar antes de ele subir, podendo as partes alegar perante o tribunal superior o que entendam de seu direito no tocante à rectificação" .
9 - Da análise das duas citadas normas se alcança que, não tendo tal questão sido decidida antes da subida do recurso, sempre teria o “D” de alegar perante este Venerando Tribunal, quanto à matéria que pretendia ver rectificada, o que não fez, precludindo, assim, o seu direito, não podendo nesta fase, vir o tribunal de 1ª instância, por sua livre iniciativa, alterar a decisão prolatada.
10 - Porque se encontrava já esgotado o poder jurisdicional da 1ª instância, no que concerne à questão colocada pelo “D”, não tendo este requerido fosse tal questão apreciada por este Venerando Tribunal, deve o douto despacho recorrido que vem alterar o douto acórdão proferido por este Tribunal, ser julgado nulo e de nenhum efeito.

O agravado contra-alegou nos termos de fls. 486/487 concluindo pela confirmação da decisão recorrida.
O Exm" Juiz manteve a sua decisão.
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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
Delimitando-se o âmbito do recurso pelas conclusões da alegação do recorrente abrangendo apenas as questões aí contidas (art°s 684 nº 3 e 690 nº 1 do CPC), verifica-se que a única questão a decidir no presente recurso é saber se a decisão recorrida que procedeu à rectificação do erro verificado foi tempestiva.
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A factualidade a atender é a que consta já do relatório supra e ainda:
- Em sede de julgamento ficou provada a matéria de facto constante do art° 27° da Base Instrutória, com a correcção resultante do despacho de fls. 295/296, nos seguintes termos: "”D” pagou à “A”, a título de subsídio por morte e pensões de sobrevivência no período de 98/6 a 2004/01 o montante global de € 21.655,92."
- Na sentença foi fixada em 50% a responsabilidade do R. “C” no pagamento das indemnizações devidas.

Apreciando.
Como se sabe, editada a sentença fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa (art° 666° n° 1 do CPC)
Tal normativo tem a sua razão de ser na necessidade de assegurar a estabilidade das decisões judiciais.
Porém, para certos defeitos da sentença, permite a lei, por razões de ordem prática, que o juiz a possa corrigir.
É o que resulta do nº 2 do referido art° 666° do CPC nos termos do qual "É lícito, porém, ao juiz rectificar erros materiais, suprir nulidades, esclarecer dúvidas existentes na sentença e reformá-la nos termos dos artigos seguintes" Trata-se do aperfeiçoamento da sentença que se realiza por excepcional prorrogação do poder jurisdicional do juiz que proferiu a sentença defeituosa.
ln casu, o Exmº Juiz rectificou a sentença ao abrigo do disposto nos artºs 666° e 667° do CPC entendendo que se verificou mero lapso material.
Os defeitos materiais susceptíveis de rectificação vêm contemplados no n° 1 do arte 667° que dispõe "Se a sentença omitir o nome das partes, for omissa quanto a custas, ou contiver erros de escrita ou de cálculo ou quaisquer inexactidões devidas a outra omissão ou lapso manifesto, pode ser corrigido por simples despacho, a requerimento de qualquer das partes ou por iniciativa do juiz" .
ln casu, o Exmº juiz rectificou a sentença por entender que se verificou mero lapso material.
A verificação da existência ou não do declarado lapso não vem posta em causa no presente recurso, mas apenas a questão da preclusão do direito da sua rectificação, face do disposto no art° 666° nº 1 e 667° nº 2 do CPC.
Com efeito, nos termos desta última disposição "Em caso de recurso a rectificação só pode ter lugar antes de ele subir, podendo as partes alegar perante o tribunal superior o que entendam do seu direito no tocante à rectificação.
Se nenhuma das partes recorrer, a rectificação pode ter lugar a todo o tempo, cabendo agravo do despacho que a fizer" .
No caso dos autos foi interposto pelo R. “C” recurso da sentença final, como supra se referiu.
Sendo certo que o agravado “D” requereu a rectificação da sentença antes do recurso subir, certo é, também, que não tendo obtido decisão em tempo útil, não suscitou a questão da omissão da referida decisão, antes da subida do recurso, nem neste, nem, aliás, posteriormente.
Não o tendo feito, sibi imputet, mostrando-se sanada a nulidade decorrente da omissão de decisão (art°s 201 e 205)
É certo que só no tribunal a quo pode ser corrigido o erro material da sentença ao abrigo do disposto no art° 667° do CPC, mas tal rectificação terá que ter lugar antes da subida do recurso, mesmo por iniciativa do juiz, conforme resulta do seu nº 2. (cfr. Ac. RP de 29/05/2003 in www.dgsi.pt)
Tendo o processo subido em recurso sem que tivesse havido antes tal rectificação e confirmada a sentença em sede de recurso é, agora, intempestiva a rectificação efectuada através da decisão recorrida, por violação do disposto no art° 666° nº 1 do CPC, pelo que se impõe a sua revogação.
Procedem, pois, as conclusões da alegação do recorrente.

DECISÃO
Nesta conformidade, acordam os Juízes desta Relação em conceder provimento ao recurso e, em consequência, revogar a decisão recorrida.
Custas pelo agravado.
Évora, 2008.01.24